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CAPÍTULO.01


CONTRA O INIMIGO ONIPRESENTE

CAPÍTULO.01

ESCRITO POR: ANDRÉ FERRERA REVISADO POR: MAIRA VERAS


Polyborus plancus, chamado popularmente de carcará, é um falconídeo. Sua envergadura chega a 123 cm, e o comprimento varia entre 50 e 60 cm. É tido como ave tipicamente brasileira, já tendo sido conhecido como "águia-brasileira". O carcará é facilmente reconhecível quando pousado, pelo fato de ter uma espécie de solidéu preto sobre a cabeça, assim como um bico curvo e alto, a face é vermelha. É recoberto de preto na parte superior e em voo, assemelha-se a um urubu, mas é reconhecível por duas manchas de cor clara na extremidade das asas. Diferentemente dos falcões, não é um predador especializado, e sim um generalista, alimentando-se de insetos, anfíbios, roedores e acompanha os urubus em busca de carniça. Passa muito tempo no chão, ajudado pelas suas longas patas adaptadas à marcha, mas é também um excelente voador e planador. (Fonte: Wikipédia)


UM - Por favor, não me machuque! – disse o homem. O deputado amarrado à cadeira se debatia inteiro, tremendo de medo. Há muito tempo não sentia sua segurança se esvaindo. Há muito tempo não precisava implorar alguma coisa a alguém. Nunca tinha se visto indefeso, humilhado e sozinho. Estava acostumado a cenas contrárias a estas, humilhava, abusava, mandava. Era um senhor já com seus 60 anos, acima do peso, com pouco cabelo e de pele clara. Aquele caríssimo paletó, encomendado especialmente para presidir a seção de logo mais na câmara, estava agora pendurado num varal improvisado com fios, numa sala escura e abafada. O cenário para ele era enlouquecedor. Estava nu, suado, sentado numa minúscula cadeira, amarrado com as duas mãos para trás. Seu rosto estava preso, virado para o teto, uma luz incandescente acima da cabeça não o deixava abrir os olhos sem sentir dor. As únicas coisas que conseguia escutar eram as correntes em seus pés, sua respiração ofegante e alguém caminhando em passos firmes, como de botas militares, pela sala. - Quantas pessoas já viram agonia e sofrimento em seu rosto, deputado? - perguntou o vulto andando ao seu redor. Acho que para todos é difícil imaginar um rosto sempre tão sorridente e simpático de outra maneira. O primeiro flash da câmera é disparado. O homem sentado se contorce como à espera de um toque, a voz está tão perto. - Da última vez que o vi o Sr., parecia muito alegre, fazendo poses e distribuindo acenos. Estava todo mundo lá, não é mesmo? Aquele dia era uma quarta-feira de três semanas atrás. Dia previamente marcado pelo deputado Aristides Melo, afinal, quarta é um bom dia pra se começar a trabalhar, a folga e o fim de semana estão chegando. Após uma aterrissagem barulhenta e avassaladora num campinho abandonado ao lado do novo hospital, descem do helicóptero o deputado, o prefeito e o governador; é claro, um evento assim não se pode perder. É ano de eleição. Microfones, gravadores e máquinas frenéticas buscam um registro da inauguração do mais novo hospital geral do estado. Há uma pequena


multidão na rua dividida entre manifestantes abafados pela polícia local e simpatizantes esperançosos, prontos para aplaudir o retirar de um tecido azul que encobre a placa na parede do prédio. Os simpáticos engravatados, ao mesmo tempo que sorriem, pensam no que a multidão faria se descobrisse sobre a falta dos aparelhos médicos e aonde tinha ido parar o dinheiro investido para a aquisição de novas máquinas e aparelhos. - Deve ser muito gratificante saber que ajudou a construir um hospital, não? Ao fundo, escuta-se uma pequena máquina com um barulho agudo e vibrante. - O senhor se lembra da última vez que se olhou no espelho? Hoje pela manhã, suponho. Então vai ter que guardar essa imagem na memória, deputado. Porque a partir de agora o seu rosto nunca mais será o mesmo. O homem sente pela primeira vez o toque do vulto em seu rosto. As mãos protegidas por luvas cirúrgicas estão segurando sua testa, e o barulho da maquineta fica cada vez mais próximo: - Ai. – o homem amarrado sente-se confuso e aliviado. Estava esperando algo muito mais doloroso. O homem em pé havia apenas raspado sua cabeça. O barulho da maquineta persiste e, agora sim, ele grita: - NÃÃÃÃOOOOOOOOOOOOOO! Ele sente a fina pele acima dos olhos ser perfurada insistentemente, sente as mãos grandes e enluvadas guiando o aparelho como uma serra, rasgando sua testa de um lado a outro. A dor só aumenta. - O que ele está fazendo? – pensa desesperado. A voz, que antes tinha sido silenciada pelo barulho da máquina e pelos gritos, fala mais alto: - Sabe, deputado... Um hábito comum e muito interessante em antigas civilizações se perdeu ao longo de 4 mil anos. Imperadores e reis ordenavam que bandidos e ladrões recebessem uma marca na pele que nunca mais sairia. Apenas olhando se conseguia diferenciar os homens de bem dos aproveitadores. Não acha interessante, deputado? A máquina continua com seu barulho irritante, e o homem assustado geme cada vez mais alto.


- Era isso que estava faltando. A partir de agora, todo mundo que olhar pra você vai saber que o senhor é um político corrupto, um ladrão. Todo mundo que olhar pra sua cara, deputado, vai saber que foi o senhor quem desviou o dinheiro daquele hospital e gastou com prostitutas, carros importados e “presentinhos” pra sua esposa. O senhor vai se lembrar de mim, deste momento e de tudo o que fez cada vez que se olhar no espelho da sua cela, lugar onde o Sr. deveria estar há muito tempo. Após horas de sofrimento, a máquina vai ficando mais lenta, e a tatuagem enfim fica pronta. - Sua capa de homem bom e sociável caiu, deputado. O segundo flash da câmera fotográfica é disparado. - Agora a verdade estará nos olhos do povo. Com o rosto ainda ensanguentado e dolorido, o homem sente seu corpo ser tomado por um efeito anestésico, seus braços e pernas são desamarrados, mas não respondem a qualquer comando. - E agora? Vou morrer? – pensou. Enquanto desmaiava, a luz em seu rosto ficou mais fraca, então, com esforço, conseguiu ver o homem a sua frente. Era alto e tinha o porte de um jogador de basquete. Usava um sobretudo preto fosco com detalhes em vermelho, na cabeça tinha um chapéu diferente num preto que parecia ainda mais escuro e, por fim, o detalhe mais perturbador: usava uma máscara daquelas de gás, estilizada, cobria todo o rosto, a cor era um vinho metalizado; no lugar do filtro, um bico curvado para baixo que, junto com os olhos cintilantes, lembravam um falcão pronto a atacar. Nunca mais esqueceria aquela figura em pé, olhando pra ele. A luz ficou ainda mais fraca e distante e, como num blackout, tudo se apaga e silencia. Seguranças e policiais estão cercando o carro do deputado Aristides em frente à câmara dos deputados em Brasília e com batidas fortes e repetidas, no vidro do carro, gritam: - Deputado, o senhor está bem? A impressa está recuada, mas pronta a saber o que um Land Rover preto está fazendo na porta da câmara, pichado com a seguinte frase:


AQUI JAZ UM POLÍTICO CORRUPTO Querem também saber de quem é o corpo que está no carro e se está vivo ou morto, quando finalmente a porta do carro se abre. - Ele está vivo! – grita o assessor. Câmeras, máquinas e microfones estão preparados, a rua está tomada por curiosos, policiais tentam manter a área isolada, outros políticos chegam preocupados. O homem nu é auxiliado para sair do carro, está fraco e muito assustado, suas mãos estão sujas de sangue e de tinta preta. Enquanto caminha com dificuldade para a ambulância, tem o azar de ser fotografado.


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