Revista Expressões

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UEMGDivinópolisCurso de Jornalismo ano 01nº01out./2023 PROINPE 01/2023 teatro música
foto: pixabay
expressões REVISTA
dança fotografia arte drag grafite artesanato literatura audiovisual

Expressão é o ato ou efeito de expressar. É a exteriorização das ideias ou do pensamento por meio de gestos ou palavras. É a maneira enfática de se pronunciar uma palavra ou uma frase. É demonstração de energia e vivacidade. É a maneira como o rosto, a voz e/ou o gesto revelam um estado emocional ou de espírito. É figura representativa; modelo, personificação. É manifestação significativa e importante.

A Revista Expressões surge em um contexto pós-pandemia em que muitas manifestações artísticas foram silenciadas ou precisaram ser reinventadas. Trata-se de uma publicação que busca valorizar a arte como uma expressão humana. Pois, não existe sociedade sem arte. É por ela que nos expressamos, exteriorizamos ideias, pensamentos e registramos fatos.

Nas próximas páginas desta re-

vista, vamos conhecer algumas das principais manifestações artísticas existentes, sobretudo, na cidade mineira de Divinópolis. Os conteúdos foram produzidos através do olhar atento e cuidadoso de uma equipe de jovens aprendizes do 5º período do curso de Jornalismo da UEMG-Divinópolis, durante o ano de 2023. Nesta publicação, você vai encontrar reportagens sobre teatro, música, literatura, dança, artesanato, fotografia, audiovisual, grafite, arte drag. Vai conhecer histórias de vida, luta, desafios e superações que estão entrelaçadas ao mundo das artes. E, quem sabe, despertar o seu lado artístico, poético e sensível.

Desejo a você, caro leitor, uma ótima leitura!

Carlos Sanchotene

Editor-chefe da Revista Expressões

EXPEDIENTE

UEMG – Unidade Divinópolis - Curso de Jornalismo

Ano 01 - nº01 - out./2023

Publicação do projeto de extensão “Expressões: revista de divulgação cultural”, desenvolvido através do Edital 01/2023 do Programa Interno de Incentivo à Pesquisa e à Extensão (Proinpe) – UEMG Divinópolis, coordenado pelo professor Dr. Carlos Renan Samuel Sanchotene.

Redação: Alunos do 5º período do curso de Jornalismo

Aluna voluntária: Larissa Marcial Dias

Editor-chefe: Carlos Renan Samuel Sanchotene (MTb 14758/RS)

Contato: carlos.sanchotene@uemg.br

Projeto gráfico e diagramação: Prof. Dr. Carlos Renan Samuel Sanchotene

editorial
sumário Nos palcos da cidade, o teatro ainda não é protagonista O ritmo do pandeiro O bailarino Além das lentes Arte drag: do underground ao mainstream Grafite: a arte das ruas Nada é lixo, tudo é oportunidade “O lugar da criança negra é onde ela quiser” Produção audiovisual: desafios e conquistas no interior mineiro 04 15 09 12 19 24 29 33 37

Nos palcos da cidade, o teatro ainda não é protagonista

Conheça a origem dessa manifestação artística, a chegada no Brasil e a luta pela valorização

Foto: Carlos Sanchotene

Foi na Grécia Antiga que o teatro, tal como conhecemos hoje, nasceu e foi difundido. O culto e adoração aos deuses eram comuns. Foi assim, que as primeiras manifestações teatrais surgiram. Em uma celebração ao Deus Dionísio, deus do vinho e das festas, apareceu Téspis, uma figura importante para o surgimento do teatro ocidental. A história revela que esse homem participava de um desses rituais quando decidiu vestir uma máscara e dizer que ele era o próprio Deus Dionísio.

A ousadia de Téspis o tornou reconhecido como o “criador do teatro” e primeiro ator e pro-

dutor teatral. Com o tempo, a linguagem artística foi evoluindo e influenciou fortemente o teatro romano e outras culturas.

Teatro é uma palavra que tem origem no termo grego theatron. Seu significado está relacionado a um conjunto de espetáculos teatrais e ao lugar onde essas apresentações ocorrem. Logo, é um dos ramos da arte cênica relacionado a atuação e interpretação. No Brasil, a origem do teatro está relacionada à chegada dos jesuítas, empenhados em catequizar a população local. Uma das figuras mais notáveis, nesse contexto, foi o padre Anchieta que se dedicou ao teatro de catequese.

foto: reprodução/internet 05
Vista panorâmica das ruínas de um teatro grego

O palco divinopolitano

Hoje em dia, as formas de atuação se transformaram e o objetivo dos espetáculos também. Além de conscientizar e entreter o público, hoje, as peças são produzidas para serem comercializadas. Contudo, o caminho a ser percorrido pelos atores e produtores teatrais não é tão romântico quanto as histórias contadas no palco.

O teatro no Brasil, assim como a cultura em geral, tem sofrido diversos ataques e tentativas de esvaziamento. Infelizmente, há um afastamento da população brasileira, seja pelo preço do ingresso, localidade das salas ou por já existirem outras formas de entretenimento.

Divinópolis (MG) enfrenta esse descaso. Com cerca de 200 mil habitantes, a cidade possui apenas um teatro, com capacidade para 300 pessoas: o Complexo Cultural Usina Gravatá. O local foi inaugurado em 29 de junho de 2007, no prédio tombado da antiga Usina Gravatá, primeira da América Latina para produção de álcool de mandioca. Mas, desde então, não é cativado por iniciativas de fomento à cultura ou até mesmo melhorias na infraestrutura, o que dificulta o trabalho dos atores e desmotiva a presença do público.

“O teatro, assim como outras manifestações culturais são muito importantes para retratar a sociedade e colocar as pessoas pra pensar. Mas mesmo tendo consciência disto, nós viemos poucas vezes ao Gravatá, porque são poucas ofertas de eventos aqui, pelo tamanho da cidade acho que poderiam ter mais ofertas”, relata Ana Paula

Martins, diretora da Universidade Estatual (UEMG) na cidade.

Ainda que carente de incentivos e com uma estrutura pouco moderna, o teatro da cidade é palco para espetáculos importantes. É o caso de “Peixes”, espetáculo interpretado pela atriz Ana Regis e vencedor do Prêmio Copasa Sinparc de Artes Cênicas (melhor texto e melhor atriz). Depois de passar por várias cidades do mundo e conhecer diversos espaços teatrais, a atriz afirma que quer ir aonde tem teatro e pessoas que queiram assistir à peça.

Em passagem por Divinópolis, a atriz reafirmou a importância de ir e cuidar do teatro da cidade, pois é um espaço rico que deve ser aproveitado. “É muito importante que, além das lideranças políticas, a comunidade proteja e valorize o teatro. O Usina Gravatá, é um teatro lindo que está se desmanchando.

A população tem que se apropriar dos instrumentos que tem, como: o edifício do teatro, políticas públicas, intercâmbios culturais, valorização da cultura local. Ainda têm muitos pontos a serem trabalhados pra que a gente comece a pensar que o potencial do teatro está sendo reconhecido”, afirma a protagonista do espetáculo Peixes.

Segundo dados do IBGE, apenas 23,4% dos municípios brasileiros possuem teatros ou salas de espetáculo. Os pontos de acesso que existem atingiram a marca de 3.422 espaços, muito pouco para um país com uma extensão territorial como o Brasil. Por isso, é importante garantir que leis de incentivo à cultura estejam em prática. A manutenção destas ferramentas é importante, pois o teatro é um espaço de entretenimento, educação, lazer, crítica social e inquietude.

Foto: divulgação
Ana Régis no espetáculo Peixes
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O teatro e a valorização cultural

Além de promover lazer e entretenimento, o teatro é uma importante ferramenta educativa, já que utiliza da arte para retratar contextos sociais e criticá-los. Outrossim, as técnicas teatrais também são ferramentas de educação, consciência corporal e aprendizagem. Com isso, é possível reconhecer o teatro como ferramenta social.

Nas escolas e universidades, por exemplo, ele tem uma importância fundamental na educação, podendo colaborar para que crianças e adultos tenham a oportunidade de atuar efetivamente no mundo, construindo senso crítico. Além disso, traz benefícios indi-

viduais como o favorecimento da desinibição, dicção, memória, atenção e concentração. Por propiciar um contato aprofundado com recursos corporais, vocais, criativos e emocionais, o fazer teatral favorece o autoconhecimento, a autoconfiança, e uma importante ampliação da capacidade de comunicação e expressão.

“Eu penso que a arte é um pilar, que deveria ser mais utilizada enquanto tecnologia humana, do que simplesmente comércio. O teatro permite o contato do real com o literal, e a partir desse movimento pod=emos construir um olhar questionador sobre a sociedade. Além, é claro, da capaci-

dade de resiliência, concentração e consciência corporal que proporciona pra nós atores”, afirma Amanda Maciel, educadora social e atriz pelo Coletivo Trupe Boba da UEMG - Divinópolis.

Apesar da precarização e da falta de reconhecimento, é necessário valorizar a importância deste espaço arquitetônico para uma cidade, pois ele proporciona a promoção de eventos que fomentem a cultura e a educação. Em Divinópolis, a Escola Cecri reconhece a importância de usar este espaço cultural e repassa este conhecimento aos alunos. A escola desenvolveu o projeto Cecriar: Semana de Cultura, Arte e Educação, que acontece

Foto: Vitória Martins
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Palestra sobre Inteligência Artificial promovida pelo projeto Cecriar

a cada dois anos, objetivando criar vínculos culturais entre os alunos a partir de temas atuais. Em 2023, o evento aconteceu no Teatro Gravatá e discutiu sobre a inteligência artificial a partir de palestras, poemas, oficinas de arte e tecnologia. “É importantíssimo que valorizemos a cultura. Ela é uma das principais ferramentas de ensino para além da sala de aula. O projeto, neste ano, está abordando a inteligência artificial, mas nós desenvolvemos isto a partir de oficina artesanais, declamação de poemas, música. É a inteligência artificial aliada à criatividade humana. Por isso, o teatro é um espaço importante. Ele nos permite a realização destes eventos que só tem a agregar para população da cidade”, afirma Daniela Couto, coordena-

dora pedagógica da Escola Cecri.

Por mais que o teatro promova o acesso com preços acessíveis à comunidade, ele ainda segue precarizado. Por isso, torna-se tão importante resistir para que os movimentos culturais da cidade não sejam cessados. “As crianças são o nosso futuro. É importante que a gente plante esta sementinha nelas e fique sempre regando. A cultura deve estar no cotidiano delas. Por isso, eu acho tão importante a realização destes eventos no teatro da cidade. Isso fomenta que a população tenha momentos de interação, além de cativar nossa curiosidade e incentivar o convívio social, aumentando nossas vivências culturais”, explica Laura, mãe do Benício, aluno do 3° ano e participante do evento.

“É importantíssimo que valorizemos a cultura. Ela é uma das principais ferramentas de ensino para além da sala de aula”
Teatro Gravatá recebe o projeto Cecriar Foto: Vitória Martins

O ritmo do pandeiro

O pagode quebrou preconceitos culturais e raciais e se popularizou como um dos principais gêneros musicais do Brasil

Aorigem e consagração do estilo musical não ocorreu de maneira rápida, simples e espontânea. E sim, no contexto de resistência, marginalização e identificação das manifestações artísticas produzidas pela população preta. Douglas Souza Angeli, professor do curso de História da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) - Divinópolis, explica que no século XX, em um contexto de exclusão da população negra, o samba foi criado pelas famosas tias baianas nas sessões de candomblé realizadas em locais de resistência. De acordo com o professor, as matrizes que originaram o samba - como nós conhecemos hoje - podem ser encontradas no Rio de Janeiro do início do século XX. Segundo ele, o Brasil vivia os primeiros anos do regime republicano e havia herdado um grande problema social advindo da escravidão. O Rio de Janeiro era a capital onde a população negra vivia um processo de marginalização e exclusão por meio das grandes reformas urbanas.

“Algumas regiões se tornaram local de resistência, especialmen-

te sob a liderança das chamadas tias baianas, cujas famílias haviam migrado da Bahia para o Rio de Janeiro. Estas baianas eram lideranças religiosas e sociais que estabeleceram redes de proteção e, em suas casas, desenvolveu-se o samba nos intervalos das sessões religiosas de candomblé”, explica.

O historiador também pontua que no final da década de 1920, e o desenvolvimento da indústria fonográfica no Brasil, o samba passa a sofrer uma modernização e começa, aos poucos, se popularizar no país com o surgimento de novos artistas cantando o ritmo.

Segundo Douglas, o compositor Sinhô seria responsável pela modernização do ritmo no final da década de 1920. Com o cinema nacional, ainda incipiente, e o rádio dando os primeiros passos e sem a televisão, a indústria fonográfica foi o primeiro grande veículo da indústria cultural de massas no Brasil.

“Em 1927, a tecnologia das gravações elétricas permitiu a emergência de novos cantores, mais adaptados a um modo mais suave e falado das gravações com o microfone, e o samba de Sinhô ganha seu principal intérprete, o jovem bacharel Mário Reis. Cantores como Mário Reis, Carmen Miranda, Aracy de Almeida e Francisco Alves são responsáveis pela popularização do samba no disco e, em seguida, no rádio”, afirma.

O preconceito com o gênero criado pela população preta no Rio de Janeiro também é algo a ser destacado, uma vez que ao tempo em que o samba foi desenvolvendo e se destacando no cenário musical, ocorre uma tentativa de embranquecimento dos cantores do estilo musical.

“Em grande medida, ocorre um branqueamento do gênero musical, sendo que os principais compositores serão negros, como Cartola, Paulo da Portela e Ismael Silva, enquanto o sucesso e a visibilidade ocorrem entre os cantores de pele mais clara. A estes compositores, muitas vezes moradores dos morros ou subúrbios da capital federal, restava vender os direitos de suas composições aos que faziam a intermediação com as empresas fonográficas”, diz. Douglas afirma, ainda, que durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945), Getúlio Vargas utilizava-se do samba para difundir ideologias através da cultura de massas. O professor esclarece que o primeiro desfile de escolas de samba ocorreu em 1932, na

Praça Onze, outro ponto histórico da resistência social e cultural afro-brasileira no Rio de Janeiro.

Quando o regime Vargas, na década de 1930, estabeleceu uma política de difusão de sua ideologia, encontrou o samba já bem estabelecido na indústria fonográfica, do rádio e das escolas, sendo que todos estes veículos foram importantes na construção de um imaginário de valorização do trabalho e de apologia nacionalista através do samba, especialmente durante a ditadura do Estado Novo.

Na década de 1970, com o estilo já consagrado no país, os sambistas do Rio de Janeiro reinventaram o gênero acrescentando mais instrumentos, mudando um pouco a temática das músicas e trazendo mais energia. Assim, surgiu o pagode.

De acordo com o professor Douglas Souza Angeli, o samba foi criado pelas famosas tias baianas nas sessões de candomblé
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Foto: Gabriel Carvalho

Pagode contagia Divinópolis

Acidade de Divinópolis também foi tomada pelo ritmo musical do pandeiro, cavaquinho e requebrado. Entre os variados grupos existentes e ativos na cidade, Nosso Quarto se destaca pelas apresentações em bares e casa noturnas. Na estrada há mais de dois anos, a banda projeta viajar para outros estados.

Com um repertório diversificado, o grupo conta com cinco integrantes e se organiza sempre com três vocalistas de frente, tendo a participação de duas mulheres com o intuito de construir e reafirmar a representatividade e empoderamento feminino.

Marcos Rodrigues, vocalista, cavaquista e violinista, conta que a paixão dele e da sua esposa, a também vocalista, Miryellen Gomes, pela música começou ainda na igreja. Essa paixão e amor pela música como arte, como maneira de transmitir mensagens e sentimentos bons foi peça central para a formação do Nosso Quarto.

“Eu e minha esposa sempre participamos de grupos de canto na igreja. Essa experiência e paixão pela música influenciou na nossa decisão de aceitar uma proposta para a formação do grupo”, diz.

Marcos ainda destaca que o intuito do grupo sempre foi deixar a música acessível para a maior quantidade de pessoas que eles conseguissem alcançar, e assim fazer com que os indivíduos se envolvam com o ritmo, a dança, e as mensagens dentro das canções. “Nossa intenção é fazer com que o público se sinta parte do

grupo, carregando como propósito deselitizar a música”, pontua.

O casal vive há cinco anos da música, como cofundadores e professores da escola de música Casa Panda, e carregam a missão de cuidar de pessoas com empatia, objetivando alcançar o maior número de famílias para, assim, alavancar

os sonhos de milhares de pessoas.

A escolha do pagode como estilo central para formação do grupo foi devido a paixão pelo ritmo. “É um nicho que tem uma carência grande de afeto, acolhimento e

principalmente de inclusão, em todas as áreas. Muitas pessoas não se sentiam representadas no pagode. Nosso grupo vem justamente para isso, para todos olharem e sentirem-se representados”, enfatiza. Apesar dos diversos desafios e imprevistos que surgem, o cantor explica que o carinho e a animação do público motivam eles a continuarem persistindo e construindo esse sonho. “Um momento marcante ocorreu em dezembro de 2022. Fizemos 20 shows e descobrimos a gravidez no meio disso. Após essa notícia, nos unimos com mais determinação. Foi uma sensação de cumprir a agenda com garra mesmo, uma verdadeira mistura entre perrengue e adrenalina. A sensação de se sentir querido é o que nos move”, ressalta.

“A sensação de se sentir querido é o que nos move”
Nosso Quarto se apresenta há mais de dois anos em Divinópolis e região Foto: divulgação

bailarino

Wallace de Araújo Melo, 29 anos, é natural de Contagem (MG) e aos três anos de idade veio morar em Divinópolis (MG). É bailarino clássico e proprietário da Ânima Studio de Dança. Além disso, atua como professor no Ballet Naduarte e no Projeto Fazendo Arte. Assim como muitos profissionais, ele encarou vários obstáculos durante sua vida, mas nunca perdeu o otimismo.

OAntônio Carlos Mesquita Lucas Miranda Coelho
Foto: pixabay

De que forma a dança entrou na sua vida?

Meu primeiro contato com a dança foi por brincadeira, aos 12 anos. Não conhecia nada de dança e fui saber como era no Projeto Fazendo Arte. Só que daí eu me apaixonei. Após alguns anos, eu recebi uma bolsa de estudos em uma escola renomada em Divinópolis. Lá eu fui melhorando minha técnica e fazia aulas todos os dias.

Alguém inspirou você na arte da dança?

A primeira pessoa foi a professora de teatro Lene Pereira. Minha primeira professora de ballet, Juliana Madeira, me despertou o amor pelo ballet. O professor de Jazz, Rinaldo Milagre e a professora de ballet Adriana Gonçalves mostraram que eu tinha um grande potencial na dança e me apoiam até hoje. Sou totalmente grato aos ensinamentos e aprendizagens que adquiri ao longo do tempo. Hoje, posso dizer que sou bailarino, professor e coreógrafo graças a esses profissionais que passaram pela minha vida.

Já participou de algum festival de dança?

Já participei de muitos festivais pelo Brasil inteiro. Em 2012, ganhei o prêmio de melhor bailarino do Unidance Mostra em Divinópolis. Em 2018, ganhei o prêmio de melhor bailarino do Festival de Bambuí. Em 2019, ganhei o prêmio de bailarino destaque do Festival de Inverno em Belo Horizonte. Participei de vários concursos nas

Entrevista

O bailarino começou a carreira aos 12 anos de idade

cidades de Pedro Leopoldo, Nova Lima, Itaúna e estados como Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro. Ano passado, com meu grupo, ganhamos o primeiro lugar em um dos melhores concursos de dança do mundo, em Joinville, Santa Catarina.

Você acha que no Brasil tem incentivo/apoio à dança?

Infelizmente não temos. Todas as grandes viagens que fazemos nunca tivemos apoio e incentivo. Sempre temos que correr atrás para conseguir dinheiro. Organizamos festa junina, rifas, noite de massas, almoços beneficentes, festival de sorvete, bazar da pechincha. Vamos para o sinal dançar para ganharmos moedas. E nunca é o bastante. Sempre te-

mos que tirar do nosso bolso para podermos realizar nosso sonho.

Em Divinópolis tem algum patrocínio ou apoio?

Infelizmente apoio financeiro e patrocínio não. É muito triste a dança não serem reconhecida como deveria. Aqui no Brasil, apenas o futebol tem visibilidade e apoio. Os outros esportes e a dança não têm o devido valor e reconhecimento. Em países como França, Inglaterra, Rússia e EUA, os bailarinos são bem valorizados e reconhecidos através da dança.

Em sua trajetória, já sofreu algum preconceito?

Já sim. No início foi bem difícil as

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Foto: divulgação

pessoas da minha família aceitarem um homem dançar ballet clássico. Até hoje existem alguns preconceitos que enfrento no dia a dia.

As redes sociais ajudam a divulgar seu trabalho?

Ajudam demais, é o melhor ponto para divulgação. Geralmente não faço vídeos falando sobre a dança porque a dança é muito na prática. É dançando que chamamos a atenção das pessoas. Faço sempre vídeos dançando em apresentações, e também em sala de aula. Quando as pessoas veem o trabalho no palco, nas apresentações, chama mais a atenção.

Você vê perspectivas de melhorar?

Para ser sincero, não vejo nada que possa melhorar envolvendo a dança. Pelo menos no Brasil a arte da dança está cada vez mais sendo colocada de lado. Está vindo uma geração de jovens que não pensam em se exercitar, fazer uma atividade física para melhorar sua saúde. É uma geração muito ligada na tecnologia que ficam em casa somente no celular ou computador. Vejo também a falta de interesse dos pais em incentivar os filhos a fazer algum esporte ou modalidade esportiva ou ligado à dança.

Você já pensou em mudar de país para viver da dança?

Já pensei quando era mais novo. Mas, pela minha idade, já não tenho muito futuro com a dança não. A vida de um bailarino ou bailarina é muito curta. O risco de lesão é muito grande e os bailarinos mais jovens conseguem se destacar mais, principalmente fora do país.

Lá, a dança é mais valorizada. Têm escolas que a dança é considerada como uma educação física e eles começam muito cedo. Quando estão com 15 anos de idade, já estão com uma técnica profissional.

Como você planeja a sua carreira na dança? Quais seus objetivos?

É sempre complicado pensar no futuro com a dança, pois cada vez mais é um desafio a ser superado. A dança está na minha vida pelo amor que eu tenho, pois é muito desanimador o reconhecimento, tanto financeiro como cultural. Então, pensar em uma perspectiva tão distante é bem delicado.

“Sou totalmente grato aos ensinamentos e aprendizagens que adquiri ao longo do tempo”
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Conheça mais o trabalho de Wallace de Araújo pelo Instagram @animadanca
Foto: divulgação

Além das lentes

A fotografia é um modo de expressar e representar a arte despertando sensibilidade e emoção

Foto: pixabay

Afotografia artística pode apresentar um conceito lúdico e com características surreais. Por meio de alguns enquadramentos e ângulos, é possível transmitir um sentimento através das imagens. As fotos passam a transmitir sensações e intrigar quem está vendo. Ela traz, consigo, algumas características como a adoção de recursos digitais com filtros e efeitos diferentes, sendo capaz de transformar a cena retratada. Ela também pode dar margem a diferentes interpretações e tem forte senso estético. Os fotógrafos desse estilo são considerados artistas. Por que não?

O fotógrafo Denner Leon, 20 anos, conta um pouco dessa relação do profissional com a fotografia artística. Ele iniciou sua carreira recentemente, em 2020, e viu na pandemia a chance de seguir o seu sonho. Estudando para cursar medicina, o jovem viu em um ensaio fotográfico que sua irmã participou como modelo, a oportunidade

de investir na carreira. Atualmente, ele trabalha como fotógrafo autônomo, além de trabalhar na Prefeitura de Itaúna como designer.

Denner acredita que a fotografia pode mudar a forma como o fotógrafo se enxerga. “Minha política é do photoshop apenas se for escolha do cliente. Não gosto muito de edição sem propósito. Espinhas, manchas, celulite, tudo é parte do ser humano e é o que faz de cada um, um ser único e belo”, explica.

Denner ainda conta que é muito ligado às causas sociais e que realiza ensaios gratuitos para crianças. “Também faço um projeto de fotografar batismo de quem não tem condições de arcar com os gastos. E, sinceramente, cada cliente satisfeito e cada sorriso de uma mãe e um pai, já vale a pena todo o processo”, comenta.

A fotografia é vista pelo jovem como engajar o poder do altruísmo e empatia ao próximo, mesmo que seja em pequenas ações ou projetos dentro de uma comunidade ou com grupo de pessoas em vulnerabilidade. “É uma sensação única, de estar fazendo a mudança. Só quem fotografa, sabe o sentimento”, afirma Há, ainda, no campo da fotografia artística, a fotografia social, que está ligada à comemoração de datas importantes, por um grupo de pessoas. A fotografia social é dividida em dois modos: a fotografia de eventos, como casamentos, aniversários, formaturas, shows e espetáculos; e ensaios fotográficos de bebês, gestantes, casal e pets. Na maior parte, a fotografia social é o foco de um profissional que quer apenas ajudar o próximo, oferecendo um ensaio gratuito, sem fins lucrativos, como o que faz Denner.

Foto: acervo pessoal Denner Leon começou a fotografar durante a pandemia
“É uma sensação única, de estar fazendo a mudança. Só quem fotografa, sabe o sentimento”

A fotografia e os meios de comunicação

Afotografia traz consigo uma forte relação com os meios de comunicação. No jornalismo, ela tem uma importante função de representar uma informação ao leitor. Ela auxilia na compreensão da reportagem produzida. Muitos que iniciaram sua carreira dentro do mercado fotográfico migram para os meios de comunicação para expor o seu trabalho e abrir o leque de expressões de modo artístico ou comunicativo.

O professor Douglas Fernandes, 42 anos, graduado em jornalismo e especializado em imagens e culturas midiáticas pela UFMG, leciona, atualmente, na UEMG

em Divinópolis, e trabalha com assessoria, produção de textos, fotografia e vídeos. Iniciou sua carreira como fotógrafo no jornal Gazeta do Oeste. Em 2013, começou a lecionar a disciplina, despertando sua paixão pela fotografia. Com ensaios focados em batizados e casamentos, Douglas conta que a fotografia pode impactar o mundo e a sua trajetória. Ele cita como a fotografia influenciou a Guerra do Vietnã e outros momentos marcantes da história. Para o professor, um ensaio específico precisa de uma boa edição, sem exageros, que enalteça a pessoa e sua beleza natural, aumentando

a autoestima. “Eu fiz um ensaio de um aniversário de 15 anos, de uma adolescente com síndrome de down e foi o meu trabalho mais marcante. Até hoje, carrego com carinho no meu coração”, lembra. Douglas ainda ressalta a importância da fotografia artística para as minorias sociais e comenta sobre um ensaio que fez na faculdade, juntamente com o curso de psicologia, para o acolhimento de mulheres trans. “Foi um outro marco na minha carreira. Mesmo ainda na faculdade, aquele ensaio é único para mim, me fez ver o mundo de outra forma. Acho que fez as modelos se sentirem da mesma forma”, avalia.

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Foto: acervo
Douglas é professor de fotografia
pessoal

Técnica e sensibilidade

Na fotografia artística há um mundo próprio em que a criatividade de cada fotógrafo é algo único. O foco da fotografia artística é, sempre, fugir do padrão e pensar de maneira mais desconstruída, o mundo e as pessoas que se encontram nele. Por isso, novas técnicas são criadas. As normas convencionais de enquadramentos não são uma prioridade. Para passar a emoção necessária em um ensaio artístico, quatro técnicas mais conhecidas, são realizadas.

A mais conhecida delas, é a “fotomontagem”. Nela, o foco é unir imagens que se diferenciam ou complementam, com a criatividade do artista em primeiro lugar. Nos tempos atuais, é utilizada a edição de montagens e os fotógrafos podem combinar os negativos das fotos para criar novas peças com uma câmera analógica.

O “stop motion” é feito com base de uma sequência de fotos de uma pessoa ou objeto em diversas posições. Assim, o artista tenta compor um movimento. Já no “fotograma”, a imagem é feita por meio de uma lente e não por uma câmera. Os diferentes formatos obtidos vêm da disposição dos objetos sobre papel e da luz que relança sobre eles. Essa técnica foi muito usada em revelações de filmes de câmeras analógicas. Por fim, o “nu artístico”, que tem sido utilizado como forma de empoderamento e aceitação do corpo real.

Um ponto essencial na fotografia artística, é que ela não é encomendada ou projetada. As fotos surgem da criatividade do fotógrafo que deve comandar a direção

criativa do ensaio. Bernardo Augusto Fonseca, 20 anos, estudante de jornalismo, já auxiliou em alguns trabalhos fotográficos e tem um perfil no Instagram para divulgar seu trabalho. Bernardo afirma sempre ter tido um olhar complexo e detalhista do ambiente ao seu redor. “Eu procuro enxergar detalhes que as pessoas normalmente não conseguem enxergar e apresentar isso na foto”, explica.

O jovem ainda acredita que as fotografias têm o poder de transformar a autoestima. “Eu sempre falo

isso para as pessoas, eu vou mostrar para elas o quão lindas elas são. Sempre gostei muito de admirar as coisas do mundo, a complexidade de cada ser, cada lugar, os vários pontos de vista que podemos enxergar as coisas. Não só materiais, mas nesse caso, mostra uma perspectiva diferente para a pessoa da forma como ela se enxerga. Gosto de tirar foto de momentos, pessoas interagindo, para mostrar que elas são lindas o tempo todo. Cada um da sua forma, e tudo pode ser lindo”, conta Bernardo.

Bernardo Augusto fotografando o campus da UEMG – Divinópolis
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Foto: Jhenifer Gonçalves

Arte drag:

do underground ao mainstream

No Brasil, artistas como Vera Verão, Miss Biá, Nany People e Eloi Iglesias popularizaram o movimento abrindo o caminho para drags que fazem sucesso como Pabllo Vittar, Gloria Groove, Greg Queen, Lia Clark, entre outras. E isso é reflexo do crescente interesse do público em questões de gênero, sexualidade e diversidade, o que tem sido fundamental para a luta pelos direitos LGBTQIAP+.

Ao se tornarem cada vez mais visíveis e acessíveis, as artistas drag têm a oportunidade de levar suas mensagens de inclusão e empoderamento para um público cada vez maior e, assim, quebrar barreiras culturais. “A arte drag pode ser definida por diversas nuances, mas sobretudo através da expressão corporal/visual, por meio da criação de um personagem que se difere da personalidade adotada na vida cotidiana do artista”, afirma Lucas Matoso, estudante de psicologia. Lucas explica que a arte brinca com a distinção entre a anatomia da performista e o gênero que está sendo performado. Uma artista drag exagera os traços conhecidos, acentuando seu corpo, seu comportamento e vestimentas. “Acredito que a arte drag tenha nascido dentro da comunidade LGBTQIAP+ como uma necessidade de expressão artística, ao mesmo tempo como uma homenagem

Foto: Vinícius Marques
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a determinado gênero”, conclui. No entanto, pouco se fala sobre os artistas que trabalham na noite e enfrentam dificuldades. Grande parte da renda desses artistas advém de casas noturnas, e claro, de seus respectivos produtores.

Felipe Wagner, produtor de eventos e sócio da casa noturna Bardot Club em Divinópolis, conta que a estrutura básica é fundamental para receber esses artistas, pois precisam entregar um espetáculo de qualidade. “A cordialidade é fundamental, estamos lidando com pessoas. Lógico que o contratante quer resultados, mas o artista drag é um ser humano, então a recepção e o pagamento são extremamente necessários, ainda mais com os custos para exercer essa arte”, opina.

Ele acredita que a noite sem as drag queens seria incompleta pelo fato de a comunidade ser diversa, por isso, sempre busca trazer algum artista para se apresentar na boate. “Essa arte é a principal característica de um evento LGBTQIAP+. Ela mantém viva a cena drag brasileira e a cultura do BallRoom, vinda do cenário underground da cidade de Nova Iorque. A cultura drag faz diferença nos meus eventos e complementa a noite”, relata.

Porém, mesmo com o investimento e a demanda, Felipe crê que essa cultura é pequena na região. Para ele, a cidade ainda é preconceituosa, arcaica e conservadora. Ele explica que os poucos profissionais existentes na região exercem seu trabalho com maes-

Entrevista

Richard Inácio dos Santos, 25 anos, conhecido artisticamente como Richard Santos, trabalha como drag desde 2018. Ele conta que a arte drag é a forma pessoal de transmitir o que cada um sente por dentro relacionado a beleza, talento, segurança, confiança e afirmação. Richard conta que iniciou sua carreira por ser apaixonado pela dança, beleza e maquiagem. Ele afirma que encontrar uma junção de tudo que amava foi algo mágico. Possui influências de artistas renomados como Rupaul e Pabllo Vittar. No entanto, seu encanto veio mesmo com Fran Glam Glam, artista drag de Belo Horizonte. Para ele, trata-se de uma artista que possui muita beleza, brilho e glamour.

tria, profissionalismo e principalmente talento. O produtor afirma que a arte poderia crescer na região, porém desde que trabalha no ramo viu apenas um pequeno crescimento. Ele acredita que seja pelo fato de a cidade ter apenas uma casa voltada ao público.

Para Marcelo Augusto, frequentador e cliente do Bardot Club, as drag queens são extremamente necessárias na noite. Segundo ele, o brasileiro esquece do poder, da cultura e dos artistas do seu próprio país. “A síndrome do vira-lata está há muito tempo correndo no nosso sangue, apenas vangloriando e apreciando o que vem de fora. Queremos ver também na televisão e nos shows o nosso povo, se sentir representado por ele”, reflete.

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Richard Santos no camarim Foto: Vinícius Marques

Quais as principais diferenças entre a geração passada e a atual de drag queens?

Acho que o aspecto mais evidente é a evolução da maquiagem, não que fossem ruins antes, mas a nova geração tem uma preocupação maior com o polimento e a beleza feminina. Vale ressaltar que esse não é um ponto de grande importância ou essencial. Outra diferença está relacionada à união e à família. No passado ouvíamos, muitas vezes, que as drag queens eram mais unidas e solidárias umas com as outras enquanto a geração atual parece focar mais em rivalidade e competição sem um motivo aparente. Além disso, há uma mudança nos looks, com as antigas mantendo um estilo glamoroso e luxuoso enquanto as atuais se destacam mais pelos closes fashionistas ou básicos.

A arte drag tem sido usada como uma forma de expressão e empoderamento para a comunidade LGBTQIAPN+?

A cada dia estamos ganhando mais espaço, visibilidade e alcance de voz. Por exemplo, a Parada LGBTQIAPN+, a cada ano, está alcançando mais pessoas, além de mais marcas e órgãos apoiadores que, querendo ou não, levam a nossa mensagem. Sem contar que, pouco a pouco, o público está ocupando espaço no mercado de trabalho em locais onde, há alguns anos, isso não era possível.

Como você percebe a relação entre a arte drag e a cultura local na região de Belo Horizonte?

Eu vejo um desenvolvimento cres-

Drag se prepara para entrar no palco

cente, porém, ainda é pouco comum a presença da arte drag relacionada à cultura local. Temos, por exemplo, a artista Penélope Fontana atuando na Câmara Municipal como Assessora Parlamentar. Outro ponto que evidencia esse progresso é a participação dos políticos nos movimentos LGBTQIAPN+ das cidades. Isso me transmite preocupação com a nossa causa e um comprometimento maior.

A arte tem sido influenciada pela cultura local ou tem contribuído para a formação de uma nova cultura drag na região?

Eu acredito que muitas drag queens de BH seguem os caminhos das drags mais antigas, que são responsáveis pela construção da nossa cultura local. No entan-

Foto: Vinícius Marques

to, muitas também seguem uma nova linhagem, sem perder a boa referência que elas trouxeram.

Como você enxerga o futuro da arte drag na região?

Eu tenho uma visão muito positiva, pois hoje muitas meninas estão presentes na cena underground que antes era pouco representada. Além disso, BH também é repleta de múltiplos talentos que se destacam na música, dança, TV, internet e até mesmo no planetário. Uma expectativa pessoal é que as pessoas busquem e valorizem ainda mais os artistas que estão ali em cima do palco.

Quais são os principais eventos

e espaços que apoiam a arte drag na sua região?

Temos as saunas que mantêm a arte drag presente nas noites. Temos também a festa Eleganza e a festa Absurda. A boate Gis também promovia concursos gerando oportunidades de contratos. Na verdade, praticamente todas as festas de Belo Horizonte têm alguma drag queen envolvida, seja tocando, performando, produzindo ou cantando.

Você acredita que essa ascensão da arte drag tem impactado de alguma forma a cena drag local?

Com toda certeza, hoje em dia, é

possível encontrar uma drag em diversos lugares como desfiles de moda, novelas da Globo, maquiando artistas famosos e, até mesmo, lotando uma arena de show. Isso tudo possibilita que as drags locais também conquistem esses espaços. As drag queens são capazes de serem capas de revistas e estarem à frente de trabalhos com grande porte e renome.

Você se sente confortável em sua cidade ao sair às ruas em função de seu trabalho ou lazer próprio?

Graças a Deus, sim. Durante muito tempo, testemunhamos histórias horríveis e crimes horrendos cometidos contra nossa comu-

Richard Santos conferindo suas redes sociais
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Foto: Vinícius Marques

nidade, simplesmente por estarmos nas ruas (embora isso não signifique que esse tipo de coisa tenha cessado). No meu ponto de vista, a questão da segurança ao sair e circular tem melhorado.

As casas que você trabalha te garantem estrutura o suficiente para realizar os seus serviços?

Isso é um ponto muito crítico em relação à cena atual, mas acredito que já foi pior. Algumas casas e festas independentes nos proporcionam uma estrutura impecável, com segurança, conforto, palco, iluminação e ventilação adequados. No entanto, algumas ainda pecam pela falta de estrutura. Isso não significa que não seja possível trabalhar nessas condições, mas é claro que poderia ser melhor.

Já sofreu algum preconceito?

Fisicamente, o único incidente ocorreu quando eu estava chegando na boate para tocar, e um carro com três indivíduos passou por mim na porta da boate e jogou uma garrafa de água no

meu rosto. Felizmente, era apenas água. Eu me sequei e continuei normalmente a minha noite.

Quais as dores e as delícias de ser uma drag queen?

A gente pode fazer uma lista imensa de dores físicas: o salto que machuca, a peruca que aperta, a cola que nunca sai do cabelo ou da sobrancelha, além do incômodo da calcinha apertada e das roupas desconfortáveis. Lidamos com o intenso calor que enfrentamos e a falta de camarim e banheiro decente. Sem mencionar a desvalorização que dói na alma. No entanto, a delícia de ser uma drag queen é a resposta direta do público durante um show. Nada supera o carinho das pessoas e os inúmeros elogios que recebemos durante a noite.

Drag no palco atuando com DJ em uma boate de Divinópolis
Foto: Vinícius Marques
“As drag queens são capazes de serem capas de revistas e estarem à frente de trabalhos com grande porte e renome”

Grafite: a arte das ruas

Por volta dos anos 70, o grafite ganhou força entre os jovens das periferias de Nova Iorque (EUA), em meio ao movimento da contracultura, como crítica aos padrões artísticos impostos. No Brasil, essa arte surgiu no final da década de 1970, em especial no estado de São Paulo, influenciado pela cultura norte-americana. Nesse período, o país enfrentava a ditadura militar e o grafite era considerado crime pela legislação .

De acordo com a professora de comunicação social da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) - Divinópolis, Eliane Meire Raslan, foi após a Segunda Guerra Mundial que o grafite ganhou impulso e tornou-se uma representação de lutas sociais.

“O grafite é uma das formas de expressão e crítica social, a qual permite realizar a intervenção direta nos espaços públicos, representando a sociedade. Sendo um meio de democratizar os locais públicos”, explica.

Eliane ainda completa que os artistas estão ali para ocupar os espaços e chamar atenção para os problemas da população que estão à margem da sociedade. “Os grafiteiros permitem dialogar com a sociedade geral, utilizando dos espaços públicos, sem preconceitos, e rompem barreiras ao permitir que diferentes classes sociais dialoguem”, afirma.

Foto: Carlos Sanchotene

Grafite x Pichação

Partindo da ideia de marginalização e vandalismo, outra expressão artística muito comum e, muitas vezes, confundida com o próprio grafite é a pichação. Primeiramente, ambos são pinturas feitas em muros, imóveis ou monumentos públicos e privados. Essa é a principal semelhança entre eles e grande motivo de confusão. O que difere essas duas práticas, contudo, são as formas das pinturas. A pichação, geralmente, é feita em tinta preta e contém símbolos ou dizeres. O grafite, por sua vez, se refere a desenhos.

A professora Eliane Meire Raslan esclarece que se considerarmos que a pichação é apenas o ato de

rabiscar nas fachadas das casas, edifícios e muros, então não há expressão. “Se a pichação é arte, estamos falando de pintar esses locais com textos e imagens na busca de expressar algo. Aí sim podemos dizer que existe uma comunicação visual por parte desta arte gráfica. Não é para agredir a sociedade ou mesmo disputas entre pichadores para ganhar destaque de locais mais difíceis de pichar”, explica.

Mais agradável aos olhares, os grafites são bem aceitos socialmente por serem desenhos esteticamente compreensíveis, muitas vezes, por estarem presentes em locais que se tornam mais alegres. Diferente do grafite, a pichação não tem o intuito de ser aceita, muito menos de se tornar agradável aos olhos. Ela, inclusive, serve para incomodar e gerar desconforto com o que deseja transmitir. Por esse motivo é que o picho acaba sendo considerado

um ato de vandalismo e crime.

O grafite passou por muitas fases até ser visto como a arte que é hoje. Até o começo de 2011 era considerado crime e vandalismo. Mas foi através da Lei n. 12.408, de 25 de maio de 2011, que o ato de grafitar foi descriminalizado. Mesmo com a lei e muitas pessoas entrando no mundo da arte de rua, o grafite ainda é marginalizado e vários grafiteiros são tratados como vândalos.

Há quem diga que a pichação não é considerada arte por não ser esteticamente agradável dentro dos padrões. E há, também, quem defende que a pichação não surgiu para ser considerada arte, e sim, para ser uma manifestação social, política e ideológica. No entanto, as duas expressões são vistas como arte, e não entram na categoria de vandalismo. Porém, ambas as artes, feitas em local público ou privado, sem autorização, são consideradas crime.

Foto:
Figura indígena foi pensada para ter as características arquitetônicas da cidade e gerar pertencimento Ana Luísa Gontijo

Grafite em Divinópolis: arte, renda e emoção

Oarquiteto e urbanista

Breno Chiodi, 23 anos, da cidade de Divinópolis (MG), viu no grafite uma forma de se expressar. Ele começou a grafitar em 2017, e explica que o grafite é muito marginalizado e visto como vandalismo por muitas pessoas. “Isso se deve ao seu surgimento, também, como uma arte de contracultura com forte influência no Hip-Hop. Quando faço meus trabalhos tenho que andar com autorização e tudo mais. As pessoas sempre param e me perguntam se posso fazer aquilo ou não”, ressalta.

Breno ressalta que a marginalização vem de um pensamento completamente elitista e preconceituoso. “Por ser uma arte de rua e para a rua, cria-se uma concepção de que é uma arte marginalizada ou como chamam de ‘arte menor’. Mas muito pelo contrário, estamos falando de um estilo de arte que é extremamente democrático”, destaca.

Para ele, o grafite é um viés muito estudado no ramo urbanístico por causa dos grandes grafites em prédios, pois é a expressão visual da própria rua. Ele acrescenta que essa arte dá mais vida às cidades e os grandes meios urbanos, os quais deixam de ser uma selva de concreto preta e cinza e passam a ganhar cor, vida e até mesmo reflexões.

Muitos grafiteiros vivem do trabalho de desenhar em locais públicos e adquirem sua renda pelas artes produzidas. Porém, alguns também conseguem incorporar

Breno Chiodi grafitando em Divinópolis
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Foto: arquivo pessoal

a expressão artística nos diversos aspectos da vida. Breno Chiodi é uma dessas pessoas que incluíram a prática na carreira profissional. “Hoje, trabalho como arquiteto e urbanista e consigo transparecer muito bem isso nos meus projetos. Com o networking que desenvolvi ao longo do tempo, e o conhecimento de novos artistas, consigo propor em diversas situações a inclusão do grafite nas casas que desenvolvo e nos espaços públicos, dando mais oportunidade e visibilidade a esses artistas”, comenta.

Através de seus projetos, Breno já inspirou e arrancou sorrisos de vários admiradores da sua arte. Ele conta sobre uma história emocionante que viveu quando estava grafitando em um muro de uma casa e um velhinho o abordou. O grafiteiro espantou-se ao ver que o senhor estava interessado no desenho e começou a conversar sobre o que era o grafite. “Ele me contou que durante sua vida toda gostou muito de desenhar e pintar, mas que não podia fazer em casa por ter pais bem conservadores, os quais diziam que desenho e pintura não o levariam a lugar nenhum. Naquele momento eu deixei totalmente o desenho que estava fazendo e entreguei as latas pra ele me ajudar”, lembra.

Porém, a casa foi vendida e o novo dono, infelizmente, pintou o muro. “A arte de rua é sobre isso. É entender que a arte que você fez pode ser apagada. Ela pode acabar a qualquer momento, mas os momentos estarão ali sempre com você”, destaca.

De fato, muitos desenhos são apagados e retirados dos muros. A prefeitura de Divinópolis foi alvo de uma polêmica envolvendo os

“A arte de rua é sobre isso. É entender que a arte que você fez pode ser apagada. Ela pode acabar a qualquer momento, mas os momentos estarão ali sempre com você”
Foto: Ana Luísa Gontijo Foto: Ana Luísa Gontijo Grafite no Ginásio Poliesportivo de Divinópolis
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Grafites no Poliesportivo foram apagados pela prefeitura

grafites que estavam expostos no muro do Ginásio Poliesportivo da cidade. Após quase dois anos de pintura, os desenhos foram apagados por uma tinta cinza, o que gerou indignação entre a população, artistas, e políticos locais.

William Pinguim grafita há 25 anos e fez parte da equipe que produziu a pintura do Teatro Usina Gravatá, em Divinópolis. O artista comenta que já esperava tal situação. “A pintura foi feita em um objeto arquitetônico, mas com o intuito de chamar a atenção do local que estava em situação de abandono. O grafite cumpre essa função, de trazer cor e vida para o Poliesportivo. E, hoje, o local está em processo final de reforma. Mesmo assim, é triste ver a arte ser apagada”, relata.

A produção foi feita através do projeto Circuito Cores na Rua. O painel inteiro foi pensado para que a arte pudesse impactar o visual e

chamar atenção das pessoas que passam pelo local. “O objetivo foi trazer vida para o espaço. Foi muito massa fazer a pintura, pois é o teatro da cidade. Nós procuramos trazer os diversos patrimônios daqui, falar sobre o município e representar todos os aspectos de Divinópolis, como um sentimento de pertencimento”, destaca.

O grafite divide opiniões sobre ser considerado arte ou crime, mas, é inegável o talento e coragem dos artistas para expressarem suas ideias e criticarem o sistema. A arte de rua ainda é marginalizada. Por isso, é de extrema importância que esses profissionais continuem lutando por seus direitos de expressão e maior visibilidade de suas obras.

Foto: Ana Luísa Gontijo Grafite no Teatro Usina Gravatá William Pinguim é um dos idealizadores do Circuito Cores na Rua Foto: Carlos Sanchotene

Nada é lixo, tudo é oportunidade

Artesanatos,

Acidade de Divinópolis é considerada polo da moda na região Centro-Oeste de Minas Gerais. Empresas da indústria têxtil movimentam a economia local gerando centenas de empregos todos os anos. Para o artista de peças Antônio Gabriel Silva, 20 anos, estudante de Design de Moda, Divinópolis ainda é muito industrial. “Eu gosto da parte criativa e aqui não tem, pois as marcas não ousam tanto. Então, é um polo justamente em massa, para produzir e vender. Não existe um significado pessoal, logo não me impressiona”, explica.

O jovem conta que seu interesse é pintar e restaurar roupas que já foram usadas e, a partir disso, fazer uma arte com pintura de tecido. “A moda, pra mim, é o poder de não ser estático. Você pode mudar sempre. Ela te dá essa vertente de ser sempre novo, sempre diferente, sempre criativo e aproveitar tudo que ela pode oferecer”, comenta.

feiras e brechós são uma alternativa para quem quer se vestir com criatividade e de modo sustentável
Geovana Azevedo Martins Lorena Moura de Souza Thaís Bento Moreira Antônio Gabriel Silva confeccionou sua própria peça e participou do São Paulo Fashion Week em 2022
Foto: acervo pessoal 29

Feiras e brechós: consumo consciente e sustentável

Em busca de transformar a moda em algo mais alternativo, a cidade recebe todos os meses a Feira de Brechós e Artesanatos em vários pontos de Divinópolis. O local mais comum para essa exposição é na Praça do Santuário. Essa feira conta com a presença de diversos brechós, barracas de artesanatos, pinturas e bordados. Para complementar o evento, os organizadores convidam DJs e músicos, além das vendas de lanches aos consumidores. Toda exposição dura oito horas, normalmente, iniciando às 10h e finalizando às 18h.

As pessoas que vão nesses brechós, além de buscarem formas

sustentáveis de comprar roupas, também entendem que nesses locais é possível se reinventar e conseguir peças de boa qualidade por um preço muito mais acessível do que em lojas de marca.

As pessoas buscam, através dos brechós, fugir de estereótipos criando seu próprio estilo de forma alternativa e consciente. No entanto, esse tipo de consumo não limita os preços, já que algumas peças podem passar de R$100,00 facilmente. Isso porque, além de alguns casos se tratar de roupas old fashioned ou old school que naturalmente são mais caras, também tem o fato de existir o garimpo, a limpeza, a customização das roupas

e o esforço das donas do negócio

Os consumidores dessas feiras, em sua maioria, são pessoas politizadas e que se preocupam com o país.

Existe uma necessidade de entender, que o mundo e especificamente o Brasil, tendem a produzir mais do que precisam e ao se atentar a isso, a moda sustentável pode atenuar o problema. Nesses eventos, é comum que os feiristas distribuam adesivos que representam alguma personalidade política que eles curtam ou algo que eles repudiam.

Gisele Pietro, proprietária e sócia do Brechó Maria, relembra o papel social dos brechós, tanto para cultura, quanto para o desenvolvimento econômico sustentável

Gisele e Maria durante a Feira de Brechós e Artesanatos realizada na Praça do Santuário em 2023 Foto: Lorena Moura
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do município. “A importância do brechó pra cidade é que as roupas vão girando e não ficam paradas poluindo o ambiente. Nós chamamos de moda inteligente o que não serve mais pra gente. Sempre funciona para outra pessoa e contribui muito com o planeta”, explica.

Rúbia Labiapari Mansur, 25 anos, se apaixonou recentemente por slow fashion e comenta a importância desse mercado. “Primeiramente é uma atitude inteligente, visto que a gente mede o valor que uma roupa nos custou pela quantidade de vezes que usamos. Logicamente uma roupa produzida por essa vertente da moda tem mais qualidade, portanto ela vai durar mais e me permitir usar mais vezes. Dividindo seu custo pela quantidade de vezes que usarei, ela me sai mais barata. Além de que é um consumo mais consciente”, conclui.

A jornalista Jade Reis, 22 anos, é consumidora assídua de brechós e enxerga o consumo sustentável como possibilidade de aproveitamento. “Eu sempre achei muito legal comprar em brechó. É mais fácil de você encontrar peças autênticas e que combinam com o seu estilo, sem ficar muito ligado nas tendências. Eu tento encontrar no brechó peças que têm mais a minha identidade, que tem mais a minha cara”, comenta.

Jade ainda acrescenta que a sustentabilidade, o consumo de roupas peças que são descartadas é imenso. Para ela, as pessoas querem cada vez mais comprar, se tornar mais consumistas e isso é um risco para o meio ambiente. Ela explica que esse tipo de comércio possibilita a continuidade e diz que toda peça foi feita para carregar histórias. “Eu acredito que moda é mais do que só vestir. É sentir, ter identidade, se expressar”, completa.

Do lixo das fábricas ao luxo da arte

Fátima Gonçalves, 58 anos, mais conhecida como Fatão, é graduada em História pela UEMG – Divinópolis e tem fortes vínculos com a arte gerada pelas mãos. Fatão, que antes trabalhava dentro das fábricas como costureira, via a quantidade de lixo que era produzido e se questionava

sobre a procedência e as consequências de todo esse tecido que ia parar nos aterros. A iniciativa de pegar esses materiais e criar a partir deles, fundamentou sua arte.

“Eu trabalhava nas fábricas e eu via os pedaços de tecidos que sobravam. Sempre achei que eles pudessem ser aproveitados. Se emen-

Artesanato confeccionado por Fatão
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Foto: Geovana Azevedo

dar dá várias coisas, uma almofada, um tapete, até mesmo uma peça de roupa”, ressalta. Ela acrescenta que consegue coletar as sobras nas próprias facções. “Comprei umas rendas que eram retalhos que iriam para o lixo. É o melhor lugar. Muitas vezes, eu pego os tecidos até de graça”, comenta.

Por vir de uma realidade onde a miséria era cotidiana, Fatão aprendeu a trabalhar com as mãos desde muito cedo. Ela nasceu em um território quilombola no Vale do Rio Doce, chamado Córrego Novo. Lá, o artesanato não era um hobby, mas sim uma função para amenizar a pobreza. “A minha mãe me ensinou a fazer roupinha de boneca. A costura veio de casa, minha mãe era costureira, a gente não tinha condição de comprar roupa pronta, nunca teve. Era muita pobreza, não tinha nem comida. Como é que a gente ia ter roupa?”, questiona.

A artesã, atualmente, possui um ateliê com peças exclusivas, de criação própria. O diferencial agregado aos seus produtos é o fato de que todos são confeccionados com materiais que iriam para o lixo. “Em uma cidade que produz tanta roupa igual Divinópolis, sobra tecido demais para ir no lixo. As pessoas não pensam que podem fazer alguma coisa com esses tecidos. Isso me incomoda, pensar que tudo que eu produzo viraria lixo”, destaca. Pensar nas possibilidades do que um material reciclável pode se tornar faz parte da vida de Fatão.

Ela ainda salienta diversas técnicas possíveis para aproveitar o máximo desses materiais, entre elas o patchwork, que se trata de uma união de retalhos de tecidos de forma que eles formem figuras. “A técnica do patchwork é transformar tecidos em figuras, tecidos reciclados que iriam para o lixo. Antiga-

mente tinham as colchas de retalho, agora gourmetizaram o nome e se chama patchwork”, explica.

Fatão salienta que para reaproveitar tecidos, é preciso ser extremamente observadora, já que a conexão das cores tem a ver com artesanato. “Eu gosto muito de cores vivas, mas também de tons terra, o amarelo me chama muita atenção. Minha vida é fazer mistura de cores, em tudo que eu faço”, diz.

A historiadora é uma mulher preta, da luta, da resistência, e que transmite sua mensagem nas artes. “Meu carro chefe é a boneca Abayomi, e eu faço ela só com material reciclável”, diz. Ela explica que o significado da Abayomi quer dizer encontro precioso, por

A lenda das abayomis

As crianças choravam assustadas, porque viam a dor e o desespero dos adultos. As mães negras, então, para acalentar suas crianças, rasgavam tiras de pano de suas saias e faziam bonecas, feitas de tranças ou nós, que serviam como amuleto de proteção para elas brincarem.

isso todos chaveiros de sua casa tem uma boneca. “Não é apenas uma boneca de retalhos, é uma história, um contexto, uma cultura vivida pelo artesanato”, comenta. Reaproveitar um material que iria para o lixo e ressignificar as práticas é um ato político. A artesã traz diversas formas de uso de tecidos que seriam descartados. “Eu faço porta-guardanapo, pano de cozinha, forro de cama, jogo americano, etc. Tem muita coisa que a gente pode fazer de tecido e eu estou sempre reaproveitando. Ao invés de você colocar um quadro na parede, faz um quadro com tecido”, destaca. A artesã conclui que o artesanato é muito mais que uma simples arte manual. Quando se pensa no ecológico, a sua função cumpre um papel muito grande na sociedade. Ela explica que a necessidade desse trabalho é uma revolução nos nossos meios de consumo. Pois, é preciso ter consciência de que o material que poderia ir para o lixo foi reutilizado. Por fim, ela acredita em uma possível mudança no cenário atual a partir de atitudes como a dela, e enxerga a construção de uma rede de artesãos em Divinópolis, às voltas das feiras, além da busca de produtos exclusivos feitos à mão.

“Em uma cidade que produz tanta roupa igual Divinópolis, sobra tecido demais para ir no lixo”
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Foto: reprodução/internet

“O lugar da criança negra é onde ela quiser”

Gustavo Majory

Maria do Carmo Ferreira da Costa, ou simplesmente Madu Costa, é uma escritora mineira que mora em Belo Horizonte. Formou-se em Pedagogia pela Universidade Federal de Minas Gerais em 1995 e em 2000 concluiu pós-graduação em Arte Educação pela PUC Minas.

Apresenta-se como escritora-militante da causa antirracista, defensora da infância e formadora de leitores. Aos 70 anos, se diverte pelo mundo da literatura, afinal, com mais de 10 livros publicados, quem a conhece pessoalmente sabe perfeitamente da mulher sábia, ativa e alegre que é a escritora mineira.

Foto: arquivo pessoal

Quem te segue nas redes sociais, principalmente no Instagram, percebe que você é uma pessoa bem ativa. Qual a importância desse mecanismo como um aliado no seu trabalho?

As redes sociais, especialmente o Instagram, são canais de grande visibilidade. É uma verdadeira janela para o mundo. Dessa forma, sirvo-me da rede para me tornar conhecida e interagir com pessoas de todo canto.

A janta da anta foi seu primeiro livro, publicado em 2000. Como foi a produção dessa obra?

A janta da anta foi publicado pela Impressão Nacional no ano de 2000, o que não significa que eu já não escrevia antes. Na época, eu tinha 48 anos de idade. Isso demostra a relação do mercado editorial perante os escritores negros, o que também não significa que antes disso não havia sido publicado nenhum autor negro. Contudo, sempre escrevi, poemas

e crônicas, mas sempre achava as portas fechadas. Apesar de sempre receber elogios, as respostas eram sempre as mesmas: “não está no perfil da editora”. No ano de 2000 eu atuava em uma rede particular, e estávamos desenvolvendo um projeto sobre os animais brasileiros ameaçados de extinção. Então, juntou muita coisa para fazer com os alunos, como levar as crianças no zoológico, fazer pesquisa dos bichos na internet, buscar músicas, filmes e histórias. Então, nesse cenário, surgiu o livro como uma medida de processar e organizar na minha cabeça esses desafios. Quando finalizei, mostrei para a coordenadora da escola que eu trabalhava. Ela pediu para o pai de uma aluna que tinha uma gráfica para que ele publicasse essa história em um livro de verdade. O pai da aluna aceitou a proposta e fez uma tiragem de mil livros. Por conta desse início repentino de gráfica para editora, a primeira edição do livro não foi catalogada na Biblioteca Nacional. Passados 11 anos, em 2021, tivemos uma nova edição publicada pelo Clube Leiturinha. Quanto mais cedo apresentarmos para as crianças essa diversidade e a importância dela, nós caminhamos para um Brasil sem racismo. Um Brasil, no qual a diversidade seja uma marca positiva que não tenha o lugar do negro e do branco

Em 2006, “Meninas Negras” veio ao mundo. Quem são essas meninas na vida real?

Entrevista
Mariana, Dandara e Luanda, per- Madu faz parte do Coletivo Yabás de Narração de Histórias das Orixás Femininas Foto: arquivo pessoal

sonagens do livro, são todas as meninas negras com sua diversidade de tom de pele, de textura capilar, de gostos diversos.

Você fez uma homenagem à Zumbi dos Palmares, lançando sua história em cordel em 2013. Como surgiu esse projeto?

O cordel sempre esteve presente na minha escrita. Na minha prática docente, lançava mão desse gênero literário para dar sabor e brilho aos conteúdos, tais como história e geografia. Retextualizar a biografia de Zumbi dos Palmares foi uma forma de aproximação do gênero biografia ao gosto do leitor.

Em 2022 você retoma suas publicações com “Gato Preto”. Como foi esse período de hiato? E por que retomar com esse livro?

Pode parecer um hiato, mas na verdade ele não foi tão grande assim. Eu publiquei em 2014 “Os Cabelos de Maila e Outros Contos”, pela editora Alcance, em

Moçambique. “Gato Preto” é meu primeiro livro de poemas infantis. A ideia é provocar a fruição, a reflexão e o deleite, pertinentes à literatura, bem como provocar o leitor, levando-o a repensar o sentido dado aos “Gatos Pretos”.

Não há como distanciar a Madu de sua representatividade feminina e negra. Qual a

importância de trabalhar esses temas já na literatura infantil?

Ao fazermos esse movimento, trazemos para esse público de crianças negras e não negras a diversidade do protagonismo. Para que as crianças negras se vejam representadas e para que as crianças não negras aprendam que a diversidade, em nosso país, é algo natural.

“Quanto mais cedo apresentarmos para as crianças essa diversidade e a importância dela, nós caminhamos para um Brasil sem racismo”
Participação em programa na TV de Moçambique, em 2014
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Foto: arquivo pessoal

O lugar da criança negra é onde ela quiser, seja como princesa, rainha, andando de bicicleta, seja fazendo balé. Não podemos esquecer que ela é uma criança e sendo uma criança, ela faz tudo dentro desse universo infantil. Foi em 2003, no governo Lula, que houve uma alteração na lei das bases da educação, incluindo artigos que tornassem obrigatório em todos os níveis de ensino, o estudo do continente africano, da estruturação da identidade nacional a partir dos valores referenciados africanos e sua cultura. Em 2023, estamos completando 20 anos dessa conquista. E o mercado editorial começou a abrir seu leque de publicação fazendo, agora, que autores rejeitados adentrassem nesses espaços.

Como você enxerga a Madu menina e a Madu mulher?

Cronologicamente, a menina Madu não teve representatividade nem

protagonismo negro na literatura infantil. Nesse sentido, a Madu mulher negra e escritora repara essa ausência com sua produção literária.

Você acabou se tornando uma referência, não apenas para os leitores, mas também para outros escritores. Como aconteceu essa expansão para territórios internacionais?

A África me abriu portas para expandir minha literatura. Publico em Moçambique e desenvolvo projetos literários, eventualmente em Angola. Meus livros viajam sem a minha presença física em vários países como Itália, Estados Unidos, Austrália, Áustria, Alemanha, Portugal, entre outros países. Já recebi o prêmio Zumbi de Cultura, pela Companhia Baobá, no ano de 2018, Menção Honrosa pelo Ministério Público de Minas- 300 anos de Minas, pelo conjunto da minha obra.

Principais obras

Gato Preto. Belo Horizonte: Páginas Editora, 2022.

Outra vez Mariana. Belo Horizonte: Crivo Editorial, 2017.

Os cabelos de Maila e outros contos. Moçambique: Alcance Editores, 2017.

Mais uma batalha. Moçambique: Alcance Editores, 2017.

Embolando palavras. Belo Horizonte: Peninha Edições, 2014.

Zumbi dos Palmares em cordel. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2013.

Lápis de cor. Belo Horizonte: Nandyala, 2012.

A Caixa de surpresa. Belo Horizonte: Nandyala, 2009.

Cadarços Desamarrados. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2009.

Meninas negras. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2006.

Koumba e o Tambor Diambê. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2006.

A Janta da Anta. Belo Horizonte: Imprensa Nacional, 2000.

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Produção audiovisual: desafios e conquistas no interior mineiro

Foto:
pixabay

Richardson Pontone é documentarista e professor universitário. Aos 19 anos queria ser bancário. No entanto, descobriu que seu verdadeiro interesse residia em outro lugar. Ao “matar” aulas para ir ao cinema, teve um encontro inesperado com o destino. Após se demitir do banco, pegou o dinheiro que lhe restou e decidiu investir em uma câmera e iniciar sua jornada no mundo do audiovisual.

Junto com um amigo, que tinha o hábito de ir à Serra do Cipó em busca de OVNIs, ele encontrou uma nova forma de ganhar dinheiro. Eles começaram a registrar suas expedições e descobriram um nicho interessante no mercado. Com o passar do tempo, percebendo que a área dava um certo lucro, abandonou a contabilidade e começou a gravar casamentos e curtas-metragens, desenvolvendo suas habilidades e paixão pela área. Aos 27 anos, Pontone decidiu estudar Comunicação e Publicidade, buscando aprimorar seus conhecimentos e se especializar na área audiovisual. Ele se tornou técnico de laboratório de TV na FUMEC. Foi lá que continuou seu aprendizado e se destacou em sua profissão.

No início dos anos 2000, identificou uma série de questões no cenário audiovisual brasileiro. Ele reconheceu a influência negativa da mídia hegemônica que priorizava conteúdos estrangeiros e negligenciava a produção nacional. Além disso, mais recentemente enfrentou os desafios do financiamento, com o desmonte de políticas públicas no setor. Para ele, a luz no fim do túnel foi a Lei Paulo Gustavo,

No dia 11 de maio de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra da cultura, Margareth Menezes, assinaram o decreto que regulamenta a Lei Paulo Gustavo (195/2022). Com essa ação, todos os municípios, estados e o Distrito Federal poderão começar a ter acesso ao montante de R$ 3,8 bilhões, o maior valor da história destinado ao setor cultural.

que facilitou o acesso aos recursos necessários para projetos culturais.

O professor defende que a cultura não deve ser vista como um gasto, mas sim como um investimento. Ele acredita que as pessoas precisam ter acesso à cultura para valorizar e preservar a memória de nossa população, além de estimular a produção de histórias e criação de novas narrativas que contribuam para o crescimento do país. Para ele, a cultura vai além do crescimento econômico, sendo um elemento essencial para o desenvolvimento cultural e social.

Richardson explica que pontos importantes de produção audiovisual no Brasil, como Rio de Janei-

ro, São Paulo e Recife, são polos de criação que demandam investimentos adequados. As prefeituras dessas cidades desempenham um papel fundamental na promoção e financiamento de projetos culturais locais. “É necessário reconhecer que a tecnologia pode ser uma aliada nesse processo, mas no contexto capitalista atual, ela tende a excluir os mais vulneráveis”, afirma. Pontone ainda enfatiza sobre a importância estratégica da cultura no país. Ela não deve ser subestimada ou negligenciada, mas sim apoiada por meio de políticas públicas efetivas e incentivos fiscais para empresas interessadas em investir na cultura nacional.

Pontone acredita que a Lei Paulo Gustavo facilitou o acesso aos recursos necessários para projetos culturais

Lei Paulo Gustavo
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Foto: Lucas Maciel

Divinopolitano produz primeiro longa de animação do interior mineiro

Odivinopolitano Igor Bastos, referência municipal na área audiovisual, tornou o que antes era um “rolê entre amigos”, em seu sucesso profissional. Formado em Cinema de Animação e Artes Digitais na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fundou a Espacial Filmes, em 2018. Hoje, é um dos diretores mais jovem do Brasil a dirigir um longa-metragem de animação na história do país.

Para Igor, foi um desafio à parte, afinal, fazer cinema no interior mineiro é muito mais difícil do que nas grandes capitais. “No interior é muito mais difícil, né? Por exemplo, vai gravar um clipe aqui no interior, você tem que correr atrás da roupa, correr atrás de sapato, correr atrás da localidade”, explica. O

Foto: arquivo pessoal
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Igor Batos é um dos diretores mais jovem do Brasil a dirigir um longa-metragem de animação

jovem comenta que em São Paulo, por exemplo, há diversas empresas especializadas em figurino, além de outras inúmeras empresas específicas para diferentes necessidades, o que facilita o trabalho.

Outro desafio em produzir filmes no interior é a falta de recursos e a falta de mão de obra qualificada. “Aqui é tudo na raça, tem que bater escanteio e correr pra bola você mesmo. Não tem mão de obra qualificada. Você vai fazer algum trabalho e tem que treinar alguém, ou então, trazer gente fora. É mil vezes mais difícil”, diz o diretor.

Bastos decidiu enfrentar o desafio de produzir filmes e junto com sua equipe, recentemente produziu um filme que mistura ficção-científica com elementos típicos da vida no campo: “Placa-Mãe”. A animação retrata a vida de Nadi, uma robô que ganha cidadania e adota duas crianças. O diretor explica

que a personagem extrapola questões artificiais e a afetividade fala mais alto. Nadi torna-se um robô com direitos iguais aos humanos.

A trama se passa em um Brasil futurístico, mas com edificações e locais históricos sendo retratados.

A animação vai retratar pontos turísticos conhecidos dos divinopolitanos como o Parque da Ilha,

a Maria Fumaça e o pontilhão do Niterói. A ideia da robô-protagonista veio de uma notícia lida em 2017, em que um autômato chamado Sofie ganhou cidadania na Arábia Saudita. O longa vai ser distribuído pela renomada O2 Filmes e será o primeiro filme produzido no interior mineiro a chegar às telas de todo o país.

Sinopse:

Uma Robô tem cidadania. Como cidadã ela ganha o direito de adotar duas crianças. Em um mal entendido durante a adoção David o garoto foge com medo de sua irmã Lina perder o sonhado lar. Enquanto David lida com os perigos da cidade, Nadi tenta encontrá-lo.

Cena do filme retrata pontilhão do Niterói em Divinópolis Foto: divulgação Foto: divulgação

O audiovisual e a produção independente

Outro destaque local da indústria audiovisual é Alisson Resende. Também natural de Divinópolis, desde criança assistia filmes e escrevia roteiros. É formado em Publicidade e Propaganda e pós-graduado em marketing. Além disso, fez um curso de imersão em cinema no Rio de Janeiro.

Alisson destaca a diferença entre estudar em uma escola de cinema renomada e a falta de recursos em sua cidade natal. Ele teve a oportunidade de produzir um roteiro na Academia Internacional de Cinema no Rio de Janeiro, onde seu trabalho foi o mais votado. Na Academia, teve acesso a câmeras caras e uma equipe técnica profissional, o que é mais difícil de encontrar em cidades menores. Apesar disso, ele acredita que em produções menores é mais fácil encontrar atores e atrizes na cidade.

Alisson produziu seis curtas-metragens, todos independentes e produzidos com poucos recursos, inclusive usando a luz do celular em uma de suas obras. Ele afirma que a falta de recursos não o impediu de buscar soluções criativas para entregar uma estética interessante e criativa.

Um dos desafios enfrentados pelo cineasta é a distribuição dos filmes, já que não existe uma produtora de distribuição para esse tipo de conteúdo. Ele costuma publicar seus trabalhos na internet, em plataformas como o YouTube e Vimeo, pois é a forma mais viável de divulgação. Alisson destaca que a internet é uma

ferramenta muito útil para trabalhos independentes, já que ajuda na disseminação de conteúdo.

Apesar da concorrência no mercado audiovisual, o cineasta não vê isso como um problema, já que seu trabalho é focado na disseminação gratuita de suas produções. Para ele, é preciso encontrar um equilíbrio entre atender as demandas do mercado e manter sua visão criativa. Ele acredita que o equilíbrio é alcançado quando se entrega algo com um olhar apurado e direcionamento adequado, permitindo que se deixe uma assinatura em cada trabalho realizado.

Alisson quer se diferenciar e se destacar no mercado audiovisual,

principalmente no cinema, onde gosta de criar histórias de ficção completamente autorais. Ele acredita que sua habilidade para contar histórias do zero é uma diferenciação em si, já que não copia ideias de outras pessoas. Ele também destaca que seu amor pelo cinema e sua dedicação são sua marca registrada.

Segundo ele, a tecnologia teve um grande impacto na democratização do cinema e do audiovisual. “Antigamente, apenas alguns tinham acesso às câmeras de cinema. Hoje em dia, é possível produzir com smartphones ou câmeras mais simples, com uma qualidade incrível. A tecnologia permitiu que mais pessoas pudessem produzir”, afirma.

Alisson Resende na estreia do seu curta Tempo, no Teatro Gravatá Foto: arquivo pessoal

Realização:

Programa Interno de Incentivo à Pesquisa e à Extensão (Proinpe)

Edital 01/2023

Projeto de extensão “Expressões: revista de divulgação cultural”

Coordenação: Carlos Renan Samuel Sanchotene

UEMG – Unidade Divinópolis

Curso de Jornalismo

Ano 01 - nº01 - out./2023

foto: pixabay

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