
3 minute read
Fake news: sabia que o fenômeno atual não surgiu no século 21?
from O Berro 2020.2
Ilustração da suposta invasão extraterrestre na edição francesa do livro de H.G. Wells
Por: Paloma Almeida
Advertisement
As notícias falsas que se espalham rapidamente são, sem dúvida, um dos grandes problemas da sociedade atual. Com acesso amplo e fácil para criação e compartilhamento de informações que a internet trouxe, a tentativa de barrar as fake news se torna um trabalho duro e cansativo. Muito se fala sobre os danos que esse tipo de informação pode causar, mas pouco se sabe que esse problema não nasceu no século 21.
A União Soviética, comandada por Joseph Stalin, já fazia manipulação de imagens nos anos 30. Inimigos do governo ou funcionários que perderam a simpatia de Stalin simplesmente sumiram dos registros oficiais, inclusive das fotografias. Vários documentos oficiais soviéticos sofreram alterações para ocultar o ‘obscurantismo’ do regime e passar uma imagem próspera da URSS para a história.
Antes da era da comunicação em massa era fácil ficar impune. Várias atrocidades cometidas contra os judeus pelos alemães na Segunda Guerra foram desacreditadas por mentiras espalhadas na Primeira Guerra. Entre os anos de 1914 e 1918, durante os combates da Primeira Guerra, a Inglaterra disseminou boatos de que soldados alemães eram capazes de atos terríveis, fazendo com que, anos depois, o holocausto passasse despercebido por um bom tempo.
O ator e diretor Orson Welles elevou o nível do problema das notícias falsas em solo americano. No dia 30 de outubro de 1938, uma transmissão musical na rádio é interrompida com essa informação: “Explosão de gases em Marte direcionaram nuvens tóxicas para o planeta Terra”. O que seria uma encenação criada pelo jovem Welles, uma adaptação radiofônica do romance “A Guerra dos Mundos”, do escritor Herbert G. Wells, acabou deixando o país em um estado de horror. No dia seguinte à transmissão a histeria tinha se multiplicado.
Anos depois do ocorrido, o próprio Welles afirmou que o real motivo da sua peça radiofônica foi atacar a mídia, o rádio em especial. Na visão do diretor, a sociedade dependia demais de informações vindas de um alto falante, muitas vezes sem nenhum critério de confiabilidade.
O trote de Orson Welles ganhou uma proporção astronômica numa época em que a internet nem sonhava em nascer, e, mesmo que indiretamente, causou uma


Stálin em uma das fotos manipuladas. Foto: The David King Collection at Tate
tragédia anos depois. No dia 12 de fevereiro de 1949, no Equador, a rádio Quito transmitiu a peça, gerando um pânico em massa pela cidade. Quando a população descobriu não ser verdade, invadiu e apedrejou a estação de rádio, ateando fogo no prédio depois. Seis pessoas foram mortas no ataque.
Mas, não há nada que o Brasil não possa adaptar. O ano era 1971 e, para comemorar o aniversário da Rádio Difusora, em São Luís, no Maranhão, alguns locutores tiveram a ideia de adaptar mais uma vez a peça de Welles, porém, trazendo a história para a realidade maranhense. Ao contrário das reações internacionais, a população achou que o mundo estava acabando e correu para se proteger.
Trazendo exemplos mais recentes na história, temos duas eleições que chamaram grande atenção da mídia pela estratégia massiva de compartilhamento de mensagens falsas nas redes sociais. As eleições americanas de 2016, que elegeram Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, e a campanha eleitoral de Jair Messias Bolsonaro, eleito presidente brasileiro em 2018.
Assim como Trump, Bolsonaro preferiu as redes sociais, principalmente o Twitter, para enviar provocações aos adversários e usar contas falsas (os famosos bots) para compartilhar informações duvidosas e de fácil contestação através de seus seguidores.
As táticas utilizadas no início do século 20 ainda estão aqui, porém são disseminadas com muito mais rapidez, atingindo um número muito maior de pessoas. O ‘kit gay’, uma cartilha que seria distribuída para as crianças, foi o termo mais procurado em 2018 segundo o Google Trends. Bolsonaro, seus filhos e apoiadores disseminaram o boato, que ganhou força em páginas evangélicas e grupos de whatsapp. A cartilha, que na verdade seria um kit para promover igualdade de gênero nas escolas, teve seu conteúdo totalmente subvertido durante a reta final da campanha do atual presidente do país.

O Imparcial
Em uma entrevista dada ao portal G1, Manoel José Pereira dos Santos, responsável pelos efeitos sonoros da rádio na época, disse que não sabia o alcance e o poder que tinha em mãos. “Não tínhamos o que fazer, foi uma brincadeira”, relembrou ele. A história ocupou a primeira página do jornal ‘O Imparcial’.