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Rainha Elizabeth II e o Parlamentarismo - pág Exercício do Poder Disciplinar em trabalhadores
Rainha Elizabeth II
Na tarde de 8 de setembro de 2022, foi transmitida pelo palácio de Buckingham e pelos vários meios de comunicação social a notícia do falecimento de Elizabeth II, rainha do Reino Unido e chefe de Estado de 15 dos 50 países que compõem a Commonwealth.
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A monarca com 70 anos de reinado é considerada marca de uma era, tendo ainda testemunhado a grande maioria dos acontecimentos mais marcantes do séc. XX, nomeadamente: a 2. ª Guerra Mundial (na qual exerceu funções de mecânica); a Guerra Fria; a abolição da pena de morte no Reino Unido; a primeira aterragem do Homem na Lua; os novos contextos culturais e civilizacionais do mundo; as várias crises políticas e económicas que sucederam no Reino Unido e no mundo; o fim formal do império britânico; o falecimento da princesa Diana,… E do séc. XXI: o 11 de setembro, o Brexit, a pandemia Covid-19, a guerra na Ucrânia e em vários países do médio oriente... Durante o mesmo, conheceu e deu posse oficial a 15 primeiros-ministros do Reino Unido: a começar com Winston Churchill e a terminar, dois dias antes do seu falecimento, com Liz Truss. Em termos de exercício de funções, foi o reinado mais longo de toda a História da Humanidade –ultrapassando Luís XIV, monarca francês no séc. XVII e XVIII, que terá exercido funções apenas durante 54 anos.
Parlamentarismo
Esta forma de governo, com origem no Reino Unido, tem como principais características: • a existência de um chefe de Estado que não goza de legitimidade democrática direta nem exerce poderes políticos significativos, sendo considerado como uma figura meramente representativa – note-se, a propósito, o facto de o chefe de Estado não poder dissolver o Parlamento sem proposta prévia do Governo, por exemplo; • a existência de um Governo politicamente responsável perante o Parlamento, tendo necessariamente que se verificar entre ambos uma relação de confiança para a subsistência em funções do primeiro. Neste sentido, a função legislativa é exercida pelo Parlamento. No entanto, a função executiva é exercida por um órgão colegial constitucionalmente autónomo – o gabinete – no qual se reúnem os ministros e outros membros do respetivo Governo, assumindo o primeiro-ministro, no caso britânico, a presidência do mesmo.
Curiosidade: Distinção entre Inglaterra, Grã-Bretanha, Reino Unido e Commonwealth A distinção reside, entre outros aspetos, no número de Estados/países em causa. Com efeito, a Inglaterra é um único país - que compõe a Grã-Bretanha (a par da Escócia e do País de Gales), o Reino Unido (acrescendo a estes Irlanda do Norte) e a Commonwealth (a par de outros 49 países).
-Mariana Azinheiro, 3º ano da Licenciatura em Direito, colaboradora.
EXERCÍCIO DE PODER DISCIPLINAR EM TRABALHADORES GREVISTAS: UM ESTUDO SOBRE OS SERVIÇOS MÍNIMOS
-Luís Pedro Dias, 3. º ano da Licenciatura em Direito
A liberdade de associação de trabalhadores enquanto direito fundamental encontra a sua origem no associativismo de classes como superação da ilegalidade a que o próprio fenómeno coletivo estaria sujeito em face das leis que o procuravam reprimir – estas tinham, como mote, o livre funcionamento do mercado desprovido de qualquer ingerência abrupta do Estado, tão pouco dos próprios trabalhadores. É neste quadro que a Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre os Princípios e Direitos Fundamentais nesse âmbito, principia com a convicção de que a justiça social é essencial para garantir uma paz universal e permanente. Como tal, firma que o desenvolvimento económico, ainda que manifestamente relevante, é insuficiente para os patamares de equidade, progresso social e erradicação de pobreza que todos vislumbramos junto das nossas instituições democráticas. Em face disso, o Direito do Trabalho não é tão-só o Direito dos trabalhadores – para alguns, o Direito contra a exploração , mas, sobretudo, o Direito para a equidade e para a justiça social. O trabalho é a engrenagem que potencia todo o desenvolvimento em todas as áreas e, como tal, cumpre tratar estas matérias com um peculiar cuidado. Além disso, mostra-nos que, independentemente da ratificação de um Estado-Membro, decorre perante os mesmos uma obrigação de respeito e até de concretização destes segundo os ditames da boa fé, nos quais se incluem, evidentemente, a liberdade de associação dos trabalhadores e dos próprios empregadores. Contudo, nem sempre a promoção dos fenómenos coletivos se apresenta conforme a uma ideia de justiça social já que encontramos, na prática, evidências discriminatórias associadas ao seu exercício.
Fotografia Escadas de acesso à Via Latina e Gerais de Cima, Mariana Azinheiro, 3º ano da Licenciatura em Direito, colaboradora JL.
O presente texto terá especial enfoque no tratamento da obrigação de serviços mínimos com o objetivo primordial de saber se, na prática, um trabalhador grevista adstrito à satisfação de uma necessidade social impreterível poderá ou não ser alvo do exercício de um poder disciplinar por parte da entidade empregadora em relação à qual se encontra ao serviço. Esta matéria reveste uma tremenda relevância uma vez que o legislador não se expressou em relação a esta circunstância de facto. Aliás, o direito à greve, conquanto seja um direito fundamentalíssimo à permanente luta laboral (inerente à desigualdade estrutural que se faz sentir na relação empregador-trabalhador), não se afigura ilimitado sobretudo quando atentamos a necessidade de salvaguardar outros bens e interesses constitucionalmente protegidos. Falamos concretamente da imperiosa proteção das necessidades sociais impreteríveis postuladas na obrigação de serviços mínimos, nos termos formulados na lei, assim como a tutela da ratio inerente ao próprio exercício do direito à greve – qual destes pesará mais na balança que aqui propomos? Diga-se, de partida, que o balanceamento proposto nos apresenta algumas dificuldades de interpretação, não nos permitindo uma solução unívoca, mas sim uma que se afigure tanto plausível como razoável em face dos princípios em causa sob pena de esvaziarmos, por um lado, o sentido inerente ao direito à greve dos trabalhadores e, por outro, desconsiderarmos as necessidades de toda a comunidade jurídica, associando-lhes danos potencialmente irreparáveis. Em primeiro lugar, note-se que a obrigação de serviços mínimos surge justamente (e como já referido), porque o direito à greve não é ilimitado (ainda que o seu exercício, enquanto direito fundamental, esteja contemplado na lei fundamental e em instrumentos de direito internacional que não descuram, em nenhuma medida, a sua relevância vital na luta em face da precariedade laboral). Deste modo, importa relembrar as normas que consagram direitos, liberdades e garantias, são dotadas de um conteúdo self-executing – portanto, de exequibilidade imediata , assim como, vinculam todas as entidades públicas e privadas.
-Luís Pedro Dias, 3. º ano da Licenciatura em Direito
Fotografia Perspetiva do Paço das Escolas, Joana Martins, 3º ano da Licenciatura em Direito, colaboradora JL.

Aliás, mais se refira o regime especial quanto às leis que visem restringir estes mesmos direitos. Ora, por gozar de tal estatuto especial (veja-se o art. 18. º da CRP), existem determinadas garantias constitucionais que devem ser respeitadas, desde logo, i) a existência de autorização constitucional para o efeito, ii) o respeito pelo princípio da proporcionalidade (ou proibição do excesso), iii) o caráter geral e abstrato da lei restritiva (e não individual, em sede do princípio da igualdade material entre os sujeitos, e proibição da discriminação) e, por fim, iv) o respeito pelo núcleo fundamental dos preceitos constitucionalmente reconhecidos (sob pena de descaracterização, só devendo ser restringidos os direitos, liberdades e garantias, na medida do imprescindível para compatibilizar outros tantos que devam, por isso, prevalecer). Importa por isso considerar que as necessidades sociais impreteríveis não obedecem ao mesmo critério delimitador, conquanto haja divergência entre os autores. Adotemos, porém, a corrente mais exigente, que encontra onde a realidade se cumpre, uma maior concordância prática entre a índole dos preceitos em causa. Como tal, i) a greve terá de ocorrer em empresa ou estabelecimento destinado à satisfação dessas necessidades sociais impreteríveis, ii) cujas prestações laborais interrompidas se destinem ao contentamento destas, assim como iii) se mostre iniludivelmente que a prestação dos trabalhadores em greve, é fulcral à satisfação dessas mesmas demandas sociais. Situamonos, então, neste prisma: a potencial lesão de interesses fundamentais que se subjugam a priori ao exercício deste direito fundamental, sendo precisamente por esse motivo que se admite a sua restrição, não se sabendo, porém, onde se encontra o limiar da concordância prática, tendente à salvaguarda de ambos. Contudo, no garante pela correta aplicação do Direito, questiona-se a possibilidade de admissão de outras restrições que não as explícitas no texto da lei. Jorge Leite ensina, a este propósito, que é de aceitar a existência de restrições implícitas, relacionadas com a imperiosa necessidade de salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos. Restar-nos-á saber em que medida constitui o exercício de um poder disciplinar, uma efetiva restrição ao direito à greve, que não é pleno, mas que figura desejavelmente por ser um instrumento de potencialidades fundamentais para a vida dos trabalhadores estaremos perante a constituição de um heterogéneo princípio de paridade de armas? Como já indiciado, tal poderia configurar uma certa limitação à defesa e promoção dos interesses mobilizados pela greve, algo que se demonstra incompatível com o artigo 530. º do Código do Trabalho na justa medida em que, se por imposição legal compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, potenciando o instrumento em apreço, não seria concebível que o legislador pudesse, por maioria de razão, vir a constringir substancialmente a mobilização desses interesses, sob pena de repercussões vislumbradas pelas sanções disciplinares que lhes estariam associadas. Não podemos, por isso, esquecer que a relação de trabalho é estruturalmente desigual e que, em matérias mais sensíveis, as decorrências da consagração dessa possibilidade poderiam ser nefastas. Desta ótica, não parece de crer que sujeitar a compatibilização entre a obrigação de serviços mínimos e o direito à greve a um império absoluto, fosse a melhor solução. Tal não significa, porém, que esta matéria não possa ser discutida sob outra perspetiva.
-Luís Pedro Dias, 3. º ano da Licenciatura em Direito
De outro ponto de vista, os seus constrangimentos poderiam pensar-se nivelados quando considerássemos o interesse público em causa. Falamos de necessidades absolutamente imprescindíveis à sociedade, como o setor dos transportes ou o setor da saúde, que se inserem num quadro geral de uma absoluta unidade comunitária, de que esta não pretende, não pode, nem deve prescindir em circunstância alguma. É, por isso, imperioso que o cumprimento dessas mesmas necessidades seja conforme ao socialmente adequado. Contudo, tal não significa, como já referido, que não possa haver uma relação dialética entre os bens fundamentais que procuramos proteger, sendo certo que tanto o direito à greve como o âmbito das necessidades fulcrais da sociedade que aqui tratamos não possam ser ignoradas, pese embora os seus interesses antagónicos. Aliás, não se deve fazer uma leitura individual dos direitos fundamentais, sendo essencial uma leitura do catálogo enquanto conjunto dialético, imprescindível e complementar. E por isso, está claro que a greve não poderá ser ilimitada, daí a existência da obrigação de serviços mínimos. Como tal, atendendo à importância acrescida de determinadas prestações, fará todo o sentido que aos trabalhadores seja imposto um dever de um particular zelo na concretização dessas, sob pena de poderem lançar mão de um direito igualmente ilimitado. A questão está em saber de que modo poderíamos compatibilizar ambas as realidades, sendo certo que tal tarefa não poderá estar desligada de uma interpretação objetiva e sistemática da Constituição, convocando os ensinamentos de Jorge Miranda. E, por isso, nos colocamos perante a (potencial) dupla restrição do direito à greve.
Deste modo, e nas sábias palavras de Castanheira Neves, teremos de aferir da própria juridicidade concreta, concretamente constituída, quando analisamos cada realidade que ao Direito se coloca. Como tal, se a colisão de direitos se não deva resolver pela mera prevalência daquele que se demonstre mais relevante, entrará em jogo, de modo mais premente, o critério da proporcionalidade sob pena de, em última instância, nos situarmos diante um caso em que a mera coexistência de direitos possa levar a situações em que o estabelecimento de uma inadequada obrigação de serviços mínimos possa implicar a preterição da própria materialidade desse outro direito ou interesse fundamental em jogo. Tal é assim que, alguns autores, fruto de uma exercício hermenêutico em torno do conceito de necessidades sociais impreteríveis, tenham estabelecido uma certa escala gradativa. O seu mérito é indiscutível justamente pelo facto de algumas destas necessidades admitirem uma certa paralisação dos serviços e ainda assim não sejam colocadas em causa por esta. Outros tantos, por outro lado, exigem limiares mínimos (em diversos parâmetros) cujo cumprimento não pode de modo algum ser dispensado. Por isso, facilmente compreendemos que nas áreas e/ou serviços cuja paralisação não pareça de afetar de maneira tão premente, haverá que atender em maior medida à liberdade dos trabalhadores naquele que é o exercício de um direito essencialíssimo na disputa por melhores condições de trabalho - e vida através deste. Por sua vez, quando estejam em causa necessidades que não possam, em última instância, abdicar de uma certa qualidade ou quantum prestacional, admitimos que possa efetivamente haver um duplo dever de especial zelo por parte da força de trabalho, trabalhadores esses que se veem adstritos à comunidade por um especial vínculo de sacrifício. A ratio do presente argumento figura por ser intrínseca à intenção com que o legislador cunhou a própria obrigação - ou dispensa – de serviços mínimos: em última análise, será sempre um exercício exegético em torno da urgência das necessidades em causa, necessidades essas que se pautam por mais estritos deveres de zelo, à medida que subimos nesse esquema piramidal – até à grundnorm destas necessidades sociais impreteríveis (numa dialética que, evitando os excessos de Kelsen, toma como fundamental o conteúdo da nossa preciosíssima Constituição da República Portuguesa).
-Luís Pedro Dias, 3. º ano da Licenciatura em Direito
Posto isto, fará sentido o exercício do poder disciplinar em relação a trabalhadores adstritos ao cumprimento da obrigação de serviços mínimos? A resposta não será unívoca, tão pouco uma que deva ser feita em abstrato, mas, tomando eu próprio esse risco, afirmo que será tendencialmente positiva nos casos mais gravosos, por tudo aquilo que aqui foi mencionado. Porém, outras soluções também merecerão a nossa atenção, até pelo enquadramento contratual dos trabalhadores aquando de um fenómeno grevista (que não parece de coadunar a circunstância disciplinar de que tratamos). Note-se, porventura, o instituto da requisição civil como meio alternativo à consideração do hipotético poder disciplinar em caso de necessidades mais prementes. Como sabemos, regulado no DecretoLei 637/74, conquanto seja uma medida excecional, a requisição civil compreende um conjunto de medidas determinadas pelo Governo como necessárias para, em face de circunstâncias particularmente graves, se assegurar o regular funcionamento de serviços de interesse público ou setores vitais da economia nacional. O artigo 541. º do Código do Trabalho refere, por isso, que em caso de incumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos, o Governo pode determinar tal requisição. O que está aqui em causa não é, porém, um puro incumprimento, mas um cumprimento defeituoso da obrigação. Contudo, como aliás consta de um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de Março de 2008, o Governo só pode lançar mão da requisição civil depois de instalada a greve e de constatar que efetivamente os serviços mínimos não estão a ser assegurados (...) e, também, só pode ser decretada quando se conheça a verdadeira dimensão dos efeitos da greve e desse conhecimento resulte a constatação de que os serviços mínimos não estão a ser assegurados e, por isso, quando já é possível identificar os meios necessários ao seu cumprimento. Esta será uma matéria à qual caberá a nós, (futuros) juristas teorizar, principalmente em razão de um novo balanço que lhes proponho para o jure convocado. Por se entender que, na situação de cumprimento defeituoso, possa falhar o estrito teste da proporcionalidade no recurso à requisição civil, deveremos por isso considerar o exercício do poder disciplinar uma alternativa cada vez mais viável? E, assumindo que se demonstra proporcional, implicaria a requisição civil uma extensão desmesurada de relações laborais de vínculo público entre os trabalhadores requisitados (agentes administrativos) e o Estado? Em jeito de conclusão, se o reconhecimento da liberdade sindical, enquanto direito fundamental, figura por ser das maiores conquistas sociais de que há memória, então não será todo e qualquer tratamento que possa fundamentar uma atuação restritiva (veja-se, desde logo, a proteção constitucional aos DLG). Porém, porque não podemos manter uma leitura isolada de cada um dos nossos direitos e se tão-só em sociedade nos compreendemos, não faria sentido que a liberdade sindical (e o direito à greve) pudesse usufruir de um regime potencialmente ilimitado. Com isso, teremos, pois, a obrigação de serviços mínimos, mas em certos casos tal não é suficiente. Concluímos, contudo, que essa não é uma tarefa fácil, como vimos. Enquanto Estado de Direito Democrático, assumimos o compromisso de combater o trabalho forçado e todo e qualquer fenómeno, não apenas de exploração laboral mas, sobretudo, de precariedade a esse nível. E é, mantendo sempre presente esse vetor fundamental, que escrevo o presente artigo.