Reportagem - Serviço de Medicina Física e de Reabilitação do CHTV

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REPORTAGEM SERVIÇO de mfr do centro hospitalar tondela-viseu

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MedicinaReabilitação Física diretor: José Alberto soares QUADRIMESTRAL|Jan./Fev./Mar./Abr. 2016 ano 1 | número 2 | 3 euros

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I Jornadas do CMRRC – Rovisco Pais XII Jornadas Internacionais de MFR do CH São João

Jorge Laíns

Homem de causas humanísticas, não se imagina reformado Jan.-Abr. 2016

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Serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Centro Hospitalar Tondela-Viseu (CHTV)

Apostar em cuidados diferenciados e na formação dos internos Começaram por ser apenas dois médicos e alguns terapeutas no Serviço de Medicina Física e de Reabilitação (MFR) do Centro Hospitalar Tondela-Viseu (CHTV). Mas, “com muito empenho”, foi-se crescendo e formando especialistas em áreas diferenciadas, como a reabilitação pediátrica e a lesão medular. Os doentes também têm à disposição uma psicóloga que trabalha quase em exclusivo para o Serviço e que se especializou na área da reabilitação e dor, o que não é muito habitual em Portugal. Ajudar os doentes a reduzir as suas incapacidades provocadas por doença ou por acidente, melhorando a sua qualidade de vida, é o que dá forças a Jorge Caldas, diretor do Serviço de MFR do CHTV. Está no Serviço desde 1998 e tem funções na Direção desde 2007. “Com muito empenho e com esta boa equipa, tem sido possível fazer cada vez mais e melhor.” Apesar de ter chegado quando o CHTV já se encontrava nas novas instalações, com mais espaço para a MFR, ainda faltava muito trabalho para tornar o único Serviço de MFR da região um exemplo. “Tudo começou no antigo edifício, hoje em dia, transformado na Pousada de Viseu, com apenas dois médicos: o Dr. Luís Barreiros e o Dr. Alfredo Morais. Com uma nova casa e com mais uma médica vinda de Coimbra, foi-se crescendo.” Para isso, também contou com a ajuda dos internos. “A partir do momento em que passámos a ter idoneidade formativa, apostámos na formação dos internos e na sua colocação como especialistas.” Atualmente, são várias as valências disponíveis, incluindo internamento de reabilitação, o que permite uma intervenção mais precoce, intensiva e prolongada. “É um orgulho muito grande trabalhar com esta equipa e este é um dos segredos de se conseguir ir melhorando a prestação de cuidados, alargando as valências, consoante as necessidades que nos surgem.” Na área da hidrocinesiterapia, o treino subaquático no tanque de marcha é uma mais-valia, mas espera-se ter

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condições para pôr a funcionar a piscina para a hidroterapia em classes. Jorge Caldas faz um balanço “muito positivo” da evolução do Serviço, mas, “não se podendo parar, seria importante conseguir-se contratar mais profissionais médicos”. E explica: “Atualmente, temos internos de grande qualidade, já com conhecimentos diferenciados, que, caso o centro hospitalar tivesse mais autonomia para contratar, contribuiriam para a inovação desta especialidade no hospital.” Apesar deste obstáculo, Jorge Caldas garante que “não se vai desistir, porque os doentes precisam que demos o nosso melhor”. Reabilitação cardíaca e respiratória: sonho tornado realidade Uma das próximas áreas de investimento é a da reabilitação cardíaca e respiratória. “Em março já devemos ter esta valência a funcionar a 100%”, afirma Jorge Caldas. A responsável pela área é Irina Peixoto, especialista em MFR, que está no CHTV desde 2011.

Irina Peixoto


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“Já faço a consulta diferenciada, mas o objetivo é avançar com um plano de recondicionamento ao esforço, supervisionado por médico, que complemente a consulta e o aconselhamento. A reabilitação cardíaca e respiratória é, de facto, essencial, estando demonstrada cientificamente a sua valia como complemento ao tratamento farmacológico e cirúrgico destes doentes”, afirma, esclarecendo que o aparelho de telemetria, por exemplo, já foi adquirido, sendo que o objetivo do seu uso é monitorizar a função cardíaca de um doente durante a prática de exercício físico. Irina Peixoto acompanha, sobretudo, pacientes com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), silicose, coronariopatia, casos de valvulopatia (pós intervenção cirúrgica) e de insuficiência cardíaca. Os maiores desafios que

enfrenta no seu trabalho é a motivação dos doentes. “Não é fácil aprender a lidar com a doença. Felizmente, temos o apoio de uma psicóloga, sempre que seja necessário.” Olhando para o futuro, a fisiatra acredita que seria “muito importante podermos participar em estudos nacionais, que permitisse comparar a nossa realidade com outras”. Afinal, “a cultura e as especificidades da região Centro, com doentes a terem de fazer muitos quilómetros para virem ao hospital, têm repercussões no tratamento. A comparação com outras localidades seria uma boa forma de todos partilharmos boas práticas.” Outra vertente fundamental, no seu entender, é “a interligação com os cuidados de saúde primários, onde deveria existir mais formação nesta área e, desta for-

A escolha da especialidade: a influência de jorge Laíns Foi no Ano Comum que Jorge Caldas descobriu a MFR. “Na altura, estive alguns dias no Serviço de MFR dos então HUC e percebi que era a especialidade que queria seguir.” Para isso, muito contou o colega Jorge Laíns: “O que o Jorge transmitia da MFR cativava-me. É uma especialidade que permite ajudar os doentes a reduzir as suas incapacidades ao máximo, contribuindo para uma melhor qualidade de vida e para a sua reintegração profissional e na sociedade.” Nasceu em Alijó, no distrito de Vila Real, há 52 anos, mas a fase final do liceu foi em Santo Tirso. Seguiram-se uns anos em Coimbra, primeiro na Faculdade de Medicina e depois nos HUC. Atualmente, conjuga o trabalho de médico e de diretor do Serviço de MFR do CHTV com a vice-presidência da Sociedade Portuguesa de Medicina Física e de Reabilitação (SPMFR) e com a presidência do Colégio da Especialidade de MFR da Ordem dos Médicos. O tempo escasseia, mas “tento ser o mais disciplinado possível, para conseguir ter sempre tempo para a família.”

ma, fomentar a continuidade do programa iniciado em meio hospitalar”. Menos dores e menos espasticidade com injeção botulínica Se há uns anos se realizavam muitas tenotomias, atualmente, a injeção da toxina botulínica mudou essa realidade. “Esclarecer o paciente ou os cuidadores dos reais objetivos do tratamento e realçar a necessidade de manter fisioterapia e ou terapia ocupacional, assim como o uso de ortóteses são práticas necessárias para reverter o desequilíbrio funcional do membro espástico”, segundo Ana Torres, que se especializou nesta área. “Comecei o tratamento logo como interna, fiz formação com o Dr. Pascual Pascual do Hospital La Paz, Madrid, e com o Dr. Jorge Jacinto, do Centro de Medicina de

Ana Torres

Reabilitação de Alcoitão, que foi um dos pioneiros na introdução desta terapêutica em Portugal, em MFR”, esclarece. Ana Torres refere que o próprio Serviço de MFR do CHTV acabou também por ser pioneiro, por ter recorrido logo a esta técnica numa fase muito inicial. Na prática, quando aplicada em doses ajustadas nos músculos eleitos com con-

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tratura dinâmica para os objetivos definidos, é o fármaco de eleição na espasticidade focal. “Os bons resultados são visíveis na assiduidade das pessoas, que não costumam faltar, na redução da dor, na melhoria do padrão de marcha, no funcionamento, nos posicionamentos...” Nos casos menos graves, é possível “evitar bastante a deterioração do estado de saúde, mas nos mais graves – principalmente quando chegam numa fase tardia – apenas é possível evitar uma progressão ainda maior dos problemas já existentes, facilitando, por exemplo, a marcha ou os cuidados de higiene.” Terapia ocupacional: “Não são apenas atividades de lazer” O cenário é idêntico a uma casa. Existe um quarto, uma casa de banho, uma cozinha e a sala onde se fazem as mais variadas atividades. Este é o espaço da Terapia Ocupacional (TO), coordenado por Florbela Marques, que garante: “A nossa função na TO não é apenas trabalhar a área do lazer, como é habitual pensar-se. Ajudamos a reabilitar qualquer tipo de ocupação que faça parte do dia-a-dia da pessoa.”

Florbela Marques

Assim, no quarto treina-se a autonomia no vestir/despir, na casa de banho é a vez da transferência para a banheira ou sanita, fazer a barba ou lavar os dentes, na cozinha tenta-se levar a uma maior autonomia, para que a pessoa possa fazer as suas refeições. Estes são apenas exemplos. “Trabalhamos as atividades da vida diária mais importantes para a pessoa, como, por exemplo, as ações necessárias para um desempenho eficaz ao nível profissional”, refere Florbela Marques. Nesse sentido, na sala, existe um espaço para utilizar o computador. Mas também se treina a motricidade fina com atividades de destreza manual, de amplitude e força muscular, ao colocar as molas da roupa ou a apagar um quadro, entre outras tarefas. “Em termos clínicos, damos apoio à

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Neurologia, à Ortopedia, à Reumatologia e à Pediatria.” Quanto às patologias, “os AVC, as lesões vertebromedulares, os atrasos do desenvolvimento psicomotor, a hiperatividade e os traumatismos cranioencefálicos são as mais recorrentes.” O maior desafio é “sempre promover a identidade do doente, perdida num acidente ou por causa de uma doença neurológica ou neurodegenerativa.” Nem sempre é fácil, “porque as pessoas têm muitas vezes que se adaptar a uma nova maneira de estar na vida, já que passaram a ter algumas limitações”. Para isso, “também recorremos muito a produtos de apoio e tentamos ajudar a nível do bem-estar emocional”, menciona ainda Florbela Marques. Quanto aos desafios futuros, seria importante a possibilidade de nos deslocarmos às enfermarias para podermos contribuir no treino das atividades de vida diária e deslocarmo-nos ao domicílio para podermos dar continuidade ao plano de tratamento, nomeadamente, na eliminação de barreiras arquitetónicas. Terapia da fala chegou com o novo hospital Logo que o CHTV mudou de instalações, Maria José Martinho iniciou a valência de Terapia da Fala. “Era uma lacuna, na altura. Felizmente, num espaço maior, foi possível apostar numa área tão essencial, quer para crianças, quer para adultos.” As patologias mais frequentes em Pediatria são: atrasos de desenvolvimento da linguagem, perturbações articulatórias e/ou fonológicas, perturbações específicas da linguagem, que implicam as aprendizagens futuras das crianças. “Na Neonatologia, têm sido cada vez mais os pedidos de colaboração, de modo a promover uma alta mais célere, uma vez que se promove a alimentação via oral através da coordenação entre sucção/deglutição/respiração.” No atendimento aos adultos, as áreas de intervenção são múltiplas, nomeadamente, problemas de voz benignos (disfonias) e malignos (carcinoma laríngeo-laringectomias totais e parciais), casos neurológicos, como AVC, traumatismo cranioencefálico, patologias neurológicas degenerativas e ainda casos de disfagia. Neste âmbito, o maior desafio é ir ao encontro das expectativas da família, já que é cada vez mais importante a sua participação no processo de habilitação/ /reabilitação em terapia da fala. “Nem sempre é fácil conseguir explicar aos familiares como é que um AVC,

Maria José Martinho

ou qualquer outra lesão cerebral, pode provocar uma perturbação da comunicação e da linguagem, para além das dificuldades da fala. Alguns utentes podem ficar impedidos de transmitir as suas necessidades comunicativas por um curto período de tempo, mas muitos poderão não conseguir voltar a comunicar de uma forma fácil e efetiva”, frisa Maria José Martinho. O utente adulto tende a lidar melhor com a situação, mas a revolta faz parte do processo: “A vida muda completamente. Felizmente, hoje em dia, existe material quer manual, quer informático

(computadores e quadros de comunicação) que facilitam a comunicação diária dos utentes e familiares/meio envolvente, evitando a solidão e o isolamento.” Para o futuro, Maria José Martinho deseja que haja mais recursos humanos e que se possa apostar mais na formação dos profissionais de outras áreas de saúde, para que possam compreender o “papel singular e importante com os utentes”. Além disso, “todas as terapeutas são diferenciadas, mas seria importante ter acesso a mais formações. O próprio hospital e o Serviço são recetivos à participação em ações formativas, mas nem sempre é fácil, devido à distância e aos custos inerentes às mesmas”. Mesoterapia para dores localizadas e reabilitação sexual na lesão medular Vera Ermida começou por fazer mesoterapia, no internato, com o antigo diretor do Serviço, Alfredo Morais. “Foi o precursor da terapêutica em Viseu e acabei por herdar esta consulta”, esclarece. As


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vantagens são, na sua opinião, evidentes. “Esta técnica tem indicação para dores localizadas, que podem ser muito incapacitantes. Com a mesoterapia, as pessoas podem melhorar bastante a sua qualidade de vida. ”Como não costuma provocar efeitos secundários significativos, a tolerabilidade é boa e pode ser utilizada como terapêutica adjuvante de outras áreas, como a Fisioterapia”, indica. Apesar de gostar desta terapêutica, a sua “área do coração” é a lesão medular: “As causas mais comuns já não se limitam a situações traumáticas, como

Vera Ermida

acidentes de viação ou de mergulho, mas também a patologias degenerativas, que se agravam ao longo dos anos.” E continua: “Ultimamente, também nos chegam mais casos de pessoas mais velhas, que caem de árvores na sequência de trabalhos sazonais no campo, como a apanha da azeitona, ou até mesmo com sequelas graves de pequenas quedas.” Estes doentes são acompanhados na sua consulta e encaminhados para as várias valências. “A vida muda 180.º; em idade avançada, há maior dificuldade de adaptação e existem poucos apoios sociais”, lamenta Vera Ermida. Nos mais novos, um dos problemas que pode causar mais impacto é a disfunção sexual. São dados esclarecimentos na consulta acerca das alterações sexuais e de fertilidade relacionadas com a lesão medular. Para os próximos tempos, espera que seja possível disponibilizar, no Serviço, uma consulta específica de Disfunção Sexual Neurogénea. Espera também que se torne possível a realização de outros procedimentos, como

o preenchimento de bombas de baclofeno. Fisioterapia: grandes mudanças ao longo do tempo Há 30 anos que Fátima Esteves pertence à equipa como fisioterapeuta coordenadora. “Ainda cheguei na altura do antigo hospital como elemento único, quando se tinha apenas um pequeno ginásio para trabalhar com os doentes.” A ida para as novas instalações trouxe melhores condições para os profissionais, mas, sobretudo, para os doentes. “Conseguimos dar uma resposta mais completa aos seus problemas. Sinto um enorme orgulho por pertencer a uma equipa que tem crescido bastante ao longo dos anos, sem se pôr de lado o sentimento de união que existe entre todos”, revela. Para Fátima Esteves, o crescimento do Serviço era inevitável: “Além da qualidade de quem cá trabalha, e de quem se formou cá, os restantes serviços hospitalares pedem muito o nosso apoio.”

Questionada sobre as dificuldades, considera que “o maior handicap é o acesso à formação, que tem sido feita à custa de esforços individuais, com exceção da possível, que foi realizada com cofinanciamento europeu”. A equipa conta, atualmente, com nove fisioterapeutas mestres; um em Gestão dos Serviços de Saúde, dois em Neurologia, dois em Área Cardiorrespiratória e três em Área de Saúde, para além de que todos os fisioterapeutas têm formação específica na área em que prestam cuidados, em

Dados de 2015 Polo Viseu Internamento: Camas: 8 Saídas: 86 Demora média: 29,24 dias

Consulta Externa 1.as consultas: 3280 Subsequentes: 4187 Total: 7467

Consultas internas: 3200

5 Especialistas 22 Fisioterapeutas 5 Terapeutas ocupacionais 4 Terapeutas da fala 1 Psicóloga 1 Assistente social 3 Assistentes técnicas 7 Assistentes operacionais + equipa enfermagem no internamento

Polo Tondela - Apoio à Enfermaria de Medicina Interna e Unidade de Cuidados Paliativos - Consulta Externa (semanal) - Tratamentos de ambulatório aos utentes dos concelhos de Tondela e Santa Comba Dão

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terapias manuais ou em neurodesenvolvimento. E acrescenta: “Um dos objetivos deste Serviço é promover a formação nas diferentes áreas de especialização da Fisioterapia, daí recorrermos a algumas

Fátima Esteves

estratégias, como trazer os formadores quando existe o cofinanciamento europeu ou disponibilizando instalações, para minimizar os custos do acesso, aumentados pela distância aos grandes centros.”

em psicólogos clínicos especializados em reabilitação.” Após várias formações e estágios, nomeadamente fora do país, a especialista dedica-se aos doentes e aos familiares. “A ação do psicólogo pode também incluir a avaliação de vários aspetos suscetíveis de condicionar o processo de reabilitação, como o funcionamento emocional, personalidade, coping, capacidade intelectual, entre outros. Pode-se também prestar intervenção psicoterapêutica e aconselhamento a familiares”, observa. A vantagem deste apoio em concreto ao Serviço de Reabilitação “tem a ver com a necessidade de o psicólogo adquirir e desenvolver formação específica nesta área, de forma a prestar cuidados de qualidade e oferecer aos utentes, por vezes, com grande deficiência e/ou incapacidade, um ambiente de resposta

Uma psicóloga a tempo inteiro e com formação específica em MFR Há dez anos que Susana Clara Morais está no Serviço. “Quando cheguei, não existia apoio psicológico específico. Infelizmente, Portugal ainda não investe

Susana Clara Morais

em equipa, em que a Psicologia tem um papel imprescindível”. Além disso, “o facto de as pessoas se manterem neste ambiente e poderem ser rastreadas pode proporcionar uma oportunidade de sinalização e de intervenção atempada relativamente a determinados quadros psicopatológicos, como a depressão, e, dentro destes, situações que envolvam risco de suicídio”. Nos próximos anos, espera que Portugal dê atenção à subespecialização em MFR, dentro da Psicologia Clínica, “porque são situações que obrigam a uma abordagem e a uma orientação muito particulares”. Desafios futuros passam por mais recursos e investigação Jorge Caldas não podia estar mais satisfeito com o seu Serviço, mas parar nem pensar. “Seria bom que os hospitais tivessem mais autonomia para contratar. Neste momento, seria importante ter mais recursos e aproveitar quem, dentro em breve, se vai especializar. É urgente que o Ministério da Saúde consiga cativar os médicos recém-especialistas a permanecer nos hospitais públicos, oferecendo vagas e concursos mais céleres e melhores condições económicas. Como hospital central, temos

testemunhos de doentes Injeção da toxina botulínica ajuda a manter quadro estacionário de tetraparesia José Carlos tem 51 anos e mora em Tondela. Conhece o Serviço há uns anos e gosta da forma como é atendido. “Infelizmente, já não me podem fazer muito mais, mas isso é do meu problema. Mas todos me tratam bem, não posso dizer o contrário.”

José Carlos

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Com dificuldades em andar, José Carlos é um dos doentes que beneficia do tratamento com injeção de toxina botulínica. A médica Ana Torres, responsável pela administração da terapêutica, diz que se trata de um caso que chegou muito tarde. “Como não houve uma intervenção mais cedo, neste momento, trabalhamos no sentido de manter o doente com funcionalidade, a fim de evitar piorar o seu estado de mobilidade e dependência.” Tudo começou na inspeção militar, quando tinha 18 anos. “Fui chamado para a tropa e quando fiz os exames detetaram-me um problema numa válvula do coração. Ainda fui operado, mas o pós-operatório correu mal, tive muitos problemas e fiquei muito tempo em coma.” As sequelas ficaram e, hoje em dia, tem um quadro neuromotor de tetraparesia.

O doente que dá vida a outros laringectomizados Tudo começou com uma rouquidão que não passava. “Não dei logo importância, mas depois comecei a deitar um pouco de sangue. Fui ao médico e tive de tirar a laringe”, diz Carlos Ferreira, de 63 anos, morador em Viseu. Para evitar qualquer metástase, o médico optou pela laringectomia. “Foi um cho-

Carlos Ferreira

que, porque não sabia como ia ficar. Não estava à espera.” Após a fase inicial, que incluiu fisioterapia e terapia da fala para aprender a respirar, a engolir e a readquirir uma nova voz, com o auxílio da prótese fonatória, Carlos Ferreira resolveu tornar-se voluntário. “Via as outras pessoas tão mal e pensei que o meu testemunho as podia ajudar.” E assim tem sido. Todos os sábados, ou sempre que é preciso, desloca-se ao hospital. “Há uns dias vim cá por causa de um doente que não queria comer – as dores no pós-operatório são horríveis – e, falando do meu exemplo, lá comeu.” Como afirma, “já é da casa”. “As pessoas são muito competentes e humanas.” E, para mostrar o seu agradecimento a toda a equipa do Serviço, colocou uma mensagem no Facebook quando fez dois anos de recuperação.


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que apostar em oferecer um serviço diferenciado e de qualidade”, diz. O acesso à formação é também uma reivindicação: “Todos os meus colegas sabem que podem apostar na formação, mas é difícil ter acesso a cursos na área de MFR, na região. Por exemplo, neste momento, temos uma colega a aprender acupuntura e tem de se deslocar a Braga uma vez por mês.” Ainda na área formativa, Jorge Caldas salienta: “Temos idoneidade formativa para 3 dos 12 meses de internamento em reabilitação e está a trabalhar connosco um colega do Centro Hospitalar do Algarve. E, claro, existem protocolos entre o centro hospitalar e os vários institutos politécnicos nas áreas da Fisioterapia, da Terapia da Fala e da TO.” A área da investigação é outro aspeto que o responsável não quer descurar. “Participamos num estudo multicêntrico, a fim de se conseguir a caracterização dos amputados do membro inferior.” Além disso, “estamos em conversações com o NeuroRehabLab - Madeira Interactive Technologies Institute, que pretende realizar estudos, na área da realidade virtual, com doentes de AVC.” Há, assim, muito trabalho pela frente, mas “vai ser possível” de concretizar, ou não tivesse Jorge Caldas uma “boa equipa, muito empenhada”.

30 anos a trabalhar sem prótese e com uma desarticulação da anca Norberto Lopes de Jesus, 57 anos, é da Póvoa de Moscoso e vai com regularidade ao Serviço de MFR do CHTV. Ao fim de muitos anos, já não conseguia aguentar os problemas da coluna e dos ombros provocados pelo esforço de quem trabalhou com uma desarticulação da anca, sem prótese. “Cheguei

Norberto Lopes

aqui com muitas dores, cheio de infiltrações. Disseram-me que tinha mesmo de colocar uma prótese.” Agora, não quer outra coisa. “Sinto-me muito bem, melhorei dos outros problemas de coluna e ombros e gosto sempre de ser atendido por esta equipa espetacular.” Foi amputado aos 13 anos, após não se ter controlado uma ferida no joelho. “A gangrena obrigou à amputação. Ainda experimentei uma prótese, mas não me habituei.” Mesmo assim, trabalhou em mais do que um sítio, inclusive, nas obras. “A minha mulher também tem uma deficiência numa perna – agora já anda de cadeira de rodas – e tive de fazer a minha casa, já adaptada às nossas incapacidades.” Admite que não foi fácil adaptar-se a uma nova prótese após 43 anos, apesar de ter começado logo a usá-la, salientando que é muito mais leve e fácil de colocar. “Temos de ter força de vontade, caso contrário, não conseguimos.”

O Internato no Serviço de mfr do chtv Mário Vaz está no 2.º Ano de Internato de MFR e considera que a experiência não podia ser melhor. “A equipa é ótima, muito jovem, e sentimos que trabalhamos todos em conjunto. Damo-nos bem profissional e pessoalmente.” Cada vez mais interessado na MFR, diz que a escolha desta especialidade se deve à conjugação da Ortopedia e da Neurologia e ao facto de poder acompanhar os doentes na fase mais gratificante. “É quando os utentes recuperam, quando conseguem ter melhor qualidade de vida.” Dentro da MFR, gosta, sobretudo, das doenças musculoesqueléticas e da ecografia. Os desafios futuros são imensos ou

Mário Vaz

não fosse interno. “Espero conseguir vaga como especialista, infelizmente, é um problema que enfrentamos depois de nos dedicarmos tanto a uma área que é importante para nós e para os doentes.”

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