Em Divinópolis (MG), o Rio Itapecerica já sente a maior seca dos últimos anos.
Enchentes no RS Divinópolis sofre com as queimadas Sustentabilidade energética
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ARevista Tropikos surge com o objetivo de divulgar temas emergente no campo do jornalismo ambiental. A proposta é contribuir na formação de opinião pública sobre o meio ambiente, ao legitimar e tornar visível as preocupações que emergem da sociedade. Trata-se de um espaço de reflexão que busca gerar uma transformação na atitude das pessoas contribuindo para a formação crítica do cidadão.
Os meios de comunicação têm evoluído na preocupação da degradação ambiental e do relacionamento do homem com o ambiente. Cabe ao jornalista ambiental explicar novos conceitos, técnicas e tecnologias e descobrir que relações têm elas com a destruição ou preservação dos recursos naturais; com a integridade e funcionamento dos ecossistemas ou do meio ambiente urbano, assim como acolher e investigar denúncias e disseminá-las, provocando reações locais ou globais
Apesar de o meio ambiente estar na pauta de assuntos da imprensa, o mesmo recebe uma atenção periférica não tendo um espaço definitivo e estável nas páginas dos impressos. As reporta-
gens, em sua maior parte, devem ser resultado da curiosidade ou interesse do próprio jornalista e inseridas em editorias diversas. Ao mesmo tempo, carece de revistas especializadas que tragam aprofundamento sobre o tema. Assim, a Revista Tropikos surge para suprir essa lacuna existente, ao mesmo tempo em que o debate sobre o meio ambiente é cada vez mais urgente na sociedade.
Nesse sentido, é papel da Universidade contribuir para minimizar o distanciamento entre ciência e comunidade tornando o meio ambiente um assunto de todos. Nas próximas páginas desta revista, o leitor vai encontrar reportagens produzidas através do olhar atento e cuidadoso de uma equipe de jovens aprendizes do curso de Jornalismo, durante o ano de 2024. O trabalho foi desenvolvido pelo Laboratório de Divulgação Científica do curso de Jornalismo da UEMG – Divinópolis com apoio do Programa Interno de Incentivo à Pesquisa e à Extensão (Proinpe), edital 01/2024.
Desejo a você, uma ótima leitura!
Carlos Sanchotene
Editor-chefe da Revista Tropikos
UEMG – Unidade Divinópolis Ano 01 - nº01 - dez./2024
Publicação do projeto de extensão “Jornalismo e meio ambiente: revista digital especializada”, desenvolvido através do Edital 01/2024 do Programa Interno de Incentivo à Pesquisa e à Extensão (Proinpe) da UEMG
Realização: Laboratório de Divulgação Científica do curso de Jornalismo
Editor-chefe: Carlos Renan Samuel Sanchotene (MTb 14758/RS)
Redação: Ana Beatriz de Oliveira, Carlos Sanchotene, Letícia Paolinelli, Maria Teresa Alves Papa, Pedro Lucas da Cunha, Vitória Martins
Projeto gráfico e diagramação: Carlos Renan Samuel Sanchotene Contato: carlos.sanchotene@uemg.br
SUMÁRIO
BRASIL EM CHAMAS
Nos últimos anos, o país tem registrado um aumento preocupante no número de focos de incêndio. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que o número de queimadas, até agosto de 2024, superou 12o mil focos. Esse aumento é atribuído à condições climáticas extremas e ao desmatamento.
Pedro Lucas da Cunha
Maria Teresa Alves Papa
Nos últimos meses o Brasil tem enfrentado uma situação crítica com um aumento significativo nos focos de incêndio. As chamas têm se espalhado rapidamente em várias áreas, especialmente em regiões de vegetação e áreas urbanas periféricas, incluindo parques e áreas de reserva ambiental.
O fenômeno El Niño, que alcançou sua intensidade máxima em 2024, desempenhou um papel crucial no agravamento dos incêndios. A combinação de temperaturas mais altas e menor umidade tem criado condições ideais para a propagação de incêndios. Segundo o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), o El Niño deste ano é um dos mais fortes já registrados, intensificando o calor e reduzindo as chuvas em diversas regiões do Brasil.
O Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil de São Paulo, por exemplo, estão intensamente mobilizados para enfrentar a crise. Equipes têm trabalhado para conter os incêndios com a ajuda, inclusive, de reforços enviados por governos estaduais com aeronaves para combater os incêndios.
No mês de agosto, São Paulo já registrava o maior pico de focos de incêndio em toda história. Foram 3.482 incêndios no mês, pouco mais da metade dos focos foi registrada na sexta do dia 23 de agosto, sendo 1.886 casos. O dia ficou marcado por uma sucessão de incêndios ocorridos em vegetações em áreas de uso agropecuário, como plantações de
cana-de-açúcar e pastagens, que amedrontaram moradores e fecharam rodovias no interior paulista. Forças governamentais encontraram dificuldades de conter as chamas que chegam às casas de paulistas em todo o estado. Além disso, resquícios de fumaça e fuligem chegaram a outros estados, como Minas Gerais e Paraná.
Ainda, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a simultaneidade dos focos mostra uma origem não natural, pois incêndios que ocorrem de forma natural, normalmente se propagam em momentos distintos, motivados por fatores como umidade do solo, vegetação seca e condições climáticas. De acordo com o Sistema de Monitoramento de Queimadas e Desmatamento do INPE, a região amazônica continua sendo a mais atingida pelos incêndios. Em 2024, cerca de 40% dos focos de incêndio foram registrados na Amazônia, com uma área queimada superior a 1 milhão de hectares até agosto. O desmatamento ilegal, impulsionado pela expansão
agrícola e pecuária, contribui significativamente para o aumento dos incêndios. O Pantanal, que já havia sofrido um grande incêndio em 2020, viu uma nova onda de queimadas em 2024. Aproximadamente 300 mil hectares foram destruídos, afetando a fauna e flora locais. No Cerrado, a situação também é crítica, com incêndios que devastaram cerca de 500 mil hectares. A degradação desses biomas não só ameaça a biodiversidade, mas também contribui para a emissão de grandes quantidades de gases de efeito estufa.
Os incêndios têm grandes implicações para a comunidade. Em áreas indígenas e ribeirinhas, as chamas destroem casas e terras, forçando muitas famílias a deslocamentos forçados. Economicamente, os incêndios causam prejuízos à agricultura e à pecuária, com perda de colheitas e pastagens. Estima-se que os danos econômicos ultrapassem os R$10 bilhões em 2024, afetando principalmente pequenos produtores e comunidades dependentes da terra.
Queimadas na Amazônia cresceu 132% em agosto de 2024.
Divinópolis sofre com as queimadas
Em Divinópolis, no período de estiagem, ocorrem focos de queimadas por toda a cidade. Hudson Orsine, bombeiro militar e assessor de comunicação organizacional do 10º Batalhão de Bombeiros Militar (10º BBM) da cidade, acredita que a maioria dos incêndios urbanos sejam causados por ações humanas, principalmente com a intenção de eliminar a vegetação, abrir trilhas e controlar pragas. “Áreas urbanas desprotegidas e lotes vagos são os locais mais frequentemente afetados pelas queimadas na região atendida pelo 10º BBM”, explica. De acordo com o bombeiro, existem áreas críticas na cidade caracterizadas por vasta vegetação e proximidade com residências, onde as queimadas são mais frequentes, além do período de seca do inverno brasileiro, que também é um fator de grande influência no crescente números de focos de incêndio. Hudson pontua que as variações climáticas influenciam no número de ocorrências e só é possível avaliar um aumento ou diminuição ao final do ano, mas que mesmo assim, o 10º BBM continua registrando um número elevado de atendimentos há alguns anos. Maria Inês Pereira Bueno, 60 anos, é servidora pública e mora em um bairro residencial com muitos lotes vagos. Ela presencia muitos incêndios urbanos desde que chegou à cidade, há 10 anos. “Nessa área ocorrem muitas queimadas e muitos incêndio próximos da minha casa e do meu trabalho”, revela.
Foto: Carlos Sanchotene
Maria Inês acredita que os incêndios podem ser causados pelo homem. “Quem comete tal crime, age de maneira que fique parecendo que é um incêndio acidental, mas sabemos que não é, você conhece a história da região, das pessoas que são donas dos lotes e esse é um recurso usado para fazer a limpeza do lote, fica mais barato e mais rápido. Eu acredito que seja um dos motivos”, opina. A servidora ainda ressalta que a região é cercada por escolas e universidades, e os incêndios colocam em risco a vida da
Prevenção
Ogoverno federal tem implementado diversas estratégias para enfrentar os incêndios, incluindo o aumento do financiamento para operações de combate e a
população em geral, mas principalmente dos jovens, que se locomovem entre os lotes em chamas para chegar até as universidades.
Paulo Aguiar, 21 anos, também relatou os impactos das queimadas na cidade. Ele descreveu que o cheiro de fumaça estava insuportável, espalhando-se para todos os lados. “Minha casa está sempre suja com resíduos das queimadas, é um pó que invade os cômodos e dificulta até mesmo a limpeza. A qualidade do ar fica muito ruim, e é algo que incomoda todos os moradores do meu bairro”, diz.
Já Mariane Cristina Fernandes, 32 anos, é administradora de empresas, e comenta como as queimadas afetam diretamente sua saúde. “Com sinusite crônica, rinite alérgica e bronquite alérgica, os incêndios prejudicam muito minha qualidade de vida. A fumaça agrava meus sintomas, e mesmo com cuidados em casa, como usar umidificadores e manter as janelas fechadas, ainda sinto um impacto significativo, o que me leva a recorrer mais frequentemente a médicos e medicamentos para aliviar as crises”, diz.
ampliação do uso de tecnologias de monitoramento. A Operação Verde Brasil 2, iniciada em 2024, mobilizou forças armadas e brigadistas a atuarem no apagamento de incêndios florestais
em áreas mais críticas, principalmente no centro-oeste brasileiro. Além disso, foram ampliados os programas de prevenção e controle, como a instalação de torres de monitoramento e o uso de
Em agosto de 2024, os bombeiros do 10º BBM em Divinópolis atenderam 221 chamados relacionados a incêndio.
satélites para detecção precoce.
Em Divinópolis, o 10º Batalhão de Bombeiros Militar atende 54 municípios do centro-oeste mineiro e, além das operações de combate direto aos incêndios, investe em políticas públicas municipais. “Essas políticas incluem autuações e notificações aos proprietários de terrenos que permitem queimadas e não cumprem as obrigações legais de manutenção de suas propriedades. É necessário aumentar o efetivo operacional, focando no combate a incêndios em vegetação, devido à alta demanda gerada nessa época”, explica Hudson.
A sociedade tem se mobilizado através de campanhas de conscientização e projetos de educação ambiental, através das escolas e universidades, educando os mais novos sobre os riscos de
incêndios na sociedade e natureza. A crescente participação da população tem contribuído para pressionar políticas mais rigorosas e práticas mais sustentáveis. Uma delas foi lançada pelo Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, em 2024, nomeada “Ajude a Manter a Natureza Viva”. A campanha tem como objetivo aumentar a conscientização dos mineiros sobre a importância da prevenção e segurança de incêndios em vegetação. “A comunidade pode colaborar mantendo a vegetação rasteira controlada e criando aceiros, que são faixas de terra sem vegetação, para evitar a propagação do fogo”, diz Hudson.
O aumento dos focos de incêndio no Brasil, especialmente em 2024, é um sinal alarmante da necessidade urgente de uma abordagem integrada e susten-
tável para a gestão dos recursos naturais e proteção ambiental. O país enfrenta um desafio, que exige a colaboração entre governo e sociedade civil. A combinação de esforços para melhorar a prevenção, o controle e a resposta aos incêndios, juntamente com ações para enfrentar as causas, é essencial para garantir a preservação dos biomas e o bem-estar das comunidades afetadas.
“É essencial manter a vegetação dos lotes e áreas adjacentes sob vigilância, garantindo que estejam limpos. Sempre que necessário, deve-se notificar os proprietários e a prefeitura municipal, especialmente em áreas públicas. Em caso de incêndio, a população deve entrar em contato imediatamente com o Corpo de Bombeiros pelo telefone 193”, finaliza o bombeiro.
Divinópolis lidera ranking estadual no número de registros de queimadas entre maio e setembro de 2024.
CALOR NO INVERNO BRASILEIRO
Em 2024, o Brasil viveu um inverno diferente, caracterizado por temperaturas extremamente elevadas. As médias históricas durante a estação mais fria do ano foram superadas em várias regiões do país, um fenômeno que tem raízes profundas nas mudanças climáticas globais. Os impactos foram sentidos na economia e na saúde da população.
Foto: Carlos Sanchotene
Pedro Lucas da Cunha
Maria Teresa Alves Papa
Aanálise das últimas estatísticas meteorológicas do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) revela que as temperaturas durante o inverno de 2024 estiveram entre 2°C e 4°C acima da média esperada para o período. Em São Paulo, por exemplo, os termômetros registraram 28°C em pleno mês de julho, quando a média histórica era de 20°C. No Rio de Janeiro, o cenário foi ainda mais extremo, com temperaturas superando os 30°C.
Este aumento de temperatura tem impactos diretos e profundos
no meio ambiente. Giullya Amaral, bióloga e professora de ciências no município de Divinópolis, explica que o fenômeno está integralmente ligado às mudanças climáticas. “A questão é visível quando comparamos com invernos dos anos anteriores, que não tinham temperaturas tão elevadas e a discrepância é maior ainda se compararmos a momentos em que a industrialização e emissão de gás carbônico não eram tão intensificadas quanto hoje”, diz.
O fenômeno provoca uma aceleração da evaporação da água, o que contribui para a diminuição dos níveis dos rios e lagos. Em áreas onde a água é um recurso já escasso, a situação é ainda mais crítica, acentuado pelas alterações climáticas. Além disso,
o fenômeno aumenta a frequência e intensidade de eventos meteorológicos extremos, como tempestades e ondas de calor. Em julho de 2024, o Estado do Rio Grande do Sul enfrentou intensas chuvas que provocaram grandes enchentes, afetando várias cidades, particularmente nas regiões metropolitana de Porto Alegre e no interior do estado, que resultou em 173 mortos e 420 mil desalojados. O evento climático foi atribuído a um sistema de baixa pressão intenso e à combinação de fatores como a umidade elevada e a influência de padrões climáticos regionais. Essas condições meteorológicas extremas refletiram uma tendência crescente de eventos climáticos severos no país.
Estudo realizado pelo Instituto Geológico e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) aponta que parte do estado pode ficar 6°C mais quente até 2050, além de ter ondas de calor que passam dos 150 dias.
Foto: pixabay
Biodiversidade afetada
Oaumento das temperaturas no inverno afetou, e ainda afeta, a biodiversidade brasileira, um dos mais ricos ecossistemas do planeta. A mudança no clima está forçando muitas espécies a migrarem para novas áreas em busca de condições mais favoráveis. Este deslocamento não é sempre possível, especialmente para espécies que dependem de um habitat específico para sua sobrevivência. “A ocorrência de espécies de invertebrados, como as lagartas e aranhas, diminui muito comparado a outros anos devido a esses animais serem sensíveis a mudanças de temperatura”, explica Giullya. Um estudo publicado em 2023, pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, revelou que muitas espécies de plantas e animais da Floresta Amazônica estão se movendo para altitudes
mais elevadas ou para áreas de floresta mais densa em resposta ao calor crescente. Isso não só afeta a distribuição das espécies, mas também altera as interações ecológicas essenciais, como polinização e controle de pragas. “Esse aumento das temperaturas pode causar diminuição de diversas espécies mais sensíveis a alteração de temperatura como invertebrados e plantas que necessitam de ambientes mais frescos. Também pode causar uma eutrofização em alguns corpos d’água, que vai prejudicar a vida naquele local”, afirma a professora. Giullya ainda acrescenta que no cerrado, a mudança na tempera-
tura está afetando a reprodução de várias espécies de animais. A tartaruga do cerrado, por exemplo, está enfrentando dificuldades na incubação dos ovos devido ao calor excessivo, o que compromete a taxa de sobrevivência dos filhotes. O mesmo ocorre com aves e mamíferos, que enfrentam alterações nos ciclos de reprodução e nos padrões de migração. Além disso, a mudança de temperatura afeta a qualidade e a disponibilidade de alimentos. Muitas plantas estão florescendo fora de época, o que desestabiliza a cadeia alimentar local e afeta animais que dependem de períodos específicos de frutificação e florescimento.
Foto: pixabay
Os impactos na economia
Osolo é um dos recursos mais vulneráveis às mudanças climáticas. O aumento das temperaturas contribui para a diminuição da umidade do solo, o que prejudica a agricultura e aumenta o risco de erosão. As terras cultiváveis estão enfrentando dificuldades para sustentar o crescimento das culturas, levando a uma menor produtividade agrícola. O clima mais quente também aumenta a incidência de pragas e doenças que afetam as plantações. Guilherme Santos, engenheiro agrimensor, acredita que o solo é um dos maiores prejudicados com o fenômeno atípico. “A planta necessita dos nutrientes que estão presentes no solo e acaba que esse fenômeno afeta a absorção da planta. Se torna um solo mais seco, mais compacto do que um solo mais úmido”, afirma.
A agricultura, pilar da economia brasileira, está sofrendo com os desafios impostos pelo clima instável. Pequenos e grandes produtores estão lutando para se adaptar às novas condições. O impacto é visível nos preços dos alimentos, que têm subido devido a menor oferta e à necessidade de importar produtos que antes eram cultivados localmente. “A chuva fica escassa em eventos severos como esse, não tem como o agricultor fazer adubação e outros processos importantes para um bom solo sem a chuva. Então, acaba que, se você jogar
adubo na folha, queima a folha, dando um prejuízo grande para a agricultura”, diz o engenheiro.
Nesse cenário, Rosa Flávia, 42 anos, dona da floricultura D’ Flores, compartilhou os desafios enfrentados com as altas temperaturas. “As altas temperaturas atrapalharam um pouco. As plantas que são de inverno tiveram uma durabilidade menor, algumas quase não tiveram demanda, como as tulipas, que precisam de temperaturas muito baixas. Esse ano, recebemos poucas tulipas. O impacto não foi sentido só no inverno, porque nas plantas, as consequências do clima vêm tempos depois”, explica.
Além disso, Rosa destaca o impacto econômico. “Com a produção trabalhando em um clima diferente, os preços subiram. A procura caiu porque devido às altas temperaturas e ao período de seca intenso, os clientes não conseguiam manter as plantas em casa, o que causou a perda de muitas plantas em geral. Tivemos que aumentar os cuidados, com regras mais rigorosas, como borrifar água nas folhas frequentemente para tentar amenizar os danos”, diz.
De maneira semelhante, Michele Caetano, 40 anos, pequena produtora e feirante, relatou os impactos diretos na produção agrícola. “Esses produtos sofrem muito com as mudanças no clima. A água acabou, tivemos que regar menos e, com isso, a produção caiu. Os preços acabaram subindo. A seca prolongada torna inviável a germinação das sementes que não conseguem crescer sem água suficiente”, explica.
Ela ainda destacou como essas mudanças climáticas afetam
a viabilidade do trabalho. “Com menos água disponível, precisamos priorizar as áreas que conseguimos irrigar, mas mesmo assim, a qualidade das plantas diminui. É um prejuízo que não só atinge o produtor, mas reflete no bolso do consumidor”, sinaliza.
Pequenos e grandes produtores enfrentam dificuldades para se adaptar, resultando em uma menor oferta, elevação de preços e a necessidade crescente de importar produtos. Esses impactos não afetam apenas o setor agrícola e de floricultura, mas ecoam por toda a economia, mostrando como o clima instável é um desafio para todos.
“É um prejuízo que não só atinge o produtor, mas reflete no bolso do consumidor”
Michele sentiu o impacto da estiagem na sua produção.
Foto: arquivo pessoal
Os impactos na saúde
Para a sociedade, o aumento das temperaturas traz uma série de desafios, desde problemas de saúde pública até a necessidade de ajustes nas infraestruturas urbanas. As ondas de calor estão associadas a um aumento nos casos de doenças relacionadas ao calor, como desidratação e insolação. Luísa Alves, 26 anos, técnica de enfermagem, enfrenta bronquite asmática e sinusite desde a sua infância, e relatou os desafios que o calor extremo trouxe para sua saúde.
“O calor influencia muito na minha condição, resseca a garganta, o que causa uma tosse intensa e desencadeia muitas crises alérgicas”, conta. Ela explica que os sintomas mais comuns que enfrenta são tosse persistente, espirros frequentes e garganta seca, o que afeta diretamente sua rotina. “Esse impacto reflete muito na questão respiratória. Fica difícil até realizar atividades simples no dia a dia”, salienta.
Para aliviar os sintomas, a técnica de enfermagem adotou algumas estratégias em casa. “Eu uso ventilador, deixo as janelas abertas para circular o ar e faço lavagem nasal com soro fisiológico. São medidas que ajudam a amenizar um pouco o desconforto”, diz. Ela também tenta evitar sair nos horários mais quentes sempre que possível. Sobre orientações médicas, Luísa destaca a importância das informações veiculadas pela mídia. “Geralmente,
em épocas de calor intenso, há bastante informação nos jornais com profissionais da área da saúde dando orientações sobre cuidados. Isso faz muita diferença para quem, como eu, sofre com problemas respiratórios”, pontua.
Mariane Cristina Fernandes, 32 anos, administradora de empresas, também compartilha sua experiência, concordando com Luísa. Mariane vive com sinusite crônica, rinite alérgica e bronquite alérgica e explicou que as mudanças climáticas têm um impac-
“É essencial que as pessoas se conscientizem sobre a importância de se manterem hidratadas e evitarem exposição prolongada ao sol”
to direto em sua saúde. “Sempre que ocorrem oscilações no clima, meus sintomas pioram rapidamente, o que me faz recorrer a atendimentos hospitalares com frequência. O uso de medicamentos acaba afetando meu sistema imunológico, deixando-me ainda mais vulnerável”, comenta.
Mariane complementa que, além de sintomas como tosse seca e congestão nasal, as altas temperaturas também têm causado quedas de pressão arterial e agravado crises respiratórias. Assim como Luísa, ela adota medidas preventivas, como usar umidificadores, manter-se hi-
dratada e ajustar sua rotina para evitar os horários mais quentes. Ambas destacam a importância de informações confiáveis e orientações médicas durante esses períodos de calor extremo.
João Paulo Santos Alves, 47 anos, médico clínico geral, destaca a importância de medidas preventivas para lidar com os impactos do calor atípico. “Estamos vivendo um cenário desafiador. Durante esse inverno anômalo, temos observado um aumento significativo nos casos de desidratação e insolação, especialmente entre crianças e idosos, que são mais vulneráveis às altas temperaturas. É essencial que as pessoas se conscientizem sobre a importância de se manterem hidratadas e evitarem exposição prolongada ao sol”, afirma. Ele também ressalta o papel das autoridades de saúde na preparação para esses episódios de calor extremo. “É fundamental que haja campanhas de conscientização para a população e que as unidades de saúde estejam preparadas para atender ao aumento na demanda por cuidados relacionados a problemas causados pelo calor. A prevenção é a melhor forma de evitar complicações mais graves”, acrescenta. A equipe médica na unidade onde trabalha, localizada em Sete Lagoas (MG), tem trabalhado para educar os pacientes sobre os riscos do calor e as melhores práticas para se proteger. “Estamos distribuindo folhetos informativos e orientando os pacientes a incluírem frutas ricas em água na dieta, como melancia e melão, além de priorizarem roupas leves e espaços ventilados. Pequenas mudanças no dia a dia podem fazer uma gran-
Mudanças climáticas desafiam a saúde dos mineiros devido ao contraste nas temperaturas.
de diferença no enfrentamento das ondas de calor”, conclui. Além dos efeitos diretos, a sensação de desconforto e o impacto na qualidade de vida são palpáveis. Muitos brasileiros relatam dificuldade em dormir devido ao calor persistente, uma mudança que altera o ritmo da vida cotidiana e afeta a produtividade e o bem-estar geral. Marina Moris, 20 anos, influenciadora digital, compartilha como o calor afeta seu dia a dia. “O calor me deixa com muita preguiça, e, sinceramente, até sem fome. É como se o calor intenso sugasse minha
energia para fazer qualquer coisa”, diz. Já Caroline Santos, 25 anos, cirurgiã dentista, destaca os efeitos do calor em seu bem-estar. “Tenho dormido e comido menos. A sensação de desconforto é constante, e isso afeta diretamente a minha produtividade. Mesmo nos momentos de descanso, o calor não deixa meu corpo relaxar completamente”, explica. Esses relatos evidenciam como o calor vai além do desconforto físico e interfere no comportamento, no humor e até nos hábitos básicos das pessoas. O aumento das temperaturas no inverno bra-
sileiro de 2024 ilustra um desafio global em escala local. À medida que o país enfrenta um futuro incerto, é importante que ações sejam tomadas para mitigar os impactos das mudanças climáticas e adaptar-se a uma nova realidade. A conscientização e a ação coletiva serão essenciais para proteger o meio ambiente, a biodiversidade e a qualidade de vida das futuras gerações. “Não tem como retomar a natureza ao que ela foi um dia, mas dá para reduzir pelo menos um pouco o impacto causado, criando ações sustentáveis”, completa a professora Giullya.
Foto: Getty Images
Foto: pixabay
SUSTENTABILIDADE ENERGÉTICA NO BRASIL
O hidrogênio verde promete ser uma alternativa crucial aos combustíveis fósseis, com zero emissão de gás carbônico. Além disso, a energia eólica e solar têm sido uma alternativa para um futuro energético mais econômico e sustentável.
Ana Beatriz de Oliveira
Letícia Paolinelli
OSenado Federal deu um passo importante para o futuro energético do Brasil ao aprovar o marco legal que regulamenta a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono, conhecido como hidrogênio verde. Essa nova legislação (14.948/24) visa não apenas promover uma matriz energética mais limpa, mas também estimular o crescimento econômico do país.
O hidrogênio verde é uma forma de energia limpa e renovável que tem ganhado destaque como uma solução promissora para a
descarbonização de setores chave da economia. Esse tipo de hidrogênio é produzido através de um processo chamado eletrólise, onde a água (H2O) é dividida em hidrogênio (H2) e oxigênio (O2) utilizando eletricidade. O que torna o hidrogênio verde verdadeiramente sustentável é o fato de que essa eletricidade provém exclusivamente de fontes renováveis, como a energia solar, eólica e hidrelétrica. Ao contrário dos métodos tradicionais de produção de hidrogênio, que utilizam gás natural ou carvão e resultam na liberação de grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2), o processo de eletrólise alimentado por energias renováveis não gera emissões de gases de efeito estu-
fa, tornando o hidrogênio verde uma alternativa essencial na luta contra as mudanças climáticas. A produção de hidrogênio verde representa um avanço significativo para a transição energética global, pois oferece uma maneira de armazenar e transportar energia limpa, que pode ser utilizada em uma variedade de aplicações, desde a geração de eletricidade até o abastecimento de veículos e a produção industrial. Além disso, o hidrogênio verde tem o potencial de substituir os combustíveis fósseis em processos industriais de alto consumo energético, como a produção de aço e cimento, setores que tradicionalmente têm alta emissão de carbono. A viabilidade econômi-
Presidente, ministros e autoridades na sanção dos projetos que auxiliam investimentos na transição energética.
ca do hidrogênio verde ainda depende de avanços tecnológicos e de políticas públicas que incentivem a expansão das energias renováveis e a construção de uma infraestrutura adequada para sua produção e distribuição em larga escala. Contudo, sua implementação bem-sucedida poderia posicionar o Brasil como um líder mundial na produção e exportação de energia limpa, aproveitando seu vasto potencial em recursos naturais renováveis.
Durante a cerimônia de sanção do marco legal, ocorrida no dia 2 de agosto de 2024, no Porto do Pecém, no Ceará, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou o compromisso do governo com a transição energética, enfatizando que o Brasil possui vantagens competitivas incomparáveis em relação a outros países, especialmente na produção de energias renováveis, como o hidrogênio verde. O evento também marcou a assinatura de importantes medidas para fortalecer a infraestrutura nacional, essencial para viabilizar a produção e distribuição do hidrogênio em escala industrial. Entre essas medidas, destaca-se a continuidade das obras da ferrovia Transnordestina, que será vital para o escoamento de novos produtos gerados a partir dessa matriz energética.
Renan Ribeiro é professor e pesquisador em Química da UEMG, em Divinópolis, e coordenador de um projeto da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) para o desenvolvimento de materiais para a produção de Hidrogênio Verde. O pesquisador explica que o hidrogênio é um gás com alta densidade de energia, permitindo a sua utilização
como combustível em substituição aos combustíveis fósseis. “A nomenclatura Hidrogênio Verde é oriunda da forma de obtenção desse gás, nesse caso, utilizando fontes sustentáveis de energia como energia solar, eólica etc. Ele é um combustível sustentável que pode contribuir com a substituição das fontes energéticas convencionais (fósseis), contribuindo para a descarbonização, ou seja, diminuição das concentrações de CO2 na atmosfera, além de apresentar uma excelente densidade de energia, permitindo sua aplicação em diversos setores da sociedade
-o competitivo tanto no mercado interno quanto externo.
“O hidrogênio, se obtido de forma sustentável, é um excelente avanço na preservação do meio ambiente”
desde automóveis à processos industriais avançados”, afirma. A governança do processo de certificação do hidrogênio será realizada através do Sistema Brasileiro de Certificação de Hidrogênio (SBCH2), proposto pelo Comitê Gestor do Programa Nacional do Hidrogênio (Coges-PNH2). Isso visa garantir a qualidade e a sustentabilidade do hidrogênio verde produzido no Brasil, tornando-
“O Brasil é um país tropical com grande incidência solar, além de outras fontes de energia renovável que podem ser utilizadas para separar os gases H2 e O2 oriundos do H2O. Além disso, a extensão territorial permite o desenvolvimento de inúmeras industrias dedicadas a esse setor, possibilitando um aumento na produção, em comparação com outros países. De fato, nos últimos anos, estamos observando um aumento considerável das iniciativas públicas e privadas para potencializar a produção de Hidrogênio Verde no Brasil, o que deve gerar resultando promissores nos próximos 10 anos”, enfatiza Renan. O Marco Legal sancionado pelo governo inclui a criação do Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro). Este regime oferece incentivos fiscais significativos, incluindo isenção de tributos como PIS/Pasep e Cofins, além de créditos tributários através da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Estima-se que até R$18 bilhões serão destinados a esses incentivos entre 2028 e 2032, com o apoio potencial de recursos do governo e de entidades internacionais.
“O hidrogênio, se obtido de forma sustentável, é um excelente avanço na preservação do meio ambiente já que possibilita a descarbonização (redução das concentrações de CO2), uma vez que o seu consumo não produz nenhum subproduto perigoso ao meio ambiente. Além disso, apresenta uma redução do custo energético interno”, ressalta o pesquisador.
Impactos ambientais
Anova legislação estabelece uma política nacional robusta, destinada a fomentar a produção e o uso do hidrogênio verde, posicionando o Brasil como um líder global na transição para uma economia de baixo carbono. O objetivo é claro: substituir gradualmente os combustíveis fósseis por alternativas mais sustentáveis, contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa e alinhando-se com as metas globais do Acordo de Paris.
O Acordo de Paris, discutido por 195 países durante a COP21 em 2015, tem como objetivo principal reduzir o aquecimento global por meio da diminuição das emissões de dióxido de carbono. Aprovado em 12 de dezembro de 2015, o tratado reconhece a urgência de uma resposta progressiva às mudanças climáticas. O Brasil ratificou o acordo em 12 de setembro de 2016, e em julho de 2022, o STF o equiparou a um tratado de direitos humanos, conferindo-lhe status superior às leis ordinárias.
É importante destacar que cerca de 80% da energia utilizada, hoje, provém de combustíveis fósseis, como o petróleo, o carvão e o gás natural. A bióloga Laucelly Avelar, explica que, atualmente, a maioria da demanda energética mundial é atendida por esses recursos. “Os combustíveis fósseis são utilizados como fonte de energia por meio de sua queima, sendo em-
Brasil é 4º no mundo em ranking de emissão de gases poluentes desde 1850.
pregados em diversas atividades, como a geração de eletricidade, combustíveis para o transporte e a produção industrial”, diz.
Esses recursos não apenas são finitos, mas também são responsáveis pela emissão de grandes quantidades de gases poluentes, que agravam o efeito estufa e aceleram as mudanças climáticas.
O uso intensivo desses combustíveis resulta em desmatamento, poluição do ar e da água, e contribui para o aquecimento global.
“Outro aspecto negativo dos combustíveis fósseis é o fato de serem recursos não renováveis, o que significa
que suas reservas irão se esgotar em algum momento”
A poluição causada pelo uso de combustíveis fósseis tem impactos profundos na qualidade de vida, afetando a saúde, o meio ambiente e a economia de forma significativa. A queima de carvão, petróleo e gás natural é a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa e poluentes atmosféricos, como dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio e material particulado fino.
“O uso intensivo de combustíveis fósseis tem gerado preocupações crescentes, pois libera gases poluentes, como o dióxido de carbono (CO2) e o monóxido de carbono (CO), considerados como os maiores causadores do aquecimento global. Outro aspecto negativo dos combustíveis fósseis é o fato de serem recursos não renováveis, o que significa que suas reservas irão se esgotar em algum momento”, explica a bióloga.
O uso de combustíveis fósseis nos veículos é um dos principais responsáveis pela poluição atmosférica nas grandes cidades brasileiras. Automóveis, ônibus e caminhões movidos a gasoli-
na e diesel liberam uma enorme quantidade de dióxido de carbono (CO2), monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NOx) e outras substâncias nocivas no ar, contribuindo para a degradação da qualidade do ar e aumentando os riscos à saúde pública, como doenças respiratórias e cardiovasculares. Nas metrópoles, essa poluição é exacerbada pelo trânsito intenso, resultando em episódios frequentes de smog e aumento das temperaturas urbanas, fenômeno conhecido como ilha de calor. A dependência desses combustíveis fósseis nos transportes urbanos não só intensifica o problema ambiental, mas também torna
ainda mais urgente a necessidade de transição para fontes de energia mais limpas e sustentáveis, como o hidrogênio verde. Apesar do avanço significativo representado pelo marco legal do hidrogênio verde, a realidade nas ruas das grandes cidades brasileiras ainda é marcada pela dependência dos combustíveis fósseis. Viviane Silva, 28 anos, frentista em um posto de combustíveis no bairro Salgado Filho, em Belo Horizonte, testemunha diariamente os impactos ambientais e percebe uma mudança preocupante na qualidade do ar da cidade. “O trânsito aqui em BH está cada vez pior, cheio de carros e motos. Com tanta
gente rodando, acho que a poluição só vai aumentando”, comenta. Apesar de ainda desconhecer o conceito de hidrogênio verde, ela reflete sobre a necessidade de uma mudança urgente. “A gente precisa de alguma coisa que seja melhor pro meio ambiente e pra gente que vive aqui, mas eu não sei o que pode ser”, questiona.
Amanda Martins Xavier, agente comunitária de saúde em Divinópolis, 24 anos, pontua como a qualidade do ar pirou nos últimos tempos e como se sente mediante disso. “Em dias quentes é quase impossível suportar. A qualidade do ar piorou consideravelmente, e isso tem dado a sensação de um ar mais pesado, parece que
O Brasil pretende diminuir em 37% as emissões até 2025 e em 43% até 2030.
ficamos mais cansados”, afirma. Amanda ainda pontua como a poluição ambiental tem afetado seu desempenho diário. “Certamente, a piora na qualidade do ar e as mudanças climáticas têm me gerando desconforto físico e compromete toda a minha produtividade e disposição”, diz. Essa perspectiva, compartilhada por muitos brasileiros que vivem nas grandes cidades, e também no interior, ressalta a urgência da transição para fontes de energia mais limpas e sustentáveis, como o hidrogênio verde, para melhorar não apenas a qualidade do ar, mas também a qualidade de vida da população urbana.
Gisele Guimarães, 47 anos, professora de ciências na rede estadual, destaca os impactos positivos que essa transição pode trazer para o meio ambiente. “O hidrogênio verde é uma solução promissora para a crise climática que enfrentamos. Ao utilizar fontes de energia renováveis na sua produção, ele praticamente elimina a emissão de gases poluentes durante todo o processo. Isso é especialmente importante para países como o Brasil, que têm uma vasta capacidade de geração de energia limpa”, explica.
Para Renan Ribeiro, a queima do hidrogênio verde não gera subprodutos nocivos ao meio ambiente, como no caso da queima de combustíveis fósseis. “Uma substituição de matriz energética para ampliar o seu uso impactará significativamente na redução da quantidade de combustíveis fósseis utilizados e, consequentemente, da quantidade de carbono produzida pelos setores de transporte, indústrias e outros que façam uso dessa fonte primária de energia”, finaliza o especialista.
Energia solar: esperança para um futuro sustentável
Aenergia eólica e a energia solar são duas das principais alternativas para um futuro energético sustentável. A primeira é gerada a partir da força dos ventos, que movimentam turbinas e produzem eletricidade. Já a segunda, é obtida através da captação dos raios solares por painéis fotovoltaicos, que convertem a luz do sol em energia elétrica. No Brasil, essas fontes de energia têm ganhado espaço, já que em grande parte do país a incidência solar e os ventos são constantes. Marluce Martins, professora de uma escola municipal em Três Pontas no sul de Minas Gerais, há mais de cinco anos utiliza energia fotovoltaica em sua residência, e destaca os benefícios desse investimento sustentável. “A gente não paga mais energia, né? Só geramos para a CEMIG e pagamos uma taxa de 50 reais”, explica. No seu dia a dia, essa mudança trouxe mais tranquilidade, permitindo o uso de eletrodomésticos como o ar-condicionado e a máquina de lavar sem a preocupação constante com a conta de luz.
“A gente também passou a ser mais consciente sobre o consumo de energia porque, agora, enxergamos de onde vem essa energia e como ela é gerada. Isso fez uma diferença enorme na nossa quali-
dade de vida. Eu sinto que estou contribuindo para um mundo melhor. Essa escolha impactou não só nosso bolso, mas também nossa consciência ambiental”, destaca. Paula Vieira, 30 anos, empresária e administradora de uma conveniência em Divinópolis, utiliza energia solar desde 2018 em sua residência, e evidencia as vantagens desse investimento. “Além de ser uma fonte de energia limpa e sustentável, é muito rentável. Mesmo que o investimento seja a longo prazo é compensatório”, afirma. Além disso, enfatiza as melhorias que notou quando passou a utilizar essa energia. “Só de não ter algo a mais para pagar e ver que isso melhora o meio ambiente já é de grande valia. Sem contar que dá para aproveitar o sol da melhor maneira”, pontua.
“Eu sinto que estou contribuindo para um mundo melhor. Essa escolha impactou não só nosso bolso, mas também nossa consciência ambiental”
Em Divinópolis, há mais de 100 empresas de energia solar. Esse número reflete o crescimento do setor de energias renováveis na região oeste de Minas Gerais, impulsionado tanto pela busca por alternativas sustentáveis quanto pela economia gerada na conta de luz para consumidores e empresas. Rimines Rodrigues, instalador de sistemas fotovoltaicos na Maxvolts Energia Solar, comenta sobre o crescimento expressivo na demanda por energia solar nos últimos anos. “A procura por essa energia tem aumentado. Antes da taxação, houve uma alta demanda. Depois, teve uma queda. Neste ano, vimos recusas da Cemig por inversão de fluxo, mas nos últimos dois meses, hou-
ve mais flexibilidade para instalações com consumo”, explica. A instalação de sistemas de energia solar demanda cuidados específicos, dada a complexidade e os riscos de segurança envolvidos, pois é um trabalho que precisa ser realizado por profissionais capacitados. “A instalação não pode ser feita por uma pessoa comum. É preciso um profissional treinado, pois se trata de um trabalho de risco de choque e queda por ser na maioria das vezes em telhado. Essa instalação é feita em telhados diversos e em estrutura para solo. É feita a fixação da estrutura no telhado ou solo para receber as placas que são interligadas ao inversor que faz a transformação da ener-
gia que as placas captam que é corrente contínua em corrente alterna e posteriormente ligado no sistema da Cemig”, explica. A adoção de sistemas de energia solar tem crescido consideravelmente, especialmente entre residências unifamiliares, onde a instalação tende a ser mais simples e direta. No entanto, a dinâmica muda quando se trata de apartamentos. “A instalação em casas é o mais comum, pois o telhado é de uma só residência. Já nos apartamentos, o telhado é em comum a todos os moradores. A rede de energia exige que o telhado tem que ser do mesmo proprietário do apartamento que vai ser homologado ao sistema”, finaliza Rimines.
Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), o Brasil já alcança 2 milhões de residências com energia solar.
A TRAGÉDIA GAÚCHA
As enchentes no Rio Grande do Sul comoveram o Brasil que se uniu em uma corrente de solidariedade. A vida de muitos gaúchos mudou drasticamente e o Estado, agora, enfrenta desafios na sua reconstrução, bem como problemas na saúde pública.
Foto: Gustavo Garbino/ PMPA
Carlos Sanchotene
Vitória Martins
Odesastre natural ocorrido no Rio Grande do Sul não alcançava tamanha proporção de destruição desde 1941, quando o nível do rio Guaíba chegou a 4,76 cm. Na maior tragédia do Estado, foram contabilizados 183 mortos e mais de 600 mil desalojados, segundo dados da Defesa Civil do RS. Muitos permaneceram em abrigos emergenciais construídos pelo Estado e organizações solidárias. Essa catástrofe é considerada o maior desastre ambiental da história gaúcha e o quinto maior desastre natural do Brasil.
Os temporais sucessivos devastaram 298 dos 497 municípios, impactando 60% das cidades gaúchas, transformando paisagens urbanas e rurais. De acordo com o levantamento divulgado pelo MapBiomas, as enchentes, enxurradas e deslizamentos atingiram uma área de 15.778 quilômetros quadrados, o equivalente a 5,6% do território gaúcho. As cidades mais afetadas, como Nova Santa Rita e Esteio, tiveram mais da metade de suas áreas submersas, com danos irreparáveis a propriedades, infraestrutura e plantações.
A destruição vai além das perdas materiais, afetando a vida social, o bem-estar psicológico e a saúde do povo gaúcho que enfrentou não apenas a reconstrução de suas casas, mas também de suas vidas. Para os moradores dessas regiões, a destruição não é apenas física. A perda de casas, documentos, lembranças e, até mesmo, vidas humanas, gera um impacto profundo na saúde mental.
876 mil pessoas foram diretamente atingidas pelas enchentes..
Foto: Gustavo Garbino/ PMPA
Enchentes no RS
Achuva intensa começou em 27 de abril em Santa Cruz do Sul, na Região dos Vales e, sem dar trégua, se estendeu por mais de 10 dias. Essa persistente precipitação sobrecarregou as bacias dos rios Taquari, Caí, Pardo, Jacuí, Sinos e Gravataí que transbordaram, inundando municípios, arrasando cidades e destruindo vidas.
Segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB), todos os rios que banham o estado do Rio Grande do Sul registraram volumes de água 70% acima do previsto para que ocorressem transbordamentos, evidenciando a magnitude inesperada do desastre.
O Rio Taquari, no município de Estrela, apresentou a maior cheia em termos absolutos. Normalmente, considera-se que o rio está inundado quando atinge 19 metros. Mas, no dia 2 de maio, ele alcançou 33 metros, um volume que representa cerca de 70% a mais do que a cota de inundação da região. De acordo com o SGB, essa foi a maior cheia do Taquari em 150 anos, com o rio subindo mais de 13 metros entre os dias 30 de abril e 2 de maio, atingindo um recorde de 19,55 metros no nível da água.
O Rio Jacuí, em Rio Pardo, que cruza importantes cidades da região metropolitana de Porto Alegre, subiu até 20,04 metros. Esse rio é considerado inundado quando atinge 7,5 metros, o que significa que ultrapassou a cota
de inundação em 12,54 metros. Porto Alegre, situada às margens do Lago Guaíba, onde desembocam os principais rios que nascem no interior do Estado, enfrentou uma elevação do nível das águas até 5,33 metros no dia 5 de maio, o maior registro desde 1941. O Lago Guaíba, por sua vez, desemboca na Lagoa dos Patos, que possui apenas um ponto de vazão: uma pequena abertura para o Atlântico na região de Rio Grande. No dia 7 de maio, a Lagoa dos Patos atingiu o pico de volume, com 2,6 metros, o dobro do que já é considerado cota de inundação, fixada em 1,3 metro. As chuvas que causaram esse cenário devastador resultaram de uma combinação de fatores, incluindo uma massa de ar quente sobre a área central do país, que bloqueou a frente fria na região Sul, causando chuvas intensas e contínuas no Estado. Além disso, o período entre o final de abril e o início de maio de 2024 foi marcado pela influência do fenômeno El Niño, que aqueceu as águas do Oceano Pacífico e contribuiu para a permanência de áreas de instabilidade sobre o Estado.
De acordo com Diogo Alves da Silva, 35 anos, professor de Geografia, as enchentes no RS foram influenciadas pelo fenômeno El Nino. “Ele é um fenômeno climático que provoca um aumento da temperatura oceânica (Pacífico). Isso faz com que a água evapore com mais intensidade e os ventos vem trazendo a umidade para o continente, especialmente na latitude daquela região”, explica. Esse quadro foi ainda mais agravado pelo aquecimento global, que torna os eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e intensos.
Efeito estufa e mudanças climáticas
As mudanças climáticas são transformações de longo prazo nos padrões de temperatura e clima, que podem ocorrer naturalmente, através de variações no ciclo solar. No entanto, desde o início do século XIX, as atividades humanas têm sido o principal fator impulsionador dessas mu-
Botes
Foto: Giulian Serafim/ PMPA
danças, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás.
“O alto consumo de combustíveis fósseis que liberam dióxido de carbono na atmosfera, o calor que chega e deveria voltar, acaba ficando preso pela poluição. Isso provoca o aumento da temperatura. Além disso, as queimadas que vêm se intensificando ajudam a reduzir a quantidade de chuvas, pois a vegetação também transpira lançando gotículas de água no ar”, diz o professor. De acordo com Diogo, a queima desses combustíveis gera emissões de gases de efeito estufa, que agem como um grande cobertor em torno da Terra, retendo o calor do sol e, consequentemente, elevando as temperaturas. Dentre os gases de efeito estufa que contribuem para as mudan-
Botes foram utilizados para o resgate das vítimas.
ças climáticas, destacam-se o dióxido de carbono e o metano, que são liberados, por exemplo, pelo uso de gasolina para dirigir um carro ou pela queima de carvão para aquecer um prédio. Além disso, o desmatamento de terras e florestas libera grandes quantidades de dióxido de carbono, enquanto aterros sanitários se tornaram uma das principais fontes de emissões de metano. As atividades humanas em setores como energia, indústria, transporte, edificações, agricultura e uso da terra estão entre os principais emissores desses gases.
“As queimadas e desmatamentos aumentam o efeito estufa, contribuindo com o aumento da temperatura dos oceanos que pode provocar derretimento das calotas, reduzir a biodiversidade e contribuir com o aquecimen-
to global”, explica o geógrafo. Embora o planeta já tenha presenciado esse tipo de fenômeno natural no passado, o aquecimento global atual é quase inteiramente causado por atividades humanas. Praticamente 100% do aumento dos gases de efeito estufa – que impedem a Terra de perder calor de maneira eficiente – é resultado da queima de combustíveis fósseis, responsáveis por cerca de 12% das emissões globais, e da agricultura, que contribui com aproximadamente 25% das emissões.
Atualmente, já aumenta em 50% a concentração de dióxido de carbono na atmosfera e em quase 150 vezes a quantidade de metano, um gás extremamente potente no aquecimento do planeta. Com um planeta mais quente, ocorre maior evaporação de água nos oceanos, o que desencadeia eventos meteorológicos extremos. Todos os oceanos estão mais aquecidos, o que contribui para o aumento desses recordes de temperatura, tanto em escala mundial quanto nacional. Para Diogo, as consequências do problema climático são muitas, como o aumento da temperatura em lugares frios, longos períodos de estiagem em locais que deveriam ser mais úmidos, desertificação, derretimento das calotas polares, entre outros. No entanto, o professor explica que há medidas para o enfrentamento da crise climática. “Dentre as soluções, podemos citar a economia no gasto de energia, uso de bicicletas ao invés de carros para trabalhar, redução do consumo de energia, uso de fontes de energia renováveis, preservação da vegetação e replantio de árvores”, aconselha o geógrafo.
A vida dos gaúchos
Graziana Melo, 44 anos, técnica em enfermagem, é moradora da cidade de Canoas. Ela lembra que a enchente subiu de maneira muito rápida e revela que não imaginaria que sua casa seria devastada pela água. “Tudo aconteceu muito rápido. Não esperava ter que ficar 40 dias fora de casa, sem minha rotina. No dia 02 de maio, o prefeito deu alerta explicando que não tinha motivos para preocupações e que estaria tudo sob controle. Mas por volta das 23h daquela noite, a água começou a extravasar em um ponto do bairro, onde eles teriam “controlado” com sacos de areia”, lembra Graziana. Porém, no outro dia, já não dava para esperar mais. Às 8h40 da manhã do dia 03 de maio, a água já estava se formando nas ruas. Às14h do mesmo dia, a água já tinha tomado proporções inexplicáveis. Foi o que aconteceu com a família da Graziana. No dia 03 de maio, eles acordaram com um carro de som avisando para evacuar o bairro. Ela explica que não esperava que a água subisse tanto e, assim, colocou seus pertences para cima.
“Eu e a minha família começamos a subir os móveis para lugares mais altos. Colocamos o que conseguimos em cima de balcões, mesas e tripés, mas nunca pensávamos que a água iria subir muito. Eu limpei a casa, coloquei um pano embaixo da porta para
“Não são só bens materiais. São
as
fotos, as lembranças, os anos de renúncias que você faz para conseguir dar um conforto maior para os filhos. Absolutamente tudo perdido”
não entrar muita água”, lembra a técnica em enfermagem.
Graziana Melo relata que sua família não recorreu aos abrigos disponibilizados para a população e que se abrigaram emergencialmente na casa de seu pai, na cidade de Novo Hamburgo, onde ficou por lá durante 30 dias. Após tantos dias, ela revela que encontrar sua casa da maneira que estava não foi fácil. “Nunca pensei que viveria isso na vida. É muito triste deixar tudo pra trás. Não são só bens materiais. São as fotos, as lembranças, os anos de renúncias que você faz para conseguir dar um conforto maior para os filhos. Absolutamente tudo perdido”, relata Graziana. Além disso, Graziana e seu
marido, tiveram que enfrentar não só a perda de sua casa, mas também do seu trabalho. Eles tinham uma pequena empresa de móveis em MDF que ficava próximo de sua casa e que foi destruída. “Ainda não conseguimos voltar para casa, pois a estrutura foi atingida. Vamos ter que reformar a empresa e consertar as máquinas. Precisamos comprar todo o material novamente, pois trabalhamos com MDF e perdemos tudo. Estamos limpando e organizando a empresa por ser o nosso único sustento”, conta. Daniele Chagas de Brito, 33 anos, é jornalista e também moradora da cidade de Canoas. Ela explica que, assim que começaram os alertas, seus pais saíram de casa, levando alguns itens
Casa de Graziana atingida pela enchente.
pessoais como documentos e cobertas. “Meus pais saíram e levaram junto a nossa gata e o nosso cachorro. Nisso eu estava trabalhando, e a água já estava chegando em alguns locais em Canoas. Quando terminou meu expediente eu fui pra casa do meu irmão. A água começou a entrar na nossa casa na madrugada de sexta pra sábado. Nisso eu estava no meu irmão. As câmeras ainda estavam funcionando e eu vi quando a água começou a entrar. Eu dormi um pouco e quando acordei Canoas já estava submersa”, explica Danielle. A jornalista ainda lembra que a cidade estava um caos. Muita gente pedindo socorro.
“Deu aquela sensação de desespero, de impotência, de não saber o que fazer. Foi bem horrível. Eu conheço muita gente. Muita gente me chamava porque eu trabalhava na prefeitura. Só que naquele momento eu não era a Daniele jornalista, eu era a Daniela que estava sendo atingida”, recorda a jornalista. Daniele conta que recebeu ajuda do governo, além de vaquinhas para conseguir reformar a casa. “Como foi muito tempo embaixo da água, a gente teve que revestir as paredes, colocar forro, arrumar a parte elétrica. Como meu pai é aposentado ele teve algumas facilidades com empréstimo. E aí conseguimos reconstruir a casa”, explica. Hoje, a jornalista explica que a vida está beirando a normalidade. “Depois de 2024 eu só quero paz e calmaria. Foi um ano muito pesado. A grande lição é que a gente tendo vida e saúde, a gente pode recomeçar quantas vezes a gente quiser. Ao mesmo tempo que a vida nos tira algo, ali na
“A grande lição é a gente ter resiliência, entender os propósitos e que tudo acontece por algum motivo”
Daniele com amigos e familiares após a limpeza de sua casa.
Casa de Daniela em Canoas, no bairro Mathias Velho.
Foto: arquivo pessoal
Foto: arquivo pessoal
frente a gente é recompensado de alguma forma. A grande lição é a gente ter resiliência, entender os propósitos e que tudo acontece por algum motivo”, reflete.
João Vitor Santos, 43 anos, é professor e historiador. Ele mora no bairro Olaria, em Montenegro, região metropolitana de Porto Alegre. Ele explica que em outros períodos de enchente a água nunca tinha chegado até sua residência. Porém, em 2024, foi diferente. “Perdemos praticamente tudo. Salvamos duas televisões, geladeira e máquina de lavar. De móveis, apenas uma prateleira e uma escrivaninha de madeira bruta em meu escritório se salvaram. Perdi 80% de minha biblioteca pessoal”, conta. O historiador ainda lembra dos momentos que passou junto à família. “Primeiro, senti desespero ao ver a água entrando e a sensação de que iria perder tudo. Cerca de uma hora e meia de-
“Dói demais sair pela cidade e ver as marcas da enchente. É uma ferida doída que cicatriza aos poucos”
pois, a sensação de poder perder a minha vida e da minha esposa. Fomos resgatados com água pela cintura, dentro de casa. Saímos com duas cachorras e dois coelhos que tínhamos no jardim. Nossa filha, graças a Deus, havia saído na noite anterior”, recorda.
João Vitor ainda explica que sua família foi resgatada por pescadores que faziam trabalho de apoio aos bombeiros. “Fomos para minha sogra, onde já estava minha cunhada. Somos três famílias, dez pessoas e oito pets na casa. Poucos dias depois, uma tia emprestou uma casa de campo para ficarmos até organizarmos tudo. Vivemos lá por
cinco meses e, agora, estamos em casa. Recebi muita ajuda de amigos. De perto, um mutirão pra limpeza. De longe, muito carinho e ajuda financeira”, diz. O historiador ainda explica que recebeu ajuda do seguro e vaquinha feita por amigos e pessoas desconhecidas. Assim, conseguiu reformar sua casa. No entanto, as consequências da enchente ainda permanecem. “Dói demais sair pela cidade e ver as marcas da enchente. Há muitas casas vazias na cidade e uma incerteza muito grande. De nossa parte, temos projeto futuro para mudar. Mas agora não dá. É uma ferida doída que cicatriza aos poucos”, reflete.
Enchentes no Estado gaúcho deixaram rastros de destruição.
Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini
Desafios
As comunidades mais atingidas enfrentam também desafios sociais significativos, com a destruição de escolas, hospitais e centros comunitários comprometendo o retorno à normalidade, agravando a situação das famílias já fragilizadas. Essas áreas urbanizadas que sofreram com a inundação, também trazem prejuízos para o comércio local e a rotina dos moradores, além de refletir diretamente na economia e na vida social da cidade.
Segundo Arthur Medeiros, atuante no SAMU CIS-URG, foram mais de 25 mil atendimentos realizados no RS, levando pessoas feridas e desabrigadas para bases seguras. “Foi difícil encarar os olhares das vítimas e sentir suas perdas. Mesmo eu ficando na logística da unidade e não realizando os socorros, ainda assim nos deparamos com alguns relatos e situações. Hoje, nós vemos com o sentimento de missão cumprida. Mas ainda tem muito o que o Estado reerguer mesmo já estando dentro de um fluxo de reconstrução e de reestruturação assistencial”, relata o profissional.
A insegurança constante, o medo de novas enchentes e o estresse de lidar com as perdas podem desencadear doenças psicossomáticas, como ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Os desastres naturais não só destroem bens materiais, mas também abalam profundamente o equilíbrio emocional das vítimas, que podem desenvolver
Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini
Doenças como leptospirose atingem os gaúchos.
sintomas como insônia, pesadelos e dificuldades de concentração, afetando sua capacidade de retomada da vida normal.
Segundo a psiquiatra Francine Reis, 37 anos, o surgimento de doenças psicossomáticas pode se agravar ou surgir diante uma situação de estresse ou geneticamente. “Os transtornos de ansiedade, depressão ou até mesmo de pânico são marcados por diversos sintomas entre eles físicos e mentais. Os sintomas que apresentam com mais frequência são choros incessantes, mudanças constantes de humor, desânimo total e sensação de impotência. Quando estes sintomas se agravam dentro do ser humano, começam a se desencadear sintomas físicos como enxaquecas, dores no corpo, falta de ar, tremores e arritmia cardiovascular”, explica a psiquiatra. Ela reforça que é essencial que o Estado disponibilize e viabilize acessos a esse tipo de saúde pública, principalmente para famí-
“Foi difícil encarar os olhares das vítimas e sentir suas perdas”
lias que perderam tudo. “Lidar com um luto constantemente é doloroso e nem sempre os pacientes têm noção de como lidar com seus sentimentos de forma clara. Principalmente, diante de uma situação de extrema vulnerabilidade como a tragédia do Rio Grande do Sul, onde elas além de ter que lidarem com a perda dos parentes, amigos e pessoas próximas, ainda têm que lidar com a perda de seus bens materiais”, relata a médica. Meses após as enchentes, o Estado ainda enfrenta um surto de leptospirose, com 546 casos confirmados e 25 mortes registradas. A doença, causada pela exposição à urina de animais infectados, principalmente ratos, tornou-se uma grave preocupação em meio às áreas alagadas. Além dos casos confirmados, outras doenças como tétano e hepatite A também foram notificadas, exigindo vigilância constante das autoridades de saúde. Diante do aumento de casos, a Secretaria de Saúde do Estado intensificou as orientações para a população sobre a importância da desinfecção de ambientes atingidos pelas enchentes e o cuidado com a exposição à água contaminada.
DIVINÓPOLIS: UM RETRATO DA CRISE HÍDRICA
A escassez hídrica no Brasil tornou-se um tema central nas discussões ambientais. Em 2024, os dados revelam um cenário preocupante com secas severas e um aumento significativo na demanda por água. Em Divinópolis (MG), o Rio Itapecerica já sente a maior seca dos últimos anos.
OAna Beatriz de Oliveira Letícia Paolinelli
Brasil está vivendo uma grande seca devido ao aumento das temperaturas, às alterações nos padrões de precipitação e à intensificação de eventos climáticos extremos como o El Niño e La Niña. Esses fatores combinados estão levando o país a um ponto crítico, onde a água, um recurso antes abundante, está se tornando cada vez mais escassa.
Em diferentes biomas do Brasil, desde a Amazônia até o Pampa, secas severas e inundações repentinas têm se tornado mais comuns, ilustrando a variabilidade climática que o país enfrenta. Essas mudanças afetam não apenas o meio ambiente, mas também têm profundas implicações sociais e econômicas.
Nos últimos anos, cientistas têm alertado para as graves consequências das mudanças climáticas. O aumento da emissão de gases do efeito estufa tem acelerado o aquecimento global, impactando tanto o clima quanto os ecossistemas. A situação vem se tornando cada vez mais alarmante, com um número crescente de eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas prolongadas e fortes tempestades. Esse cenário é resultado de padrões de aquecimento anormais que estão afetando o planeta em diversas dimensões. Ludmila Silva Brighenti, doutora em Ecologia e professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) em Divinópolis, pontua o que esse aumento tem causado nos oceanos. “A gente tem observado no planeta Terra um aumento na temperatura do ar e na temperatura da água. Estamos no ano de 2024, e tem-se quebrado recordes de altas temperaturas, chegando a 1,62 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais. Esse aumento na temperatura do ar e das águas nos oceanos altera os padrões de circulação atmosféri-
“É importante preservar as áreas de vegetação próximas às margens do rio, pois elas ajudam a absorver o excesso de água e a reduzir o risco de transbordamento”
ca, muda a formação das chuvas e torna cada vez mais frequente os eventos climáticos extremos, como inundações”, enfatiza. No Sudeste, as inundações repentinas causadas por chuvas intensas deixaram um rastro de destruição. Cidades como Belo Horizonte e São Paulo enfrentaram enchentes em novembro de 2024, que resultaram em deslizamentos de terra, destruição de infraestrutura e perda de vidas. Esses eventos ressaltam a necessidade de uma melhor gestão urbana e de sistemas de alerta mais eficientes para prevenir tragédias.
O biólogo Rafael Júnio de Oliveira, explica como prevenir a enchentes e destaca a importância de políticas governamentais nesses casos. “A prevenção de enchentes exige um conjunto de ações integradas entre o poder público e a população. É importante preservar as áreas de vegetação próximas às margens do
rio, pois elas ajudam a absorver o excesso de água e a reduzir o risco de transbordamento. Do ponto de vista governamental, investir em infraestrutura de drenagem urbana, como a construção de reservatórios de contenção e melhorias nas galerias pluviais, é indispensável”, destaca.
Além disso, as mudanças no padrão de chuvas e a diminuição do fluxo dos rios impactam diretamente a geração de energia hidrelétrica, que é a principal fonte de eletricidade do país. A redução no nível dos reservatórios gera a necessidade de acionar termelétricas, que são mais caras e poluentes, elevando os custos para os consumidores e contribuindo para o aumento das emissões de gases de efeito estufa.
Além das implicações econômicas e sociais, os extremos climáticos também colocam em risco a biodiversidade. A seca prolongada e a diminuição dos
Para Ludmila Silva, os rios vêm sofrendo com as secas sucessivas.
cursos d’água afetam a sobrevivência de inúmeras espécies, muitas das quais já estão ameaçadas de extinção, o mesmo pode ocorrer em tempos de enchentes.
Dados do MapBiomas indicam que, em 2023, o Brasil perdeu 3% de sua superfície de água em comparação com o ano anterior. Essa redução, que equivale a 5.700 km², é um desafio significativo para a conservação e manejo sustentável dos recursos hídricos do país. O bioma do Pantanal foi um dos mais afetados, com uma redução de 61% na superfície de água em relação à média histórica desde 1985. Essa diminuição não impacta apenas a biodiversidade, mas também aumenta o risco de incêndios florestais que se tornaram mais frequentes e intensos nos últimos anos.
“O bioma do Pantanal é um dos mais biodiversos e é uma das áreas de inundação mais biodiversas do mundo. Ele tem sofrido com secas extremas por vários anos sucessivos, especialmente nessas determinadas épocas do ano em que os rios deveriam encher e transbordar”, ressalta Ludmila Silva.
Divinópolis e o Rio Itapecerica
Divinópolis é banhada pelos rios Itapecerica e Pará. A cidade tem uma relação histórica com esses rios, que sempre desempenharam um papel crucial no abastecimento de água e na vida cotidiana dos moradores. O Rio Itapecerica nasce no município de Itapecerica e corta Divinópolis em uma extensão de 29 km, sendo alimentado por vários afluentes ao longo do caminho.
“A população local convive diariamente com o rio, utilizando-o para atividades de lazer, como pesca e banho nas cachoeiras, além de demonstrar preocupação constante com a qualidade de sua água. Desde sempre os jornais da cidade registravam essa preocu-
pação. O rio também é essencial para o abastecimento, sendo responsável por fornecer água para cerca de 80% da população de Divinópolis”, explica Ludmila..
A história de Divinópolis também reflete essa nova realidade de seca no país. O Rio Itapecerica, que antes era sinônimo de vida, agora enfrenta uma crise que afeta a qualidade de vida dos moradores. Porém, a realidade atual contrasta fortemente com as lembranças de antigos moradores, como Márcio Tibúrcio, 52 anos, que relembra um tempo em que o Rio Itapecerica era caudaloso e ameaçava transbordar, inundando áreas que hoje são urbanizadas e movimentadas, como a região do shopping Pátio Divinópolis.
Em 2022, chuva fez o Rio Itapecerica transbordar e muitas pessoas tiveram que deixar suas casas.
“A prevenção de enchentes exige um conjunto de ações integradas entre o poder público e a população”
Rio Itapecerica em períodos de chuva.
Para ele, a transformação do rio ao longo dos anos é motivo de tristeza. Márcio observa que o Itapecerica, antes robusto e vital, agora apresenta um fluxo de água reduzido, e suas margens, antes verdes e vibrantes, estão secando. “Quando eu era criança, o Rio Itapecerica era uma presença marcante na cidade. Eu lembro que ele era bem mais cheio, caudaloso mesmo. Chegava até a inundar algumas áreas que hoje são bem movimentadas, como a região do shopping Pátio Divinópolis, no bairro Manoel Valinhas”, relembra. Maycon Soares, 34 anos, morador do bairro Candelária, compartilha uma perspectiva semelhante, destacando que o Itapecerica já não desempenha o papel que teve em sua infância. “Eu moro cerca de um quarteirão e meio do Rio Itapecerica. Antigamente, em épocas de cheia, o rio costu-
mava transbordar, atrapalhando o trânsito e o fluxo no bairro. Hoje, o problema é o odor que sobe em épocas de calor intenso, devido à diminuição do volume hídrico e à poluição”, comenta. Vinícius Xavier, 27 anos, publicitário e residente no bairro Bom Pastor, cinco quarteirões acima do Itapecerica, também testemunhou a degradação do rio ao longo das últimas décadas. Ele lembra que desde criança, o rio já não era o mesmo em que seus pais e avós descreviam, quando ainda era possível nadar em suas águas. “Nos últimos 15 anos, percebi que a poluição aumentou consideravelmente. A criação de órgãos e políticas públicas para cuidar do Itapecerica e a fiscalização rigorosa são fundamentais para reverter esse quadro”, afirma.
Márcio Tibúrcio ainda observa que o rio foi esquecido e lamenta não ser mais o mesmo. “Antes, o
rio era um lugar de encontro, de lazer. É triste ver como ele foi ficando mais raso, com menos água correndo por ali. As crianças de hoje, como minha filha Manuela, não têm a mesma oportunidade que eu tive de brincar nas margens do Itapecerica”, lamenta.
Hoje, o problema é o odor que sobe em épocas de calor intenso, devido à diminuição do volume hídrico e à poluição”
Foto: Henrikus Rocha
Ação imediata
Para preparar o país para um futuro em que a água será um recurso cada vez mais valioso e escasso, é essencial adotar medidas de responsabilidade e inovação na gestão da água. Ações básicas, como: o uso consciente da água, evitar o desperdício, a reutilização e o tratamento adequado do esgoto são fundamentais. A educação ambiental deve ser um pilar na formação de uma consciência coletiva sobre a preservação dos nossos recursos hídricos.
A maioria das doenças emergentes está diretamente relacionada a fatores ambientais, especialmente à má preservação do meio ambiente. A degradação ambiental, o desmatamento, o uso inadequado dos recursos naturais e as mudanças climáticas têm um papel crucial na disseminação de doenças infecciosas, uma vez que alteram os habitats de organismos transmissores, como mosquitos e roedores, e favorecem o surgimento de novas cepas patogênicas. Portanto, conscientizar a população sobre a importância de cuidar do meio ambiente e adotar práticas sustentáveis pode contribuir significativamente para a redução das taxas de infecção associadas a essas doenças. Além disso, políticas públicas eficazes voltadas à proteção ambiental, ao saneamento básico e ao controle da poluição são fundamentais para minimizar os impactos da cri-
Campanha contra a dengue
se ambiental na saúde pública. Diante desse cenário, a adoção de políticas públicas voltadas para a conservação dos recursos hídricos é urgente. A conscientização pública e o engajamento político são fundamentais para enfrentar os desafios futuros relacionados à água no Brasil. É necessário um esforço conjunto entre cientistas, gestores públicos e a sociedade civil para implementar medidas eficazes que mitiguem os impactos da seca e garantam um futuro sustentável para o país.
Os rios estão diretamente ligados à saúde pública, principal-
“Uma das prevenções mais eficazes é evitar o contato com águas visivelmente contaminadas, além de nunca consumir água não tratada”
dengue em Divinópolis.
mente pela qualidade da água. Quando contaminados por esgoto, resíduos industriais ou outros poluentes, tornam-se veículos para a transmissão de diversas doenças. De acordo com o biólogo Rafael Oliveira, leptospirose, hepatite A, cólera e até parasitoses, são algumas doenças que podem surgir. “Uma das prevenções mais eficazes é evitar o contato com águas visivelmente contaminadas, além de nunca consumir água não tratada”, recomenda. O biólogo também enfatiza a necessidade da população colaborar, evitando o
descarte irregular de lixo e resíduos, pois isso agrava a poluição e aumenta os riscos para todos.
Conforme informações do Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Divinópolis (SINTRAM), o plano de governo do prefeito reeleito, Gleidson Azevedo, não menciona diretamente o Rio Itapecerica. Em duas páginas dedicadas às questões ambientais, o plano aborda temas como a criação de “corredores ecológicos”, um programa de reflorestamento e ações voltadas para a identificação e proteção de nascentes e cursos d’água,
mas sem apresentar estratégias específicas para a preservação do rio. De maneira indireta, o plano sugere que a implementação da Usina de Tratamento de Lixo poderá se concretizar.
Quando rios urbanos que apresentam altos índices de poluição podem ser ambientes propícios para o surgimento e disseminação de doenças como leptospirose, dengue, febre tifoide e outras doenças de veiculação hídrica. O contato com água contaminada ou mesmo a proximidade com áreas degradadas pelo rio pode afetar diretamente a saúde da população.
Além dos desafios relacionados aos recursos hídricos, é crucial considerar também as questões de saúde pública, como a prevenção de doenças transmitidas por vetores. Em áreas próximas ao rio e ao Parque da Ilha em Divinópolis, o risco de contaminação pela febre maculosa, transmitida pelo carrapato-estrela, é especialmente elevado. Portanto, é essencial reforçar o papel dos órgãos públicos locais para garantir o cuidado e a preservação das margens e do rio, especialmente em áreas urbanas, que são essenciais para manter o equilíbrio ambiental e minimizar os riscos à saúde pública.
A crise hídrica de 2024 é um reflexo das mudanças climáticas globais e dos padrões insustentáveis de uso dos recursos hídricos. À medida que o Brasil enfrenta secas mais intensas e prolongadas e enchentes cada vez mais devastadoras, a necessidade de ações coordenadas se torna cada vez mais evidente. O país precisa se preparar para um futuro em que a água será um recurso cada vez mais valioso e escasso, exigindo responsabilidade e inovação na sua gestão.
Foto: Carlos Sanchotene
SUSTENTABILIDADE À MESA
A alimentação sustentável envolve práticas que atingem o meio ambiente local e global. Adotar um estilo de vida saudável requer equilíbrio, conscientização e um comprometimento com o bem-estar físico e mental. Nesse contexto, o veganismo e o vegetarianismo surgem como exemplos de estilos de vida que promovem a sustentabilidade e o respeito ao meio ambiente.
Foto: pixabay
Carlos Sanchotene Vitória Martins
Alimentação saudável é aquela que oferece ao corpo todos os nutrientes necessários para seu bom funcionamento, proporcionando uma saúde equilibrada e uma boa qualidade de vida. Uma dieta balanceada não se resume em comer, apenas, legumes e verduras, mas sim, garantir a correta proporção dos alimentos.
Segundo a nutricionista Marina Daniel, 31 anos, isso ocorre quando há uma ingestão balanceada de nutrientes e uma correta proporção de consumo de proteínas, gorduras, carboidratos e fibras, por exemplo. Ela cita que os benefícios em adotar
Alimentação sustentável
Alimentação sustentável é uma forma de se alimentar em que a pessoa considera o impacto daquilo que está consumindo para o meio ambiente local e global. De acordo com Geisi Mello Balsamo, professora e doutora em Ciência dos Alimentos, alimentação sustentável significa escolher alimentos que geram menos impacto ambiental em termos de consumo de energia, como frutas e verduras da estação, grãos integrais, produtos locais e produtos com menor grau de industrialização. “Alimentar-se de forma sustentável também envolve reduzir o desperdício de alimentos em casa. Outra
uma alimentação mais saudável vão além dos físicos e auxiliam na preservação da saúde mental. “São inúmeros os benefícios como disposição física durante o dia, melhora do humor, mais força e disposição nas atividades físicas, melhora na qualidade do sono, redução nos inchaços, melhora nos sintomas de doenças como hipertensão, alterações na tireoide, diabetes e doenças autoimunes”, explica. Há quem diga que para comer de forma saudável é necessário consumir alto nível de carnes bovinas, frango, ovos e leite. No entanto, isto é um mito. O surgimento e o crescimento dos estilos de vida como o veganismo e vegetarianismo andam comprovando que o con-
sumo de proteína pode ser obtido com alimentos naturais. Ambos os estilos enfatizam o consumo de frutas, legumes, grãos integrais e outros alimentos de origem vegetal, que são ricos em fibras, vitaminas e antioxidantes. Segundo o estudo feito pela American Heart Association (AHA), essas dietas podem reduzir o risco de doenças crônicas como diabetes, hipertensão e doenças cardíacas, além de ajudarem no controle do peso e na melhora da digestão. Esses estilos de vida também incentivam uma maior conscientização sobre a origem dos alimentos e o impacto ambiental da produção de carne, promovendo uma alimentação mais sustentável e ética.
coisa é a redução do consumo de alimentos que gastam muita água ou que necessitam de muita terra para serem produzidos, como a carne bovina”, explica.
Geisi diz que a sustentabilidade é uma espécie de cálculo a ser feito, entre o que consumimos (em quantidade e qualidade) e os danos que deixamos no meio ambiente para produzir esse alimento. “Quando falamos em impacto ambiental, estamos nos referindo aos recursos naturais do planeta. Usando o exemplo da agricultura convencional, que alimenta grande parte do mundo, direta e indiretamente, e consome inúmeros recursos naturais como água,
“Comprar de produtores locais não só fortalece a economia da região como
também
reduz as emissões de gases do transporte”
desgaste do solo e, dependendo do manejo, pode liberar toneladas de gases de efeito estufa”, pontua.
Por outro lado, métodos de produção agrícola considerados sustentáveis, como a agroecologia ou a agricultura regenerativa, revertem esses problemas, pois protegem o solo, evitam o uso de agroquímicos, e até capturam carbono da atmosfera.
A pesquisadora ainda explica que não podemos negligenciar a questão de transporte dos alimentos. “Produtos que viajam o mundo para chegar ao seu prato, os famosos “food miles”, têm uma pegada de carbono importante comparada com produtos produzidos localmente. Comprar de produtores locais não só fortalece a economia da região como também reduz as emissões de gases do transporte”, diz.
Geisi argumenta que a sustentabilidade, do ponto de vista da alimentação, tende à equilibrar o consumo de recursos naturais pois visa a diminuição do desmatamento, conservação da água, proteção de ecossistemas e controle da crise climática. “Cada prática sustentável que adotamos tem um efeito em cadeia, menos pressão nos recursos naturais e mais equilíbrio para o meio ambiente”, diz.
A pesquisadora ainda salienta que o desmatamento é uma consequência direta de práticas não sustentáveis no agronegó-
cio, como a expansão de monoculturas e pastagens para gado. “Áreas de floresta são derrubadas reduzindo a biodiversidade e provocando o desequilíbrio dos ciclos naturais, como o regime de chuvas, por exemplo. Além disso, as florestas são importantes para o ciclo hídrico saudável dos ecossistemas e a sua destruição compromete a produção agrícola a longo prazo”, argumenta.
Geisi ressalta que já existem modelos de agronegócio considerados mais sustentáveis com práticas que equilibram produção e preservação, como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), a agrofloresta e a agricultura regenerativa. “Essas técnicas visam aumentar a produtividade sem necessitar de novas áreas, preservam o solo e podem proporcionar a recuperação de terras degradadas”, explica. A professora ainda aconselha sobre o planejamento de compras. Para ela, é fundamental que as pessoas comprem apenas o que realmente será consumido para, assim, evitar desperdício. E ainda, reaproveitar os alimentos na sua totalidade. “Temos muitas pessoas que se dedicam a desenvolver receitas com aproveitamento das cascas de frutas e legumes. Instituições como o SESC possuem cursos que produzem lanches apenas com sobras. Tortas salgadas, chips de casca de legumes, sucos verdes, além
Foto: arquivo pessoal
“Os produtos locais fortalecem a economia regional. Consumir o que é produzido por pequenos agricultores incentivapráticas agrícolas mais responsáveis”
Para Geisi, as comidas regionais são a base de uma alimentação mais sustentável.
de preparações em pó, são algumas opções de receitas”, explica. Por fim, Geisi aconselha sobre práticas de adesão a uma alimentação mais sustentável como consumir produtos locais, evitar ultraprocessados, reduzir o consumo de carne, utilizar legumes e frutas da estação, reduzir o uso de embalagens descartáveis. “As comidas regionais são a base de uma alimentação mais sustentável, principalmente por valorizarem os ingredientes locais, com menor pegada de carbono. Além disso, os pratos típicos são, geralmente, feitos com produtos naturalmente presentes naquela região e em determinada época do ano. Os produtos locais fortalecem a economia regional. Consumir o que é produzido por pequenos agricultores incentiva as práticas agrícolas mais responsáveis”, pontua.
Veganismo e vegetarianismo
Oveganismo, movimento que há alguns anos era visto como nicho, hoje está cada vez mais presente na sociedade, ganhando adeptos em todo o mundo. Esse estilo de vida, que exclui o consumo de qualquer produto de origem animal, não é apenas uma escolha alimentar, mas também um posicionamento ético e ambiental. Ao mesmo tempo que promove a saúde e a sustentabilidade, o veganismo desafia estereótipos culturais profundos, especialmente no que diz respeito à relação entre consumo de carne.
Adotar o veganismo é, em grande parte, uma forma de repensar o impacto das escolhas alimentares no planeta. A produção de carne é uma das principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, desmatamento e consumo excessivo de água. Estilos de vida veganos incentivam uma maior conscientização sobre a origem dos alimentos, promovendo uma alimentação mais sustentável e ética. O movimento vegano tem ajudado a desmistificar a ideia de que a prática é cara ou inacessível. Isto foi o que aconteceu com a Rafaelly Alves, de 24 anos, estudante de psicologia da Universidade do Estado de Minas Gerais. “No fim de 2018 comecei a descobrir sobre a alimentação vegetariana estrita e que ela não era composta só de coisas caras e inacessíveis, e isso
me despertou o interesse. Acabei me tornando consciente dos impactos que a indústria da carne e de derivados de animais causa no meio ambiente e, possivelmente, à nossa saúde. Além, é claro, da crueldade animal”, revela. No entanto, a mudança para uma dieta vegana nem sempre é fácil, especialmente devido a aspectos culturais enraizados, em que o consumo de carne é predominante. A nutricionista Marina explica que adotar o veganismo e vegetarianismo é igual a adoção de uma relação mais saudável com os alimentos: alimentação de 3 em 3 horas, e refeições com carboidratos e proteínas. “Elas trazem os mesmos benefícios de uma alimentação saudável. Quem adota esse estilo de vida, na maioria das vezes, come muito mais saudável”, reforça. Porém, a nutricionista aconselha que, assim como qualquer indivíduo, é necessário fazer a recomposição de algumas deficiências que podem aparecer com esse tipo de dieta. Ela destaca que as principais deficiências são de vitamina B12 (encontrada em produtos de origem animal); Ferro (presente nos vegetais e nas carnes); Cálcio, Zinco e Iodo (principalmente no estilo vegano, pois não há consumo de derivados de animais). “É importante salientar que essas deficiências podem afetar até quem consume carne. Não é exclusividade dos vegetarianos”, explica.
De acordo com a Federação Mundial de Obesidade, o Brasil terá 41% de sua população adulta obesa até 2035.
Um novo estilo de vida
As mudanças na vida, especialmente quando envolve algo tão fundamental quanto a alimentação, podem gerar desconforto e ansiedade. A comida não é apenas uma fonte de nutrição; ela carrega consigo valores culturais, afetivos e sociais. Muitas vezes, é associada a memórias, tradições e sensações de prazer e satisfação. Além de nutrir o corpo e a mente, a ali-
mentação é um elo cultural que conecta as pessoas às suas raízes e identidade. Por isso, ao alterar hábitos alimentares, é natural sentir um impacto profundo, que vai além do físico, afetando também o emocional e o social.
A história de Rafaelly Alves, vegana, e da Isabela Freitas, 35 anos, vegetariana, carregam essas inseguranças ao transitarem para uma nova dieta nutricio-
nal. “Comecei tudo como um teste, sem muita pressão e no meu tempo, e acabou não sendo uma mudança muito difícil. O mais complicado pra mim sempre foi o social, o julgamento de outras pessoas”, relata Rafaelly.
Para Isabela, a adaptação a uma dieta vegetariana partiu de conversas com uma amiga que já era vegana. “Ela me dizia que não precisávamos comer carne de animais para nutrir nosso corpo. Então, em 2021, resolvi fazer um teste. Demorou até que eu tirasse a carne do meu prato por completo. Quando consegui, me senti muito leve e, com isso, aderi a esse estilo de vida”, explica Isabella Freitas.
Assim como as dificuldades ao adotar esse novo estilo de vida, as pessoas que escolhem seguir esse tipo de alimentação também ganham inúmeros benefícios para sua saúde física e mental. Tanto Rafaelly quanto Isabela, relatam que observaram vários benefícios ao longo desses anos, principalmente entre o primeiro ano, quando o corpo ainda está se acostumando com essa nova alimentação.
“A digestão não é tão pesada e me sinto mais disposta. Meu desempenho na academia acaba sendo melhor do que era antes da transição”, revela Rafaelly. Para Isabela, a alimentação vegetariana a libertou do sentimento de culpa por estar comendo muita proteína, e sente no corpo os reflexos da nova dieta. “Um dos sintomas físicos que mais melhorou foi o funcionamento do meu intestino que acabou regulando, já que consumo mais fibras por causa das frutas e verduras”, explica.
No entanto, assim como em uma alimentação carnívora, o veganismo também pode ser maléfico à saúde. “Não necessariamente o veganismo é saudável. Tudo depende da alimentação escolhida pela pessoa, se é rica em frutas e verduras, etc. Mas se é rica em massas e batata frita, não faz tão bem. Existem várias formas de ser vegano”, salienta Rafaelly, Apesar das mudanças na alimentação terem mudado ao longo dos anos como o consumo de comidas naturais e a práticas de exercícios físicos, ainda assim, a população brasileira enfrenta problemas em relação a obesidade e sedentarismo. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2021, cerca de 57% dos brasileiros estavam com sobre-
“Uma coisa que um vegano não pode deixar de fazer é preparar suas próprias refeições”
peso e 22,35% com obesidade. Assim como adotar uma alimentação mais saudável desempenha um papel crucial na melhoria da qualidade de vida, a prática regular de exercícios físicos, idealmente três vezes por semana, é igualmente essencial para manter o corpo em equilíbrio. A atividade física não só fortalece os músculos e melhora a resistência cardiovascular. Ela é fundamental para o gerenciamento do estresse e para a liberação de endorfina, conhecida como o “hormônio do bem-estar”, que contribui para uma sensação geral de felicidade e bem-estar.
Segundo a nutricionista Marina Daniel, a prática de exercícios físicos é indispensável para qualquer indivíduo, a sua prática é benéfica em diversas formas. “É necessário também cuidar do corpo e da mente, praticando exercícios físicos, praticando uma higiene do sono e dando atenção à nossa saúde emocional”, sugere.
Apesar do crescimento do veganismo e do vegetarianismo, o Brasil ainda mantém uma cultura predominantemente voltada para o consumo de alimentos de origem animal, como carnes e laticínios. Essa realidade impõe desafios significativos para àqueles que optam por uma alimentação baseada em vegetais.
Um dos maiores obstáculos enfrentados por veganos e vegetarianos é a dificuldade de acesso a opções alimentares adequadas em diversos ambientes sociais. Embora grandes redes de supermercados tenham ampliado suas prateleiras com produtos voltados para esse público, a realidade fora desse contexto é bem diferente. Em lanchonetes, universidades e muitos destinos turísticos, as opções para quem segue uma dieta vegana ou vegetariana ainda são bastante limitadas.
“Minha primeira viagem como vegetariana foi um verdadeiro desafio. Os locais que frequentei não estavam preparados para atender minhas necessidades.
Lembro que, na primeira vez em que fui à praia, depois de me tornar vegetariana, minha única opção foi comer batata frita. Foi frustrante, mas agora já aprendi a lidar melhor com essas situações”, comenta Isabela.
Para Rafaelly, é preciso ter um planejamento e cuidado com a alimentação. “Uma coisa que um vegano não pode deixar de fazer é preparar suas próprias refeições. Já passei por alguns apertos desagradáveis por não encontrar comida de fácil acesso na rua. Por isso, sempre acabo fazendo minhas refeições em casa. Estou pronta para qualquer situação”, diz.
Realização:
Programa Interno de Incentivo à Pesquisa e à Extensão (Proinpe)
Edital 01/2024
Projeto de extensão “Jornalismo e meio ambiente: revista digital especializada”
Coordenação: Carlos Renan Samuel Sanchotene UEMG – Unidade Divinópolis
Curso de Jornalismo
Ano 01 - nº01 - dez./2024
Laboratório de Divulgação Científica do curso de Jornalismo da UEMG - Divinópolis