CELEBRAÇÃO DA CIDADE Revisitando Uma cidade não é uma árvore e algumas implicações

CELEB RAÇÃO DA CIDAD E Revisitando

Leandro Marino Vieira Andrade

Uma cidade não é uma árvore e algumas implicações

Uma publicação Jibóia Editorial Criação e produção Háteliê Porto Alegre | Brasil MMXXII

Reprodução e Distribuição

CELEBRAÇÃO DA CIDADE Revisitando Uma cidade não é uma árvore e algumas implicações1

Leandro M. V. Andrade

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Para a mente humana, a árvore é o caminho mais fácil para [organizar] pensamentos complexos. Mas a cidade não é, não pode, e não deve ser uma árvore. A cidade é um receptáculo para a vida. Se tal receptáculo rompe a sobreposição dos fios da vida, porque é uma árvore, (…) a vida será cortada em pedaços. Se fizermos cidades como árvores, elas cortarão nossas vidas em pedaços.

Christopher Alexander, A city is not a tree, 19652

A Elvan Silva (em memória) e Lineu Castello

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UMA CIDADE NÃO É UMA ÁRVORE (A city is not a tree, 1965, 1988, 2015), texto essencial à bibliografia de todos os arquitetos inquietos com a condição da arquitetura, originalmente publicado na efervescência intelectual dos anos 1960, consolidou o nome de Christopher Alexander como o maior cientista da arquitetura do século XX. Lugar que ele ocupa ainda, penso, nestas duas primeiras décadas do século XXI, embora a “concorrência” tenha se tornado muitíssimo mais acirrada, já que tudo, ou quase, que hoje se fala e escreve sobre arquitetura diz respeito às relações, nem sempre claras, entre as ciências, as tecnologias e as filosofias da moda.

Alexander já se tornara um autor reconhecido, na esfera da arquitetura, a partir da publicação de Notes on the synthesis of form (1964, 1997), livro originado em sua dissertação de PhD realizada na Universidade de Harvard. A abordagem inovadora que propunha, então, para tratar o tema da projetação como processo cognitivo passível de uma matematização das operações mentais do projetista – dito de outro modo, processo de projeto compreendido como um algoritmo, logo, computável e determinado, logo, compreendido e compreensível no campo da lógica – representava, à época da publicação, uma ruptura profunda com o corpus da tradição textual da arquitetura e do urbanismo, grosso modo caracterizada por abordagens românticas (ou romantizadas) ou, com o advento do movimento moderno, emprestando certa ideologia utopista.

Mas Alexander, arquiteto inquieto, era e é, antes, um cientista com formação em matemática, química e física, e, homem de seu tempo ou à frente de sua época, um pensador sistêmico e um ciberneticista.

O conceito de sistema, neste sentido, é o ponto de partida para entender sua trajetória teórica (em sentido estrito) e teórico-prática (num sentido amplo que inclui o campo do projeto de arquitetura e urbanismo). Em um artigo breve intitulado Systems generating systems (1968), por exemplo, caraterístico da temática abordada pelo então jovem autor, ele explicitava, em tom didático, a distinção e a complementariedade entre o que denomina de sistema como um todo e a noção implicada que ele trata como sistema gerador, duas expressões que serão chaves para acompanhar, ao longo das cinco décadas seguintes, a evolução de seu pensamento.

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Notes on synthesis of form, se bem compreendo, é um texto com uma raríssima qualidade: a escrita, e a matemática, alexanderiana vêm se tornando, ao passo do tempo, mais e mais atuais. E, outra vez, o enfoque sistêmico/cibernético aporta os fundamentos sobre os quais Alexander constrói seus argumentos. Mas disso falarei mais adiante.

Com A city is not a tree acontece a mesma coisa. O artigo cinquentenário, provocativo e desequilibrador à época de sua publicação, pode ser lido, nos dias de hoje, com o frescor da contemporaneidade. E porque abarca, penso, em um só tempo, uma teoria interpretativa e crítica e uma dimensão propositiva, deve ser compreendido como um instrumento valioso, adjuvante à análise da cidade contemporânea.

Tão grande é o reconhecimento de sua importância que, em 2015, A city is not a tree ganhou uma edição comemorativa, organizada por Michael W. Mehaffy, onde, junto ao texto original de Alexander, acrescentase um conjunto de artigos interpretativos, críticos e projetivos, escritos por pensadores tributários do construto alexanderiano, alguns mais jovens, mas entre os quais figuram alguns de seus antigos colaboradores, formando uma coleção de ideias muitíssimo insinuante em seus possíveis desdobramentos. É claro (por razões óbvias, uma vez que o que falo e escrevo sobre Alexander alcança um pequeno e restrito círculo de estudantes e colegas), que não há, nessa celebração, um testemunho das minhas reflexões. Mas o motivo pelo qual decidi arriscar escrever este meu próprio texto sobre o assunto é porque, afinal, acredito que tenha algo a acrescentar.

1. Sobre a forma Ouvi o nome Christopher Alexander, pela primeira vez, e aqui minha memória não me falta, em uma aula de Teoria da Arquitetura proferida pelo professor Elvan Silva. Por volta de 1980, se não me falha a memória. Eu era, então, estudante de arquitetura na UFRGS, Porto Alegre, sul do Brasil, e não entendi absolutamente nada do que ele tentava explicar aos seus alunos. Pouco depois, Humberto Gessinger, que também estudava arquitetura mas que viria a ser um dos Engenheiros do Havaí, esclareceria: nós vivíamos, e ainda vivemos, longe demais das capitais.

Talvez por esta razão, não entendi coisa nenhuma do que o professor falou. Acho que ninguém da turma entendeu. Longe das capitais do conhecimento, aquilo não era sobre arquitetura. E lembro como se fosse hoje. Naquela exata aula, o professor Elvan nos apresentou a incrível experiência das 100 lâmpadas, descrita por Alexander em Notes on the synthesis of form (1964, 1997:39), para ilustrar a noção de equilíbrio e as

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grandezas relacionadas à indeterminação e ao campo probabilístico. Hoje eu entendo que a intenção do professor não era exatamente a de nos fazer entender o que Alexander andava pensando. Mas, antes, principalmente, a de nos causar desconforto diante das nossas certezas ingênuas de jovens estudantes.

Não sei precisar o tempo que passou até meu segundo encontro com este autor. Mas lembro que foi Lineu Castello o professor que trouxe para a minha visão de mundo um outro Alexander. E não é exagero afirmar que a primeira leitura de A pattern language (1977) mudou minha vida.

Entre as ideias expressas pelo jovem Alexander de Notes on the synthesis of form (que para mim, até então, resumiam-se à perturbadora experiência das lâmpadas), e o pensador amadurecido revelado pela leitura de A pattern language – mas, sobretudo, a leitura fascinada de A timeless to building (1979), iniciada quase simultaneamente – parecia haver um gigantesco vazio.

Difícil acreditar que se tratava do mesmo autor. O matemático tornara-se poeta. Eu achei, sim, tudo aquilo fascinante. Pouco tempo depois, Lineu Castello me advertiu, afirmando que acadêmicos não se fascinam.

Mas esta foi apenas mais uma provocação, entre muitas, voltadas a despertar em mim certa tomada de consciência, em um processo em constante desequilibração, que Castello me brindaria ao longo dos anos seguintes.

Eu mergulhei tão fundo quanto pude. Precisava preencher o vácuo entre um e outro Alexander. Fui criando e montando meu próprio quebra-cabeça. É desta experiência imersiva que tenho algumas coisas a dizer.

Christopher Alexander, que antes defini como pensador à frente de seu tempo, é, também, reverente quanto a uma importante tradição: ele é um cartesiano. No sentido de um continuador do método científico.

Alexander existe porque pensa cartesianamente, no sentido de descontruir toda e qualquer complexidade em peças abarcáveis pelo pensamento. Seu método é de uma surpreendente simplicidade: ele desmonta seus problemas em problemas menores, até encontrar o problema à escala adequada para sua resolução.

Há, no método alexanderiano de projetação, uma humildade (talvez, contraditória com a grandeza de sua obra) que respeita ao pensamento do mais simples dos homens. Tudo se torna solucionável se podemos, metodicamente, decompor um grande problema em um conjunto de pequenos problemas e, a partir de então, recompor problemas de maior complexidade.

Há, neste princípio, ou neste propósito, uma visão lógica e outra poética. No prefácio da edição de Notes… de 1971, pouco tempo, pois, em relação à primeira edição, Alexander reconhece que, para além das notações matemáticas combinatórias detalhadas em sua tese, mais significativas são as anotações diagramáticas que

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acompanham as primeiras. Ele se refere aos pequenos (intuitivos) desenhos que traçava, acompanhando as fórmulas e os números, para não se perder na evolução do seu raciocínio lógico.

Eis, pois, a gênese de seu conceito vital: a ideia de padrão como problema atomizado que faz parte de um problema maior. É um pensamento cartesianamente puro, seminal ao método científico. É também um pensamento singelamente infantil: porque é assim que a criança (e todos fomos crianças) vai construindo sentido para o mundo a sua volta, assimilando esquemas em estruturas e estruturas em pensamentos.

Porque é assim a fundação do conhecimento como um processo de acomodações contínuas entre o que é vivido em nosso lado de dentro (a consciência) e o que encontramos do lado de fora (a experiência)3.

Se A timeless way of building e A pattern language mudaram minha vida, e isso ocorreu também em um plano afetivo em que não apenas o texto mas também as imagens têm um lugar preponderante, Notes…, depois do desassossego causado pela aula do professor Elvan Silva, tornou-se um mistério a desvendar. Para mim, sujeito pouco afeito à matemática, foi um caminho difícil de percorrer, desde a primeira leitura, que levou a sucessivas releituras, mais atentas, do livro de Alexander. Aos poucos, espero que Lineu Castello me perdoe, encontrei-me fascinado por aquela matemática que passava a ter um conteúdo, eu diria, intensamente sensorial.

Ao tempo em que me esforçava para entender a matemática alexanderiana, caiu em minhas mãos um outro livro, 20.000 léguas matemáticas, de A. K. Dewdney (2000), cuja pergunta central, desde então, se tornou para mim uma potente provocação: a matemática é invenção ou descoberta?

Neste livro, o autor é um personagem viajante em busca de respostas para essa inquietação. Trata-se quase de um livro detetivesco: há um mistério e uma saga na trajetória de seu desvelamento. Sendo invenção, a matemática não é diferente da poesia, porquanto criação e expressão da liberdade do espírito humano. Mas, sendo descoberta, ela existe a priori em um certo lugar, e é preciso encontrá-lo. Dito de outra forma, vista desta maneira, a matemática não é outra coisa senão aventura.

A pergunta de Dewdney, ao menos na forma que a compreendo, pode ser estendida a muitos campos do conhecimento. E parece estar muitíssimo adequada às questões que aqui interessam diretamente. É a arquitetura, invenção ou descoberta? A cidade é uma descoberta ou uma invenção humana? No que me diz respeito, esse casual encontro entre Dewdney e Alexander fez com que eu me tornasse, em certo sentido, um pensador platônico. Porque, desde então, eu me encontro na insinuante interface entre o lado de dentro e o lado de fora da caverna.

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Com a recordação do mito, penso que deixarei mais claro meu pensamento. Na fábula platônica, há homens que estão presos em uma caverna e um feixe de luz projeta, na parede interior, sombras do lado de fora. A compreensão do real limita-se ao conhecimento da sombra. O que não é, diga-se aqui, coisa pouca. Mas, se um homem ousado se aproxima da abertura através da qual a luz se propaga, a este homem cabe a descoberta de uma outra realidade.

A fundação da filosofia (e, consequentemente, da ciência) muda completamente aquilo que, para a condição humana, até então, era o que havia de mais sagrado: aquilo que se crê não é mais necessariamente verdade.

Se há, de um lado, um mundo de aparências (sombras, isto é, crenças), o homem ousado, junto à fresta de luz, vislumbra essências que estão além das sombras e das crenças e das aparências das coisas. O mistério da fé é posto em xeque. E é isso que incomoda.

A obra de Christopher Alexander incomoda. Da ciência à filosofia, das teorias dos conjuntos e grafos ao desenho de diagramas de força às imagens encontradas em um mundo de fenômenos (como se se pudesse alinhar de maneira tão reduzida as etapas majorantes de seu pensamento), o que Alexander busca ser é, todavia, em suas próprias palavras, apenas um construtor de melhores edifícios e cidades melhores.

E, de fato, ao nos debruçarmos sobre sua numerosa e variada obra arquitetural e urbanística, encontraremos valiosos exemplos de belos edifícios e espaços plenos de urbanidade. Mais do que isso, se perceberá, em sua arquitetura, um sentido de emergência e evocação ao que, em A timeless way of building, o autor define como a qualidade sem um nome: um certo atributo, imaterial e intemporal, que permite que se possa distinguir entre um bom edifício e um edifício qualquer, ou entre uma cidade plena e uma cidade incompleta.

Assim: Isso corresponde à diferença entre a saúde e a doença, entre o que seja integral ou fragmentado, entre a autopreservação e a auto-destruição. Em um mundo saudável, integral, vivo e autoconservado, as pessoas podem ser vivas e auto-criativas. Em um mundo incompleto e auto-destrutivo, as pessoas não podem permanecer vivas: inevitavelmente serão auto-destrutivas e infelizes. (Alexander, 1981:35)

Em perspectiva, penso, Alexander só pode chegar a tal afirmação (que, se bem interpreto, é a semente para a filosofia alexanderiana que se desenvolverá desde então) porque, antes, em Notes… e em A city…, mas também em diversos outros textos iniciais, ele estará (auto)submetido à disciplina cartesiana organizada através do pensamento lógico-matemático. Assim, ainda do modo como interpreto, a obra alexanderiana, desde este ponto de vista, é, sobretudo, um percurso pontuado por descobertas.

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Neste sentido, desejo deter-me, momentaneamente, em uma breve revisão de Notes on the synthesis of form, para então retomar meu comentário sobre A city is not a tree.

Eis que, como Alexander revela já nas primeiras frases do livro, Notes on the synthesis of form é sobre como se fazem as coisas que estão no mundo. Ele quer compreender, portanto, como o pensamento (consciência e memória) apreende as coisas que estão no mundo e, em imediata dialética, aprende a fazer coisas.

O objetivo da obra (recordando que se trata, na origem, de sua dissertação doutoral) parece, numa primeira vista, simples e direto: buscar aprender como acontece o melhor ajuste entre certa forma e um dado contexto.

E, logo em seguida, o que parecia simples se torna incrivelmente complexo: há de se compreender, em profundidade, o que é forma; há de se compreender, com grande conhecimento, qual é o contexto; e há de se entender, igualmente, a dimensão do ajuste entre uma coisa e outra.

Formas, contextos e relações entre forma e contexto, sugerem, pois, uma abordagem sistêmica. O primeiro passo é a desmontagem da forma para compreender cada parte e as relações imediatas da parte com o todo.

Gradativamente, a forma, descontruída em partes, se vai reconstruindo diagramaticamente. Entretanto, a forma em questão não é autônoma em relação ao contexto de sua existência.

Para melhor compreender tudo isso, imaginei meu próprio “sistema”.

Assim, visualizemos um objeto aparentemente muito simples: um lápis, por exemplo. Um bastão de grafite inserido em um invólucro de madeira. Disposto isoladamente sobre uma mesa, a forma em si já carrega seus significados diversos. Como objeto industrial, por exemplo. Ou como parte de uma coleção. Ou como um presente que ganhei de um amigo. Quando minha mão envolve o lápis, eu busco o melhor ajuste entre os dedos para fazer do lápis, não mais apenas forma, e não mais apenas uma forma culturalmente significada, mas um instrumento que me permite escrever. A palavra que eu escrevo em um papel é um desenho feito com o lápis que está entre meus dedos. O papel sobre o qual desenho a palavra é parte de um contexto que inclui a mesa sobre a qual está o papel, por exemplo. No entanto, sendo meu o desenho feito a lápis sobre o papel sobre a mesa, a palavra preexiste ao desenho que fiz. Ela vive em um dicionário, por exemplo, acrescida do seu significado formal. E o dicionário está na estante de livros que está em um cômodo que está na casa que está na rua que está na cidade.

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O que Alexander propõe, diante do imenso imbróglio criado por sua também imensa curiosidade, é recorrer à matemática, campo que ele conhece muito bem. E esta sua percepção do problema o leva, se bem compreendo, a uma de suas descobertas mais extraordinárias: As formas da matemática são abstratas, (…) e as formas da arquitetura, concretas e humanas. Mas essa diferença não é essencial. A qualidade essencial da forma, não importa de que tipo, reside em sua organização.

(Alexander, 1964, 1997:134)

Ao se referir à organização, Alexander aproxima-se ao homem ousado junto à fenda da caverna, e pode vislumbrar a dimensão imaterial implicada a todos os fenômenos que lhe interessa observar. Se a matemática é essencial para que se possa entender a tese alexanderiana, não menos importante, penso, é encontrar, nessa qualidade essencial da forma, sua síntese poética.

A noção de organização (entre determinadas partes formando um todo, seja, por exemplo, um lápis, ou outro objeto qualquer que aqui se possa visualizar) sugere uma abstração. Tudo aquilo que encontrarmos, mundo afora, que corresponda a um certo padrão de organização entre as suas partes, pode ser chamado por um certo nome (uma palavra que existe para designar uma certa coisa). Um lápis qualquer, por exemplo, o chamaremos de lápis porque, em nossa consciência e memória, isto é, em nossa inteligência, aquele objeto se ajusta a um conceito que recorda todos os lápis que já vimos ao longo da vida. Um lápis qualquer é parte de uma classe que reúne todos os lápis possíveis.

O que acontece quando se dá um salto de complexidade, substituindo o lápis por uma casa ou uma cidade?

Já se viu, o lápis, em si mesmo, já abarca uma considerável complexidade. A casa e a cidade tornam as coisas um tanto mais desafiadoras para se entender. O renascentista Alberti, continuando a tradição vitruviana, recorre à analogia: casa, pequena cidade; cidade, casa grande. Questão de aparências (que permitem a feliz analogia). Christopher Alexander quer ir além das aparências. Por isso, a matemática.

2. Sobre uma teoria da forma Eu dediquei, em outros momentos, um tempo bastante largo à compreensão de Notes on synthesis of form, e um leitor mais teimoso, se for de seu interesse, poderá encontrar facilmente o resultado na rede4. Mas aqui é preciso retomar meu objetivo inicial que é o de reler A city is not a tree, e, com isso, enriquecer minhas próprias inquietações. E, como disse inicialmente, ao modo de introdução, penso que se trata de um texto cinquentenário que permanece muitíssimo atual.

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Todos os que se dedicam à escrita sabem como é surpreendente, e, às vezes, doloroso, reler um texto que se escreveu, depois de muitos anos. A vontade que dá de reescrever aquilo que, antes, nos parecera tão claro e definitivo. Fico pensando em Alexander, cinquenta anos depois, frente à publicação do livro comemorativo dedicado a esse texto essencial, relendo as palavras que usou, e recordando as razões pelas quais as escreveu. Tentado, talvez, a escrever uma nova versão ou outro texto cheio de novidades sobre o assunto. E ainda mais motivado, face aos textos de outros autores que se juntam na celebração.

Quanto a mim, não saberia dizer quantas vezes retomei este artigo de Alexander. Sendo parte permanente das bibliografias das disciplinas que leciono, tendo sempre um lugar importante nos debates que tento promover junto aos estudantes de arquitetura e urbanismo, eu retomo, necessariamente, o texto, a cada semestre letivo.

A relação entre o leitor e o autor, como se sabe (e isso já foi objeto de inúmeros ensaios, e aqui destaco, em minha formação, os de Italo Calvino e Umberto Eco5), não é uma coisa simples de se entender. Se ler um texto, pela primeira vez, é sempre um descobrimento, não há dúvidas de que uma primeira leitura não leva ao esgotamento e, ao contrário, faz perceber que muitas coisas permanecem escondidas.

No caso de um texto alexanderiano, penso, não há como se esperar por uma leitura definitiva. Por isso, há razões muito significativas para que A city…, venha a ser revisitado por tantas releituras. Minha leitura panorâmica destes novos textos (na obra comemorativa, reunidos sob o título Comentários contemporâneos, alguns já imediatamente merecedores de uma releitura), situou uma nova pauta de questões sobre as quais, ao tempo possível, pretendo refletir.

Aqui, no entanto, busco me colocar como leitor do texto original. Implicar o texto em minha própria prática de escrever e em minha prática docente. Buscar responder (ou rascunhar uma resposta) sobre as razões e o sentido de sua permanência. E, quando trago A city is not a tree para a roda de conversa com os estudantes, geralmente começo dizendo: – este texto de Christopher Alexander é sobre a cidade. Mas não é apenas sobre cidades. O mais importante do texto está escondido nas entrelinhas de um texto sobre a cidade.

Pois: A árvore do meu título não é uma árvore com folhas verdes. É o nome de uma estrutura abstrata. Vou contrastála com outra estrutura abstrata mais complexa chamada “semitrama”. A fim de relacionar essas estruturas abstratas com a natureza da cidade, preciso primeiro fazer uma distinção simples:

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Chamarei aquelas cidades que surgiram mais ou menos espontaneamente, ao longo de muitos anos, de cidades naturais. E chamarei aquelas cidades e partes de cidades que foram deliberadamente criadas por projetistas e planejadores, de cidades artificiais. Siena, Liverpool, Kyoto e Manhattan são exemplos de cidades naturais.

Levittown, Chandigarh e as cidades novas britânicas são exemplos de cidades artificiais. (Alexander, 1965, 1988:67)

Então, de modo sintético, Alexander começa por propor esta distinção radical entre o que define como cidades naturais e o que entende por cidades artificiais. As do primeiro tipo, cidades naturais, correspondem às cidades que são, para a maioria de nós, muito familiares. Cidades que cresceram ao longo do tempo, a partir de pequenos acréscimos, aqui a ali, e cuja forma decorre desse processo sistêmico e emergente de estruturação espacial. Em oposição, aquelas que definem o segundo tipo, as cidades artificiais são produtos de laboratório (ou de prancheta), e são geradas como um desenho que expõe postulados, convicções e desejos de seus desenhadores.

Os exemplos que associa a um e outro tipo de cidade são suficientes para que seu argumento possa ser claramente entendido. Imediatamente, eles fornecem ao leitor uma imagem mental nítida para cada um deles. E, ao passo em que se avança na leitura do texto, se vai conhecendo (e reconhecendo) outros numerosos casos analisados por Alexander. Brasília, é claro, não escapa ao seu olhar, figurando entre os muitos exemplos de cidades artificiais concebidas como árvore, em torno das ideias dos projetistas modernos.

Acompanhando a construção do texto, Alexander expõe a intenção de estabelecer os vínculos entre os vários casos de estudo com as estruturas abstratas as quais, já de início, fez referência. Assim, as cidades naturais estão associadas às semitramas, enquanto as cidades artificiais correspondem a estruturas em forma de árvore. Mas é com a introdução da noção de conjunto que a análise conduzida pelo autor vai situar seu escopo matemático. Como Alexander já havia assinalado em Notes on the synthesis of form: Um “conjunto”, como o próprio nome sugere, é qualquer coleção de coisas, sem levar em conta, em princípio, as suas propriedades comuns, e não há nenhuma estrutura interna até que nós a tenhamos atribuído uma. Uma coleção de charadas em um livro constitui um conjunto; um limão, uma laranja e a uma maçã formam um conjunto de três frutas (…) Os elementos de um conjunto podem ser tão abstratos ou concretos como se desejar.

Mas deve ser possível identificá-los em particular, e distingui-los uns dos outros. (Alexander, 1964, 1997:78)

Identificados e distintos os elementos que formam um conjunto qualquer, que relações guardam, cada um em relação aos demais? Como estes elementos se abrigam em subconjuntos com características que lhes são próprias e exclusivas, por exemplo? Por que um certo elemento, e por quais atributos, pertence ou não

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pertence a um dado conjunto? Como um certo conjunto de elementos contém conjuntos menores, ou está contido em um conjunto maior?

Todas estas perguntas são familiares aos jovens estudantes, ao fim do ensino fundamental. E arrisco dizer que geraram considerável desassossego ao serem, ineditamente, formuladas nas classes de matemática, por volta do sétimo ano escolar.

Tais perguntas, que para o sujeito adulto podem parecer simples, em sua natureza (mas, eventualmente, incrivelmente difíceis para uma criança), podem ser enfrentadas de duas maneiras, pelo menos. Tome-se o exemplo das frutas, sugerido por Alexander, mas tornemos as coisas mais “apetitosas” e complexas: não apenas um limão, uma laranja e uma maçã, mas uma cesta de frutas variadas.

Pode-se, então, proceder um exercício de classificação das frutas que compõem o cesto, definindo os atributos da classificação e separando os elementos conforme suas características: limões com limões, maçãs com maçãs, e assim por diante.

Ou pode-se criar outros critérios de classificação, conforme se desejar. Por um critério de tamanho, separando morangos e amoras das bananas, ou porque parte das frutas aparentam estarem verdes, enquanto outras parecem maduras, por exemplo.

A outra maneira de resolver o problema é tornar invisível, para o jovem cientista, a cesta com as frutas. Neste caso, para solucionar a questão, ele poderá recorrer apenas ao pensamento. Instala-se, pois, no campo do conhecimento do sujeito, a operação cognitiva da abstração.

O problema da organização dos elementos em conjuntos, e em conjuntos de conjuntos, transformou-se, assim, em uma experiência do pensamento.

A questão, agora, diz respeito a refletir quanto ao quão longe pode nos levar o processo de abstração. Dito de outra forma (de uma maneira eventualmente desconfortável para muitos de nós), quais são os limites, se é que limites existem, para a inteligência humana? Esta é a razão pela qual afirmei, mais cedo, que o artigo de Christopher Alexander, sobre cidades, é também um texto que trata de uma outra coisa muito importante.

Assim, como texto sobre cidades, naturais ou artificiais, estabelecida a distinção analógica entre uma e outra classe, os argumentos expostos em A tree… se constroem apoiados na teoria matemática que demanda um pensamento abstrato relativamente singelo.

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Uma semitrama se caracteriza por certo “embaralhamento” dos subconjuntos possíveis (definidos por determinados critérios que servem ao analista: um sistema gerador), contidos em um conjunto mais amplo (representativo, no caso, da cidade como um todo). É o que se vê, com clareza, no diagrama A, representado a seguir. O mesmo arranjo, apresentado na forma de grafo, pode ser entendido a partir do diagrama B. Já uma estrutura do tipo árvore pode ser visualizada através dos diagramas C e D, onde os elementos dos distintos conjuntos estão claramente separados e segregados de modo hierárquico.

A única (mas essencial) diferença entre uma estrutura em semitrama, e outra em forma de árvore, está no maior e no menor grau de relações entre os elementos que formam um sistema como um todo. Comparando os diagramas A e C (mostrados como conjuntos) ou B e D (à maneira de grafos), observa-se que os elementos constitutivos, em ambos os casos, são exatamente os mesmos. No entanto, quando se destacam as interações (em um e outro caso) entre os mesmos elementos, em cada caso, imediatamente se compreende sua fundamental distinção.

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Figura 1. Alexander, 1965, 1988. Diagramas semitrama e árvore.

Uma árvore , portanto, é um caso de semitrama contingenciado por uma “imaginação abstrata” bastante limitada. E, ao fazer esta afirmação (talvez de modo matematicamente impreciso), quero dizer, acompanhando Alexander, que a árvore é uma estrutura projetada por uma inteligência centralizada; a semitrama, por outro lado, emerge da interação, no tempo e no espaço, de múltiplas inteligências.

Tomando esta perspectiva, posso comentar um outro exemplo que, amiúde, gosto de imaginar para avançar nesta minha reflexão, que é o da lista de compras que preparamos para uma ida ao supermercado. Há, em princípio, tantas “listas” quanto clientes no supermercado (e, claro, muitos clientes, por várias razões, não prepararam uma lista), mas uma delas, em particular, pertence a mim. Em tese, corresponde as minhas necessidades do momento. E cada item da lista está localizado em algum lugar em um dos corredores do estabelecimento, onde os produtos estão distribuídos em diferentes seções e prateleiras, segundo critérios muito objetivos.

Na verdade, cada item comercializado pelo supermercado tem sua localização pensada por “especialistas” cuja razão de ser é fazer com que o cliente vá além de sua lista prévia. Acho que isso, na maioria das vezes, é muito eficiente. Mas eu, que hipoteticamente conheço muito bem cada corredor e cada seção, e para quem interessa permanecer o menor tempo possível no interior do edifício, busco diligentemente o caminho mais curto, lógico e linear, para alcançar rapidamente os itens da minha lista.

Quanto à multidão de clientes que compartilham essa experiência cotidiana de consumo, cada qual com sua lista ou não, um sem-número de caminhos possíveis se desenha em incontáveis entrelaços. Desde esta perspectiva, o “homem-árvore” que sou quando sozinho, subsome à “multidão-floresta” e seus movimentos indeterminados. Minha limitada ordem individual é parte, então, de um outro grau de ordem, potencialmente infinita: uma ordem determinada (por meus interesses limitados); outra ordem probabilística (emergente dos interesses de numerosos sujeitos).

Se a casa albertiana é uma pequena cidade, um supermercado é uma pequena cidade grande. Um exemplo entre muitos possíveis.

Mas, ao modo de confundir um pouco mais as coisas que reúno em meu texto, quero trazer um outro caso a refletir. A imagem abaixo reproduz uma xilogravura criada pelo artista visual Hélio Fervenza, intitulada Aeroporto: Miami.

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16 Figura 2. Hélio Fervenza. Aeroporto: Miami (2019).

Se bem decifro a mais imediata camada da obra de Fervenza, ela reproduz um diagrama figura-fundo (na tradição de tantas representações pertencentes ao campo da análise urbana que devem ser tributadas a Colin Rowe, nos anos 19706, mas que sempre remetem à Nova Planta de Roma, gravada em água-forte por Giambattista Nolli, em 17487) que esquematiza a projeção de um terminal aeroportuário.

Todavia, é claro, sendo uma gravura de Fervenza, a obra agrega, já no primeiro olhar, outros sentidos, em parte, subjetivos, ligados ao meu apreço à obra e à pessoa do artista, e em parte, compostos em torno de um sistema de arte em que estou, ainda que perifericamente, inserido. Assunto, aliás, que não pertence a este texto.

Mas, enquanto observo a imagem, penso que um aeroporto é uma árvore. Na verdade, minha experiência de ambulações e esperas aeroportuárias já induz, ou contamina, esta minha observação. Por mais que os terminais contemporâneos busquem agregar uma mistura de atrações diversas (o novo terminal do Aeroporto Hercílio Luz, em Florianópolis, que conheci recentemente, inclui até mesmo um supermercado),

ainda assim, a impressão mais sensível que me passam é insistentemente aquela de estar em um não-lugar (como definiu, com propriedade, Marc Augé8). O que vale também para shopping centers (outro exemplo tipológico destacado por Augé) e, no princípio mercadológico destes projetos está, penso, justamente, a intenção de fazer de cada terminal, um centro de consumo para todo tipo de usuário. Da mesma maneira como pensa, eu diria, aquele especialista em organizar os produtos nos corredores do supermercado.

Mesmo assim, apesar de um grande esforço projetual que envolve muitas pessoas inteligentes, esses imensos edifícios são estruturas em forma de árvore. Então recordo que já estive no aeroporto de Miami e foi uma experiência nada agradável.

Obviamente, a questão mais importante em relação ao projeto de um terminal de passageiros em grande escala é a eficiência. O atraso na partida de um voo representa um substancial prejuízo publicitário e financeiro. Para ser eficiente, o terminal precisa comunicar claramente, aos usuários, os caminhos a percorrer. Os espaços de consumo e espera são ilhas, bem demarcadas, ao longo dos caminhos. E há grande cuidado para que os diferentes fluxos não se sobreponham conflitivamente. Os terminais são, pois, e o projetista consciente em si mesmo deve reconhecer, grandes pequenas cidades ideadas como árvores.

Neste cenário, afinal, qual o problema do projetista de espaços concebidos para serem vividos por pessoas?

Ou, transpondo a questão para o projeto da cidade moderna e, por extensão, contemporânea, qual o problema do urbanista?

3. Teoria e projeto em campo expandido Porque a cidade reúne tantas coisas, tantos acontecimentos, que juntos compõem a experiência humana, vivências, por vezes, opressoras e assustadoras, outras vezes, lugares da felicidade, da esperança e do encontro com o que há de melhor em nossas vidas, há de se reconhecer que é, na cidade que nos completamos como pessoas: a cidade, se sabe, é nosso espaço comum de solidariedade. Porque, na cidade, se sabe, é impossível viver sozinho.

Mesmo aquelas cidades que Alexander, cinquenta anos atrás, definiu como artificiais (e recordo, outra vez, Brasília), ao passo do tempo, germinam em novas ramificações impensadas (mas, quem sabe, razoavelmente intuídas e sentimentalmente desejadas) pelo projetista.

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Dito de outro modo, o centro do problema (lógico-matemático, mas também lógico-semântico) situa-se no sistema gerador a partir do qual constitui-se a cidade como um todo. Em relação a isto, mais precisamente: 1.

2.

Um sistema como um todo não é um objeto, mas uma maneira de olhar para um objeto. Ele se concentra em alguma propriedade holística que só pode ser entendida como produto da interação entre as partes.

Um sistema gerador não é a visão de uma única coisa. É um conjunto de partes e regras sobre a forma como estas partes podem ser combinadas. (Alexander, 1968:605)

Então, na maneira que o interpreto, eis o problema alexanderiano, ou melhor dito, o problema que funda o programa científico e filosófico alexanderiano.

Se, no plano cognitivo, através do processo de abstração, o projetista é incapaz de realizar plenamente o agenciamento gigantesco das partes e das relações possíveis entre as partes de um sistema complexo como é a cidade, se é improvável que consiga compreender e definir integralmente as regras que subjazem ao todo emergente que caracteriza a complexidade da cidade natural (em oposição ao projeto incompleto da cidade artificial), como tornar visíveis e operativos esses vínculos e regras geradoras de vínculos, trazendo-os para um método projetual consciente em si mesmo?

Em outras palavras, como apreender (para aprender a projetar melhor) aquilo que é próprio da cidade que se forma ao longo do tempo, ao mesmo tempo, histórica e intemporal, através do acoplamento entre cada pequena parte, cada pequeno novo crescimento, ao conjunto-forma da cidade?

Desde a publicação de Notes on the synthesis of form (1964) e de A city is not a tree (1965), seguidos, entre outras obras importantes, de A time way of building e A pattern language, irão se passar mais de duas décadas para que Christopher Alexander, juntamente com Anninou, Neis e King, lance novas luzes sobre este problema fundamental.

Então, em 1987, A new theory of urban design é publicado. O título escolhido para o novo livro provoca, no leitor entusiasta que sou, imediata e incontornável curiosidade. Afinal, o que promete é, nada menos, do que permitir ao projetista que abra a “caixa preta” que guarda os segredos das cidades “sem projeto”. E tornarse, no domínio desse conhecimento, um projetista capaz de conceber, quem sabe, “cidades naturais”.

A new theory of urban design surge após a publicação de duas obras importantes, dedicadas à demonstração prática dos postulados contidos em The timeless way of building e A pattern language.

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Primeiramente, The Oregon Experience (1975) leva o leitor a conhecer o processo de projeto envolvido na adequação e ampliação do campus da Universidade do Oregon, nos Estados Unidos. The production of houses (1985), a sua vez, após um longo manifesto que situa o papel do arquiteto-construtor na indústria da produção da habitação (abordando, é claro,o contexto estadunidense), descreve detalhadamente o processo de projetação e construção participativa junto a uma comunidade em Mexicalli, na Baja California, México.

Em ambos os casos, a intenção de Alexander e seus colaboradores é demonstrar linguagens de padrões emergentes através das suas práticas projetuais. No primeiro caso, o processo está focado na comunidade universitária; no segundo, nas esperanças e aspirações de um grupo de famílias envolvidas na autoconstrução de suas casas.

Nos limites deste artigo, não cabe uma revisão aprofundada dos conteúdos de A new theory of urban design.

Importa, no entanto, um enunciado breve de suas implicações.

O livro, em resumo, está organizado em duas partes: teoria e prática. Quanto à teoria, Alexander sistematiza elementos já presentes em sua já longa trajetória, integrando-os (e eis o que há de realmente novo na nova teoria) em torno de um único e poderoso princípio holístico. Quanto à prática, há a minuciosa descrição de um rigoroso experimento pedagógico realizado a muitas mãos, com a participação de professores e estudantes de pós-graduação.

Assim, este princípio holístico, indelével e próprio das cidades (ou de estruturas espaciais complexas), capaz, segundo os autores, de conduzir os crescimentos sistêmicos ao longo do tempo e produzindo uma ordem espacial orgânica, evolutiva e identitária, ganha uma primeira definição: Quando dizemos que algo cresce como um todo, queremos dizer que sua própria totalidade deriva de seu surgimento, da sua origem, e do princípio criador de seu contínuo crescimento. Um novo crescimento emerge da natureza estrutural específica e peculiar do seu passado. É um todo autônomo, cujas leis internas, e cuja emergência, regem sua continuidade, orientando o que virá a seguir. (Alexander, Neis, Anninou, King, 1987:10)

Familiarizados que estamos, a esta altura, leitor e eu, com as ideias alexanderianas, este postulado não parece tão impressionante. Antes, sugere uma recorrência própria do enfoque sistêmico, ou uma redundância dos argumentos insistentemente presentes na obra do autor. Em parte, sim. Mas, em significativa medida, estamos enganados. Pois estamos diante da formulação precisa de Alexander para o conceito de growing whole (totalidade crescente, mas que prefiro traduzir como crescimento integral) do qual deriva um conjunto de princípios, ou regras, condutores dos crescimentos, espaciais mas também sociais, de qualquer cidade.

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Não entrarei, em profundidade, na descrição quanto às regras implicadas ao growing whole, mas, de todo modo, ainda que brevemente, quero destacar alguns princípios projetuais (livremente interpretados) que considero importantes para compreender o sentido ampliado da noção de crescimento integral: i) ii) iii) iv)

v) vi) vii)

A cidade deve crescer através de pequenos acréscimos que se justapõem e completam o tecido urbano existente, conformando um processo de desenvolvimento incremental; Cada novo incremento deve “aprender”, e replicar (não como cópia mas como aperfeiçoamento), certas qualidades do seu entorno; Tecnologias, materiais, relações geométricas e volumétricas, atributos aprendidos das partes mais antigas, devem ser considerados no desenho de cada novo elemento; A escala dos incrementos (isto é, essencialmente, a complexidade intrínseca a cada novo edifício), à cada nova intervenção, deve considerar e respeitar o processo histórico (isto é, o projetista deve compreender profundamente a evolução da cidade); Quando se projeta um grande edifício, suas interfaces com o espaço urbano público devem reconhecer e gerar continuidades com o todo (isto é, dentro e fora do edifício); Cada novo edifício deve ser gerador de um espaço, aberto e público, complementar (o que Alexander chama de espaço urbano positivo).

O processo, como um todo, deve corresponder a certa concertação coletiva e social (isto é, participação).

Quanto ao complexo exercício projetual descrito na segunda parte do livro, trata-se de um experimento de simulação analógica pensado para convalidar o escopo teórico explicitado na primeira parte da obra.

Realizado como prática de ateliê, tal como arquitetos e estudantes de arquitetura estão familiarizados, o exercício procura demostrar cada princípio da teoria vista na primeira parte, ao modo de regras propostas para que se jogue um inusitado jogo urbano.

Assim, tomando uma área determinada, com o objetivo de demonstrar, “em laboratório”, um processo de crescimento integral (que no mundo real, submetido ao tempo histórico, se daria em longuíssimo prazo), os participantes são instados a propor diferentes projetos, em distintas escalas, orientados pelos princípios e regras trazidos da teoria, em uma sequência evolutiva que inclui pequenos, médios e grandes incrementos.

Cada projeto é submetido a um comitê encarregado de examinar a adequação da proposta, levando em conta os princípios orientadores. Na medida em que, em sucessivas etapas, mais incrementos vão sendo acrescidos ao conjunto (uma vez aprovados pelo comitê), é possível observar a emergência do sentido de totalidade formal pretendido pelos autores.

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4. Sobre o jogo e seus possíveis (alguma conclusão) E então é preciso retornar ao começo da trajetória alexanderiana, e retomar os princípios que Alexander descobre, revela e aperfeiçoa, desde muito cedo, em seu percurso científico e filosófico. E eu, que escrevo este texto, entre as idas e vindas, chegadas e partidas, que o texto requer, me descubro surpreso com o rumo da escrita. Porque, de início, o objetivo (que eu pensava ser simples) era o de apenas reler criticamente, uma vez mais, A city is not a tree, como recordação e atualização das camadas interpretativas que as sucessivas leituras foram acumulando.

Mas a deriva da escrita me levou por um caminho inesperado, que foi rever também Notes on the synthesis of form (para situar a genética matemática de A tree…), transitar entre A timeless way of building e A pattern language (inserções em um circuito filosófico, com perdão do trocadilho9, para recuperar o conceito de padrão), para, então, reencontrar A new theory of urban design, onde a qualidade sem um nome, emergente das linguagens do ambiente humano construído (forma de imanência holística revelada em A timeless…), plasma, finalmente, o ideal operatório-concreto representado pelo conceito de crescimento integral.

Sei que o parágrafo anterior é de difícil leitura, conquanto condense, em poucas linhas, todas as dezenove páginas que o antecedem. Mas a coisa toda se parece bastante com o que o físico John Wheeler10 propôs quando transformou o conhecido jogo das vinte perguntas em uma criativa analogia para explicar os conceitos de emergência e auto-organização, próprios dos sistemas complexos, como são as cidades.

Jogado da forma tradicional, o jogo das vinte perguntas é simples e divertido. Um grupo de pessoas está reunida em uma sala, e uma delas é convidada a se retirar por alguns momentos. As que permanecem devem escolher uma coisa qualquer que faz parte da sala e, feito isso, a pessoa que se ausentou retorna e, para descobrir a coisa que foi escolhida, é instruída a fazer perguntas em sequência, dirigidas a cada pessoa do grupo, até o limite de vinte, cujas respostas devem se ater a um sim ou a um não, simplesmente.

A lógica e a graça do jogo é que, se a pessoa faz as perguntas, de forma diligente, procedendo do geral ao particular, por aproximações e eliminações, ela eventualmente descobrirá o objeto escolhido pelo grupo.

A intriga que Wheeler propõe é que o grupo não escolha coisa alguma, burlando a regra do jogo. Ainda assim, se a série de respostas dadas às perguntas obedece a um pacto de não-contradição, cada resposta sendo coerente com as que a antecedem, a pessoa que faz as perguntas poderá, também eventualmente, “descobrir” o “objeto” que não foi escolhido a priori mas que, por tudo o que foi sendo eliminado, é a resposta “certa” (aquela que não pode ser contestada pelas outras pessoas participantes).

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O que Wheeler quis demonstrar é que, na evolução do jogo de perguntas e respostas, ainda que nada tenha sido escolhido no princípio, o próprio processo de jogar pode produzir o objeto/objetivo. Isso sugere que o jogo (jogado da maneira que burla sua regra principal) evolui para uma “inteligência” autônoma, autoorganizada a partir das perguntas e das respostas individuais. O jogo “aprende”, portanto, com sua própria história.

De maneira parecida, meu texto encontrou, na sua evolução própria que foi juntando uns tantos pensamentos que não estavam previstos pelo seu objetivo inicial, um outro objeto de reflexão e um outro objetivo para sua conclusão. Portanto, o que tenho agora como objetivo final é, não mais apenas uma releitura crítica de A city is not a tree, mas, mais exatamente, estabelecer uma ponte entre esse texto seminal e o que Alexander revelou através de A new theory…

Assim, em um esforço de abstração, tentemos trazer o jogo de Wheeler para o sistema-cidade. E pensar que a evolução de uma cidade qualquer, claro que de maneira muito mais complexa, se parece com esse jogo de salão. Incontáveis sequências (ou, na verdade, redes) de perguntas para as quais as respostas são os muitos, pequenos e grandes, incrementos que vão sendo acrescentados à cidade, ao longo do tempo, compondo uma forma que nunca está, por natureza, perfeitamente acabada, mas que continuamente se transforma na dinâmica deste processo-jogo.

Coisas novas são acrescentadas, todos os dias, a essa cidade hipotética. Como sistema complexo, aberto e indeterminado, a cada dia, a cidade atual já não é mais, exatamente, a cidade do dia anterior. Ainda assim, em meio as constantes transformações, seus moradores, todos os dias pela manhã, quando saem de suas casas (casas que, do mesmo modo, já não são exatamente as mesmas casas em que se deitaram para dormir à noite), a reconhecem como sua cidade, a cidade onde vivem. Ou, de modo matematicamente mais preciso, a cidade a qual pertencem.

Isto vale para Siena, Liverpool, Kyoto e Manhattan, exemplos validados por Alexander. E vale para Porto Alegre, sul do Brasil, cidade em que eu vivo, longe demais das capitais. E vale para Brasília, cidade inventada que se vai descobrindo, através dos eixos, monumental e residencial, como em um sinal da cruz.

Cidade-rodovia, Brasília, e Veneza, cidade cinquenta e cinco vezes invisível11, são ambas cidades, ambas pertencentes à classe cidade. Da mesma maneira, Tóquio, maior aglomeração urbana do planeta, e Barra do Ribeiro, pequena cidade localizada no sul do Brasil, nas margens do grande seio d’água12.

Incomparavelmente distintas, seja pela forma ou pelo tamanho, pelas práticas sociais, pela economia, por sua geografia e história, pela língua falada por seus moradores, pelo fuso horário, ou pela estação do ano.

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Aqui e agora, exatamente, aproxima-se o final da primavera e, neste dia e hora, exatamente, chove. Em outras cidades, com certeza, a esta hora, exatamente, talvez esteja chovendo ou não. Todavia, todas cidades.

Quando Christopher Alexander, em 1965, sugeriu uma distinção – em suas palavras, muito simples – entre cidades naturais e artificiais, cidades historicamente conformadas ou aquelas desenhadas por urbanistas, ou, de forma abstrata, as que podem ser representadas como semitramas ou na forma de árvores, a “caixa preta” começou a ser aberta e desvendada.

Afinal, o conceito de conjunto, trazido da matemática, e que, ao menos neste caso, é uma evidente descoberta (porque parte da maneira como os seres humanos se relacionam com as coisas que estão no mundo, aprendem com o mundo, e, assim, dão sentido para suas existências), revela-se, pois, o componente ponte entre o texto inaugural e o ensaio posterior, que trata de como os projetistas, com sua limitada capacidade de abstração (e quanto ao lugar da imaginação, surge já um novo propósito textual), eventualmente podem, como no jogo das perguntas e respostas, nunca determinar, mas, na deriva das probabilidades, melhor compreender o papel sobre o qual traçam seus desenhos.

E, porque falamos em pontes, penso que é boa ideia relembrar o que disse Márcia Tiburi, porquanto: A filosofia como construção de pontes, que liga territórios diferentes (entre arte e ciência, entre intelecto e cotidiano), não pode perder de vista o vão sobre o qual a ponte se estabelece. (Tiburi, 2008:179-180) Assim, embora a advertência inicial de Alexander, quando esclarece que “a árvore do meu título não é uma árvore com folhas verdes [mas] o nome de uma estrutura abstrata…” agora é a hora de, recorrendo à analogia, confrontar suas palavras, de modo brincante, e dizer que, sim, toda a cidade é uma árvore, em sua plenitude de ramos, folhas verdes e frutos. E sementes. Sobretudo, sementes que todos os dias germinam, fincando-se ao chão ou levadas pelo vento: A cidade é raiz e deriva.

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REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS ALEXANDER, C. (1968). Systems Generating Systems. In: Architectural Design, Volume 38, p. 605-610. _________ . (1975). The Oregon experiment New York: Oxford University Press _________. (1979). The Timeless Way of Building. New York: Oxford University Press. _________. (1988). A city is not a tree. In: THACKARA, J. Design after modernism. Londres: Thames and Hudson.

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ALEXANDER, C. et al. (1985). The construction of houses. New York: Oxford University Press.

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AUGÉ, M. (1994 ) Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Papirus.

CALVINO, I. (1990). Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Cia das Letras. _________ . (1991). As cidades invisíveis. São Paulo: Cia das Letras.

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ECO, U. (2001). Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Cia das Letras.

LAZLO, E. (1999). Conexão cósmica: guia pessoal para a emergente visão da ciência. Petrópolis: Vozes.

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ROWE, C. (1996). As I was saying: recollections and miscellaneous essays. Massachusetts: The MIT Press.

TIBURI, M. (2008). Filosofia em comum. Rio de Janeiro: Record.

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NOTAS 1

Versão preliminar, trabalho em progresso.

Traduzido livremente a partir do original em inglês. Todas as citações deste artigo seguem este procedimento.

3 Minhas interpretações dos textos alexanderianos são sempre mediadas por uma leitura construtivista, a partir da abordagem piagetiana. Ver Andrade, L. M. V., 2011.

4 Referência a Andrade, L. M. V. (2011). Construção e abertura: diálogos Christopher Alexander – Jean Piaget. Porto Alegre: PROPUR-UFRGS (tese de doutorado).

5 Referências a Calvino (1990 ) e Eco (2001). Observar a bibliografia citada.

6 Ver Rowe, C. (1986).

7 Em relação ao tema, uma boa referência se encontra em infographics.uoregon.edu/projects/nolli/.

8 Ver referência específica na bibliografia.

9 Referência à obra Inserção em circuitos ideológicos, de Cildo Meirelles.

10 Citado em Lazlo, E. (1999:165-6).

11 Alusão à obra As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino (1991).

12 Barra do Ribeiro situa-se, geograficamente, às margens do rio/lago Guaíba, cujo nome, derivado do guarani, pode ser traduzido como grande seio d’água.

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LEANDRO MARINO VIEIRA ANDRADE

Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com mestrado e doutorado em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Entre 1999 e 2004, realizou estudos na área de Ciências Cognitivas Aplicadas junto ao PPGIE-UFRGS, desenvolvendo pesquisas junto ao Laboratório de Estudos em Linguagem, Interação e Cognição – LELIC-UFRGS. Desde 1988, é professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ministrando disciplinas de teoria urbana e projeto urbanístico. Em 2012, iniciou o bacharelado em Artes Visuais no Instituto de Artes da UFRGS. contato imediato leandro.marino@ufrgs.br

As formas da matemática são abstratas, (…) e as formas da arquitetura, concretas e humanas.

Mas essa diferença não é essencial. A qualidade essencial da forma, não importa de que tipo, reside em sua organização.

Christopher Alexander, 1964

jiboia editorial

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