Os tranca-rua

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COMUNICAÇÃO CORPORATIVA

Por Juliano Rigatti

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m aspecto especial me chamou a atenção entre todos os dados valiosos revelados pelo segundo Mapa da Comunicação Brasileira, pesquisa apresentada em setembro deste ano pela FSB Comunicações, agência de comunicação integrada, sediada em São Paulo. O estudo foi baseado num conjunto de entrevistas em semiprofundidade feitas com 100 gestores da Comunicação junto a 70 das 1000 maiores empresas que operam no país (brasileiras e estrangeiras), segundo ranking do jornal Valor Econômico, e a 30 dos 100 principais órgãos públicos do Brasil. Foram 38 horas de conversas, realizadas entre os meses de março e abril de 2011. Fiquei interessado principalmente pelas informações que relacionam a área de Comunicação e a parte central do negócio, o chamado core business das companhias.

Revista Super

Sul {Out./Nov. de 2011}

Segundo o levantamento, 90% dos gestores de Comunicação de empresas estrangeiras e 85% de empresas nacionais concordam com a afirmação de que o seu departamento está desenhado de forma coerente com a missão, a visão e os valores da companhia. Mais de 80% deles também estão de acordo com a sentença que diz que a Comunicação é vista pela direção da empresa como estratégica para garantir que a organização tenha uma gestão transparente. Em um dos enunciados do estudo, há ainda a informação de que, para muitos entrevistados, a Comunicação é o próprio negócio. “Como um camaleão, (a Comunicação) se adapta à missão, aos valores e à visão da organização a que serve. Tem como papel construir imagem e reputação, desenvolvendo agendas e mensagens de longo prazo, que apoiam o posicionamento e a direção das instituições”, relata o documento. Assim, em princípio, a impressão que fica é que sempre há uma grande harmonia entre o setor de Comunicação e as áreas consideradas fundamentais para os negócios das empresas. Talvez na sua isso também seja assim. E se nela ainda não há um departamento de Comunicação estabelecido, presumo que a sua in-


tenção, como empresário, é que as coisas caminhem para isso: negócios e Comunicação completamente integrados. Um mundo ideal. Se questionados, todos os membros das altas cúpulas das organizações concordarão com isso. Sem exceção. Até um dia. Até o dia em que o setor de Comunicação de opuser a um processo-chave da empresa. Até o dia em que o gestor de Comunicação fizer críticas a um projeto e for contrário à sua manutenção. Tenho o privilégio de ser amigo de um excelente jornalista, com passagem pela área de Comunicação de uma grande empresa. Lembro do tempo em que ele sofria com os embates inevitáveis entre a área de Comunicação e os demais departamentos, mais ligados ao core business. Porque a área de Comunicação precisa mexer no texto; porque a área de Comunicação sugere mudanças no projeto desenhado há meses; porque o profissional de Comunicação não concorda com a forma de apresentação das mudanças de um processo. Qualquer que seja a tentativa de contribuir, na maior parte das vezes, e na maioria das empresas, ela irá esbarrar na incompreensão da importância deste departamento para as organizações. Numa dessas situações, este meu amigo criou, com o humor que lhe era próprio, o termo que define como muitas vezes os profissionais de Comunicação devem se sentir dentro das empresas: os tranca-rua. É assim que muitas vezes os comunicadores corporativos são vistos: trancando a rua, atravancando os caminhos. Admito que não é simples entender o que um profissional de Comunicação faz e no que ele pode auxiliar uma empresa a ser bem-sucedida. Um médico, um engenheiro, sabemos bem o que fazem, e é difícil imaginar nossa sociedade sem eles. Ninguém se atreve a sugerir a dose de anestesia que precisa ser dada a um paciente na sala de cirurgia; assim como ninguém se arrisca a alterar a medida de uma viga para a sustentação de um arranha-céu. Mas no trabalho de um jornalista, de um relações públicas ou de um publicitário, a serviço de uma organização, todos sentem-se aptos a interferir. Embora seja consenso que o mercado ainda precisa amadurecer neste sentido, esta dificuldade ainda diminui o potencial de muitas empresas país afora. O que deve dar esperança a todos os profissionais do setor é que este anseio também está presente na pesquisa realizada pela FSB. A grande maioria dos pesquisados desejam que a importância da área de comunicação seja realmente entendida – e posta em prática. Em resposta à pergunta “Idealmente, qual deveria ser o papel da Comunicação?”, o discurso dos gestores de Comunicação de empresas estrangeiras é de que ela é o próprio negócio e vice-versa. Para eles, a Comunicação deveria ser considerada

uma área essencial para a empresa, participando das tomadas de decisão. Os gestores de empresas nacionais pensam parecido. Uma das respostas afirma que “o papel ideal é caminhar e orientar, junto com o objetivo estratégico da empresa”. Quando questionados sobre o maior desafio de seu trabalho, os líderes de comunicação das empresas brasileiras apontam a posição do departamento dentro da organização. Segundo um dos entrevistados, “o desafio agora é conseguir consolidar isto: que a comunicação é parceira estratégica do negócio”. E se aparentemente a maioria dos consultados considera as áreas de Comunicação razoavelmente alinhadas às premissas da companhia, atenção: 60% dos profissionais de empresas nacionais discorda ou apenas concorda em parte que a Comunicação é levada em conta no processo de tomada de decisão do nível mais alto da hierarquia. Concluí, no final do ano passado, um MBA em Gestão Empresarial. A decisão por uma especialização fora da área da Comunicação se deu porque eu precisava de uma complementação ao aprendizado diário da atividade, mas também porque buscava conhecer mais sobre o diálogo entre esses dois mundos: a Comunicação e os negócios. O interesse pelo tema deste artigo, portanto, não é de hoje. No trabalho de final de curso, avaliei as atividades do setor de Relacionamento com a Imprensa do hospital Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, do ponto de vista da sua administração estratégica. Também busquei entender a integração entre as áreas e propor melhorias que tornassem o setor estudado mais ligado ao planejamento estratégico da organização. Penso que consegui. Meu grande guia para o estudo foi o livro Relações Públicas, de James Grunig, Maria Aparecida Ferrari e Fabio França, da editora Difusão. Para Grunig, um norte-americano obcecado pela relevância da Comunicação nas empresas, o profissional dessa área não pode estar limitado à função de simples transmissor de mensagens positivas da companhia para outros públicos. O autor diz que trata-se de uma “atividade essencial para o bom desempenho organizacional, e nela o profissional atua como o estrategista da comunicação e participa de todas as tomadas de decisão que podem vir a causar algum tipo de impacto”. O século da informação trouxe à área de Comunicação um ambiente externo ainda mais complexo, além de uma série de novos desafios. Assim mesmo, o mais importante de todos eles ainda terá de ser vencido dentro de casa.

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Juliano Rigatti é jornalista, possui MBA em Gestão Empresarial e trabalha com varejo há 10 anos – e-mail: jfrigatti@gmail.com. Cartão de visita: http://flavors.me/uzina Revista Super

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