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SÍTIO DO PHYSICO (Séc. XIX) DIOGO GAGLIARDO NEVES

É um dos atrativos no Passeio Eco-Histórico pelo Rio Bacanga! Venha conferir!

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SÍTIO DO FÍSICO:

PRIMEIRA ESCOLA TÉCNICA DO MARANHÃO ?

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ

INTRODUÇÃO:

Na apresentação de sua "História da técnica e da tecnologia", Ruy GAMA (1985) - ao analisar a obra de Johan Beckmann - pergunta:

"o que há de comum entre o pensamento de José de Bonifácio, cientista que estudou na Alemanha na segunda metade do século XVIII, e os de Manuel Jacintho, 'filósofo' às voltas com inventos destinadosao aperfeiçoamentodosengenhosdeaçúcar,dofísico(médico) portuguêsAntônioJosé da Silva Pereira (que sob suspeitas e pressões montou um curtume no começo do século XIX, em S. Luís do Maranhão), de Benjamin Franklin, Jacob Bigelow e de tantos outros americanos ? ". (p. 11).

É o próprio GAMA (1985), ao discutir a natureza política do problema tecnologia, que nos dá uma primeira resposta ao questionamento levantando, quando se refere aos "segredos de ofício" - onde passar do conhecimento do "know-how" para o do "know-why" exige o enfrentamento de corporações mais poderosas do que as antigas corporações de ofício : "... Voltam à memória as palavras de Beckmann sobre a união de 'sábios' e 'fabricantes', as de José Bonifácio sobre as relações entre a 'Theorica e a prática', o discurso de Manuel Jacintho sobre a ciência e as obras práticas, e o lema do MIT Mens et Manus ...". (p. 12).

Johan Beckmann foi professor de ciências econômicas em Göttinguen. Para ele - e para seus seguidores -, a questão básica estava na união dos sábios e fabricantes. Considera que a tecnologia estava intimamente ligada à escola, tendo adotado como lema "a escolarização ajudará a incrementar os negócios" (GAMA, 1985, p. 8). Foi o iniciador das disciplinas de comércio e tecnologia - termo esse forjado por ele para designar a disciplina que descreve e ordena os ofícios e as indústrias existentes.

Para Benjamin Franklin, a questão da independência americana passa também pela separação entre o saber metropolitano e o fazer colonial, sentido que pode ser identificado em seus esforços para instituir o ensino técniconaPensilvânia,já em 1749.Franklinafirmou,jánofim desuavida,quea"Ciência,noséculo vindouro serviria às artes como uma criada" (GAMA, 1985, p. 10). Algumas décadas depois, o médico Jacob Bigelow reintroduz nos Estados Unidos a palavra "technology", numa série de aulas que deu em Harvard:

"... Em 1861 foi fundado o MIT - Massachusetes Institute of Technology, o que contou com a participação de J. Bigelow, a quem se deve a presença da palavra 'technology' no nome da instituição, indicando que, ao invés de orientar-se para o conhecimento 'puro', deveria voltar-se para finalidades práticas: Mens et Manus foi o lema adotado pelo Instituto, bastante revelador na pretensão de unir a teoria à prática". (p. 10-11).

JoséBonifáciodeAndradeeSilva,emrelatórioapresentadonoanode1793àAcademiadeCiênciasdeLisboa - da qual era secretário, refere-se à tecnologia, voltando a empregá-la na Memória sobre a necessidade e utilidade do plantio de novos bosques em Portugal, onde enfatizava a necessidade de se eliminar a oposição entre teoria e prática. Manuel Jacintho de Sampaio e Melo, senhor de engenho, também escreve com veemência sobre o uso da ciência para finalidades práticas, ainda no alvor do século XIX.

O médico Antonio José da Silva Pereira tentou construir às margens do Bacanga, no Sítio Santo Antonio da Alegria, um avantajado complexo industrial, cujas ruínas atestam a grandiosidade de seu sonho:

" As sólidas paredes e muralhas do Sítio - esta é a única certeza - não foram construídas à toa. O intrincado da imensa construção deveria obedecer a um plano muito bem estudado. O Físico fez construir, alí, além de uma casa grande, uma fábrica de pólvora, dezenas de poços para preparação de couros, tanques e fornos para fabricação de velas, uma usina para beneficiamento de arroz, uma oficina mecânica, outra de cerâmica, celas para presos, tudo com originalidade arquitetônica.

Afora isso, há outros conjuntos, tudo extremamente bem sólidos. Há paredes com quase dois metros de largura. Em pedra e cal. E a funcionalidade deixa embasbacado muito técnico de agora.

"Não há, no Sítio do Físico, apenas pedras, muralhas, construções super-sólidas. Há mecânica. Muita mecânica também. E tudo avançado. Por exemplo, a usina de beneficiamento de arroz. Para que uma usina tão grande? As peças de ferro e bronze vão surgindo. Cinco pedras-mós já foram encontradas, e tão pesadas, tão pesadas, que nem dez homens conseguem ergê-las ... no topo das paredes, cachas (sic).Paraabastecimento dágua. W(sic)nointeriordas calhas furos regulares para descompressão do ar ... E a gente, deste século XX a pensar que o tijolo furadinho é inveção do homem moderno ...

"O sistema de esgotos é tão avançado como o de abastecimento dágua. E o despejo no Igarapé não é coisa comum. Nada disto. é feito de tal, com tal técnica e ciência que funciona até hoje, melhor, talvez do que muita obra moderninha.

"Sobre tudo paira o ar de mistério." (VALDIRA, 1972, p. 2).

Ao tempo da chegada do Físico-Mor - junho de 1799 - , São Luís era a cabeça da Capitania-Geral do Maranhão, governada por Dom Diogo de Souza, Governador e Capitão-Geral no período de 1798 a 1804. Contava com "vinte e duas mil almas debaixo da direção de um só Pároco" ( MEIRELES, 1977, p. 180). A administração da cidade tinha como principais órgãos: o Senado da Câmara - composto do juiz de fora, como presidente nato, três vereadores e um escrivão; a Junta da Fazenda Real; a Junta de Justiça; a Junta da Coroa; a Provedoria dos Defuntos e Ausentes; e a Intendência da Marinha, esta criada em 1797, cujo primeiro titular foi o Capitão de Mar-e-Guerra Pio Antônio dos Santos, chegado a São Luís em 24.12.1798, um ano antes, portanto, do desembarque do Físico-Mor.

Pouco depois, a 8 de julho, desembarca o 11o. titular da Diocese do Maranhão, D. Joaquim Ferreira de Carvalho, assumindo solenemente o cargo no dia 27. Seria essa a primeira solenidade ocorrida em S. Luís desde a recente chegada de Silva Pereira, em princípios do mês anterior", informa MORAES (1980, p. 17).

Jáa27denovembrode1799,D.JoaquimenviarelatórioaoMinistrodoReino,D.RodrigodeSousaCoutinho, informando-o da situação dos negócios eclesiásticos do Maranhão, os quais não eram dos melhores. Afirma que não encontrara aqui "... nem letras, nem Religião, nem costumes..." (MEIRLES, 1977). Lamentava-se, em seu relatório, da "... inexistência de estabelecimentos educacionais ...":

" ... falta de uma 'casa de educação onde se possa formar bons Ministros para a Igreja e bons cidadãos para o Estado'. Tal fato significava o completo desmoronamento de todo um sistema educacional que, a cargo dos jesuítas e outros religiosos desde os primeiros tempos da vida colonial, atingira seu apogeu na primeira metade do século XVIII. É oportuno lembrar que pelo Breve 'Expondi Nobis', de 25 de junho de 1727, o Papa Benedito XIII concedia ao Vicariato de Carmo a faculdade de conferir o grau de doutor em Teologia aos concludentes desse curso no Convento de São Luís.... por essa época, estudantes transferidos da Universidade de Coimbra para São Luís podiam concluir seus estudos de Filosofia e Teologia..." (MORAES, 1980, p. 19).

O FÍSICO-MOR DO MARANHÃO:

Segundo MORAES (1980), até hoje não existe um corpus de dados informativos que permita levantar o perfil biográfico de Antônio José da Silva Pereira. Afirma haver, sobre o Físico-mor, uma curiosíssima e intrigante "... conspiração de silêncio" que

" ... envolveu na mais incompreensível indiferença a figura desse capitão de indústria cujo pioneirismo e arrojo empresarial não se admite tenha parecido desimportante aos olhos de seus contemporâneos, fosse eles residentes no Maranhão ou viajantes que aqui passassem em missão de estudo ou simplesmente fazendo turismo". (p. 39).

Antonio José da Silva Pereira foi o primeiro Físico-mor do Maranhão, da parte da Real Junta do ProtoMedicato. Formado por Coimbra no ano de 1796, seria nomeado para a função por Carta Régia de 5 de dezembro de 1798:

"... Dito ao Escrivão da fazenda sobre ter S. Majestade nomeado para Físico-Mor desta Capitania a Antônio José Pereira da Silva (sic) / Pela carta Régia da cópia n0 1 foi Sua Majestade servida nomear a Antônio José Pereira da Silva (sic) para Físico-Mor desta Capitania vencendo quatrocentes mil réis por ano, pagos da fazenda Real. (...) Deus guarde a V.M. - Palácio de São Luís do Maranhão, 15 de julho de 1799. - D. Diogo de Sousa - Sr. Elias Aniceto Martins Vidigal."

( Ofício s/n, registrado sob número 219, das fls. 41-v, transcrito do códice "Objetos Diversos1798-1800", do Arquivo Público do Maranhão, citado por MORAES, 1980, p. 29).

Este autor chama atenção para o fato de que, das duas vezes em que é referido no ofício, o Físico-mor teve seu apelido de família trocado de Silva Pereira para Pereira da Silva, quando de sua apresentação.

MEIRLES (1993; 1995a; 1995b; 1995c), ao traçar as histórias da medicina e da farmácia no Maranhão, esclarece que a profissão de médico, no período colonial, tinha dupla especialidade - físicos e cirurgiões - e só seria regulamentada, em Portugal, pelos regimentos de 25/2/1571, dado ao Físico-Mor do Reino, e de 12/12/1617, dado ao Cirurgião-Mor do Reino. A essas autoridades sanitárias maiores, sediadas na Corte, cabia conhecer de todos os fatos ou delitos ocorridos no domínio da saúde pública e decidir a respeito, sem apelação ou agravo:

"A estas autoridades máximas no campo da saúde, é que competia nomear, dentre os diplomados por aqueles cursos, os físicos e cirurgiões-mores que seriam seus delegados comissionários nas províncias e nas capitanias ... a Coroa nomeava os físicos e cirurgiões que, sem aos mesmos estarem sujeitos, serviriam nas tropas e hospitais militares. (MEIRELES, 1993, p. 18; 1995a, p. 206).

Nas Notas, MEIRELES esclarece que foi só a partir de 1425, na Universidade de Paris - fundada em 1150que se fizeram distintos, com currículos própios, os cursos de médico (físico ou clínico), de cirurgião e de boticário: "... o studium generale, fundado em Lisboa no ano de 1290 e depois em 1537, transformado na Universidade de Coimbra, já mantinha um curso de medicina, ao qual se seguiriam os da Escola MédicoCirúrgica e do Real Hospital de São José, ambos na Corte.". (1993, p. 17; 1995a, p. 205).

Os cirurgiões eram tidos em menor conta que os físicos, que exerciciam a clínica geral; daí possivelmente, porque só obtiveram seu Regimento, em Portugal, cerca de cem anos depois de que baixado para aqueles outros. Esse autor esclarece que:

"Ao tempo (da fundação de São Luís - 1612), e aliás desde a velha Grécia de Antes de Cristo, já se distinguiam, entre os que se dedicavam à arte de curar, e mesmo antes que existissem escolas regulares de medicina, os Klinikos e os cheirurgikos; no Império dos Césares, embora a profissão não fosse considerada digna de um cidadão romano e deixada para os escravos, e por excelência os gregos, já se distinguiam não só clinici e os chirugli como os occulari." (MEIRELES, 1993, p. 23; 1995, p. 203).

..."E foi então com o Renascimento, que marca no tempo o início da Idade Moderna, que os discípulos de Hipócrates, de Galeno e de Avicena passaram à designação com que viriam, para o Brasil, a partir do século XVI, os primeiros médicos portugueses - os físicos (physicós), os que haviam estudado as coisas da Natureza, apelido que ainda sobrevive nos physicians ingleses ..." ( MEIRELES, 1995b, p. 166).

NoreinodeD.MariaI(1777/1816),osregimentos de1521ede1617foram alteradosparaque,coma extinção dos cargos de Físico-mor do Reino e de Cirurgião-mor do Reino, suas atribuições passassem, na metrópole, para um colegiado, integrado por sete deputados graduados em medicina: "... foi a Real Junta de ProtoMedicato, a qual estaria representada, nas províncias e colônias, por delegados-comissários que continuariam sendo o Físico-mor e o Cirurgião-mor de cada unidade" (MEIRELES, 1993, p. 40; 1995a, p. 220).

Para MEIRELLES, o Físico-mor foi um

"Homem de idéias avançadas e tido como suspeito de simpatizante de Napoleão Bonaparte que então pretendia impor a toda a Europa, pela força das armas, os ideais igualitários da Revolução FrancesaequeacabariapormandarinvadirPortugal(1808),seucorpoapareceuboiandonaságuas da Praia das Mercês (15/11/1818), sem que jamais se tenha apurado se fora assassinado ou se teria se suicidado." (1993, p. 40; 1995a, p. 220).

Sobre o Físico, existem muitas hipóteses. Uma delas refere-se aos interesses de Napoleão Bonaparte. Outras dizem respeito à correspondência que manteria com generais de Napoleão, com a rainha Carlota Joaquina e mesmo com San Martin, o Libertador - "... Há indícios muito concludentes de que San Martin veio a São Luís, especialmente para um encontro com o Físico. Mas para quê ?" (VALDIRA, 1972, p. 2) - Prossegue, indagando:

"O que veio ele fazer no Maranhão ? Até hoje é mistério. Ninguém conseguirá saber. Nem os de sua época. Nem os historiadores. Possuiu 600 escravos, e os usou como mão de obra para erguer aquilo que a todos dá a impressão de um império logístico. Ficava ao lado da capital, mas com o crescimento da cidade, está hoje bem no perímetro urbano.

"Qual o objetivo da construção ? Ninguém soube. O que há, hipóteses ..." (p. 2) . Pergunta, ainda, se o Físico foi um revolucionário ou traidor ? "Em 1818 o Físico se suicidou. Por quê ? Só hipóteses, não obstante as pesquisas de vários historiadores. Entre outras destaca-se uma que o considera colaboracionista de Napoleão. Teria participado com sua técnia e sabedoria nas campanhas de Napoleão na Espanha, Holanda, Rússia." (p. 2).

Em conversa com o então proprietário do "Sítio do Físico", VALDIRA (1972) informa que "Seu" Joaquim Cavalcanti Silva sempre pesquisou sobre o antigo proprietário - o Físico - e faz também suas indagações: "Por que um catedrático de Universidade de Coimbra, que era também médico particular da Rainha de Portugal, sairia de Portugal ? Só mesmo em missão oficial..." (p. 2).

Clóvis MORAIS, em seu "Terra Timbira", refere-se ao "O SÍTIO DO FÍSICO", revelando ter sido sua morte por enforcamento, temeroso das consequências de suas opiniões políticas:

"Com a prisão e exílio de Napoleão, em 1816, e a aclamação de Dom João VI, como Rei de Portugal, houve radical mudança política entre o Reino Unido Portugal-Brasil, e o fracasso dos planos da Rainha Carlota Joaquina, o Físico-Mor ficou tomado de pavor. Prevendo a sua condenação, suicidou-se, por enforcamento, no dia 14 de novembro de 1818." (p. 38-39).

MORAES (1980) informa ser 15 de novembro de 1817 a data de sua morte:

"Sistematicamente os que se têm referido ao Físico-Mor dão-no como falecido em 1818. O erro certamente provém de César Marques, que em seu Dicionário (p. 459) assim afirma. Mas todos os documentos oficiais até hoje consultados registram 1817 e assim o diz a certidão de óbito lavrada às fls. 242 do Livro de Óbitos da Sé, n0 7, correspondente ao período de 1807 a 1819..." (p. 56).

LIMA (1981), em seu "História do Maranhão", afirma serem as ligações do Físico-mor com a então Princesa Carlota Joaquina e com o "Cabrinha", como era alcunhado o então governador da Província, a causa de seu suicídio:

"O tal 'Cabrinha' [Francisco de Melo Manuel da Câmara, governador do Maranhão no período de 1806 a 1809] tantas fez que, temeroso decerto do julgamento da posteridade, carregou consigo toda a correspondência oficial, ao deixar o cargo. Dele, porém, ainda se sabem muitas cousas, que foi briguento, infamante e vingativo, além de ter-se comprometido, quando da invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão, com declarada simpatia aos franceses, de quem ocultava as derrotas, publicando sofregadamente seus triunfos, e blasonando que 'se estivesse em Lisboa nada sofreria, porque seu sogro era amigo de Junot, o qual talvez, longe de perseguí-lo, bem poderia fazê-lo muito feliz e engrossar-lhe os bens'. Entretinha amizade íntima com o físico-mor Antônio José da Silva Pereira, partidista da causa francesa sem o menor rebuço. Êste médico, 'homem ativo, laborioso e empreendedor', e que aqui chegou quando os corsários franceses fizeram muitas depredações nas águas da capitania, ergueu à margem direita do rio Bacanga, no Sítio Santo Antônio da Alegria, com área superior a 100 hectares e, que depois passou a ser conhecido como 'Sítio do Físico', um complexo industrial que compreendia um cortume, indústria de beneficiamento de arroz, f'ábrica de cal, cera, pólvora, etc., abrangendo edifícios com paredes de 8m de altura, espessas de l,50m, inúmeros tanques de curtir couro, duas mós enormes, senzala, 12 casas pequenas, 18 prisões de escravos, igreja, praça, rede de esgotos, fornos, escadaria e rampa do porto, casa-grande alpendrada com 30 compartimentos e duas dezenas de padrões de azulejos, tudo calçado em cantaria e pedra preta lavrada e cujas ruínas ainda são admiradas, e isto, note-se, ao tempo em que a cidade não possuía engenheiro, 'ficando as obras de edificação a cargo de curiosos, sem planos assentados e direção fixa', segundo César Marques. Personagem misterioso, lendário, teria sido médico do estado-maior de Napoleão, e também de D. Maria I, a louca, mãe de D. João VI. Por isso travara amizade com D. Carlota Joaquina, suposto elemento de ligação entre o físico e seus partidários (notadamente o governador) e o estado-maior francês, com vistas aumhipotéticoapoio àFrança.Nadasepodeafirmar,mascertasatitudesdogovernadortornaramse suspeitas, e D. Carlota, que já se envolvera em várias revoluções, contra seu próprio marido, bem que era capaz...

"Causa espécie que esse empreendimento de tal envergadura e tamanha importância econômica e social hajapermanecido sistematicamenteignoradodeautores locais evisitantes queseocuparam, até minuciosamente, às vezes, da história e da vida da cidade, e nem os contemporâneos do físicomor, nem os seus pósteros, o comentaram ou, apenas citam, porquanto esse relevante parque industrial ainda está aí, suas ruínas testemunham seu significado e grandeza. Não fôra César Marques que,em uns poucos verbetesdeseu'Dicionário',lhededica algumas linhas, tratandomais do homem e do médico, do que de sua extraordinária obra, e estaria ele irremediávelmente sepultado no mais absoluto silêncio, a que o conduziria sua misteriosa morte, sem sacramento, devida, segundo o mestre César Marques, ao suicídio por 'desgostos profundos e loucura'. "(p. 109-110).

Busquemos em Cesar Augusto MARQUES -" Dicionário histórico-geográfico da província do Marannhão", de 1870 - , mais algumas referências ao Físico-Mor:

" ATANADOS (SOLA OU COURO PREPARADO) - Houve antigamente grandes fábricas para êste gênero de indústria. Lembramo-nos de uma montada em grande escala na Praça do Mercado, onde esteve o teatro público, a qual pertencia a Lourenço Belfort, e no sítio do Físico, geralmente à margem direito do Bacanga, ainda se vêem os restos de outra, também espaçosa ... Tudo isto desapareceu...". (p. 99).

Prossegue, mais adiante, ao referir-se sobre a administração do Governador e Capitão-General D. Francisco de Melo Manuel da Câmara:

"Entre seus adversários veio surpreendê-lo a notícia da invasão de Portugal pelas tropas sob o mando do General Junot em 18 de novembro de 1807, e da partida do Príncipe Regente e da Família Real no dia 29 do mesmo mês em busca das terras do Império de Santa Cruz.

"Falando destas ocorrências, na ausência habitual de critérios, disse por vêzes que se estivesse em Lisboa nada sofreria dos invasores, porque seu sogro o General João Forbes era amigo de Junot, e portanto êste longe de o perseguir, talvez até o fizesse muito feliz, engrossando mais os seus bens.

"Em suas conversações fazendo o paralelo da educação da França com a de Portugal, avaliando os recursos de uma e de outra nação, dava sempre preferência à França, e não poucas vêzes falava em desabono de sua terra natal.

"Estas práticas imprudentes, auteradas e aumentadas por vozes apaixonadas, o fizeram passar por amigo da causa invasora, havendo para isto tais fundamentos e bem fortes, e entre êstes cita-se o ter êle ocultadoà chegada de vários navios a êste porto as derrotas, que sofriam os franceses, e publicado sofregamente os seus triunfos.

"Entretinha êle amizade íntima com Dionísio Rodrigues Franco, professor de filosofia, e com o Físico-Mor Antônio José da Silva Pereira, ambos partidistas da causa francesa, porém aquêle com reserva e êste sem o menor rebuço.

"Esta intimidade dá motivos para crer-se nesses boatos de então". (p. 349-350).

Sobre um atrito ocorrido em 1808 entre o Juiz de Fora Luís de Oliveira Figuiredo Almeida e os vereadores da Câmara de São Luís, MORAES (1980), citando César Marques, comenta:

"Para rebater uma representação que o magistrado enviara ao Príncipe Regente, o Governador convocou uma reunião que é assim registrada: Imediatamente, à noite no palácio do Governador, reuniram-se com o fim de estudar os meios de nulificá-la Sebastião Gomes, Joaquim Velho, Castelin e Basson, o Capitão Café, o Físico-Mor, o Filosofia, (...) e outros." (p. 48; MARQUES, 1870, p. 353).

Cesar Marques ainda registra, sob os verbetes "Higiene Pública", "Hospital Militar", "Junta da Administração da Real Fazenda", "Médicos e Cirurgiões" e "Quina", o que segue:

"... Deste físicos-mores aqui houve dois, sendo um o Dr. Antônio José da Silva Pereira, nomeado por Decreto de 5 de dezembro de 1798 ...". (p. 371)

...

"

... O Capitão-Geral Paulo José da Silva Gama em seu ofício n0 1, de 2 de janeiro de 1812, disse ao Condede AguiarquenoanoantecedenteaJunta daReal Fazenda,delivre eespontâneo arbítrio e sem ouvir o parecer e exame do físico-mor e mais professores, mudou o Hospital Real de um lugar, onde se achava establecido a 51 anos para outro, em que são frequentes e constantes os males, que resultam prejudiciais às curas dos doentes." (p 379).

...

" ... Contra o parecer e exame do físico-mor e mais cirurgiões, e sem prévia licença mudou o Hospital ...". (p. 422).

...

"Médicos e Cirurgiões. - São os seguintes por ordem cronógica, quando for possível, os médicos e cirurgiões que aqui exerceram sua profissão:

"Antônio José da Silva Pereira. - Por Decreto de 5 de dezembro de 1798 o Dr. Antônio José da Silva Pereira, da Universidade de Coimbra, foi nomeado físico-mor, e para aqui veio exercer êsse cargo.

"Foi o criador do sítio conhecido à margem do Bacanga pelo nome de Físico. Homem ativo, laborioso e empreendedor aí levantou grandes muros, edificou muitas casas e fundou fábricas para curtir couros, dscascar arroz, fabricar cêra, cal, etc.

"Infelizmente desgostos profundos ou atos de loucura o levaram a suicidar-se, e na manhã de 15 de novembro de 1818 o mar atirou seu corpo às praias das Mercês." (p. 458-459). ...

" [Em 6 de abril de 1803 disse o governador D. Diogo de Sousa]... ser antiguíssimo o uso que se fazia no sertão da casca da árvore chamada quinaquina, e que o Dr. Antônio José da Silva Pereira principiou a aplicá-la com bom sucesso nas febres intermitentes com o título de cascas amargosas de Pernambuco". (p. 548).

MORAES (1980) informa que o Físico-mor nasceu por volta do ano de 1767 "... partindo da informação que contava 29 anos ao concluir o curso de Medicina pela Universidade de Coimbra, em 1796." (p. 65):

"Sabendo-se que levou 9 anos para fazer seu curso superior, teria ingressado na Universidade aos 20 anos, hipótese bem mais aceitável que a decorrente de sua qualificação como testemunha arrolada em sindicância realizada em 1814, para apurar responsabilidades do ex-Governador e Capitão-General do Maranhão, Francisco de Melo Manuel da Câmara. Naquela peça processual, segundo extratos publicados na imprensa maranhense por João da Mata Moraes Rego, teria o Físico, em 1814, apenas 40 anos de idade, o que avança a data de seu nascimento para cerca de 1774 e fá-lo matricular-se na Universidade de Coimbra com apenas 13 anos." (p 65).

Pergunta-se MORAES (1980): "Teria o Físico diminuído sua idade no depoimento?" (p. 65). Diz a mencionada qualificação: "15a - Antônio José da Silva Pereira, natural Sanhoane [Sanhoão - Santo Antonio da Madeira de Sanhoão], comarca de Vila Real, Físico-Mor da Capitania, 40 anos.". (p. 66).

Recorre-se ao assentamento de óbito do Físico para resgatar mais alguns dados biográficos:

"Aos dezessis dias do mês de novembro do ano de mil, oitocentos e dezessete, nesta Cidade do Maranhão, Freguesia de Nossa Senhora da Vitória da Catedral faleceu sem sacramento o Doutor Físico-Mor deste Estado do Maranhão (,) Antônio José da Silva Pereira, natural da freguesia de Santo André da Madeira de Sanhoão, Bispado do Porto, filho legítimo de Custódio José da Silva e de Teresa Maria de Jesus Pereira, era casado nesta Cidade com D. Rosa Tavares da Silva Pereira, de cujo matrinômio não houveram filhos, não fez testamento, foi achado morto na beira de uma praia, e dizem ter se afogado, foi envolto em hábito de N. Sra. do Carmo e sepultado na Igreja do Convento de Nossa Sra. das Mercês. Para constar se fez este assentamento em que me assino. José Joaquim Lisboa." (Livros de Óbitos da Sé, no. 7 - 1807-1819, fls. 242. Curia Metropolitana da Arquidiocese de São Luís, citado por MORAES, 1980, P. 66).

Silva Pereira colou grau em Medicina pela Universidade de Coimbra, "... de onde não sairia como aluno destacado, hava vista que além da reprovação sofrida no ano letivo de 1789, foi 'aprovado simpliciter em sua formatura (1796), e de seus quatro examinadores obteve os seguintes conceitos: bom por um, suficiente por um, medíogre por dois'."(MORAES, 1980, p. 68).

O SÍTIO SANTO ANTONIO DA ALEGRIA:

Situado à margem direita do Rio Bacanga, no município de São Luís, o Sítio Santo Antonio da Alegria pertenceu ao Físico-Mor do Maranhão. De acordo com MORAES (1980), "ainda não dispomos de fontes fidedignas que possibilitem precisar como e quando entrou Silva Pereira na posse do Sítio Santo Antônio da Alegria, popularmente conhecido como Sítio do Físico ..."(p. 31).

Maria VALDIRA, em artigo sobre o Sítio do Físico publicado em 1972, pergunta:

"... qual o objetivo da construção ? Ninguém soube, O que há, hipóteses.

"... o Físico que dera nome ao Sítio era tudo, menos Físico... Era Químico, Médico, Engenheiro, Político.Português de nascimento, desembarcou no Maranhão em 1798. Chamava-se José da Silva Pereira, e tinha o título de Físico-Mor da Corte Portuguesa." (p. 2).

Refer Ncias Bibliogr Ficas

GAMA, Ruy. História da técnica e da tecnologia. São Paulo : T.A. Queiroz : Ed. da Universidade de São Paulo, 1985.

LIMA, Carlos de. História do Maranhão. (s.l., s.e.), 1981

MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico-geográfico da províncai do Maranhão. Maranhão : Tip. do Frias, 1870. (reimpressão de 1970) .

MEIRELES, Mário M. História da Arquidiocese de São Luís do Maranhão. São Luís : UFMA/SIOGE, 1977.

MEIRLES, Mário M. Apontamentos para a história da medicina no Maranhão. São Luís : SIOGE, 1993.

MEIRELES, Mário M. Apontamentos para a história da medicina no Maranhão. IN _______. Dez estudos históricos. São Luís : ALUMAR, 1995, p. 197-256.

MEIRELES, Mário M. Apontamentos para a história da farmácia no Maranhão. IN _______. Dez estudos históricos. São Luís : ALUMAR, 1995, p. 161- 193.

MEIRELES, Mário M. Dez estudos históricos. São Luís : ALUMAR, 1995.

MORAES, Jomar. O Físico e o sítio (tentativa de reconstituiçõao histórica). São Luís : SIOGE, 1980.

MORAIS, Clóvis. Terra timbira. Brasília : (s.e.), 1980.

VALDIRA, Maria. História feita de pedra. São Luís : (s.e.), 1972, p. 2. (Recorte de jornal).

Sous Ndrade No Final Do S Culo Xix Ramss S Silva

Joaquim de Sousa Andrade, ou, pelo pseudônimo que criou, “Sousândrade”. Nasceu nas terras da fazenda paterna, região de Guimarães, em 1833. Não conseguiu o patronato imperial para permanecer na Europa, o que lhe atirou no republicanismo.

Para financiar sua formação, dissipou grande parte do patrimônio de propriedades e escravarias herdado dos pais e recebido pelo casamento com Mariana de Almeida e Silva. Estudou letras e engenharia de minas na Universidade de Sorbonne. Vagou pela Europa e esteve por duas vezes nos EUA. Até 1879 colaborou no periódico O Novo Mundo, editado em português na cidade de Nova York. Nesse período escreve sua opus magna: “O Guesa Errante”.

Com o fim de sua fortuna, se vê obrigado a retornar ao Maranhão em meados da década de 1880. Defende a instalação da República, apresentando candidatura à Assembleia Geral do Império. No entanto, as tentativas de ingresso na política são malogradas.

Era ativo propagandista nos periódicos locais, e a política o fez uma personalidade muito mais conhecida do que por sua literatura, pouco compreendida pelos contemporâneos. Com a deposição da Monarquia é convidado a ocupar postos administrativos, como a Intendência da capital. É o responsável pelo desenho da bandeira do Maranhão, que faz alusão direta à dos Estados Unidos.

Teve duas filhas conhecidas, sendo Maria Bárbara (segunda imagem), fruto do matrimônio, e Valentina, mais velha, e cuja mãe era uma mulher escravizada.

Valentina, ou como era também conhecida, “Vanna”, foi tratada pelo pai como criada e nunca teve o reconhecimento dado à meia-irmã. Mariana e Maria Bárbara fundariam na capital maranhense o “Collegio de Industria”, que teve duração efêmera.

A esse tempo, a esposa Mariana se separou de Sousândrade, e junto com a filha e Vanna se transferiram para a cidade de Santos, onde fundariam outra instituição de ensino com o mesmo nome. É de se crer que o motivo da separação fosse a personalidade instável e violenta do esposo.

Vanna faleceu em 1902, meses antes de Sousândrade, e Mariana em 1907, ambas em Santos. Maria Bárbara morreu em avançada idade no Rio de Janeiro, no final da década de 1930.