Estagiornal #17

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Estagiornal Fortaleza, 13 de junho de 2013 - Ed. 17

FOTO: EVELYN ONOFRE

Reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos é a melhor solução?

Nesta edição

ENTREVISTA

OPINIÃO

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O princípio da psicologia no Laboratório A maioridade penal em outros países Políticas públicas e redução da maioridade penal A proposta das medidas e o PPP nos centros socioeducativos

Consequências da impunidade Punir ou previnir? Reduzir a maioridade penal não resolve a violência Repensando o meio do qual fazemos parte


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Editorial Os estudos e questionamentos da eficiência das políticas públicas que envolvem adolescentes em conflito com a Lei, no Brasil, demonstram que os investimentos prioritários em ações punitivas podem enfraquecer os projetos preventivos de ressocialização, quando estes estão em segundo plano. Projetos como a capacitação das famílias e dos profissionais envolvidos; desenvolvimento de atividades permanentes de inclusão social nas comunidades; educação e profissionalização nos centros socioeducativos; além de um novo perfil de gestores públicos que sejam facilitadores de uma transformação social indispensável à diminuição da violência de crianças e adolescentes que se multiplica. Reduzir a maioridade de 18 para 16 anos vai diminuir a violência no Brasil? Jovens de diferentes faixas etárias estão envolvidos na violência. Então, por que investir e insistir Opinião

Consequências da impunidade Por Sérgio Parente

Cada vez mais nos deparamos com cenas lastimáveis de violência nos noticiários. Na maior parte, há a participação ou coparticipação de adolescentes. É certo que o sensacionalismo dessas notícias leva ao pânico e à revolta da sociedade que, ao serem vítimas de ações destes adolescentes, veem os mesmo serem punidos com sanções de no máximo três anos, e em seguida, postos em liberdade sem um projeto consistente de ressocialização. O aumento substancial da partici-

tanto na exclusividade da punição? Os investimentos em prevenção, por coerência, mencionam a necessidade do surgimento de uma nova sociedade, de um novo modelo político e de gestão pública. Como acreditar na eficiência das políticas públicas atuais, com a exclusão social em alta, a educação sucateada, o caos na saúde, os gestores públicos indicados sem afinidade, sem experiência, sem qualificação técnica e sem perfil? O retrato da violência no Brasil é assustador. Segundo a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, o número de adolescentes em conflito com a lei cresce 4,5% ao ano. Um preço muito alto que se paga como consequência de políticas públicas realmente sem eficiência. Como reverter um quadro de exclusão social, fortalecendo a mesma sociedade que incentiva e multiplica a violência, a corrupção, a concentração de renda, os favorecimentos dos acordos políticos e as incoerências das gestões públicas? Adolescentes de 12 a 16 anos

superlotam os centros socioeducativos no Brasil, apavoram a opinião pública pelo nível da violência sem controle e são destaques na mídia, nos programas policiais, motivando o ódio. Mas temos que entender as projeções sociais destes adolescentes. A ressocialização, advinda de projetos consistentes e contínuos, vai provocar uma recuperação social a longo prazo, mas a punição, como prioridade única, promove o aumento da violência e atrasa as perspectivas de desenvolvimento social. Uma sociedade desigual, que exclui crianças e adolescentes, é, por consequência, uma sociedade violenta. Uma sociedade violenta é oposto de uma sociedade equilibrada. Como uma bola de neve, a violência se multiplica sem priorizar a prevenção. Assim, as políticas públicas seguem, simbolicamente, guiadas pela vaidade, autossuficiência e abuso do poder. Alimentando e colaborando com a multiplicação da violência que tanto condenam.

pação destes adolescentes em crimes hediondos é reflexo da sensação de impunidade das medidas socioeducativas. Eles estão sendo usados para tráficos, crimes de pistolagem e latrocínios como verdadeiras armas humanas. Assim, a sensação de impunidade dá aos adolescentes e aos seus arregimentadores abertura para que cometam atos infracionais cada vez mais graves. Quem não lembra do caso João Hélio? Um garoto que, aos seis anos, teve sua vida ceifada durante um assalto na noite do dia 7 de fevereiro de 2007, no Rio de Janeiro. A criança foi arrastada, presa ao cinto de segurança, por vários quilômetros. A participação do adolescente de iniciais E.T.D.A.S. nos leva a refletir até que ponto as medidas socioeducativas servem de punição para um ato tão estarrecedor. Este é apenas um exemplo das diversas barbaridades cometidas por adolescentes no Brasil. Ocorrências que estão diariamente estampando jornais e sendo veiculadas em noticiários na TV e rádio.

Segundo a Secretaria Estadual da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS), em Fortaleza, o aumento foi de 52% no número de apreensões de adolescentes entre os anos de 2011 e 2012. Das ocorrências mais graves, os números são ainda mais assustadores: 1.300% em atos de estupro e 89% de assassinato. É certo afirmar que esses jovens são vítimas do sistema, mas nada é feito para corrigir a falta do Estado em não desenvolver políticas públicas de prevenção para esta população. Devemos pensar se não cabe uma alteração, nas leis, que realmente tenha efeito punitivo e ressocializador para quem comete crimes, oferecendo à sociedade mais segurança, dando fim à sensação de impunidade para os adolescentes. Jovens que cometem certos atos infracionais não deveriam ser punidos de acordo com a idade, mas sim pelo grau de seu ato. Talvez, assim, as vítimas e seus parentes possam amenizar suas dores, pois verão punições mais reais e justas.


Fiz a diferença

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O princípio da psicologia no Laboratório FOTO: EVELYN ONOFRE

Ana Rochelle Borges, ex-estagiária de psicologia que fez a diferença no Laboratório.

Por Evelyn Onofre

Estagiornal - Quem é Ana Rochelle Borges? Ana Rochelle Borges - Sou graduada em psicologia e estudante de contabilidade. Gosto de animais, música, dança, ritmo, movimento, ciência e política. Sou eclética e super versátil, acho que por isso escolhi a psicologia, porque gosto da diversidade. Estagiornal - Como surgiu o interesse pela psicologia? Ana Rochelle - Fiz um ano de Farmácia e, embora eu gostasse muito, queria algo que eu pudesse me envolver mais com pessoas, tivesse mais contato com os porquês do comportamento humano. E eu pensava que a psicologia pudesse me dar essa resposta. Também fiz um ano e meio de Serviço Social e só depois fui pra Psicologia, mas eu sempre gostei de várias coisas. Estagiornal - Como você conheceu o Laboratório de Inclusão? Ana Rochelle - Fui ao Laboratório com o foco de me inscrever para trabalhar com crianças. João Monteiro [coordenador do Laboratório de Inclusão] me entrevistou, perguntou se eu tinha interesse em estagiar com pessoas com deficiência, porque, entre as opções, marquei

crianças, idosos, pessoas com deficiência... A única que não marquei foi adolescentes em conflito com a lei, porque eu já tinha estagiado com esse público. Ele me falou que ia dar início a um projeto de profissionalização de pessoas com deficiência na STDS e que a vaga de estágio era pra facilitar esse projeto. E eu fui selecionada, em junho de 2007, porque tinha experiência na área organizacional e social. Estagiornal - O que era o Laboratório de Inclusão? Ana Rochelle - Quando eu entrei, o Laboratório ainda não tinha esse nome e organização. Funcionava como Núcleo de Estágio Universitário e Grupo de Acessibilidade. Eu era responsável pelo processo seletivo e acompanhamento de pessoas com deficiência e por desenvolver um projeto de inclusão pra 60 vagas - durante o ano em que fiquei, a gente incluiu 32 pessoas. No Laboratório, eu vivi um período de organização e criação de projetos. Um período de tentativas. Estagiornal - Muitas pessoas que passam pelo Laboratório criam um vínculo que as trazem de volta. O que te fez voltar ou continuar aqui? Ana Rochelle - Em 2009, depois de um ano que saí do Laboratório,

fui facilitadora da Oficina Aprendendo a Viver com Acessibilidade – AVA [atendendo pessoas com deficiência intelectual, discutindo temas como autoestima e relação interpessoal]. Depois, em 2010, dei início ao Projeto Oricélio [projeto psicossocial voltado para a inclusão da paralisia cerebral com Oricélio, que mora no Abrigo Desembargador Olívio Câmara – Adoc]. Concomitante a isso, fiz parte da Oficina Psicologia da Diversidade [atendendo pessoas com deficiências variadas]. Em 2011, quando fui a um evento na Colômbia [2ª Cúpula Mundial de Voluntariado Juvenil], voltei dizendo “João, a gente tem que desenvolver um projeto”, que, no caso, foi o Diálogos [hoje, responsável por fomentar discussões sobre temas pertinentes à sociedade, tais como acessibilidade e direitos humanos], que se iniciou em agosto de 2012. Estagiornal - Essa entrevista faz parte do quadro “Fiz a diferença”. Que diferença você acha que fez durante seus anos de estágio e voluntariado? Ana Rochelle - Em primeiro lugar, eu acho que fiz a diferença porque tive oportunidade. Se não tivesse a abertura do grupo pra que eu pudesse me desenvolver, pôr em prática minhas ideias; se o Laboratório não fosse um espaço que apoiasse a proatividade, a formação humana (além de técnica) da pessoa, as coisas poderiam ter tomado outro rumo. Eu nunca esqueci de uma coisa que João dizia: se ele tivesse dois candidatos pra escolher e um deles tivesse um currículo maravilhoso, mas com um lado emocional de soberba e superioridade, ele preferia dar oportunidade ao que não tivesse um currículo tão bom, mas com um espírito de simplicidade, humildade, vontade de se doar e de aprender. Eu fiz a diferença porque eu quis aprender muito. Eu não sabia da amplitude daquele mundo. Querer aprender é sair um pouco do seu espaço de segurança e escutar a verdade do outro, o que o outro tem a acrescentar.


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A maioridade penal em outros países FOTO: EVELYN ONOFRE

Cada país tem sua legislação determinada por influências religiosas, culturais ou sociais.

Por Tarcília Silveira

De vez em quando, um assunto que se faz presente em nossas conversas e discussões é a redução da maioridade penal, principalmente quando um adolescente protagoniza algum ato infracional que ganha as redes nacionais e choca o país. No Brasil, a redução seria de 18 para 16 anos. Muitos são a favor, porém há pessoas contra o que propõe a lei. “Adolescentes têm consciência do que estão fazendo”, “um adolescente de 16 anos já tem o direito do voto, mas não é punido severamente pelos seus atos”, “a redução não diminuirá a violência”, “o sistema prisional brasileiro não suporta mais pessoas”, enfim, existem bons argumentos dos dois lados. Em outros países, qual a idade mínima para que os adolescentes sejam responsáveis pelos seus atos? No ano de 2005, foi publicado pelo Fundo Nacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef) o Mapa Mundi da Maioridade Penal. De acordo com o mapa, nos Estados Unidos, a maioridade varia de seis a 18 anos, conforme a legislação de cada Estado. Lá, os adolescentes a partir de 12 anos podem ser sub-

metidos aos mesmos procedimentos dos adultos, inclusive prisão perpétua e pena de morte - lembrando que o país não ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, que aconteceu em 1989, e, no ano seguinte, o documento redigido nela foi oficializado como lei internacional. Na Europa, em países como a Escócia, a maioridade cai para oito anos, porém, até os 21 anos de idade, podem ser aplicadas as regras da justiça juvenil. Essa justiça aproxima-se da penal dos adultos, pois afirma que os jovens têm os mesmos direitos e garantias. Aplicase um modelo de garantias e medidas principalmente educativas. Na França, reduz para 13 anos. Na Inglaterra, embora aos 10 já seja a idade de início da responsabilidade penal, a privação de liberdade acontece apenas a partir dos 15 anos. Dos 18 aos 21 há uma atenuação das leis aplicadas. A justiça juvenil dos países europeus baseia-se nos seguintes princípios: 1) as medidas de privação de liberdade devem ser aplicadas durante o mínimo de tempo pos-

sível; 2) todos os direitos e garantias reconhecidos aos adultos, como um julgamento justo e imparcial, devem também ser atribuídos aos jovens; e 3) prevenção em detrimento da repressão. Na China, adolescentes entre 14 e 18 anos estão sujeitos a um sistema judicial juvenil e suas penas podem chegar à prisão perpétua, no caso de crimes bárbaros como homicídio, estupro e envenenamento. Nos crimes em que não há violência, a responsabilidade penal se dará somente aos 16 anos. América do Sul é a região mundial onde a maioridade penal acontece mais tarde. Países como Chile e Argentina, aos 16, e Colômbia, Peru e Brasil, aos 18 anos. Alguns países, que reduziram a idade penal há quatro anos, como Espanha e Alemanha, verificaram um aumento da criminalidade entre os adolescentes e acabaram voltando a estabelecer a idade penal em 18 anos. Passaram ainda a oferecer um tratamento especial com medidas socioeducativas aos jovens de 18 a 21 anos. É importante compreendermos que cada país tem sua legislação de acordo com suas influências, sejam elas religiosas, culturais, geográficas ou sociais. De que maneira são tratadas crianças e adolescentes em cada lugar; se existem políticas públicas para eles; como se dá, principalmente, a política de educação; de que forma o Estado lida com as pessoas que punem; como é a concentração de renda do país; a visão e formação da família; enfim, tudo depende de uma série de fatores. Também é importante lembrar que, em países como Inglaterra e Estados Unidos, os jovens têm, no mínimo, as condições de saúde, alimentação e educação necessárias garantidas e asseguradas. Seria injusto pensar em uma redução da maioridade penal, ou uma responsabilização para os adolescentes que não cumprem as leis, se o Estado brasileiro não garante a mesma qualidade de vida assegurada para os adolescentes daqueles países.


Políticas públicas e redução da maioridade penal FOTO: EVELYN ONOFRE

De acordo com o ECA, o poder público deve oferecer condições básicas para uma vida digna e saudável às crianças e adolescentes.

Por Jamilia Oliveira

A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determinam que é obrigação da família, da sociedade e do poder público assegurar os direitos fundamentais da criança e do adolescente, oferecendo educação, cultura, esporte e lazer. O país tem obrigação de oferecer condições básicas para uma vida digna e saudável às crianças e adolescentes. No entanto, não é o que acontece. A grande maioria nunca ouviu falar de seus direitos, muito menos do ECA. Para eles, que vivem em completa marginalização social, o importa é a sobrevivência. Diante disso, qualquer coisa vale. Inclusive entrar no mundo da violência. Dentre as propostas, a mais discutida é a da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Além dela, existe a que reduz para 14 anos e a que propõe redução apenas em casos de crimes hediondos, considerados graves. Para mim, todas são medidas paliativas sem serventia. Querem resolver um problema antigo e cultural com uma medida imediatista. A política de cotas é outro exemplo disso. Os governantes estão abrindo mão das suas responsabilidades e jogando em cima daqueles menos desfavorecidos, das classes sociais mais baixas. Muitos criticam a violência atual, mas poucos perguntam a forma

como ela começou. Todos os dias, vários jovens são assassinados nas periferias e poucos se preocupam com esse fato. No entanto, quando a violência é cometida com alguém da alta sociedade, a mídia cai em cima gerando uma comoção nacional. Exigindo a prisão e a morte de quem cometeu o crime. Não vejo a sociedade cobrando uma efetivação das políticas públicas referentes à educação, saúde, cultura e lazer. Alguns podem até cobrar, mas de forma individual. Vejo lamúrias e reclamações isoladas; governantes que se preocupam apenas em fazer promessas e idealizar projetos. Muita teoria e pouca prática. E o pior de tudo, não se vê uma revisão da prática que temos hoje. Existem pessoas e órgãos encarregados de fiscalizar, mas nada é feito pra mudar a realidade em que ela se encontra. Hoje, crianças e adolescentes que cometem um ato infracional são encaminhados aos centros socioeducativos para que lá seja realizado um trabalho de ressocialização. Subentende-se que, dentro destes centros, eles devem aprender um ofício, ter acesso à educação, apoio psicológico para tentar entender a si mesmos e a sociedade em que eles vivem. Trabalhar nessas crianças o desenvolvimento de uma consciência crítica voltada para o seu cresci-

mento como pessoa, como alguém que faz parte da sociedade. Não é trancá-los numa ala, sentá-los em uma cadeira e começar a falar aquilo que deveria ser feito. Ainda mais quando é um total desconhecido, que não tem afinidade. Para poder chegar a alguém, você tem que primeiro ouvir e procurar entender o porquê de determinados comportamentos. A criança que cresce em um meio precário e violento, sofrendo opressões de todas as formas, acaba revoltada com o meio. Cresce se sentindo incapaz de vencer na vida, de ter trabalho e família. Não estou justificando o porquê de suas atitudes erradas. Estou apontando onde começa o problema da violência. Esta não vai diminuir com a adoção dessa medida. O que pode acontecer é agravar ainda mais a situação do sistema prisional com a superlotação. Boa parte das rebeliões em presídios, no nosso país, acontece com o intuito de reivindicar melhores condições dentro das prisões e ambientes menos lotados. O ideal seria melhorar o sistema socioeducativo dos infratores e investir na efetivação das políticas públicas, principalmente a educação. A correta aplicação das medidas dentro dos centros socioeducativos também seria uma das soluções para a ressocialização futura desses adolescentes.

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Opinião

Reduzir a maioridade penal não resolve a violência Por Lorena Castro

O número de adolescentes envolvidos com a violência urbana está crescendo muito nos últimos anos. Isso decorre de diversos fatores, entre eles, a falta de políticas públicas que os amparem de modo completo, dando-lhes suporte no que é necessário para uma vida digna, uma infância e uma adolescência sem violência. Outro fator se dá pela situação familiar na qual estão inseridos, pois a maioria deles tem suas famílias desestruturadas, sendo a mãe, em alguns casos, que trabalha para sustentar a família. Se fizermos uma comparação - de acordo com notícia publicada em 15/7/2012 no jornal Diário do Nordeste - na década de 80, era comum entre os jovens de 15 anos a prática de pequenos furtos e o uso de “cola de sapateiro” como droga. Atualmente, os adolescentes por volta de 12 anos já estão inseridos na violência, praticando crimes hediondos e tendo como principal vício o crack. Diante desse fato, surge o questionamento: se o perfil da sociedade mudou, se a quantidade de adolescentes envolvidos com a violência aumentou, então, qual a solução para esse problema? Algumas pessoas apontam a redução da maioridade penal para os 16 anos como a melhor solução para essa questão da sociedade. Outros ressaltam que esse não é o caminho a ser adotado se não houver mudanças também nas políticas públicas que respaldam esses adolescentes. Reduzir a idade penal para 16 anos não é a solução viável para o caos da violência que presenciamos, pois, na fase dos 12 aos 15 anos, o adolescente vive, geralmente, uma

crise de identidade. Sua personalidade não está totalmente formada, os mais novos não medem as consequências que seus atos podem acarretar e, em muitos casos, são usados como “laranjas” pelos maiores, pois a punição para o menor é inferior devido o amparo que crianças e adolescentes têm do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Reduzir a maioridade penal acarretaria a eclosão de adolescentes entre 16 e 18 anos nos presídios. E isso não seria suficiente, pois, daqui a alguns anos, teríamos que repensar essa redução para talvez 13 anos de idade, já que o problema não teria sido totalmente solucionado. Deve ser realizada a implementação de políticas públicas preventivas para que esses adolescentes não entrem na criminalidade e que, tanto eles quanto suas famílias, não vivam à margem da sociedade nem à mercê das dificuldades financeiras e sociais. As leis, que asseguram direito à educação e saúde, por exemplo, devem ser efetivadas realmente para que aconteçam mudanças no contexto social que vivenciamos. Talvez, assim, daqui a alguns anos, possamos ver uma juventude diferente, com princípios e valores resgatados.

Repensando o meio do qual fazemos parte Por Jamilia Oliveira

Enquanto estudante do ensino superior, sinto a necessidade e obrigação de refletir sobre minha prática e o meio no qual trabalho. Daí a importância do estágio. Além de aliar teoria e prática, ser estagiário lhe dá a oportunidade de refletir sobre o meio e as atitudes que você, como profissional, pretende assumir. É importante conhecer aquilo que irá enfrentar e se preparar para lidar com as dificuldades da

profissão que escolher. Por exemplo, o trabalho em centros socioeducativos e abrigos. Ter a oportunidade de estagiar nesses locais acaba nos atentando sobre questões políticas e sociais que vivemos e o quanto estas questões influenciam no desenvolvimento do trabalho destas instituições. Não quero criticar negativamente aqueles que trabalham nelas ou os responsáveis políticos. Pretendo apenas gerar uma reflexão. Temos nestes locais crianças, adolescentes, adultos e idosos marginalizados socialmente. Crianças abandonadas pelos pais ou tiradas deles por negligência familiar, idosos sem familiares para ampará-los, menores que acabaram sem perspectivas e se criminalizaram. Todos segregados do convívio em sociedade. Um dos poucos contatos entre eles e o restante do mundo está na restrita relação que eles possuem com os profissionais que trabalham nas instituições onde vivem. Muitas das vezes veem esses profissionais como um referencial, um pai ou uma mãe. A minha postura durante o trabalho dentro destas unidades influencia nas atitudes daqueles que lá vivem. Se eu trabalho em um centro socioeducativo, eu não posso ser cheia de preconceitos, chamar os meninos de marginais, bandidos. Essa atitude vai contra o trabalho que eu me comprometi em assumir. Vai contra a proposta das medidas socioeducativas. O menor que ali está não precisa ser lembrando o tempo todo dos erros que cometeu, ele precisa refletir sobre o meio em que vive e as suas atitudes perante a sociedade. Ele não está ali porque tem que ser agredido, maltratado ou violentado por meio de agressões verbais e físicas. Atitudes assim ocasionam uma revolta muito maior do que a que já existe. É triste você ver uma criança de abrigo chorar por não ter uma família, um idoso com saudades do tempo que era jovem e podia se cuidar sozinho, um menor persistir nas atitudes violentas por revolta e por falta de opção, uma criança deficien-


te se isolar por ser diferente, por sua diferença incomodar a sociedade. O profissional que se compromete em trabalhar em locais assim deve ser solidário e, acima de tudo, humano. Deve pensar na responsabilidade que é fazer parte deste mundo. Enquanto estagiária me sinto responsável por eles. Sinto-me no dever de colaborar para o seu crescimento como pessoa. Contribuindo com o pouco que eu tenho a oferecer. E crescendo junto com eles. Chega de individualismo. É hora de pensar o meio em que vivemos, os valores que estamos assumindo, a forma como estamos exercendo o nosso trabalho e a contribuição que estamos deixando pelos locais por onde passamos. O estagiário não está ali apenas para aprender, mas para trocar conhecimentos. Assim como o chefe ou técnico tem algo a ser passado, devido a sua experiência, o estagiário pode também contribuir com ideias inovadoras. Experiência e inovação devem andar juntas com o objetivo de melhorar o meio que atuamos. Fala-se muito que, enquanto estamos no meio acadêmico, a postura é uma e depois que entramos no sistema somos engolidos por ele. Diante desta realidade, temos uma função muito importante enquanto estagiários: abrir os olhos daqueles que já foram engolidos pelo sistema, mostrando o quanto a transformação é possível e importante para a sociedade.

A proposta das medidas e o projeto político pedagógico nos centros socioeducativos Por Alfredo Monteiro

As medidas socioeducativas, em sua natureza, são constituídas por um caráter sancionatório onde o Estado responsabiliza judicialmente o adolescente e lhe impõe restrições legais. A essência de tais medidas é a dimensão sociopedagógica, considerando que sua elaboração e desenvolvimento estão sob o dever da garantia de direitos e ações educa-

tivas que incentivem o adolescente ao exercício da cidadania, formando neste uma consciência de respeito mútuo, bem como o desenvolvimento de valores e condutas que percorram novas trajetórias de vida para sua inserção no convívio social, fazendo com que ele não retome a conduta infracional. A ação sociopedagógica deve contribuir para a formação de cidadãos autônomos, valorizando suas potencialidades, capacidades individuais e coletivas, considerando o adolescente como pessoa em desenvolvimento e como sujeito de direito. Dessa forma, surge o questionamento: como fazer um trabalho sistemático, contínuo e de qualidade nos centros socioeducativos diante da superlotação e do pequeno quadro de profissionais? Essa é uma questão frequentemente levantada pelos profissionais que trabalham junto às medidas socioeducativas, quando se trata da implementação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) ou da ausência de um plano político pedagógico nas unidades de medidas socioeducativas. Um levantamento realizado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/ PR), no ano de 2010, constatou uma situação preocupante no que se refere ao crescimento do número de adolescentes em privação de liberdade no Ceará. É neste Estado onde se encontram as unidades mais superlotadas, com 67,81%, ultrapassando suas capacidades físicas e técnicas de atendimento, seguido por Pernambuco, com 64,17%, e, em terceiro lugar, a Paraíba, com 38,21%. O último monitoramento do Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), em 2011, constatou que no Ceará existem unidades que estão funcionando com até três vezes além de suas capacidades - enquanto o Sinase orienta como parâmetro de atendimento para unidades de internação a quantidade de até 40 adolescentes internos. Nestas condições, nem a estru-

tura física, nem a quantidade de 7 profissionais são suficientes para atender a enorme demanda. Abrindo, assim, espaços para que os adolescentes fiquem trancafiados em seus dormitórios com o tempo ocioso por falta de atividades pedagógicas abrangentes a todos. Esse mesmo monitoramento do Fórum DCA identificou que 41,7% das unidades pesquisadas têm Projeto Político Pedagógico (PPP) e que, em alguns casos, a equipe de profissionais desconhecia a sua existência ou nem mesmo sabia do que se tratava este relevante projeto. A proposta pedagógica, recomendada pelo Sinase, como diretriz para a elaboração e prática de planos e projetos pedagógicas junto à aplicação das medidas socioeducativas, deve explicitar o público alvo, os objetivos, o que se pretende com estas atividades e quais seus fundamentos teóricos e metodológicos. Além disso, deve ser avaliado e monitorado pela equipe de profissionais envolvida e pelo público alvo. É o PPP que deve fundamentar documentos institucionais como o regimento interno da unidade, as normas disciplinares e, principalmente, o Plano Individual de Atendimento (PIA). Tanto a elaboração quanto a concretização do PIA devem estar condicionadas ao planejamento das ações nos períodos mensais, semestrais e anuais, além de serem responsáveis pelo monitoramento e avaliação dos impactos e resultados junto aos atores deste cenário: equipe técnica, adolescente e família. O PPP orienta, ainda, que o processo de conscientização das ações socioeducativas devem valorizar a participação dos adolescentes na elaboração e no acompanhamento das práticas pedagógicas. Assim, a proposta inova a maneira de pensar e executar a dimensão pedagógica, junto às medidas socioeducativas, levando em consideração a participação do seu públicoalvo. Além disso, ela deixa claro que o adolescente deve ser partícipe no processo de socioeducação numa prática pedagógica voltada prioritariamente para a construção coletiva.


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Opinião

Punir ou prevenir? Por Patrícia Façanha

A redução da maioridade penal é um assunto polêmico e constante em nossa sociedade, principalmente quando o crime ocorre envolvendo adolescentes, acabando por ser bastante explorado pela mídia. A questão da imputabilidade penal não é assunto contemporâneo, já sendo debatida desde a criação do primeiro Código Penal. Atos de violência envolvendo a classe infanto-juvenil levou o Estado a ter que “corrigir” esses futuros cidadãos para que pudessem incorporar, desde cedo, a importância de seus papeis úteis e produtivos a serviço dos objetivos da nação. Atualmente, o debate levantado é sobre a redução da idade penal como meio de punir o infrator. Mas, como culpabilizar um cidadão sem lhe dar os subsídios básicos para uma vida saudável? O antigo Código de Menores classificava o menor infrator como delinquente, apenas prevendo medidas que puniam o jovem com idade de 14 a 18 anos, classificando o adolescente como uma espécie de “pequeno adulto” e esquecendo de seu abandono por parte da sociedade. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulga-

do em 13 de julho de 1990, passa a discutir a temática infanto-juvenil como prioridade na formulação e implementação das políticas públicas tratando as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e em condição de desenvolvimento, responsabilizando os diversos atores sociais (Estado, família etc) para a garantia desses direitos. O ECA propõe não só medidas preventivas, que garantam o mínimo de bem estar para a criança e o adolescente, mas também punitivas, que devem ser utilizadas caso os jovens menores de idade se envolvam em atos infracionais. Embora esteja em vigor há quase 23 anos, o ECA não é tratado como subsídio principal para o desenvolvimento da criança e do adolescente. Os direitos principais e essenciais na vida de qualquer ser humano como direito à saúde, à liberdade, à convivência comunitária e à vida são os mais negligenciados. A proposta da redução da maioridade penal sustenta-se em argumentos frágeis e ilusórios de que a violência diminuiria. A alteração da maioridade penal apenas transferiria o problema para a superlotação dos presídios. Uma mudança legislativa de tal porte não mudará o acontecimento dos fatos. É preciso ir na raiz do problema, trabalhar nos motivos que levam a classe infanto-juvenil a cometer crimes. É preciso enxergar esses jovens, suas dificuldades e seus anseios. O sistema penal não é suficiente para moldar um cidadão que está em pleno desenvolvimento. O que nossa sociedade necessita é implementar projetos que visem a reti-

EXPEDIENTE Este jornal é uma publicação do Grupo de Informação e Consciência Humana realizado pelo Laboratório de Inclusão da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS). Coordenação geral: João Monteiro Vasconcelos Edição e diagramação: Evelyn Onofre Colaboradores: Evelyn Onofre e Sérgio Parente Estagiários: Alfredo Monteiro, Jamilia Oliveira, Patrícia Façanha, Rebecca Parente e Tarcília Silveira Endereço: Rua Soriano Albuquerque, 230, Joaquim Távora, Fortaleza-CE Contatos: (85) 3101-2123 | (85) 3101-4583 | labdeinclusao@gmail.com laboratoriodeinclusao.wordpress.com

rada de crianças e adolescentes das ruas, do convívio com agentes desviantes, com abusadores, afastá-las de toda a negligência a que muitas ficam expostas, seja qual for a classe social a que pertençam.

Visita ao CEPA Por Rebecca Parente

O Centro Educacional Patativa do Assaré (CEPA), unidade coordenada pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), tem como objetivo atender, em regime de internação, adolescentes do sexo masculino de 17 e 18 anos, já sentenciados, que cometeram atos infracionais de natureza grave. Tem como proposta desenvolver estratégias e ações que preparem estes adolescentes para sua reintegração no convívio sociofamiliar após o cumprimento de sua sentença. Atualmente, a unidade atende cerca de 145 adolescentes, distribuídos em blocos e separados seguindo alguns critérios: 1) adolescentes vindos de municípios cearenses; 2) adolescentes com atos infracionais mais graves ou de bairros rivais; e 3) adolescentes que cometeram estupros e atos contra crianças e mulheres - recolhidos em blocos mais distantes para segurança própria. Os adolescentes e seus familiares são acompanhados pela equipe multidisciplinar e encaminhados para participar das atividades ofertadas pela unidade, tais como Educação de Jovens e Adultos (EJA), esportes, cursos de capacitação profissional, e inserção no mercado de trabalho.

Espaço do Estagiário Seja um colaborador e envie sua notícia, artigo, fotografia, comentário, sugestão para labdeinclusao@gmail. com. Interessados em participar de algum dos grupos do Laboratório de Inclusão também podem ligar para (85) 3101-2123 ou (85) 3101-4583.

@labdeinclusao


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