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Do preconceito à falta de representatividade
from O Berro 2020.2
Filmes e séries ainda seguem utilizando atores cis para interpretarem personagens transgêneros, legitimando esse roubo de identidade
Por: Lucas Holanda
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Você provavelmente não gostaria que os outros lhe interpretassem de forma equivocada, retirando seus principais traços e personalidade. Mas isso acaba acontecendo, de forma natural e pouco debatida pela sociedade, em filmes e séries famosas quando um ator ou atriz cis interpreta uma personagem trans nas telinhas. Já pensou nisso? 70% das pessoas não ligam se um ator cis interpretar um personagem trans ou gay em um filme ou série. O dado é originado de uma pesquisa de 2018 feita na Inglaterra.
Preconceito que vem de séculos
O estudante de teatro no Recife, Matheus Ferreyra, trans não-binário e artista e publicitário, afirma que o espaço é um local importante para o debate sobre a questão do ‘transfake’, que seria o fato de atores e atrizes cis interpretarem personagens trans nos filmes e séries. Além disso, ele explica como esse preconceito com cenas LGBTQIA+ vem desde o século 19. “Essas cenas começaram de forma extremamente marginalizada e caricata. A imagem desse LGBT vem de forma cômica, que é o que a gente mais vê por aí. Os que falam sobre morte, vida e outros temas não têm visibilidade dentro da cena teatral e artística no geral.”, explicou.
Não há necessidade do transfake
Atores e atrizes trans têm grandes talentos para assumirem qualquer papel. E a arte, inclusive, tem um papel fundamental para que a sociedade consiga despertar algumas reflexões. O Movimento Nacional de Artistas Trans (MONART) é um grande aliado para que essa mudança aconteça. Além disso, claro, a consciência de pessoas héteros que se dizem aliadas para seguirem praticando o discurso e ajudando a combater a transfobia.
“O MONART sugere 30 anos sem a prática de transfake e eu acredito nisso. Vejo que as pessoas cis que se dizem aliadas precisam tirar isso da teoria e colocar na prática. Contratar pessoas trans e travestis para interpretarem os mais diversos papéis, além de investir em nossa formação técnica e acreditarem nas nossas potencialidades em todos os âmbitos”, finalizou Elke.
Trans precisam de oportunidades e protagonismo
Não há como uma pessoa cis representar um trans na arte ou em qualquer lugar. Existem realidades e contextos que cada um vive no dia a dia que não podem ser ignorados, como detalha Elke Falcão. “Vejo como a reiteração de um padrão excludente ao qual nós pessoas travestis e transexuais estamos submetidas. É transfóbica a ideia de
Imagine como uma atriz trans deve se sentir vendo um hétero interpretar um papel que poderia ser seu? Para Elke Falconiere, travesti e atriz graduada em teatro pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a sensação é de uma exclusão que dói bastante.
“Tenho a sensação de ser excluída de um espaço que deveria ser meu. Me sinto roubada. Penso em quantas atrizes e atores trans não perdem a oportunidade de trabalharem, de desenvolverem suas potencialidades artísticas, de conseguirem chegar a outros lugares além daqueles que, socialmente, historicamente e culturalmente somos empurrados.”, explicou Elke.
Sophia William, mulher trans e multiartista, traz um ponto fundamental para essa discussão: a interpretação de atores cis em personagens trans fundamenta um discurso preconceituoso da sociedade. “É bastante triste ver a arte colaborando com isso. Ver a arte não incluir todos os corpos. Reproduz o discurso preconceituoso da sociedade de que nós, sobretudo mulheres trans, são homens vestidos de mulheres, coisas que não somos”, explicou.
Sophia ainda revela que ela e outras pessoas trans já fizeram algumas reclamações, mas são criticadas e escutam que Sophia e os outros queriam tirar a liberdade do ator de interpretar o que ele quisesse. “O que a gente quer é que produtores, artistas e a sociedade nos vejam com outros olhos, como realmente nós somos, e não com uma visão criada por uma sociedade heteronormativa. Somos interpretadas de forma promíscua e não falam da nossa dura realidade: de solidão, não afetiva e de ser rejeitada pela sociedade. Apenas glamourizam a nossa dor”, explicou Sophia.
Representatividade para mudar o cenário Transfake nos filmes e séries
A representatividade é o ponto chave para essa virada de chave nos filmes e séries. Existem pessoas trans capazes de assumirem papéis de protagonistas nestas produções e cabe aos produtores oferecerem oportunidade para eles. Na obra Alice Júnior, a personagem trans é interpretada por Anne Mota, mulher trans. A produção foi altamente elogiada por não ter algum ator cis interpretando a personagem. “Essas pessoas precisam estar inseridas nos palcos como pessoas importantes e que façam a diferença na dramaturgia. E não apenas mais uma”, afirmou Matheus.
um homem cis nos interpretando, pois se considera que uma travesti ou mulher trans é um homem vestido de mulher. Ser travesti é algo que marca meu corpo”, afirmou a atriz.
LA CASA DE PAPEL (2020) Na 4ª temporada de “La Casa de Papel”, uma nova personagem chamada Manila surge na série. Na obra, ela é uma personagem trans. No entanto, a atriz que interpreta, que se chama Bela Cuesta, não é trans.
A GAROTA DINAMARQUESA (2016) O ator cis Eddie Redmayne interpreta a personagem trans Lili Elbe. Ele , aliás, ganhou prêmios por conta do papel. No entanto a obra, que também foi premiada, recebeu críticas por esse roubo de identidade.
MENINOS NÃO CHORAM (2000) A atriz Hilary Swank interpreta o homem trans Brandon Teena, que foi estuprado e morto de forma brutal em 1993, num caso que chocou os Estados Unidos. Hilary, aliás, ganhou o Oscar de melhor atriz com a interpretação, mas disse anos depois que seria melhor que um ator trans estivesse em seu lugar.
Será o fim da hegemonia cultural dos EUA entre o público jovem?
Por: Ana Carolina Pinto
Consumo de conteúdos culturais por parte dos jovens ainda é dominado por produções norte-americanas, mas conteúdos de outros países têm ganhado destaque.
Hegemonia Norte Americana
De acordo com a Repórter especial da revista Continente e colunista do site, Débora Nascimento, o que mais pesa para que o cenário cultural ainda seja hegemonizado pelos Estados Unidos, é a questão financeira.“Na lista dos dez artistas que mais ganharam dinheiro em 2019 há oito norte-americanos, Taylor Swift, Kanye West, Eagles, Beyoncé, Jay-Z, Drake, P Diddy, Metallica. Então, podemos supor que o mercado ainda é dominado por eles no sentido do lucro comercial.”, afirmou.
Representatividade
Quem sempre consumiu e deu mais espaço, estando mais abertos e se conectando com diferentes tipos de conteúdo, foi o público jovem. Principalmente os adolescentes que sempre procuram em produtos culturais algo que os faça se sentir representados e promova um sentimento de pertencimento.
“Os jovens sempre tiveram muita dificuldade de se verem representadas na mídia mainstream porque tudo sempre foi muito pautado no que dava audiência no que era padrão.” contou Angela. Hoje, questões como a orientação sexual são abordadas com mais facilidade. Diferentes etnias, raças sendo mostradas nos conteúdos culturais são aceitas.
“Artistas LGBTQIA+, negros, latinos têm conquistado mais espaço para divulgar seus trabalhos e para encontrar seus públicos. A divulgação dessas temáticas antes acontecia de uma maneira mais velada e discreta. Nem mesmo artistas abertamente gays, como Freddie Mercury ou Bob Mould, explicitaram sua sexualidade nas letras de suas músicas. Mas atualmente é feito mais aberta e maciçamente.” relatou.

O fenômeno da internet
De acordo com uma pesquisa realizada pelo network de firmas independentes, PwC, que analisou o comportamento de jovens entre oito e dezoito anos, quanto mais vão crescendo e se tornando adolescentes, eles consomem mais formas de entretenimento. Segundo a pesquisa a média de consumo desse público é de quinze horas semanais. “O acesso facilitado a esses produtos é fundamental para que isso ocorra. Algumas décadas atrás, havia uma grande dificuldade para se ter contato com a cultura de outros países.” explicou Débora. Outra questão é a facilidade com que qualquer pessoa pode se mostrar online. Isso acaba gerando um certo tipo de interação e troca muito grande entre os jovens.
Há alguns anos atrás não existiam outras opções, o que estava passando no rádio ou na televisão era o que tinha para ser consumido, não existia o poder de escolha. Segundo Angela existe também o fato de que atualmente muitos conteúdos são feitos por pessoas e não somente por empresas que ditam o que as pessoas vão consumir.
Serviços de streaming
Alguns streamings de músicas e filmes são grandes facilitadores também de conteúdos de diferentes origens. “O spotify ajuda nessa disseminação de músicas diferentes de outros países, pelo fato que não é preciso um grande investimento financeiro, pessoas podem colocar seus trabalhos lá sem gastar nada. Já a netflix, é um caso muito interessante, como o catálogo tem muitos filmes, séries de outros países algumas pessoas começam a enxergar esse conteúdo”
“Mas o acesso a produtos de outros países hoje é maior. Porém a maioria das músicas mais ouvidas ainda são em língua inglesa, e os artistas que mais vendem são norteamericanos. A maioria do acervo disponível (e mais popularizado) na Netflix é também norte-americano.” aponta Débora.
Fenômeno
Algumas produções que ganham cada vez mais espaço no coração dos adolescentes são de diversos países, são europeus, africanos, indianos, hispânicos. Mas um conteúdo que merece destaque é o asiático. O fenômeno do Kpop derivado da Coreia é um exemplo. “Eles cresceram muito por causa da internet, bombaram nas redes sociais com desafios de coreografias e com suas músicas. Os ídolos dessas bandas sempre foram muito produzidos para terem esse apelo com as pessoa mais jovens. Então sempre o sucesso está atrelado ao investimento, se existe dinheiro para investir para que esses produtos culturais consigam atingir audiências no mundo todo, ele vai chegar longe. Esse é o motivo pelo qual passamos muitos anos com a hegemonia econômica dos Estados Unidos, eles tinham mais dinheiro.” relatou Angela.
“No caso específico do Kpop, é bom lembrar que seu sucesso se deve, em grande parte, a ações de incentivo da divulgação da cultura sul-coreana pelo governo federal.” acrescentou Débora. Outro exemplo de grande sucesso no mundo são os animes e mangás derivados do Japão como contou a jornalista. “O mangá/anime é um fenômeno mundial, de uma linguagem própria, que cativa leitores e espectadores pela vastidão da produção.” concluiu.