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Apresentação Liga PIEUC. pág Uma sombra ao fim do Túnel: As Vacinas da COVID-19
Apresentação Liga PIEUC
A Liga de Propriedade Intelectual dos Estudantes da Universidade de Coimbra foi fundada no ano de 2021, com a intenção de oportunizar que os estudantes e aluminis da nossa academia pudessem complementar seus estudos e aprofundar seus conhecimentos naquilo que diz respeito aos assuntos que orbitam em torno da Propriedade Intelectual, um tema cada vez mais importante nos nossos dias. A Liga, que se estrutura como um grupo de estudos, tenta dinamizar o descobrimento da relevância das suas temáticas a partir da organização de palestras internas e abertas para quem ainda não é membro da Liga, workshops e aulas que são lecionadas periodicamente. Além disso, importa dizer que ela não destina-se apenas aos estudantes de Direito, mas que busca uma interdisciplinaridade através de um esforço em acolher estudantes de todas as outras faculdades que reconheçam ou estejam curiosos sobre nosso objeto de estudo. Com isso, a visão da Propriedade Intelectual que buscamos construir é a mais ampla e geral possível. Aqueles que se interessarem em fazer parte, podem sempre estarem atentos aos períodos de processo seletivo que acontecem anualmente. Esperamos vê-los em nossas reuniões! Acompanhe por nosso Instagram @liga.pieuc, e Linkedin: Liga de Propriedade Intelectual dos Estudantes da Universidade de Coimbra.
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Uma sombra ao fim do túnel: as vacinas da COVID-19 e suas patentes
-Júlia Edwiges Simão de Azeredo
Em 2019, o mundo foi devastado por um vírus silencioso, mortífero e jamais visto antes; com sua rápida evolução e com as tragédias humanas, sociais, culturais, econômicas e políticas que provocou, a luz ao final do túnel se mostrava na forma da produção de uma vacina. Dois anos depois as descobertas científicas permitiram ter um agente imunizador eficaz e seguro, que reduz a probabilidade de contágio e mitiga os efeitos da doença; contudo, este meio ainda não chegou a todos. Nos países mais economicamente desfavorecidos, as invenções científicas chegam a passos lentos: faltam doses, capital para custear as vacinas e, sobretudo, faltam patentes. O horizonte jurídico da propriedade intelectual - cada dia mais em voga nos meios judiciários e sociais - permite uma proteção de invenções, obras de arte, músicas e outras formas de manifestação; em suma, a proteção intelectual protege a criatividade e a capacidade inventiva de alguém. Por meio da concessão de um direito exclusivo de titularidade e de uso sobre uma invenção, as patentes permitem uma divulgação técnica-científica e incentivam o desenvolvimento tecnológico, dando asas a outras criações e ajudando a recuperar o capital que foi gasto para chegar até a invenção patenteada. Na indústria farmacêutica, pensar e ter patentes parece ser algo indispensável, ainda mais considerando a excessiva receita necessária para o desenvolvimento de medicamentos. Como poderiam elas dispensar tempo e dinheiro num estudo e produção sem a segurança de que não teriam as inovações e ideias usurpadas por um terceiro?
No presente paper, analisar-se-á como as patentes, ao mesmo tempo que conferem segurança jurídica e que motivam o desenvolvimento tecnológico, podem produzir óbices à superação de uma crise global e podem incentivar a desigualdade. A luz do Código de Propriedade Industrial português (Decreto-lei n. º 110/2018; CPI, doravante) e do Acordo TRIPS, debruçar-se-á sobre a conceituação de patente e sobre o processo de concessão e de quebra de patentes da vacina da COVID-19. Objetiva-se apontar caminhos alternativos para conciliar o viés humano com o criativo-científico, saindo dos extremos e mostrando um lado do domínio dogmático da Propriedade Intelectual mais ajustado às necessidades sociais . A construção de uma patente: conceituação, registo e abrangência 1 Uma patente é um documento concedido pela entidade nacional competente que, no caso português, é o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) - que cria uma rede de proteção e de tutela jurídica para determinada invenção. Por meio dela, o titular da patente garante os direitos exclusivos de uso e de exploração da invenção, em determinado local e por um certo lapso temporal. Esse instituto é, desde logo, uma forma de recompensar o esforço tecnológico, intelectual e financeiro despendido pelos inventores, conferindo a eles uma forma de rentabilizar sua invenção sem que outros se apropriem dela. Por outro lado, pelo viés educativo, as patentes trazem à sociedade novas facilidades - que, antes, sem qualquer proteção, poderiam estar sujeitas a um regime rígido de segredo industrial - e motivam o setor científico a pesquisar sobre outras áreas, evitando duplicidade de pesquisa, e, mesmo, buscando outras soluções para o problema in casu, especialmente pensando no horizonte de concorrência selvagem que temos.
1 Coronavirus (COVID-19) Vaccinations - Our World in Data A concessão da patente exige, primeiro, que a invenção siga com os seguintes critérios: (i) novidade, (ii) presença de uma etapa inventiva e (iii) possibilidade de aplicação industrial. Confirmada a presença destes, deve o inventor entrar com um pedido de registo, nos termos do artigo 61º e 62º do CPI, que será submetido ao INPI para análise. A via nacional confere a proteção em território português pelo período de 20 anos, mas, atualmente, também é possível solicitar a proteção e a concessão de patente a nível de toda a União Europeia. Para isso, o inventor deverá formalizar um processo no Instituto Europeu de Patentes e no INPI e, no final do processo, o que se verifica é uma mitigação do princípio da territorialidade no âmbito das patentes: essa será protegida em todos os Estados signatários da Convenção de Munique sobre a Patente Europeia (1973), em que foi solicitado, no momento de registo do pedido, a proteção.
Imunes: a proteção de vacinas
Invenções médicas - desde que não incidam sobre clonagem humana e alteração genômica - podem ser patenteadas: algo que aconteceu com as vacinas da COVID-19. Como já comentado, a patente oferece aos produtores uma proteção jurídica e a chance de compensarem, recuperarem (e lucrarem com) seus investimentos e gastos com pesquisa e produção; em troca a sociedade ganha um agente imunizante, uma possível solução para a crise, e a divulgação do conhecimento. O procedimento de concessão para vacinas é o mesmo que para outras invenções: segue o mesmo prazo, mesmos requisitos de admissibilidade e mesmas exigências formais. A grande maioria das nações consolida, na base de seu Estado de direito, o princípio suprapositivo da dignidade humana e um de seus corolários lógicos é o direito à saúde. Embora na teoria e nos ditos dos dispositivos constitucionais esse seja um direito consolidado para todos; na prática, uma parcela da sociedade é marginalizada e tem seu direito à saúde parcial ou totalmente inviabilizado. No caso da pandemia, o desfalque foi maior e mais grave nos países fora do eixo central-europeu: em países como Burundi, Haiti e República Democrática do Congo a taxa de pessoas vacinadas com o esquema parcial não passa de 1,5%1 . Por outro lado, nos países desenvolvidos, o número está bem acima da casa dos 50%. Isso impulsiona uma discussão política, económica e ético-moral sobre o modelo desigual de distribuição de vacinas, suas consequências para o manejo e superação da pandemia como um todo, seus efeitos nas localidades afetadas e o regime jurídico a ser adotado (ou modificado). O debate que se instaurou na OMC (Organização Mundial do Comércio) - órgão internacional responsável por tratar questões ligadas à propriedade industrial e intelectual - foi sobre a possibilidade de conceder licenciamentos compulsórios temporários de patentes ou, popularmente, as “ quebras de patente
Paper Liga PIEUC
Esse mecanismo, previsto no TRIPs, visa suspender as concessões garantidas ao titular da patente em ocasiões extraordinárias; isto é, apenas em casos de emergência ou de interesse público. Na prática, isso permitiria que outros laboratórios mundo afora pudessem fazer uso da técnica desenvolvida por empresas, como a Pfizer e a Moderna, sem que estivessem sujeitos a uma sanção. A quebra de patente permitiria, por um lado, que houvesse maior oferta de vacinas e um valor mais competitivo - já que pode ser usado como um instrumento de pressão pelos governos durante negociações com as indústrias - o que aumentaria a equidade da distribuição. Os defensores da tese contrária alegam que estamos diante de uma violação grave do direito à propriedade: ora, é legítimo e mesmo necessário que se garanta as contrapartidas financeiras devidas aos investidores; porém, num balanceamento de princípios e de direitos, não há como a propriedade se sobrepor ao direito à vida e, ainda, não pode a exploração ignorar o interesse e a necessidade pública de seu usufruto. Dessa forma - mesmo que o processo de licenciamento traga suas dificuldades, como a escassez de laboratórios aptos a conduzir e a desenvolver uma produção de vacina com tamanha complexidade e por ser um processo moroso, exigindo o consentimento de 162 países - mostra-se o melhor caminho para a superação da crise. A propriedade intelectual é e deve ser usada como um instrumento de proteção e de incentivo, e não pode ser um entrave ao desenvolvimento humano.