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CAPÍTULO.03


CONTRA O INIMIGO ONIPRESENTE

CAPÍTULO.03

ESCRITO POR: ANDRÉ FERRERA REVISADO POR: MAIRA VERAS


TRÊS Um grupo de turistas visitava o Congresso Nacional naquela tarde de quarta-feira, o guia anunciava cada departamento e comentava cada espaço de toda a estrutura, contou histórias, tentou fazer piada, mas a força de vontade com que fazia seu trabalho e o tom de voz altamente irritante – resultado de anos de repetição diária das mesmas frases e contos – só reforçavam a ideia de que até um robô falaria melhor sobre tudo aquilo. Entretanto é de se esperar que contar belas histórias sobre o berço da corrupção no país não deva ser tão empolgante. Entre todos os visitantes, um se destacava, não só pela altura e porte atlético, mas principalmente pela atenção que dava a cada lugar e setor do prédio. Registrava tudo com uma boa máquina fotográfica, e com discreta atenção reparava em todos os que costumavam circular por ali. - Onde está aquele rapaz alto com uma máquina no pescoço? – perguntou o guia aos demais. Ninguém se voluntariou a dar pelo menos uma dica, tinham mais em que prestar atenção. - Conseguiu falar com o Aristides depois daquela bagunça lá? - Tá complicado. Ele já tá no presídio, o Milton está vendo se consegue transferir ele prum lugar melhor. O cara que o pegou, além de ter feito aquilo no rosto dele, entregou à PF um envelope que tinha todas as provas possíveis para incriminá-lo: gravações, movimentos bancários, tudo. E pior, a imprensa também recebeu o envelope. Os dois deputados, Fábio Firmino e Brito Filho, estão conversando sobre o ocorrido com o Deputado Aristides Melo dentro do carro, enquanto o motorista fazia as manobras para saírem do estacionamento do Congresso. Estavam especulando sobre quem seria o mascarado que atacou Aristides, quando se assustaram com um enorme barulho vindo de trás do carro (que estava em marcha ré); os freios foram usados com muita força, e os três olharam para trás, tentando entender o que havia acontecido. O motorista, que acumulava também a função de segurança, saiu lentamente do carro com uma pistola em punho para averiguar o motivo do barulho. Os


dois dentro do carro sentiram-se mais seguros e, ainda preocupados, voltaram a tentar recomeçar o assunto, daí, então, outro susto. - O que é isso? – No para-brisa dianteiro, preso pelo lado de fora, via-se um cartão, de uns 10x15cm, vermelho, com um logotipo branco impresso: era o desenho de um pássaro com as asas abertas, e seu corpo formava uma brasão com duas letras K, espelhadas uma de costas pra outra. - Mas que palhaçada é essa? – perguntou irritado Fábio Firmino. O segurança, seguindo as ordens do deputado, foi até o vidro do carro e pegou o cartão. - Não é a mesma marca que estava tatuada no rosto do Aristides? – foi a vez de Brito Filho perguntar assustado. - Tá de brincadeira comigo? Agora temos um doido mascarado caçando deputados aqui dentro. E você, tá com medo de quê? Esse cara é só mais um louco, daqui a uns dias aparece morto por aí. Vamos embora. – ordenou o deputado ao motorista. O guia decidiu acelerar ainda mais o ritmo de suas informações sobre o imponente Congresso Nacional, o fim da tarde já estava se tornando visível. Olhou mais uma vez para os visitantes e viu de novo o homem alto olhando pra ele e prestando atenção. Até pensou em perguntar o que teria acontecido, mas a hora estava passando tão rápido que decidiu encerrar o tour por ali mesmo. - Obrigado a todos pela visita e sintam-se à vontade para voltar mais vezes. Afinal, a casa é do povo. A noite já havia chegado, e os deputados ainda conversavam dentro do carro a caminho do hotel. O assunto usado para esquecer a preocupação em relação ao papel vermelho que Fábio tinha acabado de jogar pela janela, não poderia ser melhor. Os tablets modernos que ganharam de presente do povo estavam carregados de fotos e perfis de acompanhantes caríssimas, escolhidas por atributos que, quanto mais exagerados fossem, melhor. - Marcão, até você vai comer bem hoje! Pode escolher. – disse o


deputado ao motorista. - O senhor entende bem do assunto, deputado. Eu confio. Pode escolher aí. - É? Então você vai passar bem demais hoje. Vai ser Melissa. Essa é show, faz de tudo! Não é, Brito? Estavam os três gargalhando, quando, do nada, numa parte deserta da estrada, um barulho estranho no motor fez o carro parar. - O que foi que houve? – Brito perguntou assustado. - Alguma coisa no motor. – Marcão respondeu, assustado. - Vá olhar! – Fábio gritou. - Mas o carro está no meio da estrada... - Ponha ele no acostamento. - É grande demais pra eu empurrar sozinho, senhor... - Não acredito nisso! Vamos, Brito, vamos empurrar essa merda! Brito ficou travado por alguns instantes, sua mente estava associando o episódio atual com o papel vermelho que haviam recebido no estacionamento do Congresso e a história com Aristides Melo. - Vamos, Brito! – Fábio gritou de novo. Marcão já estava lá fora. Começaram a empurrar. O deputado Firmino também estava preocupado, mas não queria demonstrar fraqueza. - Boa noite, senhores. – ouviu-se uma voz saindo do matagal escuro no acostamento. Num susto silencioso, os três ficaram imóveis. O motorista sacou a arma, esperando o próximo barulho. - Como vocês... – A frase foi interrompida pelo primeiro tiro dado às cegas pelo segurança. O eco do tiro em meio a todo aquele silêncio deixou o clima mais tenso e só serviu para aumentar o medo. - Como vocês são mal educados! Lhes desejei boa noite... A noite parecia perfeita, não é mesmo? Marcão começou a dar alguns passos à frente, tentando se aproximar da voz quando, de repente, o segundo tiro. Foi apenas por reflexo, o segurança estava estirado no chão, pareceu ter levado um golpe forte na cabeça. Medo. A única chance de segurança parecia sem vida, deitada no


asfalto. - Desculpe por ter atrapalhado os planos dos senhores. É que eu não poderia perder a oportunidade de ter os dois juntos numa mesma ocasião... A voz que se aproximava saindo da escuridão começava a tomar forma, e Fábio se lembrou da descrição de Aristides. Era ele. Sentiu um golpe como que de um bastão e desmaiou. Brito Filho começa a acordar, mas levantar a cabeça é uma tarefa difícil, está doendo muito. Está sentado no chão, amarrado a uma peça de madeira que vai do teto ao solo, a sala não esta clara mas também não está totalmente escura. Quando consegue levantar a cabeça por completo, vê o deputado Firmino amarrado a outra peça de madeira logo a sua frente, também sem camisa e com a cabeça toda raspada. Num outro canto da sala, consegue ver com dificuldade um vulto deitado ao chão. Deve ser o segurança, deve estar morto. Ouve agora passos se aproximando e a mesma voz, lá do acostamento, se pronuncia. - Como estão? Devo confessar que para mim é um prazer muito grande ter os senhores aqui. Estava aguardando pacientemente a hora de encontrá-los separadamente. Mas os dois juntos aqui é muito melhor. Eu não me perdoaria se perdesse essa oportunidade... - O que você quer com a gente? – Brito se esforçou para perguntar. - Eu? Eu não quero nada, deputado. Quem quer é o povo. O povo está cansado de ser roubado. Eles querem conhecer quem são os ladrões, e eu os estou apenas apresentando. - Eu não roubei nada de ninguém. - Quem falou isso? Foi você, Firmino? Sabe o que eu deveria fazer com o senhor? Eu deveria amarrá-lo num poste no meio de uma praça e deixar o povo ouvir isso que o senhor me disse agora. Queria ver o senhor explicar pra eles como e com que dinheiro o senhor construiu aquele castelinho de 35 milhões, lá no interior. Um barulho insistente interrompe a conversa. É a máquina de tatuagem ligada. - O senhor também, Brito, foi muito fácil juntar as provas contra o senhor, você vem fazendo merda há mais de 10 anos. Desviando dinheiro


público, pagando por silêncio, investindo em mais corrupção. O senhor é um exemplo de corrupção nesse país, e o pessoal que o senhor vem reunindo não é fraco não. Serão os próximos. Uma luz forte se acende em cima do deputado Brito Filho, mãos grandes atacam seu rosto, amarrando sua cabeça posicionada para cima, ele não consegue abrir os olhos por causa da luz, o barulho da máquina está cada vez mais próximo. Dor, grito, medo, sangue.

MAIS DOIS DEPUTADOS FORAM ENCONTRADOS TATUADOS EM FRENTE AO CONGRESSO.

Brito Filho e Fábio Firmino estavam amarrados um ao outro, nus e ensangüentados, com dois envelopes vermelhos e um cartaz amarrado ao pescoço:


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