LIVE Cardiovascular 10 - Entrevista com Lino Gonçalves

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Passeio pelo Douro fortaleceu espírito de equipa do Serviço de Cardiologia dos HUC-CHUC

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live diretor: José Alberto soares Trimestral | Jul./Ago./set. 2016 Ano 3 | Número 10 | 3 euros

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Lino Gonçalves, diretor do Serviço de Cardiologia do HG-CHUC:

“Qualquer médico deve ser um pedagogo e um investigador”

Exercício físico em casos de crt

Centro de Reabilitação cardiovascular da ulisboa vai acompanhar doentes cardíacos jul./ago./set. 2016

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Lino Gonçalves, diretor do Serviço de Cardiologia do Hospital Geral, CHUC

“Qualquer médico, além de ser necessa um clínico, deveria ser um pedagogo e u O diretor do Serviço de Cardiologia do Hospital Geral/Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Lino Gonçalves, concedeu uma entrevista à Just News, na qual falou sobre o seu percurso profissional. O professor catedrático da Unidade Curricular de Cardiologia da FMUC, que é o editor principal da Revista Portuguesa de Cardiologia, abordou, entre outros assuntos, da sua paixão pela investigação, da sua dedicação aos mais jovens na área pré e pós-graduada da Medicina, do futebol e do basquetebol e, particularmente, de um projeto de basquetebol inclusivo que impulsionou destinado a crianças e jovens com trissomia 21. Para o cardiologista, “qualquer médico, além de ser necessariamente um clínico, deveria ser um pedagogo e um investigador”. Just News (JN) - Nasceu em Loulé, em 1960. No entanto, escolheu a cidade de Coimbra para viver. Como é que aconteceu? Lino Gonçalves (LN) – Tenho um irmão pediatra que é nove anos mais velho do que eu e que estudou Medicina em Coimbra. Numas férias escolares, convidou-me para passar umas semanas com ele e, nessa altura, apaixonei-me pela cidade. Gostei muito do ambiente estudantil que aqui se vivia. Com base nessa experiência, decidi que, quando entrasse para a Universidade, viria para Coimbra. Passados 38 anos, ainda aqui estou. Apesar de ter nascido em Loulé, Coimbra é a minha cidade! JN – E porque decidiu estudar Medicina? A escolha do curso resultou da oportunidade de ter uma vivência muito próxima da Medicina, através do meu irmão, antes de tomar a minha decisão final! De facto, passava muito tempo com ele no hospital e a assistir às consultas antes de entrar na Universidade. Apercebi-me que exercer Medicina era o que eu queria fazer, se bem que já nessa altura sentisse também uma atração pela investigação científica. Poderia ter enveredado por um curso mais ligado à investigação – Biologia ou Bioquímica –, mas não era isso que eu queria e decidi optar pela Medicina com a perspetiva de vir um dia a ser um médico que também fizesse investigação. E consegui cumprir esse sonho. Quando entrei na especialidade de Cardiologia, vindo do Internato

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Geral, já tinha quatro artigos científicos publicados ainda como jovem interno. O curioso é que um dos meus filhos está a terminar o curso de Bioquímica e quer ser investigador… JN – Era bom aluno no secundário? LG – Era bom aluno, mas, com toda a prática desportiva, não estudava muito, pois, cheguei a estar federado em futebol, andebol, atletismo e basquetebol! Apesar de tudo isso, tinha boas notas, que me permitiram entrar em Medicina, o que naquela altura já não era fácil. JN – E o que o atraiu na Cardiologia? LG – Atraíram-me várias coisas. Se bem que também goste muito de Medicina Interna, que é a especialidade “mãe” de todas as especialidades médicas. JN – Ainda hesitou entre uma e outra especialidade? LG – Hesitei um pouco. Tive o privilégio de trabalhar diretamente, como jovem interno, com grandes referências da Medicina Interna portuguesa e que me levaram também a apaixonar-me um pouco por essa especialidade, como, por exemplo, o Prof. Armando Porto, o Prof. Nascimento Costa, o Dr. Borges Alexandrino e o Dr. Diniz Vieira. Mas a Cardiologia acabou por falar mais alto! JN – Porquê? LG – Em primeiro lugar, porque é uma especialidade extremamente tecnoló-

gica, com ferramentas diagnósticas e terapêuticas impressionantes. Depois, tem outro aspeto que eu aprecio muito: o doente crítico (dos Cuidados Intensivos e da Intervenção), em que se tem de tomar decisões rápidas, corretas e de bom senso. Hoje em dia, praticar Cardiologia é muito gratificante. Conseguimos ajudar muito os nossos doentes ao melhorar não só a sua sobrevida, mas também a sua qualidade de vida. JN – Além de médico, é docente e investigador. Qual destas atividades mais o preenche? Ou todas se complementam? LG – Eu costumo referir aos alunos e aos jovens médicos com quem interajo que um médico deve preencher os três vértices de um triângulo constituído por uma atividade clínica, uma atividade de investigação e uma atividade pedagógica. Se eu conseguia fazer apenas uma delas isoladamente? Penso que sim, mas seguramente não seria feliz. Sinceramente, só fazendo estas três atividades em conjunto é que me sinto realizado. JN – O que está a investigar neste momento? LG – Tanta coisa! No Serviço, fazemos investigação clínica (estudos prospetivos e retrospetivos em várias áreas da Cardiologia) e temos uma ligação com a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, a qual nos permite também


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ariamente m investigador�

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Lino Gonçalves na Unidade de Intervenção Cardiovascular, com Luís Paiva, Romeu Cação, Marco Costa e Raquel Fernandes

fazer trabalhos de índole translacional, na área dos exossomas e conexinas. Temos também vários trabalhos multidisciplinares com a Faculdade de Ciências e Tecnologia na área da telemonitorização, com a Faculdade de Matemática no desenvolvimento de algoritmos matemáticos de previsão da restenose intrastent e com o Biocant na área das células estaminais. JN – Faz-se investigação de qualidade no nosso país? LG – A Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) e os serviços de Cardiologia portugueses fazem investigação com muita qualidade e isso é traduzido, por exemplo, na nossa contribuição científica para o Congresso Europeu de Cardiologia, que é atualmente o maior evento da Cardiologia a nível mundial, onde Portugal tem tido uma posição fantástica, oscilando entre o 10.º e o 11.º país com

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mais trabalhos aceites, o que é notável, tendo em consideração a nossa dimensão. A SPC criou também, em 2001, um projeto estruturante na área da investigação clínica ao desenvolver o Centro Nacional de Coleção de Dados em Cardiologia (CNCDC). Este centro, que está sediado em Coimbra, foi criado com o objetivo de dar suporte à realização de estudos multicêntricos nacionais na área dos registos, dos estudos epidemiológicos e de estudos clínicos prospetivos. Tive o privilégio de participar ativamente na sua criação e fui diretor deste centro durante 6 anos. Temos perto de 180.000 doentes em base de dados, o que é impressionante, permitindo assim que a investigação que daí resulta seja competitiva em termos internacionais. Há, no entanto, no meu entender, ainda um longo caminho a percorrer, que

passa pela melhoria da organização e da estruturação da nossa investigação, bem como na formação em investigação dos jovens médicos. Nesse aspeto, tenho colaborado no projeto PT-CSRT da Harvard Medical School, no qual sou um dos codiretores nacionais, conjuntamente com a Prof.ª Emília Monteiro, da Universidade Nova de Lisboa. É um projeto fantástico, que está a formar, desde há quatro anos, jovens médicos portugueses na área da investigação clínica de topo mundial. O programa tem uma qualidade elevadíssima e é dado apenas por professores de Harvard. A seleção dos participantes é altamente competitiva. De facto, neste último ano de 2016, concorreram 240 jovens médicos e apenas foram selecionados 35. Estes jovens apresentam uma qualidade que é reconhecida pelos professores de Harvard. Posso dar-lhe um exemplo, uma das primeiras jovens médicas que entrou no programa, a

Prof.ª Alexandra Gonçalves, que foi minha aluna em Coimbra e depois foi para o Porto, onde se formou como cardiologista e onde se doutorou, foi considerada a melhor aluna do primeiro ano do programa e, como prémio, foi-lhe atribuída uma bolsa para ir trabalhar para Harvard durante dois anos e, neste momento, foi contratada para lá ficar. Outros exemplos de sucesso podem ser encontrados em outros jovens participantes neste programa. Na primeira fase do PT-CSRT já foram formados 90 jovens médicos. Na segunda fase, que vai durar cinco anos, serão formados mais 175. Como eles provêm de várias especialidades e de vários hospitais um pouco por todo o país, é natural que este programa venha a ter um impacto muito significativo na investigação médica portuguesa. Estes jovens são o futuro da Medicina portuguesa.


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entrevista JN – Fez um estágio de dois anos nos National Institutes of Health (NIH), nos EUA. Como foi a experiência? LG – Os NIH são considerados a “catedral” de investigação biomédica mundial. É um campus enorme nos arredores de Washington DC, em Bethesda, o qual é constituído por 50 edifícios só dedicados à investigação biomédica. Eu estive a trabalhar num dos institutos (NHLBI) que se debruça sobre as doenças do coração, pulmão e sangue e que, na altura (1997-1998), tinha um orçamento de dois biliões de dólares! Quem lá trabalha tem condições fantásticas para fazer investigação! Do ponto de vista profissional e intelectual, foi talvez o melhor tempo da minha vida. Foi um enorme privilégio trabalhar num local daqueles, onde é possível interagir com pessoas de topo a nível mundial. JN – E não pensou em ficar nos EUA? LG – No final dos dois anos de estágio, surgiu-me um convite para ficar e devo confessar que foi das decisões mais difíceis de tomar da minha vida. Tinha consciência de que se ficasse tinha todas as condições para ter sucesso naquilo que fazia. Existiam recursos financeiros quase ilimitados, tudo estava muito bem organizado, não havia obstáculos à realização do trabalho e conseguia-se com alguma facilidade o que se pretendia. Faltavam, no entanto, algumas coisas que para mim são importantes, como a família, os amigos e a nossa cultura. Depois de ponderar cuidadosamente com a família, decidi regressar a Portugal, apesar de ter consciência de que o meu percurso iria ser

mais difícil do que se ficasse nos EUA. Confesso que pesou muito também o facto de poder vir a ajudar os colegas mais novos portugueses a diferenciarem-se e a alcançarem um patamar superior ao que eu consegui atingir. Havia também o desafio pessoal de concretizar uma carreira internacional a partir de Portugal. JN – Nunca se arrependeu? LG – Nunca me arrependi porque consegui atingir todos os meus objetivos: fazer uma boa carreira clínica, académica e de investigação. Para além disso, tenho ajudado os mais novos a nível pré e pós-

-graduado. Fico muito contente e revejo-me no sucesso destes jovens médicos, como é o caso da Prof.ª Alexandra Gonçalves, e de muitos outros com os quais tenho tido, felizmente, o privilégio de interagir. JN – Sente-se realizado? LG – Sim, completamente. Atingi o topo em termos hospitalares, onde sou assistente graduado sénior e diretor de um dos Serviços de Cardiologia do CHUC. Em termos da carreira universitária, também chego ao topo, com a assinatura do contrato como professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universida-

de de Coimbra. Sou, atual­mente, o editor principal da Revista Portuguesa de Cardiologia, o que é um reconhecimento pelos meus pares do percurso científico que fiz ao longo da minha carreira. E depois tenho também um reconhecimento internacional, não só pelos cargos e responsabilidades que tenho ocupado em várias instituições da Cardiologia Europeia, mas, também, mais recentemente, pelo convite que me foi dirigido pela Harvard Medical School para participar neste projeto de formação de jovens médicos portugueses (PT-CSRT). Tudo isto que consegui se deve em muito aos grandes mestres que tive, como os Pro-

Médico impulsionou projeto de basquetebol inclusivo em Coimbra Quando se mudou para Coimbra, Lino Gonçalves jogou futebol e andebol na Académica e, depois de se formar, integrou a equipa de futebol da universidade. Também praticou Karaté durante vários anos na Académica, tendo chegado a cinturão azul. A sua família tem uma ligação forte ao basquetebol, através da mulher, do cunhado e dos filhos. O mais novo ainda joga. A certa altura, o seu cunhado, treinador de basquetebol de competição na Associação Académica de Coimbra, pensou em criar uma equipa que fosse competitiva e o cardiologista decidiu dar uma ajuda, mais a nível da organização. Esteve lá cinco anos. “Dei muito de mim, mas também aprendi imenso. Fiquei surpreendido com o nível científico que o basquetebol tem. Quando não conhecemos este jogo, vemos os jogadores a

correr de um lado para o outro e parece um jogo mais ou menos caótico, mas, conhecendo-o com pormenor, percebemos que tudo aquilo tem um nível de organização e de análise incrível”, sublinha. “Vemos que equipas modestas conseguem, por vezes, fazer milagres. Quando iniciei a minha colaboração, a Secção de Basquetebol da Académica era última classificada na pró-Liga. No ano seguinte subiu para a Liga e chegou a ser vice-campeã nacional! A nossa equipa era a mais baixa da Liga, que treinava apenas uma vez por dia (porque era essencialmente constituída por estudantes e antigos estudantes) e, mesmo assim, desafiava as grandes equipas e conseguia ganhar ao Porto e ao Benfica. Também nesta área, o trabalho de equipa é fundamental. O querer mesmo muito ganhar faz toda a diferença! E depois há outro fator importante que é a inteligência”, acrescenta. A sua ligação a esta modalidade tornou-se ainda mais interessante pelo projeto de basquetebol inclusivo que impulsionou e que surgiu em 2011, muito por influência da sua cunhada, que é professora de ensino especial. O projeto “Basquetebol Inclusivo Trissomia 21” conta desde o início com o apoio de Lino Gonçalves, sendo promovido pela Associação Olhar 21, que tem como objetivo criar oportunidades para as crianças e jovens com trissomia 21 praticarem desporto. A equipa “Olhar 21 Basket” tem neste momento 12 atletas. Segundo a sua presidente, Helena Moura, mãe do Miguel, que está no projeto desde que o mesmo surgiu, a Associa-

ção Olhar 21 apoia a inclusão do cidadão com trissomia 21 e surgiu formalmente em 2010, a partir do esforço de grupo de pais, todos eles seus sócios fundadores. Tem, atualmente, diversas parcerias e projetos, nas áreas da música, do teatro, do apoio nas escolas e, mais recentemente, do desporto, com este projeto do basquetebol inclusivo. “Passados estes anos, a equipa continua a trabalhar e os meninos estão muito satisfeitos. Além dos treinos, jogam também com outras equipas de jovens sem qualquer problema e isso é benéfico para todos”, aponta o médico. Lino Gonçalves sublinha que, para algumas das crianças, trata-se da única oportunidade que têm de praticar atividade física, o que é importante na medida em que há alguns casos de obesidade e uma grande tendência para o sedentarismo. “A prática de desporto obriga-os a manter alguma saúde cardiovascular”, frisa, salientando que “os pais ficaram radiantes com o projeto”. Estes contactos acabaram por sensibilizar Lino Gonçalves, em 2012, quando teve a responsabilidade de organizar o Congresso Português de Cardiologia, tendo sido angariados fundos no evento para distribuir por duas associações de pais, a Olhar 21, de Coimbra, e uma congénere do Algarve, local onde se rea­lizou o evento. “Sempre que posso, gosto de colaborar com eles, porque é muito meritório o trabalho que estes pais têm feito pelos seus filhos”, afirma o médico, salientando que, além deste projeto, só existe outro do género em Portugal, mais precisamente na Madeira.

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entrevista fessores Manuel Ramos Lopes, Manuel Antunes, Mário Freitas e Luís Providência. Eles influenciaram-me imenso. JN – Tem uma relação muito estreita com a Sociedade Europeia de Cardiologia, da qual foi membro da Direção como councillor… LG – Sim, a minha participação tem sido essencialmente na área da Educação e do treino da Cardiologia. Neste momento, posso dizer, sem estar a fugir à verdade, que serei uma das pessoas que mais sabe sobre educação, certificação e acreditação a nível da Cardiologia europeia. Estou a trabalhar nisso há já 15 anos! Talvez por isso a Sociedade Europeia de Cardiologia me tenha convidado para ser o seu porta-voz para as áreas da educação, do treino e da certificação, uma função que tenho mantido há já 6 anos. Em 2010, o Prof. Michel Komajda, então presidente da Sociedade Europeia de Cardiologia, convidou-me para liderar um projeto que tinha como objetivo criar uma plataforma de educação e treino que fosse pioneira a nível mundial. Desta forma, nasceu o ESCeL (ESC e-Learning), um projeto estruturante da Sociedade Europeia de Cardiologia que oferece uma formação de elevada qualidade (com um standard europeu), não só para jovens em treino, mas também para os seniores, que assim podem fazer a sua formação médica continuada.

JN – Esteve também ligado a outras sociedades… LG – Pertenci à Secção de Cardiologia da UEMS, em que fui membro da Assembleia-Geral, depois membro da Direção e, finalmente, secretário-geral. Fui ainda membro da Direção da EBAC (European Board for Acreditation in Cardiology), tendo sido presidente desta organização durante quatro anos. JN – Dirige o Serviço de Cardiologia do HG/CHUC há três anos. Nos objetivos que estabeleceu à partida, teve especial preocupação com a questão da formação e a investigação? LG – Foi um projeto ambicioso desde o seu início, que incluía, no âmbito clínico, a criação, a curto prazo, de uma segunda sala de hemodinâmica e, a médio prazo, de uma sala híbrida para início da intervenção valvular mais complexa. Para além disso, desenvolveu-se muito no serviço a formação pré e pós-graduada a nível nacional e internacional, particularmente na área da Cardiologia de Intervenção. Este ano, já recebemos alguns colegas europeus que vieram ao Serviço treinar algumas técnicas mais diferenciadas que aqui fazemos. O coordenador da Unidade de Intervenção Cardiovascular, Dr. Marco Costa, também foi recentemente a Paris fazer uma formação para colegas franceses na área da ecografia intracardíaca. Na área

da investigação, a criação da Unidade de Investigação Clínica, partilhada por vários serviços no nosso hospital, é importante não só para o suporte de estudos multicêntricos, mas também de estudos desenvolvidos por iniciativa do investigador. A criação de redes de colaboração europeias na área da formação e investigação é também um dos objetivos, atualmente já cumprido, com a criação recente de uma rede ibérica que envolve quatro centros portugueses e espanhóis. JN – E, para o futuro, quais são os projetos para o Serviço que dirige? LG – Foi sempre um objetivo, desde o início, a criação de um projeto de reabilitação cardiovascular, o qual está a ser analisado, atualmente, pelo Conselho de Administração do CHUC. Para além disso, iremos, em breve, iniciar um projeto de telemedicina com os centros de saúde da nossa área de influência e de um projeto de telemonitorização de doentes com insuficiência cardíaca e após enfarte agudo do miocárdio. A colaboração com os PALOP é igualmente importante para o Serviço. Em janeiro de 2016, a primeira cardiologista santomense (a Dr.ª Myrian Cassandra), formada por nós, fez o exame pela Ordem dos Médicos de S. Tomé. Temos agora um jovem de Cabo Verde a terminar a formação (o Dr. Luís Dias) e está prestes a chegar uma jovem da Guiné-

-Bissau. Esta formação é da mais elevada importância. Aproveitei a minha estadia em São Tomé, em janeiro, como membro do júri da Dr.ª Myrian Cassandra, para também participar ativamente na formação dos colegas da ilha e para fazer consultas no hospital e, de facto, se já tinha a noção de que este projeto era importante e meritório, quando o vi no terreno, só serviu para reforçar ainda mais essa ideia. Estou mais convicto do que nunca a apoiar esta iniciativa. Com a ajuda do Serviço e da Cadeia da Esperança, neste momento, a Dr.ª Myrian tem à sua disposição todas as técnicas básicas não invasivas necessárias para fazer uma Cardiologia com qualidade em S. Tomé. Doentes que necessitem de procedimentos invasivos terão de ser transferidos para Portugal porque não se justifica ter em São Tomé um equipamento tão caro. Vamos também criar um polo ligado à Dr.ª Myrian na ilha do Príncipe. E estamos à espera de que o Governo de São Tomé e Príncipe identifique uma segunda jovem de São Tomé para treinarmos, pois, são necessários pelo menos dois cardiologistas para assegurar a continuidade dos cuidados aos doentes. Para além disso, estou a dar os primeiros passos para desenvolver alguns projetos na área da imagem, não só a nível hospitalar, mas também de ligação à FMUC (que integra o ICNAS), onde há equipaCom as insígnias da Faculdade de Medicina de Coimbra

Num jogo sub-16, para discussão do título de Campeão Regional de Futebol de 11 Durante uma consulta em S. Tomé e Príncipe

Nos tempos da Faculdade

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Na equipa de juniores do Lusitano de Évora, que disputava o Campeonato Nacional em 1977-78


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entrevista mento de imagem fabuloso e onde está o único ciclotrão público português. Aliás, neste instituto, já estão a ser desenvolvidos alguns projetos de investigação de âmbito internacional. A ligação à ciência básica é igualmente fundamental e o facto de termos um Laboratório de Investigação Básica, que é coordenado pelo Prof. Henrique Girão, a trabalhar diretamente com o nosso Serviço, é uma enorme mais-valia. De facto, os dois somos os coordenadores da área estratégica cardiovascular na Faculdade de Medicina, a qual congrega cerca de uma dezena de grupos de investigação que trabalham em vários projetos nesta área. Temos reuniões mensais de discussão de temas de interesse mútuo que são muito importantes para a nossa formação e para o desenvolvimento de projetos de investigação conjuntos. JN – Sei que uma das preocupações do Serviço é chegar à população em geral… LG – Sim. Exemplo disso é um projeto que desenvolvemos este ano, no mês de maio (mês do Coração), que foi coordenado por uma das enfermeiras do Serviço e que consistiu na criação de sete postos de atendimento na cidade de Coimbra. Envolveu 100 profissionais de saúde, que estavam distribuídos pelos postos, tendo conseguido chegar a 250 pessoas. O objetivo não era apenas avaliar os fatores

Jogo de Playoff da Liga Portuguesa de Basquetebol, entre a Associação Académica de Coimbra e o SLB

Na equipa de andebol júnior do Louletano, campeã regional do Algarve

Lino Gonçalves com Henrique Girão, no Laboratório de Investigação Básica

de risco cardiovasculares, mas prevenir as doenças cardiovasculares para o futuro através do ensino. Os dados encontrados nestes doentes foram preocupantes, uma vez que cerca de um terço das pessoas avaliadas apresentava um risco cardiovascular elevado ou muito elevado, de acordo com o SCORE. Para o ano, pretendemos repetir a iniciativa e chegar ainda a mais pessoas. JN – É editor principal da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), uma função que assumiu este ano. Que objetivos estabeleceu? LG – Uma das metas é tornar a revista ainda mais visível a nível internacional. Além disso, estamos a reforçar os laços com os nossos colegas espanhóis e brasileiros, sendo que os segundos são os que mais a leem. É de registar que estamos a receber trabalhos não só de Espanha e do Brasil (países fora de Portugal que nos enviam mais trabalhos), mas também da Turquia, da Hungria, da Índia, da Rússia, dos EUA, da China e do México, entre outros. É com muita satisfação que tenho verificado que o número de trabalhos submetidos à RPC tem vindo a aumentar. No passado,

foi feito imenso e isso deve-se essencialmente aos editores e revisores que nos antecederam e que levaram a RPC a um patamar de excelência extraordinário. Vamos tentar manter essa excelência e, eventualmente, elevá-la um pouco mais, se possível. Não é fácil, mas, mais uma vez, com trabalho de equipa e com muito querer, vamos, com certeza, atingir esse objetivo. JN – Tem outros hobbies? LG – É difícil, porque o trabalho ocupa-me a maior parte do tempo. O desporto é o meu grande hobby. Também tento ir a eventos culturais sempre que tenho oportunidade. Acho que quando me reformar vou modificar substancialmente a minha vida e ter tempo para outras coisas (risos).

“Trabalho muito, durmo pouco, sou muito organizado e isso é uma mais-valia muito grande. E depois faço um esforço consciente para encontrar um ponto de equilíbrio com a família.”

JN – Como consegue conciliar todas as atividades com a sua vida familiar? LG – Trabalho muito, durmo pouco, sou muito organizado e isso é uma mais-valia muito grande. E depois faço um esforço consciente para encontrar um ponto de equilíbrio com a família. É possível trabalhar muito e, ao mesmo tempo, apreciar a vida na companhia daqueles que amamos.

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