O SÃO PAULO - 3079

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www.arquisp.org.br | 25 de novembro a 1º de dezembro de 2015

| Fé e Vida | 5

Espiritualidade

Fé e Cidadania

A marca do Cristianismo na história da humanidade

Advento e cidadania

Dom Devair Araújo da Fonseca

O

Bispo auxiliar da Arquidiocese e vigário episcopal para a Pastoral da Comunicação

s cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por língua ou costumes... Sua doutrina não foi inventada por eles, graças ao talento e especulação de homens curiosos, nem professam, como outros, algum ensinamento humano... Casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos” (Carta a Diogneto, nº 5). O trecho apresentado acima faz parte de um texto conhecido como “Carta a Diogneto”, que data do início do Cristianismo, escrito mais ou menos entre os séculos II e III. O objetivo principal dessa carta era relatar como viviam os cristãos, fazendo ver que eles não se diferenciavam por costumes estranhos e perigos ao bem do Estado ou das pessoas. Se hoje fosse necessário reescrever essa carta, certamente seria preciso reavaliar muito bem o que pensam ou como vivem alguns que dizem ser cristãos. Numa sociedade marcada pelo individualismo, pela busca do prazer, e constantemente ameaçada pela ausência de valores, que faz crescer o relativismo,

parece que a vida humana já não tem a mesma dignidade. Por isso, questões como o aborto, a clonagem e as pesquisas com a vida humana ou mesmo a exploração da natureza, parecem coisas relativas, até mesmo “um preço” muito pequeno a se pagar, quando existe uma promessa de cura e de bem-estar, ou quando o direito dos que já nasceram se sobrepõe ao daqueles estão sendo gerados. Isso nos leva a algumas perguntas. Uma sociedade que não respeita a vida, em todos os seus estágios e formas, pode ser chamada cristã? Os progressos que custam a vida inocente, são dignos de serem chamados progressos? Onde não há valores e critérios que respeitem a vida, quem nos garante que esses progressos serão realmente alcançados por todos? O Papa Francisco recentemente disse: “Quando, na própria realidade, não se reconhece a importância dum pobre, dum embrião humano, duma pessoa com deficiência – só para dar alguns exemplos –, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza. Tudo está interligado.” (Laudato sí’, 117). Quando o ser humano se proclama autônomo, em relação a qualquer realidade e se constitui único senhor que pode decidir sobre sua vontade, seu corpo e, sobretudo, mais a sua volta, a existência humana está ameaçada. Quando a razão humana propõe substituir a Deus, ela cria um abismo que afasta o homem do sentido mais profundo de sua existência.

Jesus é o Filho de Deus que assumiu nossa condição humana. O mistério de sua encarnação indica o cuidado devido com a pessoa humana e também com toda a obra criada; “Pois sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia. Não só ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos em nós mesmos, aguardando a adoção, a redenção do nosso corpo.” (Rm 8, 2223). Em Cristo, nós reencontramos o sentido original da vida humana, e assumir sua proposta como nossa, é assumir que “o pensamento cristão reivindica, para o ser humano, um valor peculiar acima das outras criaturas, suscita uma valorização de cada pessoa humana e, assim estimula o reconhecimento do outro. A abertura a um ‘tu’ capaz de conhecer, amar e dialogar continua a ser a grande nobreza da pessoa humana.” (Laudato si’ 119). Assim, a “Carta a Diogneto” conserva sua atualidade. Se não nos diferenciamos dos outros pelo lugar onde moramos ou pela língua que falamos, temos que nos diferenciar por nossa espiritualidade cristã e pelo compromisso moral que ela gera, entre as pessoas e com o meio em que vivemos. A marca do Cristianismo foi impressa na história da humanidade, pelo testemunho de homens e mulheres que se comprometeram com a Palavra de Jesus. Esse tempo que vivemos espera a marca do nosso testemunho cristão.

Padre Alfredo José Gonçalves, CS O ano litúrgico inicia praticamente um mês antes do ano civil. Nisso, segue a mesma dinâmica do dia litúrgico, o qual começa na véspera do dia anterior, isto é, ao escurecer do sol poente. Trata-se, na verdade, do simbolismo que se oculta no mistério da morte e ressureição de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo em que, ao pôr do sol, a luz se extingue, abre-se a esperança de que logo mais venha a aurora, símbolo de um novo dia e de uma nova vida. Advento é isto: tempo de preparação, de esperança e de abertura, pois algo está a caminho, algo inédito cresce no ventre mesmo da história. Amadurece e se aproxima o mistério da encarnação do Senhor, “verbo que se faz carne e vem habitar enre nós” (Jo 1,15). A história humana se reveste do espírito divino, superando o mal e o pecado, e convertendo-se em história de salvação. “O tempo já se cumpriu, o Reino de Deus está próximo, convertam-se e acreditem na Boa-Notícia!” (Mc 1,15). Do ponto de vista do debate sobre a cidadania, podemos dizer que o entardecer representa a crise política, econômica e social em que o País está mergulhado. Tempo de ocaso, de escuridão, de desencanto – o sol se põe sobre muitos ideais e sobre não poucas esperanças. Os cortes e ajustes fiscais, próprios do período de “vacas magras”, pesam sobretudo sobre os serviços públicos. O que vale dizer, sobre o bolso e os ombros da população de baixa renda. Ao mesmo tempo, porém, a aurora não tarda. A própria crise interpela e exige mudanças, da mesma forma que o Advento reclama conversão. Reformas urgentes se fazem necessárias. Neste momento sombrio, somos chamados a construir uma ponte, uma passagem da crise à encruzilhada. De fato, durante a crise prevalece o pranto, a angústia e as lágrimas. Tornamonos cegos: impossível ver o farol e menos ainda traçar o rumo do porto. A encruzilhada, ao contrário, pressupõe distintas veredas e, ao mesmo tempo, a iniciativa de uma escolha. Abrem-se no horizonte várias possibilidades. O desafio é enxugar as lágrimas, erguer a cabeça e tomar uma decisão. Impõe-se uma opção entre os caminhos disponíveis. Estabelecida a nova ponte, é preciso cruzá-la com fé e coragem – na esperança de que o sol nascerá de novo. Advento é tempo de passar da crise à encruzilhada, na certeza que as festividades do Natal significam o nascimento do Senhor da história. Se é verdade que a noite é ainda escura, brilha com mais força a estrela que anúncia a gruta de Belém, onde repousa o Menino Jesus – esperança de justiça, paz e salvação.


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