O Cartolinha_L Cartolica - Edição Especial

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Jornal do Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro

EDIÇÃO ESPECIAL DO CINQUENTENÁRIO DO 25 DE ABRIL

ARTES

HISTÓRIA

O livro que acordou Portugal

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ANO
NOTÍCIAS
NOTÍCIAS
BD

É com especial satisfação que apresentamos este número especial de O Cartolinha, para celebrar os 50 anos do 25 de Abril.

De facto, é uma data que importa assinalar pelo impacto que a Revolução de Abril teve e tem na nossa sociedade. É bom verificar, como mostra o recente estudo publicado no Jornal Expresso que 65% dos portugueses consideram o 25 de Abril como o facto mais importante na história do nosso país. Mas se alguns têm algumas dúvidas relativamente a esta questão da data mais importante, mostra o mesmo estudo que 81% dos portugueses consideram que a forma como o 25 de Abril se processou e a forma como a transição para a democracia aconteceu foi exemplar e motivo de orgulho. A Revolução dos Cravos, além de nos iniciar nos caminhos da liberdade e da democracia foi ainda um exemplo para o mundo, em termos de transição pacífica e de civilidade. Mostrou que não é necessário um banho de sangue para se atingir a democracia e a liberdade.

Permitam-me que recorde um dos primeiros livros de José Saramago, A Noite. A ação desta peça de teatro passa-se na redação de um jornal, na noite de 24 para 25 de abril, naquela que foi a longa noite de 48 anos, a noite de todos os sofrimentos e finalmente a noite de todas alegrias. A noite que precedeu a madrugada que, nas inspiradas palavras de Sophia de Mello Breyner, Esta é a madrugada que eu esperava O dia inicial, inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo.

Esta obra de Saramago prova-nos, como dizia Manuel Alegre na sua «Trova do Vento que passa», que

Mesmo na noite mais triste

Em tempo de servidão

Há sempre alguém que resiste

Há sempre alguém que diz não.

Há sempre alguém que resiste Há sempre alguém que diz não.

Este deverá ser um tempo para homenagear os que então resistiram e os que resistem ainda porque as conquistas de abril não se podem dar de barato, é necessário defendê-las todos os dias.

Num tempo em que certas forças partidárias consideram a imprensa como um inimigo a abater;

Num tempo em que despudoradamente se defende publicamente o racismo e o xenofobismo;

Num tempo de extremismos em que se começa a falar novamente do Serviço Militar Obrigatório, num claro retrocesso civilizacional, é necessário estar alerta.

É necessário divulgar os valores de abril, É necessário não esquecer a longa noite!

Essa é, talvez, a grande lição que os mais velhos podem dar às gerações mais novas.

A Escola não poderia, naturalmente, passar ao lado deste processo e tem levado a cabo múltiplas atividades de divulgação e de celebração dos valores de Abril. Esta edição do jornal será sempre uma edição incompleta porque muitas atividades se realizarão ainda ao longo do ano.

Para não esquecer!

Como dizia, Ary dos Santos

Agora que já floriu

A esperança da nossa terra

As portas que abril abriu

Nunca mais ninguém as cerra.

Viva o 25 de Abril!

António M. M. Santos Diretor do AEMD

abril de 2024 2 ÍNDICE ALFABÉTICO FICHA TÉCNICA Propriedade AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE MIRANDA DO DOURO Rua Coronel Eduardo Beça 5210-192 MIRANDA DO DOURO Tel.: 273 431 330 / Fax: 273 432 355 Email: aemd@sapo.pt Página Web: www.aemd.pt Coordenação
de Jornalismo Grafismo
de Jornalismo Imagem do Cartolinha Manuel Ferreira Impressão AEMD Tiragem 200 exemplares CDU 373.5 (469.201) (05) EDITORIAL ARTES 16 EDITORIAL 2 HISTÓRIA 12 LEITURAS 23 LITERATURA 14 NOTÍCIAS 3 REPORTAGEM 10 ÚLTIMA PÁGINA 24 Editorial
Clube
Clube

O projeto Escolas à Descoberta de Abril (EDA) teve início em 2023 e contou numa primeira fase com a participação de 50 agrupamentos de escolas/escolas não agrupadas de todo o território nacional. Estende-se até 2026 e contará anualmente com a integração de novas escolas. A coordenação é do Conselho Nacional de Educação.

O projeto tem o propósito de consciencializar os jovens acerca do significado da Revolução do 25 de Abril de 1974 e da sua importância na História contemporânea do país e do mundo, através da recolha de informação e de testemunhos junto dos que viveram esses momentos.

Atuação

O Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro integrou este projeto no ano passado, 2023, na qualidade de observador/animador cultural. Para tal, os nossos grupos de pauliteiros viajaram, no autocarro da edilidade, até Matosinhos, no mês de novembro.

Cumprimos o nosso papel e animámos os presentes. Os grupos de pauliteiros e de pauliteiras deram espetáculo do costume, dançaram alegres e divertidos. O grupo dos toques, no qual incluímos dois alunos de sexto ano e dois de décimo segundo, não ficou nada atrás, todas as “equipas” funcionaram em pleno. Todos bem ensaiados pelo Amadeu Soares. Animámos os intervalos das sessões e fomos aplaudidos de pé pelos presentes, sala cheia!

Dando seguimento ao projeto, no nosso agrupamento, fez-se um Padlet, no qual os docentes foram postando as atividades que estavam a dinamizar. Essas atividades integrarão um vídeo que temos em construção, onde entrarão,

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das Pauliteiras do AEMD em Matosinhos. O Tiago Cardoso em pleno trabalho de elaboração do mural. FERNANDO PEREIRA*

também, as várias entrevistas que já se fizeram, com o especial acompanhamento da turma do 11.º B. Foi com esta a turma que decidimos trabalhar desde o início e serão estes alunos que nos acompanharão durante todo o desenrolar do projeto.

Como este projeto está a ser coordenado por uma equipa do Conselho Nacional de Educação, é condição exigida aos professores envolvidos fazerem formação, pelo menos o coordenador é de presença obrigatória, e temos feito a formação exigida. Pretendemos envolver os alunos na recolha de memórias que possam vir a complementar o conhecimento daqueles tempos anteriores ao 25 de abril de 1974; a temática que nós decidimos abordar foi “O isolamento no Nordeste”.

Fizeram-se murais alusivos ao tema, tanto na secundária de Miran-

da como na Escola Básica de Sendim. Os alunos tiveram toda a liberdade criativa para passar para a “parede” o significado de Abril.

Encenaremos peças de teatro musicadas, leitura de poemas e um passeio que culminará numa concentração na praça do município, no dia 24, em Miranda. No dia 26, realizar-se-á em Sendim. Demonstraremos o nosso envolvimento nestas comemorações com recitais, danças e toques.

palestra proferida por antigos professores: três passaram pela nossa escola: Beatriz Belezas, Fernando

No dia 22 de abril, terá lugar uma

professor exterior a esta escola: Nascimento Afonso. Temos grandes expetativas para esta palestra, queremos saber muita coisa! Queremos entrar nas suas memórias, retirar-lhes tudo o que tenham para nos ensinar!

De todas as atividades desenvolvidas faremos um vídeo de longametragem, que ficará disponível na Escola para memória futura, e uma curtíssima metragem, que lavaremos ao próximo encontro, em local e data a definir.

Do que se tem feito e do que prevemos fazer damos notícia no “nosso” Cartolinha, como é o caso do presente artigo.

*Coordenador do Projeto EDA no Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro

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Mural das crianças das escolas de Palaçoulo. Palestra com os professores Hermínio Bernardo, Fernando Subtil, Beatriz Belezas e Nascimento Afonso

O nosso Agrupamento aderiu ao Projeto EDA – Escolas à Descoberta de Abril , promovido pelo Conselho Nacional de Educação. No encontro que decorreu em Matosinhos, tivemos a oportunidade de participar e de abrilhantar a sessão com os nossos Pauliteiros, Pauliteiras e Gaiteiros. Apresentámos alguns lhaços e músicas ligadas à temática do 25 de abril, o que foi do agrado geral.

Numa iniciativa do Plano Nacional das Artes, em colaboração com a CIM Terras de Trás-os-Montes e o Município de Miranda do Douro, a Exposição «25 de

abril, rumo ao cinquentenário» esteve patente nas Escolas do nosso Agrupamento, vindo assim enriquecer as celebrações de Abril.

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1974: o ano em que eu ainda não tinha nascido!

ALUNOS DO 8.ºA e

BARROSA

Em Área de Projeto, na turma A do 8º ano da EBS, no âmbito do projeto “À descoberta de abril”, desenvolveu-se, durante o 2º período, um trabalho de pesquisa e tratamento da informação cujo produto individual foi um livro digital com efemérides que marcaram o ano de 1974 ao nível literário, social, musical, político e desportivo. Este livro digital foi criado com a ferramenta BookCreator, ferramenta online gratuita.

Foram vários os objetivos deste projeto: levar os alunos a conhecer mais do passado recente, nacional e internacional; fazê-los sentir que o presente é uma continuação do passado, por semelhança ou oposição; desenvolver literacias múltiplas, tais como a leitura e a escrita e a utilização das tecnologias de informação e comunicação, “alicerces para aprender e continuar a aprender ao longo da vida”, de acordo com o “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”.

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Dinis Miguel, 8ºA, EBS Tiago Antunes, 8ºA, EBS Beatriz Pinto, 8ºA, EBS Yasmin Pereira, 8ºA, EBS Clara Fernandes, 8ºA, EBS Guilherme Martins, 8ºA, EBS

Memórias da Revolução dos Cravos nas Bibliotecas Escolares do AEMD

Celebramos 50 anos da Revolução dos Cravos. Mais do que uma data comemorativa, é um marco histórico da ação corajosa dos Capitães e militares que lideraram o movimento que contou com a participação ativa do povo português e que após 41 anos de um regime ditatorial, autoritário, opressor, tirano e injusto, trouxe finalmente liberdade, democracia e progresso para Portugal.

A educação é a base para a construção de um mundo melhor e é fundamental que os jovens estejam preparados para enfrentar os desafios do presente e do futuro com consciência e responsabilidade. É, pois, importante que a Escola se assuma como um instrumento poderoso na transmissão dos valores humanistas e democráticos, promovendo a consciência cívica e social nos alunos, estimulando-os a refletir sobre o passado e Sessões «Poesia, Primavera, 50 anos do 25 de Abril»

a valorizar os direitos e liberdades que hoje desfrutam. Neste contexto, as Bibliotecas Escolares do AEMD, têm vindo a dinamizar nas escolas diversas atividades. Destacamos: "Poesia, Primavera, 50 anos do 25 de abril, Camões 500 anos"- participação da Poetisa Teresa Almeida Subtil; "Palestra: Os tempos da revolução - Escolas à Descoberta de Abril” - intervenção dos Professores: Beatriz Belezas, Fernando Subtil, Hermínio Bernardo e Nascimento Afonso, atividade em articulação com os docentes de História; “Exposição nas bibliotecas de livros, materiais e trabalhos realizados pelos alunos”, “Elaboração de Marcadores de Livros com os alunos a distribuir à população”, atividades interdisciplinares. Tem sido gratificante observar o interesse e o envolvimento dos alunos. Estas iniciativas têm-lhes disponibilizado uma melhor compreensão e consciência da importância e respeito pela memória coletiva, pelo 25 de abril de 1974 e pelo legado deixado por todas e todos os que lutaram pela liberdade no passado. A generosa participação e presença de pessoas de diversas áreas que vivenciaram de perto esta importantíssima data, permite-lhes uma compreensão mais rica e próxima

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Marcadores de livros

dos acontecimentos históricos, proporcionando-lhes uma visão mais autêntica e emocionante do que foi o 25 de abril e suas consequências, assim como uma reflexão mais consciente e o diálogo intergeracional.

Através da leitura, da escrita, da expressão artística, da participação em palestras e debates, os alunos têm sido incentivados a desenvolver competências essenciais para o seu futuro, como a capacidade de pesquisa, investigação, análise crítica, expressão oral e escrita autonomia, capacidade de argumentação, empatia e respeito pela diversidade de opiniões. A proposta da Biblioteca Escolar da atividade “Elaboração dos Marcadores de Livros- 25 de abril, 50 anos” com poemas, frases ou ilustrações, perseguiu estes propósitos envolvendo os alunos ativamente na aquisição e aplicação de conhecimentos, e produção de materiais e conteúdos de forma criativa e enriquecedora. Ao partilhar os Marcadores de Livros com a comunidade extraescolar, os alunos estão a transmitir livremente os seus conhecimen-

tos, habilidades, talentos, emoções, pensamentos e valores, de forma simbólica e metafórica e a disseminar a importância da liberdade, da igualdade e da democracia, convidando a população a refletir sobre os valores e conquistas do 25 de abril, para que sejam sempre lembrados e valorizados.

Nos diversos contextos que atualmente vivenciamos, pensamos que estas iniciativas têm sido experiências fundamentais, enriquecedoras e até transformadoras. Esperamos que perdurem na memória dos alunos e os estimulem continuamente na procura e gosto pelo conhecimento, pela leitura, pela escrita, pela arte, pela cultura e pelo debate de ideias, contribuindo assim para a formação de cidadãos mais críticos, conscientes dos seus direitos e deveres, e ativos na pro-

Exposição de trabalhos e livros.

gressiva construção de uma sociedade mais justa, solidária, democrática e inclusiva. A celebração do 25 de abril não deve ser apenas um momento de memória, mas sim uma oportunidade para reforçar os ideais de liberdade, democracia e justiça entre as novas gerações.

Sessão de poesia

Parabéns a todos os envolvidos nestas iniciativas tão importantes e inspiradoras!

Viva o 25 de abril!

Sempre!

* Professora Bibliotecária do Agrupamento de Escolas

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CAROLINA RAIMUNDO, MARINA ANTÃO, MATILDE GOMES

SIMÃO

CABREIRO, SIMÃO GOMES 7.ºA*

Cinquenta anos após a madrugada “inteira e limpa” em que, como escreve Sophia de Mello Breyner, “emergimos da noite e do silêncio”, é também o tempo de recordar todos aqueles que sofreram – e continuam a sofrer – para que, a partir desse “dia inicial”, pudéssemos ser livres. Para além do dever de memória, e de ouvirmos, muitas vezes, que a história não se repete, a verdade é que, neste século XXI, a palavra “guerra”, que julgávamos distante, continua bem presente nas nossas vidas. Ao mesmo tempo, vemos emergir grupos ou partidos cujos verdadeiros programas e fundamentos são o ódio e a hostilidade aos imigrantes, aos estrangeiros, aos mais frágeis.

Por isso, fomos à procura de algumas pessoas que viveram esse tempo, testemunhando, na primeira pessoa, como era “antes do 25 de abril”.

Joaquim Almeida, nascido em 1943, no Peso da Régua, mas atualmente a viver em Miranda do Douro, relembra o ano de 1964 quando foi enviado para Angola. O paquete Vera Cruz, onde seguia com dezenas de outros soldados, demorou 8 dias a chegar a Luanda. Aí permaneceu três anos, ao serviço de uma guerra “muito violenta, onde morreram milha-

“O vento andava aos uivos, pelas ruas, a meter medo ao silêncio.”

Vergílio Ferreira, Mudança

“Esta é a madrugada que eu esperava.”

Sophia de Mello Breyner Andresen

res de soldados, torturados psicologicamente e fisicamente”. Por isso, não tem dúvidas em afirmar que combater, “foi a coisa mais difícil que lhe aconteceu na vida”, pois “era obrigado a fazer coisas que não queria, porque se não as fizesse seria castigado”.

Aquilino Afonso, residente na Especiosa, foi outro mirandês a participar na guerra. Incorporado no Serviço Militar Obrigatório em 1966, em Vila Real, um ano depois seguiu também para Angola, mais concretamente para a região de Dembos, para a base de Santa Eulália. Conta que, um mês depois de ter chegado, teve a sua primeira missão. Foram atacados e, com a pouca experiência que tinham, nem sabe como não morreram todos. Deitou-se no capim e começou a disparar para todos os lados de onde pensava que vinham os tiros. Felizmente, dessa vez, ninguém morreu!

Acrescenta que, a partir daí, as missões pelo mato “duravam uma semana”. Levavam um guia, “uma pessoa da zona que conhecia bem o terreno” e, numa dessas missões, em de janeiro de 1968, foram atacados, ficando duas horas debaixo de fogo.

Também desta vez escaparam, sendo salvos por

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Reportagem

um “helicóptero com metralhadora”.

Guarda também recordações menos más, como o episódio vivido por ocasião da visita ao seu quartel da atriz Florbela Queiroz – uma das figuras incumbidas de atuar para as tropas e assim minimizar as saudades e o efeito da guerra – em que um soldado, inadvertidamente, disparou para o ar. Aquilo que se anunciava decerto como um momento de lazer terminou subitamente, pensando que se tratava de um ataque.

Aquilino Afonso regressou em 1969. Mas até ao dia 25 de abril de 1974, nunca falava da guerra nem daquilo que passara. A PIDE vigiava e ele temia ser acusado de ser contra Salazar!

Francisco Cameirão, de Duas Igrejas, hoje com 77 anos, esteve também 27 longos meses, nos anos de 1968-70, em Moçambique. Para além das mortes que presenciou e que não esquece, lembra-se e assevera “que foi defender o que não era nosso”. Ainda assim, apesar da natureza “traumatizante” da

positivo, fazer bons amigos”. Paulo Mendes fala-nos também da memória e do “trauma da guerra colonial”, mas lembra sobretudo como eram os tempos antes do 25 de abril de 1974: a censura que se exercia sobre os meios de comunicação (“antes de serem publicados todos os jornais eram vistos por alguém da confiança de Salazar”); as mulheres não tinham direito a voto; as pessoas não se podiam juntar para falar ou de-

metro de distância

A Revolução dos Cravos representou assim uma mudança profunda na sociedade portuguesa. Por isso, temos o dever de a lembrar e, sobretudo de a continuar. Até porque as revoluções não se fazem em só dia! Lembrando Fernando Pessoa, “cumpriu-me o Mar, e o Império se desfez”, “falta cumprir-se Portugal”.

*Com o apoio do docente de Português, António Bárbolo Alves

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Reportagem
Painel elaborado pelas crianças do JI de Miranda do Douro.

FERNANDO PEREIRA História

No ano em que comemoramos os 50 anos da Revolução dos Cravos, nome pelo qual também ficou conhecida a Revolução de Abril, envolveu-se o Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro na comemoração da efeméride, pelo que todas as turmas estão a preparar atividades para que esta data não caia no esquecimento.

Pela minha parte, decidi falar da personalidade que mais contribuiu para a chegada ao dia 25 de abril, o general Spínola (António Sebastião Ribeiro de Spínola).

Esta personalidade, que na altura era vice-chefe do Estado Maior das Forças Armadas, era um homem do regime, se o não fosse não poderia ser um vice-chefe de tão alto cargo, mas era um descontente com tudo o que se estava a passar naquele ano de 1974.

O descontentamento com a política que se estava a seguir era tanto que, no dia 22 de fevereiro de 1974, publicou o livro mais marcante deste período: Portugal e o Futuro - análise da conjuntura nacional. Neste livro, o autor apresentou a sugestão mobilizadora - a solução para a guerra do ultramar só poderia ser política! E o livro de Spínola acaba por derrubar o regime.

No primeiro dia, esgotou-se a edição de 50.000 cópias e, em pouco tempo, foram vendidas 220 000! Que grande sucesso editorial!

Spínola, enquanto tenente-coronel, ofereceu-se para ir para Angola quando a guerra se iniciou, em 1961. Aí, nos três anos em que contactou com a população, começou a ter as primeiras dúvidas sobre uma vitória militar. Pela forma como lidou com o conflito e com os autóctones, no geral, acabou sendo admirado e temido pelos seus soldados e pelos inimigos.

Em 1968, Marcello Caetano nomeou-o governador e comandante chefe das Forças Armadas da Guiné.

Na Guiné, confronta-se com uma situação difícil, no entanto procura imprimir uma intensa ação psicossocial.

Após alguns confrontos com a guerrilha, mais uma vez lhe parece óbvio que a situação para o ultramar não podia deixar de ser política/diplomática e esta opinião foi plenamente absorvida pelos militares sob o seu comando.

Eram estas as propostas apontadas por Spínola:

- Progressiva autonomia e preparação dos quadros africanos;

-Autonomia progressiva e participação progressiva na administração dos seus interesses;

-Realização de um referendo onde “todos os portugueses” poderiam optar livremente se desejavam ou não ser integrados numa grande comunidade de expressão lusófona.

Spínola defendia a constituição de uma federação de estados que deveria evoluir para uma grande comunidade LUSO-AFRO -BRASILEIRA.

Quando Marcello Caetano leu o livro, logo foi assaltado pela ideia de que se abeirava um golpe de estado. Ao fechar o livro, Marcello Caetano tinha compreendido que o “golpe de Estado militar, cuja marcha eu pressentia há meses; era agora inevitável.” (CAETANO, 1974, p. 192).

Nos seus Depoimentos, Marcello Caetano afirmou que, até ao momento da sua publicação, acreditava que a obra de Spínola fosse “[...] apenas a exposição e defesa da tese federalista e das vias para a tornar praticável [...]” (CAETANO, 1974, p. 190), e que não lhe repugnava a ideia. Pelo contrário, 10 anos antes da publicação do livro, Caetano já havia defendido tal tese. Caetano ainda recorda que dias antes da publicação de Portugal e o Futuro ter-se-ia referido ao federalismo num discurso, porém não acreditava que essa tese fosse suficiente para amenizar os movimentos rebeldes e as organizações internacionais que os apoiavam. Entretanto, segundo Caetano, diferente do que acreditava “[...] o livro do General Spínola tinha uma primeira parte crítica [...] Não era uma tese e sim um manifesto. [...]” (CAETANO, 1974, p. 193).

Marcelo Caetano, segundo Spínola, é o português que melhor conhecia o seu pensamento sobre o ultramar, também o Presidente do Conselho de Ministros sabia que era impossível ganhar uma guerra de guerrilhas.

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O General Spínola num fotograma da RTP.

Certo é que Marcelo Caetano leu o livro e permitiu que se publicasse!

O passo seguinte é dado pelos capitães, e deu-se o divórcio entre o governo e os chefes militares e seguiu-se o maior terramoto político nacional desde a campanha eleitoral do general Humberto Delgado (1958).

Nunca um Governador general ousara ir tão longe e a publicação deste livro acaba por ser o prenúncio da Revolução. As guerras conduzidas por Portugal em África não tinham solução militar. No entanto uma coisa parece evidente: nunca o general Spínola imaginou Portugal sem o ultramar.

“Haveremos de continuar em África. Sim! Mas não pela força das armas, nem pela sujeição dos africanos, nem pela sustentação de mitos contra os quais o mundo se encarniça. Haveremos de continuar em África. Sim! Mas pela clara visão dos problemas no quadro de uma solução portuguesa.” (SPÍNOLA, 1974, p. 228).

É nesse sentido que o autor afirma ser o seu objetivo final, acima de tudo, que Portugal fosse um país progressivo e de paz, “[...] incorporando parcelas africanas prósperas e portuguesas por autodeterminação das suas gentes, e como tal imposto pela sua evidência à aceitação do mundo. [...]” (SPÍNOLA, 1974, p. 230).

No seu “manifesto”, Spínola reconhecia que Portugal estava atrasado em relação à Europa e sabia que os portugueses, que viviam em más condições, logo que pudessem davam o “salto” à procura de uma vida melhor.

História

em favor do seu bem-estar, pois temos de reconhecer que a atitude anímica mais generalizada é a tendência para procurar fora o que dentro se não acha, desde que para tanto concorram oportunidades e possibilidades. [...] (SPÍNOLA, 1974, p. 23).

Objetivo totalmente possível, na visão do General, desde que ao invés da defesa de utopias se oferecesse aos africanos (sem imposições) uma pátria onde se sentissem verdadeiramente portugueses..” (SPÍNOLA, 1974. p. 236).

Este general, que acaba por ser nomeado presidente da Junta de Salvação

Nacional na sequência da revolução de 25 de Abril de 1974, veio mais tarde a ser Presidente da República, no dia 15 de maio, tornando-se o primeiro chefe do Estado português do período democrático.

Após um período de grande agitação política, marcado pelas divergências entre o Presidente e os militares, Spínola apresentou a demissão na reunião do Conselho de Estado, a 30 de setembro de 1974. Na sequência do fracasso do golpe do 11 de março de 1975, António Spínola refugiou-se em Espanha. Começou, então, uma das mais nublosas fases da vida do general Spínola.

A obra do general Spínola que contribuiu para a queda do regime.

A sua imagem só foi reabilitada mais tarde pelo então Presidente Mário Soares, que o designou Chanceler das Antigas Ordens Militares Portuguesas, tendo-o também agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito (a segunda maior insígnia da principal ordem militar portuguesa), pelos «feitos de heroísmo militar e cívico e por ter sido símbolo da Revolução de Abril e o primeiro Presidente da República após a ditadura» . Nunca se assumiu de esquerda, nunca aceitou a independência das colónias tal como aconteceu, foi um antifascista e um defensor de uma comunidade luso-afrobrasileira. Um utópico, visto aos olhos de hoje! Mas não esqueçamos que a História é filha do tempo!

“O português, quando movido pelo aguilhão da sobrevivência, já não hesita em trocar as leis do seu país pela sujeição à lei estrangeira, prescindindo portanto dos seus direitos de cidadania

Com este artigo, para o nosso Cartolinha procurei relembrar a figura a quem o grande artista Ruy de Carvalho emprestou a imagem no filme Os Capitães de Abril, quando Marcello Caetano o recebe, “para que o poder não caia na rua”, uma frase que Spínola usara no seu livro.

Bibliografia:

SPÍNOLA, A. Portugal e o Futuro: Análise da Conjuntura Nacional. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1974.

CAETANO, Marcello. Depoimentos. Rio de Janeiro: Editora Record, 1974.

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Sessão

O foco principal foi a obra Filhos da Raia. Durante as duas sessões realizadas, os alunos do Ensino Secundário tiveram a oportunidade de conhecer mais sobre o autor e sua criação literária.

Ao final da manhã e no início da tarde dessa quinta-feira, Jorge Afonso compartilhou detalhes sobre os bastidores da escrita, as motivações que o levaram a criar "Filhos da Raia" e os desafios que enfrentou durante o processo criativo. Os alunos puderam fazer perguntas e trocar ideias com o autor, enriquecendo ainda mais a experiência. Para além disso, o escritor abordou as personagens mais marcantes e os cenários que compõem a trama. Os presentes participaram ativamente, expressando as suas opiniões e as suas reflexões sobre a história.

O evento aconteceu no contexto das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, um momento histórico importante para todos, e veio ao encontro do Concurso Escolar de Leitura, pois a obra escolhida para o Ensino Secundário fora a aquela de que se falou durante os momentos passados com Jorge Afonso.

No dia 11 de abril, a Escola Básica e Secundária de Miranda do Douro foi palco de um acontecimento literário: o encontro com o autor Jorge Afonso. Organizado pelo Departamento de Línguas, o evento reuniu estudantes e alguns leitores interessados.

ANTÓNIO BÁRBOLO ALVES*

No mundo antigo, a “raia” ou “fronteira” definia e delimitava os povos situados nos confins da civilização greco-romana.

Os gregos, cuja cultura se fundava nos “logos”, isto é, na linguagem enquanto forma de comunicação e princípio inteligível na ordem das coisas, chamavam aos não-gregos “bárbaros”, querendo com isso dizer que eram incompreensíveis, excêntricos, ou não falavam como eles.

Os romanos designavam as suas fronteiras como “limes”, “terminus”, “confinis” ou “finis”. E, muito embora esta terminologia venha, antes de mais, do mundo agrário − e o latim é, por excelência, uma ‘língua rural’−, estes vocábulos, recolhendo a herança helénica, indicavam que tudo o que estivesse fora do seu perímetro de influência era “bárbaro”, estrangeiro ou alheio.

Na verdade, a tradição militar das civilizações da antiguidade clássicas começou com uma guerra, o cerco de Tróia. Esses 10 anos são o embrião da tradição literária nos quais Homero e Vergílio fundamentam as histórias da Grécia e de Roma. Por isso, os limites, as fronteiras e fortificações, são uma questão fundamental dentro destas culturas. Ainda que os gregos não tenham tido um domínio territorial de magnitude semelhante ao romano, limitando-se à ideia de defesa da sua “polis” − e, em alguns casos das suas “colónias” −, deixaram aos romanos a herança de conservar os seus territórios através de fortificações.

Mas também é justo que se diga que foi no seio destas civilizações que nasceram as primeiras ideias de que o outro, fosse ele estrangeiro ou meteco, poderia e deveria ser bem recebido e bem

acolhido. Assim, o princípio da ‘xenofobia’ (< xenos, ‘estrangeiro + fobia, ‘medo, ódio’), dominante na época arcaica, foi paulatinamente dando lugar à proxenia, função desempenhada por aquele que tinha por missão ajudar e proteger os expatriados de uma cidade estrangeira. É bem conhecida a frase do poeta e dramaturgo latino, Terêncio (195 a.C. – 159 a.C.), nascido escravo e longe de Roma, em Cartago: “Sou homem: nada do que é humano me é estranho”. [...]

Como se depreende, esta breve reflexão é motivada pelo título desta obra: “Filhos da raia”. No entanto, digo-o desde já, este livro não é sobre “raias” nem sobre “fronteiras”, embora, como veremos, elas sejam essenciais para a compreensão da narrativa.

Comecemos então por uma definição. Uma raia é uma linha, muitas vezes ima-

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de dia 11, com o autor de Filhos da Raia Jorge Afonso conversou com os alunos do Ensino Secundário
Literatura

ginária, que divide ou separa duas unidades. Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, a raia é a “fronteira de um país”. [...]

Na Terra de Miranda, a raia não é de todo diferente. Chamamse raianas às aldeias que estão, do lado português, mais perto da vizinha Espanha e, do lado espanhol, às localidades mais próximas das aldeias portuguesas. Como o Douro faz, em grande parte, a fronteira natural, as localidades onde o rio não desempenha essa função são conhecidas por “raia seca”. Contudo, ainda que a raia exista, seja reconhecida e tenha nome, trata-se sobretudo de uma entendimento político e, como tal, sujeito à dinâmica histórica. Ao nível estatal, ela caraterizase pela falta de entendimento, às vezes por guerras e enfrentamentos entre os dois Estados. Mas, ao longo dos séculos, nem os habitantes do lado politicamente português, nem os espanhóis viram a raia como uma barreira que os impedisse de circular de um lado para o outro. Ainda que, como acontece no tempo histórico recriado nesta obra, fugindo muitas vezes aos guardas e aos carabineiros, as pessoas sempre cruzaram a raia para vender, para comprar, para trabalhar, para ir às festas ou mesmo para casar.

“Para don Onório e Acácio Canhoto, não havia fronteiras, nem Portugal e Espanha. Apenas havia o Douro que unia e cimentava uma amizade entre dois homens, entre duas aldeias.” (Filhos da Raia, p. 49)

Mas, apesar desta proximidade, Filhos da raia transporta-nos para uma época histórica em que a fronteira realmente existiu. As derivas autoritárias e a sincronia política entre os dois regimes – salazarismo e franquismo – conduziram, por razões várias e diferentes, à instauração de um exaustivo controlo fronteiriço fomentado pelos dois ditadores. Esta simetria histórica fez com que, do lado português, fosse negada passagem e asilo a milhares de espanhóis que tentaram fugir da guerra (civil) e, do lado espanhol, fossem criadas muitas dificuldades a todos quantos fugiam do regime salazarista, da miséria e da opressão.

Neste sentido, o cabo Alberto Peixoto, bruto e rude, com o seu poder (quase) absoluto, a sua crueldade e a sua desumanidade, encarna perfeitamente a brutalidade do regime. Ao contrário de Robalo, também ele guarda-fiscal, “mastim zeloso” da lei e um dos personagens principais do conto “Fronteira”, de Miguel Torga, que deixou a sua desumanidade ruir quando ouviu os primeiros gritos de Isabel, parturiente, trazendo ao mundo um filho que era dos dois, o cabo Peixoto nunca cede nem se deixa comover. Atente-se nas suas atitudes logo nos primeiros capítulos da obra. Depois de, supostamente, ter matado o Porfírio, e uma vez saciados os seus desejos e instintos mais básicos e brutais, indiferente às lágrimas que caíam “sobre os pés descalços e sujos” ao pequeno Carlitos, ainda fartou os seus desejos de vingança no “velho” Canhoto, atingindo-o com o “candeeiro de bronze colocado em cima da secretária”: “A vontade de Alberto Peixoto era pegar no corpo do velho Canhoto e largá-lo no meio do monte, a fim de saciar todo o tipo de aves necrófagas que sobrevoavam o vale do Douro.” (Filhos da Raia, p. 56)

A raia, mas sobretudo a miséria, desencadeia ao drama. Não é o contrabando, como é no conto “Fronteira” e são outros ro-

mances como Terra fria, de Ferreira de Castro, Volfrâmio, de Aquilino Ribeiro, A noite e a madrugada, de Fernando Namora ou O pão não cai do céu, de Rodrigues Miguéis. É a condição humana posta em relevo num contexto histórico-social particular, em que alguns aceitam a tirania e outros se revoltam e lutam contra ela.

Poderíamos até dizer que este é o tema principal deste livro. Mas ele é sobretudo um tema transversal a toda a literatura e, neste sentido, não pode ser desta obra. A verdade é que um livro, quer para o autor quer sobretudo para o leitor, é sobretudo diálogo. Ecos de outras obras e de outros textos que ressoam na nossa imaginação e fazem de cada página uma confluência de vozes, uma polifonia e um tecido em que se entrecruzam outros livros, outros autores, outras personagens, outras paisagens. Por isso, permitam-me que convoque aqui algumas dessas vozes suscitadas pela leitura deste livro. Em primeiro lugar, e por duas razões muito simples, Miguel de Unamuno [...] Na sua obra multifacetada destaca-se o seu amor e a sua admiração por Portugal. E entre os portugueses sobressai a sua relação com Guerra Junqueiro que ele visitou algumas vezes percorrendo os caminhos desde a sua Salamanca adotiva até Freixo de Espada à Cinta, onde vivia Junqueiro. Dessas viagens resultaram belíssimas páginas em que descreve as arribas do Douro e, ao ler esta obra, não pude deixar de imaginar aquele viajante contemplando a paisagem arribeña e as personagens que nele se movem. Unamuno não seria insensível à grandeza e miséria de todos quantos arriscaram a vida percorrendo as arribas e fugindo à perseguição para ganharem a vida.

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Literatura

É neste [...] sentido que leio e compreendo Filhos da raia. Zé Malgueiro, Acácio Canhoto, Carlitos, Porfírio, Carolina, Don Onório, dona Filomena, o padre Aduriz, o doutor Goikoetxea, o João, a Regina podem ser personagens de ficção, criações literárias, mas são sobretudo, como escreve Unamuno, homens e mulheres que “comem e bebem e jogam e dormem e pensam e querem”.

E aqui, é bom lembrar, Jorge Afonso não está só. Precede-o e secunda-o uma plêiade de escritores cuja preocupação foi justamente o humano, a dureza e o tormento das condições de vida. [...]

E entre os muitos títulos que podíamos citar na literatura portuguesa lembro apenas uma obra que já fez parte das leituras obrigatórias do Ensino Básico: Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes. Inspirada na realidade portuguesa de meados do século XX, nela se denuncia a injustiça e a opressão que condena os mais frágeis à miséria. As crianças, o Gaitinhas, Sagui, Maquineta e Guedelhas, que são as personagens principais, têm de trabalhar recolhendo barro nos esteiros do Tejo para fazer telha e tijolo. Não podendo ir à escola, estão naturalmente condenadas a uma vida sem saída da pobreza. Em Filhos da raia a miséria tem solução. Mas ela não está no contrabando nem nos parcos proventos que se podiam retirar da venda de alguns produtos. Isso era apenas uma forma de sobrevivência quando o país, ou melhor, o regime, alimentando-se da miséria de muitos, permitia apenas que alguns vivessem mais condignamente.

Mas aquilo que o contrabando não dá, a raia oferece. Ninguém como os contrabandistas para saber que, do outro lado, para lá dos horizontes que a vista não alcançava, havia outro mundo e outra realidade. Nem que fosse para fugir à Justiça pois, “assassinar um guarda, uma autoridade, o rosto do Estado”, era algo que a Pátria não podia permitir: “Fujam

No dia 9 de abril, o Plano Nacional das Artes convidou os alunos dos primeiro, segundo e terceiro ciclos e do Ensino Secundário a nível nacional, para assistirem à transmissão a partir da Escola de Miranda do Douro, em streaming em direto, através do canal Youtube da DGEstE, com partilhanasredessociais.

Nesse dia, tratava-se de divulgar a dança Pauliteiros, bem como transmitir a simbologia dos

assim que puderem!”. E fugiram. Iniciaram a sua viagem que os haveria levar até França, depois de passar por Fermoselle, Zamora, Tordesillas, Vitória, … e depois de atravessar outra fronteira e chegar finalmente à terra desejada, Bordéus, em França.

Mas toda a partida é apenas o início de um regresso. Comecei aliás por me referir ao papel fundacional da Guerra de Tróia na constituição da literatura e da cultura ocidentais. Ulisses, que nela combateu durantes dez anos, levou outros tantos para regressar à sua Ítaca natal e aos braços da sua Penélope amada. De igual modo, também os nossos heróis –creio que agora já lhes podemos chamar assim – emigraram, deixaram a sua pátria, mas levaram com eles o chamamento das origens e da pátria.

Por isso, como referi, o tema principal deste livro não é a “fronteira”. Pelo contrário. As raias, sejam elas lusoespanholas ou franco-espanholas servem aqui para unir. São um ponto de passagem, difícil de transpor, é certo, mas não intransponível. É a viagem – neste caso circular – que está presente em toda a narrativa. É uma odisseia com retorno de quem atravessa o mundo e regressa a casa, enriquecido e transformado pelas experiências que viveu durante a “viagem”.

“Finalmente só, isolado frente à obra de arte, Zé olhou-se ao espelho e, pela primeira vez, sentiu-se completo e em paz. A sua missão estava cumprida”. (Filhos da raia, p. 286)

*Coordenador do Departamento de Línguas do AEMD

seus trajes e pôr em evidência o seu valor etnográfico e artístico. Para além disso, deu-se particular destaque à Língua Mirandesa, pois, como se sabe, é uma disciplina do nosso Agrupamento, que todos podem frequentar.

Esta atividade desenvolveu-

ração de Aprendizagens Escola+ 21/23, sendo que o projeto Mochila Cultural integra o Projeto CulturaldaEscola/PNA.

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Artes

LEONOR PRETO

ALUNOS DO 6.ºB

No âmbito das atividades dos 50 anos do 25 de Abril, nas aulas de EV, fizemos cravos em papel crepe. A escolha da cor dos cravos foi para simbolizar a revolução do 25 de Abril de 1974. Fizemos passo a passo, nas aulas, e foi uma atividade simbólica, divertida e interessante. Fizemos bastantes para distribuirmos na marcha

coletiva que vamos realizar pelas ruas da nossa cidade, para sinalizar o 25 de Abril. Com esta atividade adquirimos aprendizagens e competências que podemos utilizar para vários projetos. Os cravos ficaram muitos bonitos!

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Artes
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Crianças do Jardim de Infância de Sendim constroem cartaz alusivo aos 50 anos de Abril! Artes
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Abril aos olhos das turmas do Jardim de Infância de Miranda do Douro
Artes
As crianças do 1.º Ciclo de Miranda festejam assim...
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Todas as salas do Jardim de Infância de Miranda do Douro celebram o 25 de Abril.
Artes
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Artes

Antes e depois do 25 de Abril

ANGELINA FERNANDES

Projeto criativo e colaborativo

ANGELINA FERNANDES

A turma do 5.ºA de Sendim, teve o privilégio de receber uma visita especial durante a aula de Área de Projeto. O Dr. Fráguas, avô de um dos alunos da turma, gentilmente aceitou o convite para compartilhar suas experiências vividas antes e depois da Revolução dos Cravos.

Com uma plateia atenta e participativa, os alunos tiveram a oportunidade de ouvir em primeira mão relatos emocionantes e perspetivas únicas sobre os tempos que antecederam e sucederam o 25 de Abril de 1974. O Dr. Fráguas cativou a todos com suas histórias pessoais, destacando as mudanças sociais, políticas e culturais que ocorreram durante esse período de transição histórica.

Desde os desafios enfrentados pela população antes da Revolução até às transformações que se seguiram, os alunos absorveram cada palavra com interesse e curiosidade, demonstrando uma profunda apreciação pelo conhecimento transmitido pelo experiente visitante.

A docente de Área de Projeto e Cidadania e Desenvolvimento, responsável pela organização do encontro, expressou seu sincero agradecimento ao Dr. Fráguas pela generosa partilha de suas vivências e pelo tempo dedicado aos alunos. A oportunidade de ouvir histórias reais e pessoais sobre momentos históricos importantes é inestimável para o desenvolvimento do entendimento dos alunos sobre o passado e seu impacto no presente.

Este encontro não apenas enriqueceu o currículo académico dos alunos, mas também promoveu valores de empatia, liberdade, democracia, justiça social, e o respeito pelas experiências dos outros e compreensão da importância da história na formação da identidade nacional.

No dia 23 de abril, pelas 10h e 45m, o MFA (constituído por alunos das turmas A e B do décimo primeiro ano) apresentou um poema teatralizado na sala dos professores. O dito poema intitula-se As portas

Os alunos do 5.º A da EB de Sendim mergulharam na história recente de Portugal, ao desenvolverem um emocionante projeto no âmbito das comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril.

que Abril abriu

Durante cerca de 10 minutos, a sessão foi vista pelos docentes e não docentes que quiseram assistir.

Um sucesso! Parabéns atodos osenvolvidos!

Sob a orientação da professora de Área de Projeto, os alunos dedicaram-se a explorar os eventos históricos que marcaram a Revolução dos Cravos. De forma colaborativa, decidiram criar um mural que marcasse esse momento tão significativo da história portuguesa.

Cada aluno foi desafiado a desenvolver um projeto individual, trazendo à tona a sua própria interpretação e compreensão do significado do 25 de Abril. Após uma cuidadosa seleção, uma única proposta foi eleita para ser pintada no mural coletivo.

Mas a colaboração não parou por aí. Para complementar o trabalho, os alunos também elegeram uma palavra ou frase que representasse a sua visão pessoal sobre a importância do 25 de Abril. Essas palavras foram emolduradas de forma criativa, utilizando materiais reciclados, demonstrando o compromisso dos estudantes com a sustentabilidade e a consciência ambiental.

Além disso, como um toque final e representativo do momento histórico, em cada moldura foi colocado um cravo feito pelos próprios alunos, numa homenagem ao símbolo da liberdade e do 25 de Abril.

Este projeto não só enriqueceu o conhecimento histórico dos alunos, mas também promoveu valores de colaboração, criatividade e consciência ambiental. Os alunos trabalharam não apenas conhecimentos académicos, mas também um profundo senso de cidadania e respeito pela história e pelos símbolos que a representam.

O mural e as molduras agora adornam as paredes da escola, lembrando a todos a importância de celebrar e preservar os valores de liberdade, democracia e solidariedade que inspiraram a Revolução dos Cravos há já 50 Anos.

Encenação dos alunos dos 11.ºA e 11.ºB

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Artes

ANTÓNIO SANTOS Leituras

AS REVOLUÇÕES SÃO IMPOSSÍVEIS ATÉ SE TORNAREM INEVITÁVEIS!*

Na celebração dos 50 anos do 25 de abril, as Edições Bertrandbrindam-noscomolançamento de «Utopia», uma obra da portuguesa Raquel Varela, especialista na história do 25 de abril, e do ilustrador brasileiro Robson Vilalba. Trata-se de uma bela obra, a preto e branco, que aborda a Revolução dos Cravos pelos olhos de José, uma personagem fictícia, mas que bem poderia serreal.

«José é um jovem da periferia de Lisboa em plena década de 1960, que assiste aos anos finais do Estado Novo, vendo os pais dos seus amigos embarcarem para a guerra em África, participando no apoio às vítimas das terríveis cheias de 1967 e tomando contacto com as ideias políticas e intelectuais, os livros, a música e os filmes vindos de fora do país, muitas vezes clandestinamente. Ao longo dos seus anos de juventude, verá o desenvolvimento da luta antifascista, a opressão, o papel da

música de intervenção, o festival de Vilar de Mouros e a queda do regime em 1974.

Após o 25 de Abril, integrará os sectores mais ativos da esquerda militar, personificando o radicalismo, a desobediência e a intervenção revolucionária que de alguma maneira caracterizaram o período que ficou conhecidocomoPREC.»

Nas palavras destes autores, «Este livroUtopia – é sobre essa realidade em movimento. A herança mais importante que os nossos pais e avós –que fizeram a Revolução dos Cravos – legaram ao nosso mundo é ainda hoje radicalmente revolucionária: sim, há alternativa!

Anãoperder,paranãoesquecer!

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