Edição 02 | Abril de 2011

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jornal laboratório do curso de jornalismo da ufpr - edição 02 | abril de 2011

Conflito de prioridades UFPR fará réplica de Belo Monte sem ter discutido impactos da obra

Sociedade

Cultura

Esportes

Estado assume responsabilidade da educação especial sem garantir condições nas escolas

Mercado editorial de Curitiba não tem força para projetar novos autores

Jogadores profissionais de sinuca mostram que o jogo é mais que entretenimento

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opinião

editorial Brasil, uma democracia ilusória

errata Esclarecemos que, na edição de setembro de 2010 do Jornal Comunicação, uma foto de um colaborador do Grupo PoliService ilustrou a matéria “Vigilantes da UFPR se excedem no cumprimento de atividades”. O Grupo, todavia, iniciou sua prestação de serviços na Universidade Federal do Paraná no dia 31 de julho de 2010 e, portanto, isenta-se do incidente citado na notícia referente ao episódio ocorrido entre um vigilante e um estudante em 2005.

sociedade

Educação especial ainda falha

Número de transplantes cai no Paraná Recusa das famílias em doar órgãos de parentes falecidos ainda é o maior problema na coleta para as operações Lucas Lupatini

O ano de 2010 terminou com uma boa notícia para o Brasil: o número de transplantes aumentou. Segundo dados do Ministério da Saúde, foram 21.040 transplantes, um aumento de pouco mais de 5% em relação ao ano anterior. No Paraná, porém, apesar de um aumento gradativo ao longo dos últimos dez anos, 2010 apresentou uma queda de 10% no número de operações em relação a 2009. A diretora da Secretaria de Saúde do Paraná (Sesa-PR), Schirley Batista Nascimento, explica que a manutenção do número de transplantes está vinculada à continuidade das campanhas de estímulo à doação. “Na última década foram feitas várias ações para promover a doação de órgãos e tecidos, como campanhas de conscientização, eventos, palestras em escolas e faculdades, até treino de equipes médicas. Isso fez o número de transplantes crescer”, conta. Porém, quando essas ações param, o número de doações volta a cair, o que seria uma das causas para a redução do número de transplantes no Paraná. A coordenadora acredita que falta, aqui, criar e fixar a cultura da doação. A médica responsável pelos transplantes de rim do Hospital Pequeno Príncipe, Mariana Munhoz da Cunha, revela que a redução no número de operações também pode estar ligada a

outras causas além da falta de campanhas, como a precariedade das condições oferecidas a grupos designados a percorrer hospitais em busca de doadores em potencial. “Em Santa Catarina, por exemplo, são realizados mais transplantes do que no Paraná, porque eles têm um sistema de captação de órgãos melhor que o nosso”. O hospital, que realizou 174 transplantes em 2010, está montando uma unidade de transplante de medula óssea. As obras devem ser concluídas até o fim deste ano, possibilitando ao hospital atender a um número ainda maior de pacientes que estão na fila de espera. Dos 1.410 transplantes realizados no Paraná em 2010, 80% tiveram um receptor paranaense, segundo dados da Sesa. Entretanto, ainda há mais de três mil pessoas que aguardam por um transplante no estado. Mariana diz que é difícil saber exatamente quanto tempo um paciente tem que esperar por um órgão, pois existem vários fatores a serem analisados quando se trata de uma operação como essa. “A espera varia de acordo com a necessidade do paciente e a gravidade do caso. Além disso, é preciso avaliar, entre outros fatores, a compatibilidade de tipo sanguíneo, se não há nenhuma doença presente no órgão doado e se o tamanho e o peso do órgão são adequados ao receptor”, exemplifica.

Revertendo o panorama Entre as ações para fazer o número de transplantes voltar a crescer no estado, está a criação das Comissões de Procura de Órgãos e Tecidos (Copots). Ativas desde dezembro do ano passado, elas buscam por doadores em potencial nos hospitais que têm UTI e serviço de atendimento de urgência.

na inclusão de estudantes com deficiência Paraná adota uma inclusão cautelosa, mas legislação e instituições não dão conta das necessidades

“Essas comissões vão atrás de possíveis doadores nos hospitais, e tem o papel de convencer as famílias de pacientes diagnosticados com morte cerebral a doar os órgãos do ente perdido”, explica a coordenadora da Central Estadual de Transplantes da Sesa, Arlene Badoch. A recusa das famílias em doar os órgãos de parentes falecidos ainda é o maior obstáculo na captação. “Apesar de ter caído em 2010, a taxa de 32% de recusa é muito alta. Se as famílias liberassem essas doações, muito mais pacientes poderiam receber um transplante”. As Copots, que ainda estão em fase final de implantação em algumas regiões, já estão em plena atividade nas cidades de Maringá, Londrina e Cascavel. Já para Curitiba e região metropolitana, ainda não há previsão de funcionamento. Arlene acredita que isso não é motivo para preocupação, pois a capital já é a cidade do estado com maior número de doadores por milhão de habitantes. O maior problema é nas cidades do interior, onde os números ainda são pequenos. Apesar de tudo, o Paraná ainda é referência em transplantes em escala nacional, junto a estados como São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A coordenadora ressalta que essa projeção poderia ser ainda maior se a doação de órgãos fosse desmistificada. “As pessoas acham que doar órgãos é muito difícil, ou que tem que assinar papelada, mas não é assim. No caso de doação após a morte, basta que o paciente manifeste ainda em vida esse desejo. E órgãos como rim e fígado, além da medula óssea, podem ser doados por pessoas vivas sem nenhum prejuízo para o doador”, esclarece:::

Judy Velasquez

Aurea Gasparin é mãe de Ricardo, 28 anos, que tem paralisia cerebral distônica. Seu filho estudou durante dez anos numa escola para crianças com necessidades especiais e, tendo que superar muitas dificuldades, concluiu até a oitava série do ensino fundamental. Aurea, porém, confessa que preferia que o filho tivesse estudado numa escola de ensino regular e não em uma especializada. “Matriculamos o Ricardo na escola justamente pela convivência, mas na verdade ele só conviveu com crianças especiais como ele”, afirma. “Pra mim, mesmo que aprendesse menos na escola regular, ele estaria mais preparado para o convívio social”. Apesar do desejo de inclusão social, a opinião de Aurea não é unanimidade. Para a diretora do Cedae, uma escola especial de Educação Infantil mantida pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Curitiba, Rosane Furtado Mazepa, quando se trata de inserir um aluno especial no contexto da escola normal o assunto é mais delicado. “Não é em todos os casos que a inclusão é favorável. Depende do potencial que a criança apresenta”, explica a diretora. A coordenadora do setor de Letras/Libras da Universidade Federal do Paraná, Sueli Fernandes, também alerta para o perigo de generalizar os casos de educação especial. “Há casos e casos, não se pode criar um lócus único de atendimento. Existem crianças que necessitam de apoio intenso e contínuo, que ainda não são ofertados no ensino regular”, diz.

expediente O Comunicação é um jornal laboratório produzido por alunos do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná, nas disciplinas Laboratório de Jornalismo Impresso e Produção e Edição II. Professor Orientador: Toni Andre Scharlau Vieira. (jornalista responsável – RP/MT 6680 - RS) Editora-Chefe: Carolina Goetten Secretaria de Redação (impresso): Helen Anacleto, Phillipe Trindade e Rafael Neves Secretaria de Redação (on-line): Ana Claudia Cichon, Dalane Santos e Vivian Faria Chefe de Reportagem: Professora Rosângela Stringari Editores: Comportamento: Olívia Baldissera e Alan Pazian. Cultura: Luiza Barreto e Maria Eduarda Simonard. Esportes: Bruno Baggio e Nílton Kleina. Política: Bruno Zermiani e Guilherme Sobota. Sociedade: Jéssica Maes e Maria Eduarda Lass. UFPR: Allexandra Monteiro, Cássia Marocki e Juliana Blume. Tubo de Ensaio: Jéssica Maes e Luiza Barreto. Fotografia: Débora Mülbeier, Mariana Cruz, Marina Feldman

Mariana Cruz

Endereço: Rua Bom Jesus, 650 – Juvevê – Curitiba-PR Telefone: (41) 3313-2017 E-mail: jornalcomunicacao@ufpr.br Site: www.jornalcomunicacao.ufpr.br Tiragem: 3 mil exemplares Impressão: Imprensa Universitária da UFPR

Em 2010, número de transplantes realizados no Paraná sofreu queda de 10% em relação a 2009

Débora Lorusso

Capa: Marcelo Salazar/ISA, Verena Glass/Xingu Vivo Para Sempre e Bruno Abreu Projeto Gráfico: Juliana Karpinski Diagramação: Luan Galani Diretor de Arte: Piercarlo Melatti Relações Públicas e Divulgação: Luísa Bonin, Luciana Fonseca e Fernanda Passoni

Dever do Estado A Educação Especial é contemplada como um dever do Estado desde 1996, através da Lei de Diretrizes Nacionais para a Educação. Em 2008, um decreto lançou a política de Educação Inclusiva e criou o Atendimento Educacional Especializado (AEE), um conjunto de atividades pedagógicas e didáticas que funcionam como complemento da educação comum. O decreto determina que as crianças com necessidades especiais sejam matriculadas nas classes comuns do ensino público regular, para estimular o convívio social, recebendo nessas instituições o AEE. A política de inclusão estabelece também a criação de salas de recursos multifuncionais e a adequação das estruturas para acessibilidade dos deficientes físicos. No entanto, o incentivo à inclusão dos alunos com necessidades especiais no ensino regular foi encarada de forma negativa por parte das escolas especializadas como as Apaes, de iniciativa privada com fins filantrópicos, que passaram a ser complementares e não mais substitutivas do ensino regular. A situação gerou muita polêmica no país, pois, já que seriam destituídas de sua função original, algumas escolas e instituições especializadas poderiam ser fechadas. No entanto, segundo a Federação Nacional das Apaes, por enquanto nenhuma escola especializada foi fechada em função da nova legislação.

Incluir, mas sem excluir as instituições especializadas Ao contrário de outros estados, o Paraná não adotou a política da inclusão total e imediata. A Secretaria de Educação do Paraná informou que, atualmente, está tramitando no governo do estado um processo que propõe transformar as escolas de educação especial em escolas de educação básica na modalidade especial. Para isso, a metodologia e os processos administrativos das escolas especiais vão sofrer

mudanças e elas passarão a ter um papel complementar à educação regular. Essa modificação de categoria é uma tática para que essas escolas, uma vez adaptadas, possam atuar como um apoio secundário à criança especial. “As escolas especializadas permanecem, mas serão formalizadas”, diz Rosane, a diretora do Cedae. De acordo com ela, o governo do estado mantém convênios com as Apaes e ainda oferece subsídios a outras organizações de direitos dos deficientes. A Apae de Curitiba mantém cinco escolas especiais, que atendem gratuitamente desde a educação básica até a educação profissional. Já atendendo ao processo de inclusão, o Cedae trabalha junto com as creches municipais, através da matrícula complementar.

Ensino público especial Mesmo com a manutenção das escolas especiais gratuitas mantidas por organizações como a Apae, a meta do governo é implantar salas de recursos e salas multifuncionais, como definidas pelo MEC, nas escolas públicas do estado. O Colégio Estadual Segismundo Falarz, no Hauer, tem estrutura para fazer o Atendimento Educacional Especializado aos estudantes portadores de necessidades especiais. O espaço usado para esse atendimento é a sala de recurso multifuncional, onde computadores, livros didáticos em Braille, jogos de raciocínio e de lógica e outros materiais pedagógicos são usados para estimular o aprendizado de crianças nas mais diversas condições. Os alunos assistem às aulas normais da escola e, no contraturno, têm o acompanhamento da psicopedagoga Jussara Sant’ana de Melo. No período da manhã e da tarde são atendidas 18 crianças e adolescentes, que estão entre a 5ª série do Ensino Fundamental e o 3º ano do Ensino Médio. “Os alunos chegam aqui com baixa autoestima, então nós vamos trabalhando aos poucos, mostrando que eles são capazes”, explica Jussara. A professora ressalta que a preocupação maior é que o aluno apreenda o conteúdo, desobrigando-os de cumprir cronogramas. “Aqui não temos a cobrança do ensino regular. Não conseguiu hoje? Tentamos de novo amanhã”, diz. No entanto, esta não é a regra entre as escolas públicas de Curitiba. A professora Sueli Fernandes acredita que existem muitos problemas no serviço público de educação especial que ainda precisam ser resolvidos. Segundo ela, há uma carência de formação dos professores. Faltam também políticas intersetoriais que liguem a educação à saúde e a outros aspectos da vida da criança com necessidades especiais. “Queremos a inclusão responsável e não uma inclusão excludente. A inclusão total é possível, sim, mas não será uma imposição vertical que vai torná-la realidade”, atesta a professora da UFPR:::

Débora Lorusso

O apoio da Universidade Federal do Paraná à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte reflete a natureza unilateral das decisões tomadas nas câmaras secretas da alta cúpula universitária. Numa perspectiva mais ampla, analisando a construção da usina e o apoio do próprio governo, Belo Monte foi um projeto apresentado, debatido e aprovado sem qualquer participação popular. Insistir em modelos antiquados de progresso, que inviabilizam um equilíbrio entre sustentabilidade e crescimento econômico, contrapõe a política de desenvolvimento sustentável defendida pelo governo federal. A obra é avaliada em R$20 milhões e esse valor poderia ser investido em fontes alternativas, como energia solar, eólica e biomassa, com impacto ambiental quase inexpressivo em relação à hidroeletricidade. Nenhum dos manifestantes é contra o desenvolvimento – nem mesmo os ambientalistas mais radicais. Apoiamos o crescimento e achamos confortável viver no século 21, com interruptores eficazes e geradores de energia que funcionam sem cessar. Mas o projeto de Belo Monte suprime direitos humanos, desrespeita e desvaloriza os povos indígenas e populações tradicionais da Amazônia e se constrói em torno de um capitalismo intolerante, obcecado por lucro. É inaceitável que, mesmo após o relatório de impactos apurado pelo Ibama, que comprovou as consequências da instalação da usina, esse projeto continue. Num país construído como Estado Democrático de Direito, os povos indígenas ainda não têm voz; ativistas e ambientalistas são calados por quem detém o poder econômico e para quem pouco interessa os impactos ambientais ou os direitos humanos, desde que a obra renda lucro. O projeto de Belo Monte é uma afronta ao desenvolvimento sustentável e, junto à proposta de renovar e amaciar o novo código florestal, caracteriza um retrocesso na política ambiental brasileira. Esses novos planos de desenvolvimento comandados pela bancada ruralista, por grandes empreiteiras e pelos donos do poder sufocam direitos humanos como um rolo compressor. O Brasil não será um país de todos enquanto os projetos de desenvolvimento não forem efetivamente debatidos em âmbito coletivo. Levar em conta todos os impactos e considerar as conjunturas de maneira homogênea é primordial para desconstruir o país de poucos.

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Aurea e seu filho, Ricardo. “Na escola regular, ele estaria mais preparado para o convívio social”, diz a mãe

Desconstruindo o mito do superdotado Crianças superdotadas também estão incluídas nas políticas da Educação Especial. E elas vivem cercadas de mitos: um deles é o de que tiram nota dez em tudo. A pedagoga especialista em superdotação, Mônica Condessa, explica que isso nem sempre acontece. “Muitas vezes, a criança superdotada tem muita dificuldade de se adaptar à escola regular. Existem alunos com altas habilidades na área lógico-matemática, por exemplo, que reprovam em matemática na escola”, conta. Segundo Mônica, há uma grande chance de que o tempo na escola regular acabe se tornando um tempo perdido para a criança. “O superdotado acaba

se dispersando em aula, porque aquele assunto ele já sabe. O importante é enriquecer o conteúdo para ele”, afirma. Outro mito que se constrói em torno da criança superdotada é que ela gosta de ficar sozinha. A psicopedagoga ressalta que o superdotado não tem as mesmas conversas e brincadeiras que os colegas da mesma idade, mas que ele tem necessidade de se socializar tanto quanto outras crianças. Apesar de a Lei prever também a inclusão escolar dos superdotados, o Instituto de Educação do Paraná é o único colégio público de Curitiba que recebe crianças com esse perfil:::

O que é a Educação Especial? Educação especial é o ensino voltado para atender crianças e adolescentes com necessidades especiais divididas em três categorias: • Deficiências intelectuais, físicas e sensoriais; • Transtornos globais de desenvolvimento, que alteram o desenvolvimento neuropsicomotor, como autismo e síndrome de Rett; • Altas habilidades/superdotação, que elevam o potencial no aspecto acadêmico, artístico ou motor.


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cultura

política

Políticas públicas tentam reverter o quadro de abandono aos moradores de rua em Curitiba

Curitiba busca seu espaço no mercado editorial Apesar de abrigar escritores de destaque nacional, capital paranaense tem dificuldade em projetar novos autores

Marina Feldman

André Martins

Em atividade desde 2007, o Centro de Convivência abriu a primeira turma de escolarização há apenas um ano. Desde então, a instituição encaminhou 18 pessoas para cursos profissionalizantes e 12 foram inseridas no mercado de trabalho. Os passos dados em rumo à educação ainda são curtos, e os resultados, restritos. “Dos 12 alunos da primeira turma de EJA, apenas um conseguiu certificação de 4ª série. Outra aluna chegou a fazer os testes, mas ficou ‘retida’”, relata a vice-diretora do Centro, Cynthia Etsuko Takahashi Lima. Além destes programas, o Centro já desenvolveu atividades complementares, como jogos lúdicos, documentários, videoteca e futebol, procurando oferecer programas de lazer aos moradores, além da tentativa de ajudá-los a sair das ruas.

Mostrando a cara As políticas implementadas pelo município de Curitiba se mostram insuficientes em relação à gravidade do problema. Além da pouca abrangência do serviço de escolarização, a estrutura para acolher os moradores em situação de rua é consideravelmente menor do que o número de pessoas que se encontram na condição. Segundo informações da própria FAS, o albergue municipal comporta aproximadamente 250 leitos, o que atenderia 9% da população de rua municipal. O Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) trabalha para que sejam efetivadas as políticas públicas para a reinserção social dos moradores de rua. De acordo com o coordenador do MNPR no Paraná, Leonildo

Monteiro Filho, essas ações devem contemplar o acesso à saúde, à educação, à moradia e ao emprego. “Estes são os únicos caminhos que levam à saída da rua”, defende Monteiro. “Meu trabalho hoje é cobrar para que seja afirmada a Política Nacional, que atende aquilo que o morador de rua precisa.” Hoje, o MNPR atua através de uma parceria com o Ministério Público do Estado do Paraná (MP), por intermédio do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça dos Direitos Constitucionais. Este apoio possibilita a infraestrutura básica para a realização de atividades como o atendimento aos moradores e reuniões semanais, além de garantir maior visibilidade às ações do grupo. Monteiro, ele próprio ex-morador de rua, conta que a melhoria do serviço público para a população em situação de rua aconteceu depois que a mídia começou a abordar o assunto. “De dois anos pra cá, quando começamos os nossos fóruns, seminários e fomos para os meios de comunicação, a visibilidade expôs a verdadeira situação do município e eles foram obrigados a melhorar várias coisas”, aponta. Sobre as ações do Centro de Convivência, o coordenador se mostra confiante nas atividades futuras. “Eles estavam num momento errado, mas agora, com a criação do estatuto, que será avaliado pelo MP, vão ser oferecidos mais cursos e oficinas”, opina. Atualmente, além dos eventos realizados para debater e explicar à população de rua sobre seus direitos, o MNPR conta com a publicação do periódico mensal “A Laje”. Produzido pelos membros do movimento, com a ajuda do Núcleo de Comunicação e Educação Popular (NCEP) do curso de Comunicação Social da UFPR,

o jornal tem ajudado o grupo na divulgação de suas ações e a denunciar algumas das práticas do Poder Público.

Esperança, apesar da burocracia O morador de rua Vilmar Rodrigues, 42 anos, vive há 17 nessa situação. Atualmente, ele utiliza o albergue, o que não acontecia há algum tempo. “Depois que começou a melhorar o atendimento por lá, eu comecei a frequentar. Isso faz uns dois anos”, relata. Ele está prestes a sair da situação de rua, mas critica a maneira como são conduzidos os procedimentos da casa. Segundo Rodrigues, a demora para obter acesso e, posteriormente, para deixar o

albergue, prejudica aqueles que estão em busca de emprego. “Se você marca uma entrevista, tem que cumprir o horário. Agora, com aquela burocracia, automaticamente você já se atrasa. Queremos sair daquela situação, mas o sistema não ajuda”, disse. Rodrigues saiu da rua duas vezes, mas voltou, segundo ele, por falta de apoio. “Fala-se muito hoje em inclusão social, reinserção. Mas ainda não tem um lugar pra gente”, reclamou. Para ele, que conseguiu um emprego de jardineiro, esta saída vai ser definitiva. “Me preparei bastante para esse momento. Quero poder dar um bom exemplo. Outros moradores vão pensar: ‘Se o cara conseguiu, eu também consigo’”, acredita:::

Distantes dos grandes centros literários, localizados em São Paulo e Rio de Janeiro, escritores curitibanos têm que buscar alternativas para se consolidar no mercado editorial

vos autores conseguem fazer a sua divulgação em eventos como a Feira do Livro de Porto Alegre. Tizzot concorda que a imprensa tem papel fundamental no lançamento de um novo autor, mas defende os jornalistas. “Uma grande redação recebe dezenas de livros por dia e é humanamente impossível ler todos”, reconhece. Para ele, é importante que a editora se preocupe em fazer um material com uma capa atrativa, para se destacar em meio a livros de autores conhecidos:::

Quer ver seu trabalho publicado? Existem alternativas Apesar de todas as barreiras aos novos escritores, não é impossível divulgar um trabalho e, pouco a pouco, ficar conhecido. Uma das alternativas para quem quer se lançar no mercado é fazer uma publicação como a de Bernadete Michelato e correr atrás de pessoas que tenham interesse em comprar o material. Já que veículos grandes não têm tempo de analisar o livro, vale enviar a publicação para sites e blogs de Curitiba, que recebem menos materiais para analisar. Além disso, é possível enviar textos para sites literários como o Recanto das Letras, que têm um grande número de acessos por leitores interessados no assunto.

galeria

Comida para a alma Débora Lorusso e Mariana Cruz

Disposição, cuidado e um significado levam um grupo de voluntários a distribuir mais de 200 refeições a catadores de papel e pessoas em situação de rua todas as sextas feiras no centro de Curitiba. O projeto da Comunidade Alcance já possui 2 anos e meio de existência e já distribuiu mais de 14.000 refeições. O grupo busca não só saciar a fome, mas alimentar a alma. Mais do que comida, o que se vê é amor, abraços, compartilhamento de histórias, criação de vínculos, ajuda e acompanhamento. O sopão acontece todas as sextas-feiras a partir das 20h, na esquina das ruas Conselheiro Laurindo e Engenheiro Rebouças:::

Marina Feldman

Aproximadamente 2.770 pessoas vivem nas ruas de Curitiba, número que representa 0,15% da população da capital. Apesar de aparentemente irrisório, o índice coloca a cidade em segundo lugar na taxa de desabrigados em relação ao total da população. Os dados são de uma pesquisa realizada em 71 cidades (48 municípios e 23 capitais) em 2007 e 2008, através de uma parceria do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Desde 2009, há uma Política Nacional para a População em Situação de Rua. Instituídas pelo decreto nº 7.053/09, as diretrizes contemplam as ações que devem ser desenvolvidas pelos municípios brasileiros em relação aos moradores de rua. Em Curitiba, a Fundação de Ação Social (FAS) é o órgão responsável pela implementação de ações para a população em situação de rua. Através da Central de Resgate Social, unidade de atendimento da FAS, são oferecidos serviços de albergagem, alimentação, exames de saúde e acesso à obtenção de documentos. Além disso, a Rede Solidária para o Morador de Rua objetiva a reintegração social dos cidadãos nessa situação. O principal projeto da Rede Solidária é o Centro de Convivência João Durvalino Borba, que oferece oficinas socioeducativas e escolarização através do programa de Educação para Jovens e Adultos (EJA).

Escolarização e inserção no mercado de trabalho

da” afirma Tizzot. Para ele, não faz sentido colocar nas prateleiras um material pouco conhecido, que só vai ocupar espaço e não trazer lucro. “Esses livros iriam competir com gigantes de São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo. Na dúvida, o leitor vai escolher uma publicação de uma editora tradicional e com publicações Laís Graf conhecidas”, analisa o editor. Curitiba tem um grande número O Jornal Rascunho, que existe há de pequenas empresas que se dis11 anos e chega à sua 132ª edição, é põem a editar o livro, mas que não produzido em Curitiba. Conceitua- se comprometem com a divulgação do nas informações sobre a literatura e distribuição. A escritora Bernadete no Brasil, o veículo marca uma con- de Lourdes Michelato editou seu tratradição: enquanto o mais importan- balho com um desses grupos, mas os te jornal literário do país é produzido buscou no Rio de Janeiro. “Procurei na capital, os escritores daqui têm di- editoras aqui em Curitiba, só que elas ficuldade para ganhar espaço e mos- eram mais caras. Como eu mesma estava financiando o material, resoltrar seu trabalho. Segundo o editor da revista Arte vi procurar um serviço mais barato”, & Letra, Thiago Tizzot, apesar do conta. crescente número de editoras pelo A imprensa na divulgação país, dificilmente um curitibano vê seu material nas prateleiras das livraPorto Alegre é um exemplo de rias. Ele conta que é preciso seguir um longo caminho. “Apesar de as cidade em que o público consome lojas ficarem próximas da gente, às cultura local, principalmente a livezes na mesma rua, normalmente terária. Segundo a editora gaúcha os escritórios estão em São Paulo”, Luciana Thomé, uma das grandes responsáveis pelo consumo de liexpõe. Para que as obras cheguem até as teratura é a imprensa. “Na medida livrarias de grande porte, é necessário do possível, os jornais daqui tentam tempo e uma editora que realmente equilibrar e expor os lançamentos de se importe em enviar o material do autores locais”. Ela aponta que nomes escritor. “Rede de livraria é negócio, já reconhecidos, como Veríssimo e e eles estão preocupados com a ven- Scliar, ganham mais espaço, mas no-

Mariana Cruz

Atendimento nas casas de apoio melhorou nos últimos anos, mas burocracia e número insuficiente de abrigos ainda dificultam a vida dos desabrigados

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Pesquisa aponta que Curitiba tem o segundo maior índice de moradores de rua, entre 71 municípios. São mais de 2,7 mil desabrigados


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ufpr

comportamento

UFPR vai construir réplica da Usina de Belo Monte, do Pará Construção de modelo reduzido da usina na UFPR gera discussões sobre os impactos da obra Paulo Ferracioli

por certas áreas. O professor Fabiani garante, no entanto, que serão tomadas as medidas necessárias para garantir a permanência das comunidades nos seus locais originais. “Nenhuma aldeia indígena será retirada do local para a construção da usina”, garante. “Está incluso no projeto um estudo para criar secas e enchentes artificiais para imitar o ciclo regular das águas do rio que banham essas comunidades”. Os problemas culturais gerados pela chegada de pessoas estranhas na região também não ficam fora da pauta de discussões. O número de pessoas que chegam ao local para desenvolver os trabalhos é intenso e gera a construção de uma infraestrutura adequada para receber esses migrantes. Se por um lado isso estimula a economia da região, desenvolvendo serviços e o comércio, por outro alguns atritos culturais acabam surgindo, devido à diferença de costumes entre os habitantes nativos e aqueles que chegaram para trabalhar. “Isso ocorre em qualquer obra parecida com essa, não há como evitar”, acredita Fabiani. “Cabe ao governo implantar medidas que possibilitem um convívio pacífico entre todos”, defende.

Impacto para a população local

Ambientalistas da sociedade civil como um todo têm pressionado para que a usina não seja construída. A alteração do ecossistema provocada pelo alagamento de parte da floresta é vista com ressalvas e também dificulta o trabalho dos responsáveis pelas obras. “Nos dias de hoje, é mais fácil construir uma usina a carvão no meio do Rio de

Um aspecto levantado a partir da construção da usina diz respeito à situação dos índios nativos da região que habitam o local. Devido ao processo de alagamento necessário para as obras, o curso do rio será desviado, deixando de passar

Mudanças no ecossistema

Janeiro do que uma hidrelétrica em qualquer lugar”, reconhece o professor André Fabiani, responsável pela supervisão da construção do modelo reduzido. Ele acredita, porém, que as mudanças inevitáveis no ecossistema devem ser aproveitadas positivamente. O lago artificial que surgirá, por exemplo, pode servir para gerar renda para a população local, através de atividades como a pesca, abrigo de marinas e turismo. “É esse exatamente o propósito da nossa obra aqui na UFPR: recriar as condições do local e assim consertar as possíveis alterações que vierem a ocorrer”, defende Fabiani. Para evitar isolamento de espécies, foi proposta a construção de uma escada piscícola, que permitiria aos peixes subir o leito do rio e procriar como ocorria antes

Alunos do Terceirão apostam em trote diferente para descontrair Mesmo com a pressão do vestibular, alunos encontram tempo para diversão nas escolas de Curitiba

da chegada da usina. A destinação da energia gerada por Belo Monte é mais um ponto polêmico. As autoridades afirmam que é necessário arranjar outra forma de produção de energia em larga escala para evitar a dependência de Itaipu e de seu regime de chuva. “Quando há uma seca no Norte, há um período de chuvas no Sul e Sudeste, o que possibilita que sempre haja produção de energia”, explica Fabiani. Os alunos e ambientalistas que se opõem à obra argumentam que as empresas mineradoras serão as principais beneficiadas por essa nova energia. “Essa indústria [a mineração], por mais que traga recursos para o país, não fortalece o desenvolvimento da região amazônica”, contrapõe Boing:::

Amanda Ramos

Relatório de Impacto Ambiental O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) elaborou um estudo dos impactos ambientais, positivos e negativos, da Usina de Belo Monte. Confira alguns dos 32 pontos: • Perda de vegetação e de ambientes naturais com mudanças na fauna, causada pela instalação da infraestrutura de apoio e obras principais; • Aumento da população e da ocupação desordenada do solo; • Aumento das necessidades por mercadorias e serviços, da oferta de trabalho e maior movimentação da economia; • Danos ao patrimônio arqueológico; • Formação de poças, mudanças na qualidade das águas e criação de ambientes para mosquitos que transmitem doenças no trecho de vazão reduzida; • Alterações nas condições de acesso pelo Rio Xingu das comunidades Indígenas à Altamira, causadas pelas obras no Sítio Pimental; • Mudanças nas espécies de peixes e no tipo de pesca, causada pela formação dos reservatórios.

Leonardo F. Freitas

Lia Guedes

Entendendo o CEHPAR O Centro de Hidráulica e Hidrologia Parigot de Souza (CEHPAR) foi inaugurado em março de 1959 como um laboratório da UFPR. Em 2000, foi oficializado um acordo que prevê a atuação do órgão em parceria com a Copel e o Instituto de Desenvolvimento e Tecnologia (Lactec), uma instituição privada. Desde a sua fundação, o órgão já criou inúmeras representações de usinas hidrelétricas do Brasil e do mundo, como a Usina Hidrelétrica de Itaipu. Junto com os centros de pesquisa da USP e de FURNAS-RJ está entre os melhores laboratórios de hidráulica do país.

Áreas do Vale do Xingu, que ficarão submersas caso a usina de Belo Monte seja construída. Estudantes e ambientalistas contestam o apoio da UFPR, que não foi debatido coletivamente

Matemática, Física, Química, História, Geografia, Biologia, Português e Literatura são parte da rotina da maioria dos vestibulandos. Mas mesmo em meio à corrida para as provas das universidades, alunos de algumas escolas encontram tempo para a descontração. Em determinados dias, o uniforme é deixado no armário e os estudantes assistem às aulas caracterizados de acordo com um tema preestabelecido: vale arrumar o cabelo de um jeito inusitado, roubar a roupa do irmão mais velho ou emprestar aquele vestido rodado da mãe. Afinal, quando é Dia de Trote – como a data é carinhosamente chamada pelos estudantes – a única regra é a diversão. Essa não é tradição muito conhecida, principalmente em Curitiba, mas dois colégios particulares já aderiram à brincadeira. No Marista Santa Maria, os trotes acontecem às sextas-feiras, enquanto no Marista Paranaense, aos sábados. No Paranaense, o trote existe desde 2008, com o apoio da direção. “É um momento de descontração entre os alunos, que acontece nas turmas do Terceirão”, explica o coordenador pedagógico do colégio, Marco Antônio Boin. Todos os temas escolhidos são apresentados à coordenação, para que a imaginação fértil dos adolescentes não se transforme em exagero. Se alguma sugestão é vetada, as turmas logo chegam a um consenso e encontram uma alternativa. Os formandos de 2011 do Paranaense já organizaram o dia do pijama, dos emos, dos coloridos, do mendigo, do retrô e nem por isso ficaram sem ideias. Já está agendado o famoso “troca-troca”, em que os meninos se vestem de menina e as garotas

Marina Feldman

Belo Monte é uma pequena cidade do Pará que fica a 3.084 quilômetros de Curitiba. Nada em comum entre as duas localidades, não fosse o fato de que a usina hidrelétrica que deve ser construída por lá está sendo representada em uma maquete construída em pleno Centro Politécnico da UFPR. A discussão sobre a forma como a obra paraense será conduzida já alcançou a mídia internacional através da Organização dos Estados Americanos (OEA), e também está presente na Universidade. O processo de construção da miniusina começou em 2010, quando foi aberta licitação para arquitetar uma réplica em miniatura do projeto da Usina de Belo Monte. A UFPR, através do Centro de Hidráulica e Hidrologia Parigot de Souza (Cehpar) e do Instituto de Desenvolvimento e Tecnologia (Lactec), venceu a licitação e logo deu início à montagem da usina diminuída, que ocupará o espaço onde se localizavam outros 17 modelos – como a usina Ituango, em construção na Colômbia, e a Gibe 3, da Etiópia. Os estudos desse projeto, que é o maior do laboratório paranaense desde a construção do modelo de Itaipu, vão se prologar até maio de 2013, no mínimo. Assim que souberam do início das obras, alguns alunos já se opu-

seram à montagem da estrutura e propõem que a Universidade adote algumas medidas. “A UFPR deveria em primeiro lugar colocar em debate na comunidade acadêmica o papel dessa usina, antes de apoiar a construção”, argumenta o estudante de História, Alexandre Boing. Com a intenção de ampliar o debate entre os alunos, a Assembleia Nacional dos Estudantes Livre (Anel) está planejando reuniões e pretende entrar em contato com diversos Centros Acadêmicos. “É preciso envolver os alunos nessa questão que repercute dentro e fora da Universidade”, aponta o aluno de Geografia Marcos Vinicius da Silva, membro da Anel. A UFPR não pretende se envolver nas discussões de ordem política geradas pela obra. “Nossa responsabilidade é só com a parte técnica”, informa o professor Marcos Antonio Marino, diretor do Setor de Tecnologia. Os estudantes entendem, porém, que é impossível separar os argumentos políticos dos técnicos no debate. “A partir do momento em que a UFPR constrói um modelo como esse, ela está legitimando a construção da usina verdadeira e por isso é necessário pensar a obra por todos os ângulos possíveis”, contesta Boing.

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abril de 2011

No Dia do Trote, estudantes do Terceirão vão às aulas caracterizados. A brincadeira ajuda a descontrair e aliviar a pressão das provas do vestibular

viram garotos. Sugestões como dia da praia, do nerd e dos super heróis estão sendo cogitadas.

Sem divisões O último ano do Ensino Médio é um rito de passagem para todos os estudantes e, por isso, merece ser diferente. E o trote é uma maneira de tornar estes momentos ainda mais inesquecíveis. A integrante da comissão de formatura do Marista Paranaense, Letícia Dranka, conta que a escolha de um tema, a caracterização e a diversão aos sábados acabam unindo os alunos das diferentes turmas. No terceiro ano a divisão em tribos típica da escola diminui, e aquelas briguinhas por motivos fúteis se tornam mais raras. Em um dia temático é ainda mais difícil alguém conseguir determinar a que grupo cada um pertence. A maioria dos alunos se esforça na

Trote já é tradição Enquanto, em Curitiba, o trote do último ano ainda está conquistando seu espaço, já existem lugares em que ele está consolidado. Um exemplo é uma escola pública do Rio de Janeiro, o Colégio Pedro II, onde todo ano a nova turma de formandos já sabe que faz parte de seus deveres como veteranos criar peças para a escola toda. As brincadeiras acontecem em qualquer dia, com o apoio da direção – que auxilia os alunos a conseguirem os materiais necessários. “Os outros alunos não sabiam de nada. A gente escondia para fazer surpresa”, conta Isabel Britto, formanda do ano passado. Além do esperado Baile de Formatura, a festa à fantasia do Terceirão já é tradição entre os alunos do Pedro II.

produção do figurino, e mesmo quem não adere à fantasia acaba deixando o uniforme de lado e optando por uma roupa comum. “Geralmente quem não vem caracterizado é porque não vai participar da formatura. Mas tem gente que, mesmo não pagando pela festa, vem caracterizado. Faz parte da brincadeira”, explica Letícia. O trote ainda diminui a terrível maldição das aulas matutinas: o sono. “É uma motivação para vir aos sábados. Quando a gente chega aqui, parece que valeu a pena. E a turma fica mais acordada”, diz Letícia. Todos ficam curiosos para ver o que o amigo está vestindo e ansiosos para exibirem a produção, que pode levar horas para ficar pronta – algumas meninas acordam mais cedo aos sábados só para se arrumarem adequadamente. As aulas ficam recheadas de piadas e o pátio, na hora do intervalo, vira cenário para sessões de fotografia. Depois essas fotos irão preencher as apostilas de revisão do Terceirão, o vídeo de formatura e, é claro, a página das redes sociais dos alunos. No final de toda essa divertida “bagunça”, o saldo é positivo. Os alunos vão para a aula mais animados, estreitam os laços de amizade com os colegas, divertem-se e, inclusive, aliviam o stress com o temido vestibular. “A ideia é justamente essa. Aumentar a interação entre todos e dar uma quebrada no gelo. Por um momento, por um dia eles esquecem a pressão do vestibu-

lar”, aponta o coordenador Boin. E quando a brincadeira termina, os alunos têm o pique renovado para voltarem a se concentrar com força total.

Professores aprovam o clima de descontração E com fica o professor no meio de toda a diversão do Dia do Trote? Segundo alguns alunos, eles continuam 110% focados. Alguns estudantes até arriscam dizer que tudo seria ainda mais engraçado se os mestres também estivessem caracterizados, mesmo sabendo que poucos deles fariam isso. Fantasias à parte, não dá para negar que entrar em uma turma nesses dias é uma experiência diferente. “Não que seja mais divertido [dar aulas nesses dias]. É mais relaxante”, afirma o Professor Zaôr Caetano Júnior, que dá aulas de Biologia 2 aos sábados no colégio Marista Paranaense. Os professores compreendem que seus alunos precisam aproveitar esses momentos divertidos. O Dia do Trote vai, pouco a pouco, fazendo parte da cultura do Terceirão, e cada nova turma se inspira nas anteriores. “É como se passassem o bastão. Agora é a vez deles aproveitarem”, analisa o professor Antônio Inácio Souza, responsável pelas aulas de Biologia 1. As fotos são outro obstáculo enfrentado pelos professores, que precisam lidar com flashes desde o início das aulas até o úl-

timo sinal tocar. Todo o clima descontraído poderia atrapalhar, mas isso depende da responsabilidade de cada estudante e do professor. “O negócio é saber casar esse momento de descontração dos alunos com a aula”, explica Inácio. “Quem presta atenção, faz isso independente de como esteja vestido”, ressalta o professor Zaôr, que se diverte ao ver as alunas com as roupas das mães.

Toda brincadeira tem um preço Além da diversão, o Dia do Trote tem outra finalidade importante: ajudar a arrecadar fundos. Quando alguém não respeita o tema, precisa pagar para a comissão uma “multa” que, mais tarde, se transformará em um desconto na última mensalidade da taxa da formatura. No Marista Paranaense, a colação e a festa custam em torno de R$490. As multas de R$5 se juntam às rifas e churrascos organizados pelas turmas de terceirão para diminuir esse valor e dar uma incrementada na festa, e também é um incentivo para que todos participem da brincadeira. Mas não precisa se desesperar e assaltar o cofrinho. A comissão programa alguns dias de folga do Dia do Trote. Tudo para evitar que até a diversão se transforme em rotina e que os alunos se cansem de procurar toda semana por uma roupa diferente. E também para dar um alívio para aqueles que sempre esquecem qual o tema da vez:::


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abril de 2011

esportes

Atletas tentam quebrar imagem de esporte exclusivo de bares e mostram que o jogo vai muito além da brincadeira Felipe Ribeiro

No bar, na faculdade ou em casa, a sinuca é tratada como esporte para se divertir. Poucos sabem que existe uma federação organizada e torneios frequentes. Democrática, a sinuca é aberta para todas as idades e não requer atletas no auge da forma física, mas com disposição e desejo de vitória. Presidente da Federação Paranaense de Sinuca (FPS), o jogador Julio César Maus garante que o Paraná está bem à frente dos outros estados do país em termos de organização. “A Federação existe desde 1989. Temos uma boa estrutura, torneios regulares e de várias categorias. Podemos dizer que estamos muito avançados”, orgulha-se. Maus explica que os jogadores possuem outras profissões e se dedicam ao esporte quando é possível. “O clima nos jogos é de amizade. O objetivo é vencer, mas a confraternização também é importante. Não existem árbitros, são os próprios jogadores que marcam a pontuação dos colegas, quando não estão em jogo. São raras as brigas e discussões”, diz. No Paraná, o calendário dos torneios é minuciosamente organizado. Existem campeonatos individuais e em equipes de diversas categorias. Na capital, há seis clubes regulares que participam das competições. Nos torneios individuais, uma novidade deste ano é a categoria Diamante, que contará com os 33 melhores atletas do estado. Além desta, há as tradicionais categorias Ouro, Prata e Bronze, com 64 atletas cada.

Dificuldades Maus conta que é o único integrante da federação atualmente. “Sou eu quem cuida do site, organiza os eventos e verifica se está tudo ocorrendo bem, mas também tenho um emprego paralelo”, esclarece o dirigente. Um dos atletas regulares é Amaury Brasil, 14 anos, competidor do Paranaense Série Prata. Ele mora em Ponta Grossa e sempre precisa custear suas despesas para jogar em Curitiba. “O clube deveria patrocinar os campeonatos. Eu treino quatro horas diariamente, gosto do que faço, mas é difícil me bancar sozinho. Em campeonatos de equipe dividimos as despesas, mas ainda assim sai caro”, lamenta. Outro jogador, o engenheiro civil

Guilherme Marques, reclama dos custos do equipamento, geralmente importado. “Temos que comprar nossos próprios tacos, o giz que usamos tam-

Objetivos A finalidade da partida é encaçapar as bolas da vez e as coloridas em sequência ordenada crescente. A bola de menor valor em jogo é identificada como “bola da vez” e as demais como “coloridas”. A partida é encerrada quando: - é encaçapada a bola 7 quando há vantagem no placar; - restarem em jogo a “tacadeira” e as respectivas bolas, e a diferença de pontos atingir valores maiores que:

- um dos jogadores reconhece a derrota na partida.

Benefícios O estudante de Medicina Veterinária Edi Souza treina cinco vezes por semana e disputa campeonatos há três anos. Para ele, é um tempo bem gasto. “A Sinuca é um esporte tranquilo, estimula a inteligência e nos faz criar vínculos de amizade. É um passatempo, mas com certeza um dos melhores esportes para se praticar”, garante Souza.

A sinuca brasileira O termo “sinuca” é popularmente usado em nosso país, mas normalmente fazemos referência aos vários tipos de “bilhar”, como o “Bola 8”. Praticado por diversão nos bares, o bilhar é qualquer jogo em que se use tacos e bolas. Já a sinuca em si é o jogo com regras específicas, dimensões exatas e equipamentos próprios. O regulamento da sinuca brasileira é completamente diferente daquele com que estamos acostumados a jogar entre amigos. Dois ou mais jogadores começam usando dez, treze ou dezessete bolas. Uma é a branca, denominada “tacadeira”, além das nove, doze ou dezesseis coloridas com valores determinados segundo as cores. Há três, seis ou dez vermelhas valendo 1 ponto cada; a amarela vale 2 pontos; a verde, 3 pontos; a marrom, 4 pontos; uma azul, 5 pontos; uma rosa, 6 pontos e uma preta, 7 pontos. A quantidade de bolas vermelhas a usar é determinada no regulamento de cada evento. medicina. “A sinuca me ajuda a combater o risco coronariano, que é um problema nas artérias, me mant é m ativo

A mãe de Amaury, Marilene Carvalho conta que a sinuca tem ajudado o filho na escola. “No início eu não o deixava participar dos treinamentos, tinha na cabeça apenas essa imagem do bar. Mas as notas na escola começaram a melhorar, ele aumentou a concentração e ficou mais atento a tudo. A sinuca só trouxe coisas boas para ele, apesar da dificuldade em se manter”, diz.

como a t l e t a”, afirma. Amaury Brasil é justamente o oposto: aos 14 anos, é o mais novo atleta a disputar a Série Prata e até já desenvolveu seu próprio estilo de jogo. “Aprendo com os mais velhos, mas hoje posso dizer

que tenho a minha própria técnica para enfrentar esses adversários”, explica. Ele terminou o campeonato na quarta posição.

Derrubando o preconceito A Federação e os jogadores de sinuca têm uma barreira: a imagem negativa da sinuca na sociedade. Maus conta que essa visão, de certa forma, atrapalha o esporte. “Isso interfere na divulgação, e as pessoas não sabem que aqui fazemos jogos completamente diferentes, com outras regras. A primeira coisa que passa na cabeça do cidadão quando se fala em sinuca, infelizmente, é o ‘buteco’ e a cerveja”, conta. O veterano Dilson Nunes acredita que a imagem já começa a ganhar um parâmetro novo, com o expressivo público que começa a acompanhar os torneios. “Temos nossas profissões paralelas e o público percebe a concentração dos atletas. Um bom exemplo é a proibição de bebidas alcoólicas enquanto competimos, o que mantém um alto nível de profissionalismo”, relata o jogador :::

Para todas as idades O empresário Dilson Nunes, de 69 anos, também competiu e conta que a sinuca pode ser jogada por pessoas de todas as idades. No caso dele, ela é até mesmo recomendada pela

Marina Feldman

a) 25 pontos, com a bola 5 como a da vez; b) 20 pontos, com a bola 6 como a da vez; c) 7 pontos, com a bola 7 como a da vez;

bém vem de fora e as bolas utilizadas no jogo são diferentes das tradicionais. Todo esse material custa muito, mas se não o tivermos, o resultado do jogo muda”, afirma.

Aninhallima

Sinuca levada a sério

A sinuca vai conquistando seu espaço no cenário esportivo do país. No Paraná, o esporte tem até federação representativa


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