Revista Uot

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ERA UMA VEZ

ERA UMA VEZ

1973: O ano que vivemos sem perigo O ano de 73 foi marcado pelo lançamento de álbuns brilhantes, que marcaram para sempre a música brasileira Por Dani Da Gama

1973: No ano da crise do petróleo, o brasilei- joada enquanto um capixaba tímido bota seu bloco ro usava boca de sino, venerava Darlene Glória e Fittipaldi, e Médici governava o país. O público se ligava na primeira novela a cores, e se escandalizava com Maria Schneider dançando um último tango e com a velha nudez castigada de Nelson Rodrigues. O Rio de Janeiro continuava lindo, e Odair José cantava “Pare de tomar a pílula”. Então surgem de sampa guitarras elétricas disparadas por performáticos jovens maquiados, um doce malandro carioca aparece no meio de uma fei-

na rua e o baiano Raulzito grita “Cuidado”!, sabese lá contra qual inimigo. Numa época de censura política, artistas moveram-se pela sinceridade poética e inovação instrumental com uma força criativa que hoje a censura – dessa vez estética – talvez não permitiria. Filhos da MPB, dos festivais e da Tropicália. A coisa só podia dar boa. Feliz ano velho.

Por Dani Da Gama

Krig-ha, Bandolo. Raul Seixas

Krig-ha, Bandolo! é emblemático. Absurdo. Eterno. Do repertório inventivo e singular de Raulzito, que até hoje é lembrado por uma legião de fãs que pedem – Toca Raul! –, algumas das mais famosas canções estão nesse álbum. De cara, surge afirmando sua vocação – a mosca que pousou na nossa sopa. Se gue embalando filosofias metafísicas, indo do ritmo gospell de “Dentadura Postiça” ao rockabilly de “Al Capone”. Dos clássicos, “Metamorfose Ambulante” e o folk “As Minas do Rei Salomão”. O disco encerra com “Ouro de Tolo”, longa poesia sobre melodia simples, considerada uma revolução na forma de cantar – quase uma conversa. Aliás, o álbum não podia terminar melhor, pois com sua crítica social não há como não refletir ou sentir-se parte de algo decadente. O disco não se cala, prosseguindo profético, usando humor, genialidade e a lucidez do maluco beleza.

Quero botar meu bloco na rua. Sérgio Sampaio A vida pode não se resumir a festivais, como Vandré denunciou. Mas o discurso bravo da faixa título de “Quero botar meu bloco na rua”, finalista da FIC de 72, pode resumir algumas vidas. A marcha corajosa acusava um desejo de grito em meio à repressão, mas até hoje serve como hino de movimento de cabeças encaracoladas de cucas maravilhosas. O álbum foi produzido pelo seu amigo Raul Seixas, e é vívido e poético como poucos. Do samba “Cala a Boca Zebedeu”, ao baixo melodicamente embalando a nostálgica “Eu sou aquele que disse”, e o rock icônico de “Viajei de Trem”. Em todas as canções do álbum as letras – pura poesia – conversam com finas melodias. Samba, Blues, Chorinho e Rock, arranjados com violão, baixo, e a voz de um gênio. Sem mais - obra prima.

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Secos e Molhados. Secos

e Molhados

A hora e a vez das guitarras, em uma experiência insólita que uniu teatro, música, folclore e um tanto de androginia. Ney Matogrosso e suas performances originais, as maquiagens e purpurinas, as poesias cantadas, o baixo arrasador de “Amor”. Para além dos hits óbvios – “Sangue Latino” e “O Vira” – as letras de “Assim Assado” em franca crítica social, a pergunta fatídica de “Mulher Barriguda” – haverá guerra ainda? – são ainda atuais. Momentos como a introdução extasiante de “Primavera nos Dentes”, o trabalho cuidadoso com os vocais, as bem feitas linhas de baixo, e os arranjos singulares tornam este álbum brilhante. Gravado em 15 dias, o álbum de um grupo meteórico conseguiu registrar canções que até hoje não deixam pedra sobre predra.

Pérola Negra. Luíz Melo-

dia

Carioca do Estácio, filho de sambista, poeta e romântico ao tutano. Luiz Melodia é uma voz marcante e compositor primoroso. “Pérola Negra” nos apresenta com fineza a voz e as composições deste sorridente sofredor. Sofre em “Farrapo Humano” – propondo um suicídio a caco de telha. Morre de amor em “Estácio holly Estácio”. Aciona guitarra em “Pra aquietar”. Ao lado da simplicidade das canções, o timbre potente e sofisticado de Melodia, que comete suas declarações de amor ao Estácio e ao amor. Do divertido “Forró de Janeiro”, segue para um sambinha em “Vale quanto Pesa” e o chorinho de “Estácio, eu e você”. Instrumentalmente impecável é a faixa-título, com metais e eterno romantismo. “Pérola Negra” é uma pérola, música nacional genuína do artista que leva Melodia por sobrenome.

UÓT?!| Abril de 2013

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