Jornal Comunicação

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Co:::unicação

jornal laboratório do curso de jornalismo da ufpr edição 05 | agosto de 2008

SUS

Um retrato da saúde no Brasil

Política

Comportamento

UFPR

Mineradora realiza escavações no Jardim Itaqui, em São José do Pinhais, e obriga famílias a deixarem suas casas

Calça de pano colorida, chinelos de dedo e cabelo desarrumado. Uma manhã de artista de rua

Discussões entre o Coun e a Comissão Paritária marcam eleições para reitor da Universidade

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O insólito no Comunicação Enquanto boa parte dos estudantes da UFPR descansava durante as férias, o Comunicação aproveitou a ‘folga’ para experimentar um jeito não tão comum de se fazer jornalismo. Para fugir do tradicional, os repórteres tiveram a oportunidade de emergir no universo cotidiano e escrever suas reportagens segundo suas próprias vivências. O resultado deste experimentalismo? Os textos desta edição estão mais leves, mais soltos e muitos deles retratam seus personagens sob um olhar diferente do convencional. Embora algumas coisas se renovem, outras parecem permanecer sempre as mesmas. É o caso da espera nos postos de atendimento médico do Sistema Único de Saúde (SUS) – que foi ‘testado’ por um repórter. Criado pela Constituição Federal de 1988, o SUS tem como objetivo contornar a desigualdade no acesso à saúde, oferecendo consultas e tratamento médico gratuitos à população sem grande poder aquisitivo. Mesmo tornando o atendimento público obrigatório a qualquer cidadão, o SUS deixa transparecer a realidade financeira da maior parte da população brasileira: são inúmeras pessoas por dia à espera de uma consulta, sendo que muitas delas, em situações não emergenciais, têm de esperar horas no pronto atendimento. E se há necessidade de exames e consultas com especialistas, a espera pode se prolongar por mais alguns bons meses. Existem ainda outras situações que ilustram bem a maneira como vive grande parte da população. Outro repórter foi até o Jardim Itaqui, em São José dos Pinhais, onde 20 mil famílias foram expulsas de suas casas para a realização de obras da mineradora Saara. Não houve relocação, e o valor oferecido pela mineradora aos habitantes como indenização – de R$ 2 mil – é insuficiente para a aquisição de uma moradia digna. Além disso, a Prefeitura do local considera o Jardim Itaqui irregular e não quer se posicionar frente ao problema. A solução encontrada pelos moradores, a exemplo do que acontece na maioria das situações de descaso pelas autoridades, foi procurar apoio em organizações e movimentos que lutam pelo direito popular. Até agora, conseguiram com que fosse assinado um termo de compromisso, garantindo que os trabalhos não seriam retomados até a situação ser resolvida. Para abordar de perto essas questões tão presentes no dia-a-dia, o Comunicação traz matérias que ilustram a realidade ‘vivida na pele’: descrições de cena, diálogos e impressões estão presentes nos textos, de maneira a situar o leitor no mesmo espaço ocupado pelo repórter e por uma boa parcela da população brasileira.

opinião

Relatos da vida no cárcere A CPI do Sistema Carcerário, que investigou a realidade das prisões brasileiras – em especial, a superlotação – apresentou seu relatório final em 08 de julho deste ano. Depois de ouvir juízes, promotores e secretários de segurança pública, os parlamentares denunciaram 14 estados, entre eles o Paraná. Mas o Congresso não sugeriu o indiciamento de qualquer pessoa, apenas ‘responsabilizou’ algumas autoridades. Decisão em parte influenciada por uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu os parlamentares de sugerir o indício de juízes, alegando que a CPI não possui poder para tanto. Em paralelo à CPI nacional, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Paraná, através da Comissão de Direitos Humanos, iniciou em junho um levantamento nas delegacias de Curitiba e região metropolitana. O objetivo: apontar como vivem os detentos das carceragens da capital paranaense. O resultado dessas visitas, previsto para ser divulgado em relatório este mês, destaca a completa falta de higiene dentro das prisões. A Vigilância Sanitária chegou a interditar várias delegacias após o levantamento. Segundo a secretária da Comissão de Direitos Humanos da OAB, a advogada Izabel Kugler Mendes, que visitou os locais, a decisão foi correta. “Não havia outra opção, pois precisamos ter o mínimo de condições para os detentos”, avalia. Em entrevista, Mendes descreve o cenário encontrado em algumas delegacias. O que foi encontrado e quais os critérios utilizados na avaliação? Izabel Kugler Mendes: Em 2007, a OAB realizou um levantamento buscando mensurar a superlotação nas delegacias do Pa-

raná. O quadro encontrado foi assustador: dos 11 mil presos nas delegacias do estado, 3,5 mil já deveriam estar cumprindo pena em penitenciárias. Isto fez com que decidíssemos realizar um levantamento mais profundo sobre a situação das delegacias de Curitiba e região metropolitana. Em janeiro, a morte de um detento no 11º Distrito Policial nos deu um alerta: ele havia falecido com um quadro de febre, vômitos e diarréia – e outros detentos estavam com os mesmos sintomas. Com isso, buscamos identificar, no levantamento, as condições das instalações das carceragens. Tivemos surpresas no início, como a baixa média de idade dos detentos e o baixo número de funcionários designados para cuidar dos presos. Mas com o prosseguimento das visitas, percebemos que este quadro é comum a quase todas as delegacias da região. Quais os casos mais graves encontrados durante as visitas? Mendes: Foram muitos os casos graves, mas alguns chamaram mais atenção. A situação do 11ª DP é gravíssima: mais de 150 detentos estão num espaço para menos de 50, e o caos impera lá dentro. A temperatura das celas é altíssima, há água escorrendo pelas paredes, e uma fossa de esgoto chegou a extravasar. Ratos, aranhas e baratas são comuns nas celas. Os policiais utilizam máscaras e luvas para entrar na carceragem, para evitar o contágio de doenças dos presos. Na Delegacia de Furtos e Roubos, a superlotação é mais grave ainda: 140 presos se espremem em 16 vagas, alguns deles dormindo em latrinas. Além disso, a carceragem fica em um porão, sem entrada de luz natural nem de ar. Um detento está perdendo a visão de um dos olhos, por falta de luz. A pele dos presos tem um aspecto

lastimável: esbranquiçada, quase cinzenta. Quase todos têm micoses e sarna. Em algumas delegacias da região metropolitana é pior: os presos fazem revezamento para dormir e não há ventilação. Em Pinhais, há 70 presos em um espaço para 16, e como as latrinas estão quebradas, eles fazem as necessidades em sacos plásticos. Em Tamandaré, a maior surpresa foi em relação às visitas íntimas: os presos fazem um corredor humano, e as relações ocorrem no próprio corredor, na frente de outros detentos e das visitas. São problemas muito graves, que vão contra qualquer conceito de direitos humanos. E sobre presos já julgados que deveriam estar em penitenciárias? Há casos de pessoas inocentadas que continuam presas? Mendes: Na Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos, cerca de 30% dos presos já foram condenados, tendo de cumprir pena em penitenciárias. Não há casos de inocentes cumprindo pena, mas sim de pessoas que já deveriam estar em regime aberto. Isso é um problema sério da Defensoria Pública. Além disso, temos a banalização do crime. Há prisões por motivos absolutamente inacreditáveis. Houve um jovem que foi preso por ter atirado uma pedra em um ônibus. A minha surpresa foi saber que foi uma pedra do tamanho de uma azeitona, que não causou dano algum. Na verdade, não se sabe sequer se houve intenção de atirar a pedra. Em outro caso, um rapaz foi preso por ter comprado uma bermuda usada, sem saber que ela era roubada – acabou sendo enquadrado por receptação. E o mais grave: um jovem foi preso porque um policial achou que ele iria roubar uma camiseta numa loja de departamentos. Passou mais de dois meses detido por um crime que jamais cometeu. Alguma medida foi tomada no curto prazo para solucionar esses problemas? Mendes: Praticamente nada. A única medida efetivamente tomada foi a colocação de circuladores de ar nas delegacias interditadas. Como você avalia o trabalho da CPI do Sistema Carcerário? Mendes: Acho de grande importância, pois é um dever dar conhecimento público a informações que as autoridades já conhecem, mas têm receio de publicar. A partir disso, várias organizações independentes de direitos humanos fiscalizam e apontam falhas e erros.

Antoni Wroblewski

2 Editorial

Depois dessa análise da OAB, há alguma conclusão? Mendes: Além das condições precárias, uma certeza: o Brasil tem boas leis, mas não temos nenhum respeito por elas. Aqui, a cadeia é para os pobres. Não se respeitam os direitos humanos. E sem direitos humanos, não existe uma sociedade justa. Confira a entrevista na íntegra no site do Comunicação, editoria de Opinião (www.jornalcomunicacao.ufpr.br). Bruno Rolim


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geral Espera

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O dia de uma repórter nas filas dos postos de atendimento médico

Exame de paciência gratuito Giovana Neiva

A mulher que trabalha como doméstica em minha casa entrou muito pálida pela porta da cozinha. Selina, com quem convivo diariamente há 15 anos, contou, meio aflita, meio envergonhada, que vinha tendo sangramentos estomacais há alguns dias. Não sabia mais o que fazer. Das crendices populares já tinha provado todas: chupou limão com vinagre, tomou água morna, comeu casca de laranja. Eu, muito dona da verdade, repreendi. ‘Onde já se viu, fazer loucuras dessas?’ Ela devia sim era correr para um posto de saúde. À minha sugestão, Selina respondeu: “Isso sim que é crendice”. Conforme os dias se passavam, ela piorava. Uma, duas, três vezes ao banheiro. Febre, enjôo e tonturas. Finalmente, consegui convencê-la a correr para o pronto atendimento. E lá fomos, as duas, até uma Unidade de Saúde 24 horas. Chegamos ao posto às 11h, e de lá não saímos antes das 16h – sem almoço, sem medicação e sem exames marcados. A única coisa que trouxe comigo naquela terça-feira de julho foi a idéia para esta reportagem.

À tosse, paciência Chego ao mesmo posto de saúde, dessa vez sozinha, às 9h do dia 16 de julho, vestindo uma camiseta antiga, calça de moletom e chinelos de dedo desbotados. Bolsa não carrego; apenas uma mochila surrada se incumbe de guardar meus documentos, meu bloco de anotações e um pacote de bolachas. Nada de carteira, notas ou moedas. Conto apenas com um cartão de transporte que tomei emprestado da vizinha. O forte calor combinado à minha tendência para pressão baixa ajuda a compor meu visual abatido. E embora ele seja acentuado pela maquiagem propositalmente pálida, não é suficiente para fazer brotar a comoção na recepcionista da unidade de saúde. Nome completo, número da carteira de identidade. “Sinto muito, você ainda não possui cadastro no sistema. Vamos precisar estar fazendo [sic] antes de você ser atendida”, ela me informa. Outro guichê, mais documentos. Casada? Solteira? Viúva? Nem sinal de interesse pelos sintomas que me levam até lá. Papelada preenchida, sou encaminhada para a primeira das quatro filas que enfrentaria no dia. Sento-me em uma das cadeiras, ao lado de uma senhora agasalhada e sonolenta. Assim que nota minha presença, puxa conversa. Ela é diabética e vem tossindo ferozmente há dias. “Aqui a gente toma um chá de paciência”, me diz. Enquanto conversamos, observo o corredor. Descubro que essa primeira fila aguarda o atendimento da sala de triagem, onde serão medidas nossas temperaturas e pressões arteriais. Procedimentos relativamente simples que não levariam muito tempo, presumo – erroneamente. Quando enfim ouço meu nome pronunciado pela enfermeira já passa das 10h30. Ao entrar na sala, sou tomada por certo receio. E se descobrirem que meus sintomas são fictícios e que

Os pacientes atendidos pelo SUS esperam entre quinze minutos a seis horas, de acordo com o protocolo dos postos

tudo não passa de uma grande mentira em prol do jornalismo? Meu pessimismo é interrompido pela voz áspera da enfermeira, que me manda colocar o termômetro na axila e mede minha pressão, sem nenhum interesse pelos meus sintomas. Digita algumas coisas em seu computador e pronto. Sair da sala, virar à direita, próximo corredor. Rumo à fila número dois.

Homens de branco Poucos assentos para muitas pessoas é o que primeiro noto na nova sala em que aguardaria. Está quente e eu começo a não me sentir bem. São cerca de 40 pessoas para apenas três consultórios médicos. Tosses, espirros e feridas abertas fazem parte da cena O relógio marca 12h45. Todos parecem muito cansados, mas ninguém é impaciente. Eu, acostumada aos privilégios de um bom plano de saúde, só entenderia esse conformismo tempos depois. De repente, todas as portas dos consultórios se abrem quase simultaneamente. Os doutores então se encaminham para uma porta de vidro debaixo de uma escada. Pergunto para uma senhora próxima a mim o que acontece. “Estão saindo para almoçar”, me explica. Sim, então outros virão, nesse meio tempo, para substituí-los, certo? Ela sorri em negação. Intocáveis, os homens de branco passam por entre as filas sem dirigir o olhar aos pacientes. Eles não nos enxergam e nem fazem questão. Arroz, feijão, bife e coca-cola enquanto as filas aumentam e mais pessoas tossem. Doutores de volta, sou, enfim, chamada ao consultório.

Só um pouco mais de espera Começo a explicar meus sintomas ao médico, mas já não tenho receios de ser descoberta – presumo que estar ou não doente fará pouca diferença na consulta. Em frente ao computador, o doutor escuta minhas queixas em silêncio. Minto que tenho tido sangramentos estomacais, tonturas e enjôos. Ele me manda deitar na maca, despe parte da minha barriga e a apalpa de maneira superficial. Pronto. Imprime um papel e me entrega. “Vai tomar um sorinho para proteger seu estômago do sangue”, são suas exatas palavras. Tchau. Próxima! Minha consulta cabe em um parágrafo. Entro na sala de repouso e minha espera é menor do que gostaria. Quando me dou conta, uma enfermeira já procura minha veia. Reparo que não usou álcool para desinfetar o local. Na embalagem do medicamento, consta apenas soro e glicose, noto aliviada. As gotas caem rapidamente, e em cerca de 15 minutos todos os 500 mL já foram esgotados. Carimbo no papel, agora é ficar plantada na porta do médico para o retorno. ‘Retorno do quê, se só o que fiz foi tomar açúcar pelo braço?’ É minha última fila. Faltam dez minutos para as 14h. Estou no posto há quase cinco horas. Entro no consultório novamente, ganho um sorriso inédito do doutor por quem fui atendida. Ele recolhe o papel, verifica o carimbo e estende a mão para se despedir de mim. Nenhuma solicitação, nenhum encaminhamento. Vou embora. Não faltou nada? Pego o ônibus e chego em casa. Vejo Selina, e concordo com ela. A experiência pareceu mesmo crendice.

Já em casa, ligo para a Prefeitura em busca de números e explicações. Após inúmeras tentativas, a mulher com quem converso é muito simpática. Peço os números que busco e ela me informa: Curitiba conta ao todo com 132 postos de atendimento, número que abrange as unidades básicas e as 24 horas, ditas emergenciais. A assessora parece disposta a falar, então aproveito para levantar a questão que mais me traz curiosidade. ‘Por que, afinal, tanta demora no atendimento?’ A voz simpática é acrescida de um tom de desconfiança. “Quem te disse que é demorado?”, me pergunta. ‘Eu sei, ouço falar, há reclamações’, respondo. Segundo a assessora, o tempo de espera pertinente ao estado do paciente é avaliado no exame de triagem. Há o Protocolo de Manchester, um sistema de triagem inglês que classifica os pacientes por cores: de azul a vermelho, de não urgente a emergencial. Dependendo do contato inicial no gabinete de triagem, o doente é identificado com uma cor, representando um nível de gravidade e um tempo de espera recomendado para atendimento. “O sistema ainda não foi adotado no Brasil, mas trabalhamos de forma parecida”, diz. De acordo com o protocolo, a duração de espera varia entre 15 minutos a incrédulas seis horas. “Uma pessoa que chega ao posto com princípio de enfarte, por exemplo, deve ter preferência sobre alguém que está apenas resfriado”, insiste em me ensinar. Pelo visto o vermelho do meu fictício sangramento não passou de um brando azul aos olhos da triagem. Giovana Neiva


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MEIO AMBIENTE

ciência e tecnologia

Pesquisadores buscam alternativas para reduzir a contaminação de aterros sanitários

“Que barulho é esse?”, pergunto. “Ah, é o forro do teto. Ele levanta com o vento, entende?”, esclarece a aluna de Engenharia Civil da UFPR Daniele Rodrigues. Esse diálogo aconteceu durante minha primeira visita ao laboratório do Centro de Estudos em Engenharia Civil (Cesec) da UFPR. Era uma sala mais ou menos organizada, modesta como um almoxarifado. Embora seja carente de estrutura e equipamentos e com o forro despregado, é nesse local que pode surgir uma série de novas tecnologias para reduzir os impactos ambientais causados pelos aterros sanitários. Um grupo de pesquisadores da UFPR vem estudando alternativas para os problemas gerados por aterros. Para o engenheiro civil que coordena a equipe, Eduardo Del’Avanzi, “o sistema sanitário atual funciona, mas é muito caro e acaba se desgastando com o passar dos anos”. Entre os estudos realizados, está a impermeabilização do solo, que evita a contaminação dos lençóis freáticos pelo chorume (líquido tóxico liberado no processo de decomposição). Segundo Del’Avanzi, “se for possível impermeabilizar o solo, haverá um duplo benefício: reduzir custos e aumentar a eficiência da proteção”. Até o momento, a equipe de Del’ Avanzi já desenvolveu um método para a areia repelir a água, usando spray de teflon. Embora o processo pareça simples, ele envolve uma série de variáveis, como o tamanho dos grãos de areia, a pureza do solo e a concentração do teflon. Para não deixar dúvidas quanto à sofisticação do projeto, o pesquisador mostra alguns de seus livros-ata e cadernos cobertos de fórmulas, cálculos e preces. Preces? “Com certeza! Se você visse o tamanho dos problemas...”. Problemas que, segundo o engenheiro, atrasaram em mais de dois anos o trabalho da equipe. Mesmo assim, ela conseguiu avançar com empenho na chamada ‘parte numérica’. Sobre esse aspecto, conversei com o mestrando em Geotecnia Ambiental Bruno Otsuka, que participa da equipe de Del’Avanzi há três anos. “Como eu trabalho? Veja bem, preciso simular o comportamento do material dos aterros, principalmente a produção de gases”, diz ele, apontando um outro estudo do grupo que procura reduzir a quantidade de gases nocivos liberados. “Para fazer isso, usamos programas de computador especiais”, completa Otuska. Del’Avanzi, que também participava da conversa, mostrou um quadro na parede, cheio de gráficos, números e explicações. “Aí estão os resultados”, disse. Anos de estudos dispostos numa parede, ao lado de mais três ou quatro quadros semelhantes. Essa exposição, somada aos livros-ata do pesquisador-chefe, ilustram o tamanho do problema dos aterros. “Lembre que um aterro funciona por anos, o que gera um volume impressionante de gases”, aponta Otsuka. Uma das possibilidades seria aproveitar os gases em reatores que, através da queima,

Manuela Salazar

Não contaminarás. Cuidarás da terra

Devido à ação do spray de teflon, a areia permanece seca ao entrar em contato com a água

O sistema sanitário atual funciona, mas é muito caro e acaba se desgastando com o passar dos anos” Eduardo Del’Avanzi, Engenharia Civil

professor de

os converteriam em energia. Del’Avanzi adianta: “Vamos construir um protótipo usando PVC e alumínio”.

Perseverança sem improviso Embora a entrevista dupla tenha levado quase duas horas, não era a primeira vez que eu conversava com Otsuka e Del’Avanzi sobre o projeto. Na semana anterior, fiz uma visita ao Cesec, para entender melhor o projeto. A primeira surpresa foi o estado do laboratório, que ainda tinha equipamentos encaixotados e outros em falta – o aparelhamento deve levar mais um mês para chegar, na melhor das expectativas da equipe. Neste primeiro dia fui recebido pela aluna Daniele Rodrigues, que abre esta

reportagem. Ela nos mostrou o ambiente de trabalho, embora estivesse com pressa para fazer uma prova. “Vocês vieram ver a areia? Bem, aqui está”, disse, separando em um vidro uma amostra do material impermeável. Fiquei surpreso quando Rodrigues jogou água na areia, que continuou completamente seca. Quase tão surpreendente quanto a areia impermeável é a capacidade da equipe de trabalhar usando a pouca estrutura do laboratório: várias mesas, dois armários, um computador e um latão cheio de areia. Sobre uma das bancadas, um equipamento exótico, algo como um cilindro de metal cercado por hastes e anéis. “Este aqui o professor desenvolveu no exterior”, explicou a guia. Foi a partir de 2002, quando fazia doutorado nos Estados Unidos, que

Del’Avanzi começou a analisar o armazenamento de resíduos com maior aprofundamento. “Meu orientador não achou que valesse a pena investir no assunto, mas acabei levando adiante”, conta ele. Depois de se tornar doutor em Geotecnia Ambiental, o engenheiro voltou ao Brasil, onde reuniu alunos de Engenharia Civil da UFPR para aprofundar os estudos. Depois de conhecer laboratório, fui à sala do Cesec, onde encontrei o estudante Igor Dalmagro, do time de pesquisadores. “Até agora, conseguimos fazer a areia suportar uma coluna de dez centímetros de água. Meu objetivo é ultrapassar esse limite usando argila no lugar da areia”, revela. Esse experimento, com argila, é diferente do anterior: as partículas são menores, dispostas de modo mais organizado, e reagem de forma diferente ao spray de teflon. “Dedico pelo menos oito horas por semana a essa pesquisa. Se isso cansa? Pode apostar! Mas vai valer a pena, com certeza”, diz. Otsuka, que havia se juntado a nós, demonstrou o mesmo espírito. Uma semana depois, quando perguntei a Del’Avanzi sobre as instituições envolvidas no projeto maior, ele precisou de um tempo para lembrar a lista, que não é curta. Entre elas, estão o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) e a Universidade de São Paulo (USP). “Os representantes de cada instituição se reúnem uma vez por ano para apresentar resultados”, conta, fazendo uma ressalva: “Veja que, mesmo com todo esse esforço coletivo, ainda vamos precisar de pelo menos cinco anos para lançar tecnologias industrialmente viáveis”. “Mas vocês já não têm o spray de teflon?”, questiono. Del’Avanzi explica que a intenção é criar um indutor de repelência usando uma substância do próprio chorume, o chamado ácido húmico. A idéia é reaproveitar o composto ao máximo, para evitar que se acumule. Normalmente, o chorume é coletado e enviado para tratamento em estações especiais. Mais uma vez, resultados práticos não devem sair tão cedo. “Se não tivéssemos paciência, a pesquisa já teria ido para o lixo há muito tempo”, finaliza Del’Avanzi. Guilherme de Souza

Como se constrói um aterro sanitário Em primeiro lugar, é feito um projeto completo, esclarecendo também como o aterro será fechado depois de aproximadamente dez anos. Em seguida, avalia-se o impacto ambiental nos terrenos disponíveis. A construção começa com a escavação de uma grande área de profundidade específica, que não pode

chegar a menos de 2 metros do lençol freático. Após isso, o solo é compactado, forrado com uma manta plástica e coberto com uma camada de pedra britada. Este processo se repete a cada camada de cinco metros de lixo. Quando o aterro é fechado, normalmente a vegetação é renovada, embora o solo tenha perdido qualidade


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política MORADIA

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Mineradora pressiona por desocupação de casas no Jardim Itaqui, em São José dos Pinhais

Acima do chão e abaixo do céu, um teto

Queremos a relocação regularizada. Não uma indenização, que não é suficiente para uma moradia digna” Cláudia Antônia Roberto, moradora do jardim itaqui

tomados enquanto a situação das famílias não fosse resolvida. Dia 07 de julho a Secretaria do Meio Ambiente suspendeu as obras até que seja apresentado um plano de relocação para os moradores.

Fotos: Julia Guedes

Jardim Alegria, o ponto de referência para quem pretende conhecer o Jardim Itaqui. “Vocês podem continuar pela estrada de terra até a última rua”, orienta um morador. A ‘Alegria’ do nome, entretanto, não se estende até o Jardim Itaqui. Para caminhar pelo lugar é preciso desviar do esgoto a céu aberto, do barro e dos cachorros. Difícil também é se esquivar diariamente das escavações da mineradora Saara, como tem que fazer quem ali mora. A empresa começou a retirar areia na região há um ano e meio. Durante esse período, 20 famílias já foram obrigadas a deixar suas casas, pois as moradias foram derrubadas. É na casa da moradora Cláudia Antônia Roberto, no final da rua e a menos de 50 metros das cavas, que as mulheres do local contam suas histórias. Como trilha sonora da conversa, é possível ouvir os galos que cantam atrás da casa. Já dentro, o cafezinho servido aos visitantes dá um sabor mais agradável aos causos. “Essa já foi nossa terceira movimentação”, comenta Claúdia, fazendo referência a um protesto que aconteceu em 30 de junho deste ano. Ela diz que os dois primeiros não tiveram sucesso. “Só agora conseguimos chegar ao ponto das máquinas irem embora”, afirma. A mobilização do final de junho aconteceu com o apoio do coletivo Despejo Zero, do DCE-UFPR, da ONG Terra de Direitos e do Movimento Passe Livre, e bloqueou a entrada e saída de caminhões. Depois das negociações, os moradores conseguiram que o gerente responsável assinasse um termo de compromisso, garantindo que os trabalhos não seriam re-

O conflito A área de 119 mil metros quadrados pertence oficialmente ao Governo do Estado, que adquiriu os lotes em 1995, depois da desapropriação de uma imobiliária. No mesmo ano, os irmãos Guinaldo e Gerson Rodrigues também ‘compraram’ o terreno – segundo eles, com o aval da Prefeitura de São José dos Pinhais. “Quando fizemos a compra, achamos que estava tudo correto. Depois apareceu o problema de ser uma área do Estado”, diz Guinaldo. Por isso em 2004, os irmãos entraram com um pedido de usucapião. Após a ação, Guinaldo e Gerson Rodrigues começaram a revender os lotes. Guinaldo explica que, como ainda não era oficialmente dono dos terrenos, vendeu apenas o direito possessório. “O contrato informava que os compradores só seriam donos dos terrenos depois que saísse o resultado judicial. Enquanto isso, tinham apenas o direito de posse”, afirma. Mesmo com a compra da área e o pedido judicial, o lugar atualmente é considerado irregular pela Prefeitura. Em 1998, o Estado decretou o local como área de preservação ambiental, pela localização próxima ao Rio Itaqui. Em julho de 2007, a mineradora Saara se instalou no local, com autorização do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), para construir um reservatório de água – segundo a empresa, a pedido da Sanepar. “A água do rio Itaqui será canalizada fazendo várias curvas, onde haverá plantas que limpam a água”, diz o funcionário da mineradora, João Faria. Por conta das obras, a Saara ofereceu a cada morador uma indenização de R$ 2 mil – o que gerou protestos. “Queremos uma relocação regularizada e não uma indenização, que não é suficiente para uma moradia digna”, explica Claúdia Roberto. Segundo alguns, há casos em que esse dinheiro ainda nem foi pago. No Jardim Itaqui, ainda vivem 53 famílias que protestam para ter direito à relocação de suas casas para uma área regular. Outros moradores, apoiados pelos irmãos Rodrigues, defendem o direito de permanência no local ou a relocação com uma indenização mais justa. Para o irmão dos revendedores dos terrenos, Odair Rodrigues, existem outras invasões em que os moradores não possuem direitos sobre a moradia, mas conseguem ficar com os terrenos. “Por que aqui, que foi aprovado pela Prefeitura quando meu irmão comprou, eles não podem fazer isso?”, questiona Rodrigues. “O pessoal da mineradora diz que ninguém é obrigado a sair. Mas se você não aceita, eles vão cavando em volta da casa e você fica ilhado”, diz Elis Villagra, que mora na região há dois anos. Ela afir-

Muitas casas do Jardim Itaqui estão a menos de 50 metros das cavas

ma que uma das casas foi deixada a 30 centímetros de uma cava. “Se chovesse, a casa caía”, comenta.

O apoio aos moradores Na luta para não perderem suas casas, os moradores receberam o apoio de várias organizações. Entre elas, está o Despejo Zero, que atua em Curitiba e região metropolitana articulando movimentos e pessoas envolvidos na luta por moradia popular. “Nós passamos a esses moradores nossa posição e concepção sobre moradia. Explicamos que é um direito coletivo e passamos a lutar por eles”, informa a organização. Os integrantes do Despejo Zero explicam que nos últimos dias conseguiram fazer com que o Estado e a mineradora recuassem: “O que antes eles qualificavam como crime, agora estão se conscientizando de que é um direito de todos”. Em frente às cavas, moradores apontam para as próximas casas que seriam derrubadas. Enquanto isso, crianças brincam na beira da água, que alcança até quatro metros de profundidade. No meio da conversa, o funcionário da mineradora João Faria se posiciona: “Chegamos a um ponto em que não tem mais acerto. Agora é resolver. A Sanepar vai ter que se responsabilizar”. Já Guinaldo Rodrigues afirma que as obras não estão relacionadas com a Sanepar. “Segundo a empresa, quando eles realizam alguma obra, são colocados outdoors no local para informar, e lá não tem nenhum. Eles nos falaram que não au-

torizaram nada no Jardim Itaqui.” Cada morador faz questão de trazer os documentos que possui dos terrenos. São contratos de compra e venda, registros de imóveis e até IPTU (alguns em nome do governo, outros com o próprio nome). E com tanta documentação apresentada, a dúvida que ainda os assola é porque, apesar de autorizar a compra pelos irmãos Rodrigues em 2005, a Prefeitura agora considera aquela área irregular. Elis Villagra conta que montou, há um ano, uma comissão com os outros moradores e foi à Prefeitura tentar conseguir luz, água e telefone para a região. “O próprio prefeito nos falou que estamos em uma área do Estado e que não podem fazer nada pela gente aqui. Ele disse que se acontecer uma enchente, nem a Defesa Civil entra para nos socorrer”, conta ela. O Comunicação tentou entrar em contato com a Prefeitura de São José dos Pinhais, sem sucesso. Segundo os moradores do Jardim Itaqui, a administração municipal não se pronuncia sobre o assunto. Enquanto isso, as famílias continuam a viver sem asfalto, sem saneamento básico, sem energia elétrica e sem providência de alguma autoridade. A simplicidade do pedreiro Geraldo Ribeiro Nascimento, que tem um terreno no local há quatro anos, resume o que pensam as demais pessoas que ali residem: “A mineradora dá mais valor à areia que está tirando daqui do que às vidas que estão em cima”. Juliana Karpinski


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SINAL FECHADO

comportamento

Estafa e R$13,45: o saldo de uma manhã de mágicas no semáforo

Giovana Neiva

Não é fácil fazer a moeda aparecer

Uma manhã como artista de rua pode ser cansativa para quem não está acostumado: ficar em pé fazendo perfomances e andar de carro em carro em busca de dinheiro exigem preparo

A manhã de quinta-feira, dia 17 de julho, poderia ter sido como outra qualquer, mas não foi. Meu despertador tocou às 8h e me lembrou que o dia seria cansativo e inusitado: eu iria ficar três horas no semáforo fazendo algumas mágicas que aprendi há cerca de quatro anos – e tentando ganhar algum dinheiro com isso. Calça de pano colorida, blusa larga, chinelos de dedo e cabelo desarrumado. Tento ao máximo parecer com os chamados artistas de rua, que em sua maioria são argentinos – na Argentina o malabarismo é uma tradição que, inclusive, se aprende na escola. No dia anterior, havia combinado de me encontrar com o malabarista Yan Hernandez, 29, para que ele me explicasse a melhor forma de abordagem nos semáforos e contasse como é sua rotina. Tentaria assim me aproximar o máximo possível dela. Começo errado. Tomo um café da manhã reforçado, pois imagino não ser fácil passar três horas em um sinal de trânsito no centro da cidade. Mas quando chego ao lugar combinado, Hernandez me conta que nem sempre consegue tomar um café da manhã que lhe garanta energia suficiente – geralmente a refeição se resume a um pão francês e uma xícara de café com leite. O malabarista ainda me explica que o sinal fica fechado por menos de dois minutos e que eu devo reservar pelo menos 30 segundos para pedir as moedas. Assusto-me ao saber que, às vezes, quando o sinal abre, ele parte imediatamente para outro, ao lado, que acaba de fechar. “Assim a gente não perde tempo. E tempo, para a gente, também é dinheiro”, diz ele, com o inconfundível sotaque latino.

9h – Começa o show

10h – Espetáculo particular

11h – Entregando os pontos

Nosso ‘ponto’ é na esquina das ruas Dr. Pedrosa e Brigadeiro Franco, entre o Centro e o bairro Batel. O sinal fica vermelho. Pego duas cartas quaisquer do baralho, faço um movimento rápido e elas mudam para dois ases. Movimento novamente as cartas, e elas voltam a ser as que eram anteriormente. Saio em busca de uns trocados nas janelas dos carros. Eu de um lado, Hernandez de outro. Não consigo nada na primeira tentativa; ele ganha R$ 0,35. Fico frustrada. Hernandez elogia minha mágica, mas explica que os carros de trás talvez não tenham conseguido vê-la. O sinal fecha de novo. Corremos para a faixa de pedestres. Alguns passantes param para ver a mágica, a mesma que fiz anteriormente. Uma senhora, transeunte, me dá R$ 0,50. Vou para os carros e consigo mais R$ 0,75. Hernandez corre para a outra esquina; eu fico. Mais algumas tentativas e não consigo mais do que poucos centavos. O respeitável público não se mostra tão respeitoso. Muitos fecham a janela quando me aproximo. Após 40 minutos de apresentação, já estou completamente exausta. O sol começa a ficar forte e o calor me é insuportável. Lembro que havia trazido um pouco de dinheiro para emergências e não hesito: compro uma garrafinha de água. Neste momento penso que se não tivesse trazido dinheiro, teria gastado em água mais da metade do que conseguira arrecadar. Com a compra da água, perdi três ou quatro sinais vermelhos – e continuo cansada. Vario as mágicas, , uso moedas e cordas com nós. Consigo mais alguns poucos trocados, muitas janelas fechadas e raríssimos elogios. Às 10 horas, decido mudar a abordagem.

Mágica não é algo tão visível quanto malabarismo. Os carros de trás não entendem o que está acontecendo e as pessoas próximas a mim nem sempre estão atentas ao que estou fazendo. Decido ir às janelas dos carros e fazer uma mágica mais bem elaborada: um show particular. Como era de se esperar, muitos fecham as janelas antes mesmo de me ouvir falar. Outros não dão atenção. Porém levo sorte na primeira tentativa: há crianças no carro. Peço uma moeda com o pretexto de fazer uma mágica. A mulher hesita, pensa, e me dá 50 centavos. Faço a moeda desaparecer com um pano preto por cima. As crianças ficam impressionadas e, para minha surpresa, a mulher sorri e diz: “Se a moeda aparecer, eu te dou mais uma”. Faço a moeda reaparecer e consigo um real. É gratificante. No entanto, não obtenho mais tanto sucesso. Muitos motoristas e passageiros até gostam da mágica, mas repetem o mesmo bordão que eu mesma uso, quando estou do lado de lá: “Não tenho nada hoje”. Hernandez me explica que nesses casos não vale a pena insistir. Não é bom demorar muito em uma janela, para não perder de ganhar em outras. Como eu havia previsto, a nova abordagem talvez não assegurasse mais dinheiro, mas, garantiria um maior número de situações curiosas. Após um truque, um senhor de cerca de 60 anos afirmou, com a calma e a sobriedade de um avô: “Gostei muito da sua mágica, mas não vou te ajudar. Você deveria estar estudando e não no sinaleiro pedindo esmola”. Às 10h50 já sinto as queimaduras do sol no rosto. Estou menos cansada com os ‘shows particulares’, mas decido voltar à abordagem inicial, na faixa de pedestres.

Segundo Hernandez, a manhã está rendendo. Já eu perdi a noção do quanto ganhei, mas não é muito. Ainda tenho uma hora de ‘trabalho’, mas realmente estou cansada. A fome, a sede e o calor aumentam à medida que se aproxima o meio-dia. Após 15 minutos na faixa, sinto tontura e minha pressão baixa. Sento no meio-fio; compro mais uma água e um chocolate. Hernandez diz estar cansado, mas não aparenta desgaste físico. Tento voltar para as mágicas, mas não consigo mais manter o sorriso no rosto. Minhas mãos e pernas tremem, o que prejudica os truques. Decido encerrar a ‘missão’ meia hora antes. Embora desejasse ficar e esperar até que meu companheiro também encerrasse seu turno, por ele ter sido tão prestativo comigo, me rendo à lembrança de minha casa e do almoço, que lá será servido. Tão logo um semáforo abre, faço sinal para Hernandez se aproximar. Ele corre, com um sorriso debochado no rosto. Já adivinhou que estou jogando a toalha. Agradeço pela atenção, desejo boa sorte. Ando algumas quadras até chegar ao ponto de ônibus. Pela primeira vez não fixo os olhos para o branco e preto da calçada e presto atenção às esquinas. Artistas por toda parte. A sensação de me sentar em um banco de ônibus nunca foi tão agradável. Quieta, me concentro na manhã que passei. O saldo depois de duas horas e meia de mágicas foi pressão baixa, cansaço, alguns poucos sorrisos, muitas janelas na cara e o conselho de continuar estudando. Ah, é claro: uma amizade e mais R$ 13,45. Ilana Stivelberg


Co:::unicação agosto de 2008

ufpr REITORIA

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Discordâncias quanto à eleição do vice-reitor e às datas de votação movimentam a Universidade

Amanda Menezes

Zaki Akel

Cid Aimbiré

Amanda Menezes

Ambos apresetaram candidatos a vice-reitor e continuam na disputa pela Reitoria da UFPR

Polêmica nas datas da eleição

A UFPR tinha, inicialmente, 60 dias de prazo a partir da exoneração do exreitor Carlos Augusto Moreira Júnior para indicar a lista tríplice ao MEC. A data fixada pelo Ministério foi o dia 04 de agosto – o que inviabilizaria uma consulta à comunidade, devido ao período de férias. Esse prazo foi prorrogado para o dia 29, para que a consulta pudesse ser feita. No entanto, a Comissão requisitou ao Coun que as eleições ocorressem no dia 4 de setembro – pedido que, num primeiro momento, foi negado. No dia 05 de agosto, porém, o Coun mudou radicalmente de posição, e decidiu suspender as datas inicialmente programadas para a indicação da lista tríplice. A alegação foi de que o estabelecimento de um prazo por parte do MEC feria os princípios da autonomia universitária. De acordo com o assessor de imprensa da Associação dos Professores da UFPR (Apuf-PR) Luciano Padilha, o cronograma estabelecido pela Comissão será mantido, ou seja, a votação será no dia 27 de agosto. O prazo de inscrições já está encerrado, o que pode deixar Bracarense e Bona fora da disputa. Mas o presidente da Comissão, Emanuel Appel, contesta essa decisão: “As normas foram aprovadas no dia 31 de julho, e só tinha um problema: o prazo muito curto”. De acordo com ele, foi acertado que a Comissão só voltaria a definir as datas da eleição junto com o

rior do Coun, o que forçou com que os candidatos já inscritos anteriormente tivessem que montar uma chapa para a disputa. Akel e Aimbiré apresentaram seus vices; Bona e Bracarense não.

Bracarense e Bona fora da disputa?

Amanda Menezes

Começou assim: no dia 25 de julho, quatro candidatos já haviam confirmado suas candidaturas para o cargo de reitor da UFPR, com eleição definida para o dia 27 de agosto. Ainda no mesmo mês, o Conselho Universitário (Coun), presidido pela reitora em exercício, Márcia Helena Mendonça, definiu que as eleições seriam apenas para reitor. Após uma série de discussões entre o Coun e a Comissão Paritária de Consulta (formada por representantes dos estudantes, professores e servidores, que organizam a consulta à comunidade), foi decidido pela Comissão que as eleições seriam também para pró-reitor. Enquanto isso, o Coun suspendeu a resolução que estabelecia as datas para eleição e estender o prazo. Inicialmente, os seguintes candidatos concorreriam: Cid Aimbiré, Amadeu Bona Filho, Zaki Akel e Paulo Afonso Bracarense. Entretanto, somente os professores Cid Aimbiré e Zaki Akel tiveram suas candidaturas homologadas pela Comissão Paritária. De acordo com as resoluções tomadas pela Comissão no dia 31, eles inscreveram também seus vices, os professores Francisco Mendonça, do Departamento de Geografia, e Rogério Mulinari, diretor do Setor de Ciências da Saúde, e por isso foram homologados. Porém, os pré-candidatos Paulo Afonso Bracarense e Amadeu Bona Filho não apresentaram chapas e, portanto, estão fora da disputa.

Divulgação

Eleições seguem indefinidas

Os dois candidatos inscreveram suas candidaturas ‘solteiras’ – isso é, somente para reitor – dentro do prazo inicial, mas não montaram chapa a tempo de se inscrever antes do dia 06 agosto. Bracarense argumenta que o tempo dado para montar chapa foi muito curto: seis dias para se inscrever na consulta e apenas vinte e quatro horas para oficializar a chapa junto ao Coun. “Esse processo não pode ser de afogadilho e atropelado”, contesta. Bracarense apóia a revogação das datas, e afirma que as categorias devem rediscutir o processo eleitoral através de assembléias. “A comunidade universitária precisa participar da Comissão, a discussão é necessária”, afirma. Ele acusa o Sinditest de ter indicado seus membros sem realizar assembléias e de resistir à negociação com o Coun. “O processo não pode ser decidido por um ou dois dirigentes”, completa. O Sinditest não se manifestou a respeito da acusação. O Comunicação tentou entrar em contato com o professor Amadeu Bona Filho, mas não conseguiu até o fechamento desta matéria. No entanto, ele declarou a outros meios de comunicação que, assim como Bracarense, segue em campanha.

Uma reunião contestada Amadeu Bona Filho

Paulo Afonso Bracarense

Os dois pré-candidatos não inscreveram seus vices e, a princípio, estão fora do páreo eleitoral

Coun – uma reunião para acertar as novas datas foi marcada para o próximo dia 28. Appel afirma também que não houve uma reunião oficial desde a definição do Conselho. De acordo com um dos representantes do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Terceiro Grau Público de Curitiba (Sinditest) na Comissão, Antônio Neri, “a Comissão tem que trabalhar dentro da legalidade”. Para ele, o Coun entrou em contradição ao revogar as datas, uma vez que os prazos já tinham sido restabelecidos para se adequar justamente às resoluções anteriores do Conselho. Já Padilha vai mais longe: “se o Coun conseguir aumentar esse prazo, não tem problemas. Mas a Comissão vai cumprir o rito eleitoral definido”. Para Appel, que se contrapõe à posição dos líderes sindicais, a suspensão das datas é um avanço nas negociações entre Coun e Comissão. Segundo ele, as entidades deveriam defender a dilatação dos prazos, posição que havia sido colocada inicialmente pela Comissão.

A polêmica do vice Além das datas, a questão da presença ou não do candidato a vice-reitor nas eleições causou muita confusão nos bastidores da corrida eleitoral. Inicialmente, o Coun decidiu pelas eleições ‘solteiras’ – ou seja, apenas o cargo de reitor seria renovado, e a vice-reitora Márcia Helena Mendonça continuaria a exercer suas funções. No entanto, a Comissão decidiu por fazer eleições “casadas”, para reitor e vice-reitor. Essa decisão foi oficializada no dia 31 de julho. Appel defende a posição da Comissão. De acordo com ele, o estatuto da UFPR, no artigo oitavo, estipula que o reitor e o vice-reitor são “organicamente unidos”. “Não é possível haver eleições solteiras, em que o reitor e o vice não tenham uma mesma carta programática”, afirma. Já Bracarense defende que apenas o cargo de reitor está vago, e que, portanto, só é possível fazer eleições solteiras. No entanto, houve um choque entre a decisão da Comissão e a decisão ante-

Os membros da Comissão Eleitoral se reuniram logo após a decisão do Coun no dia 05, segundo Padilha. A resolução a respeito da suspensão dos prazos foi manter as datas da consulta como elas estavam antes – lembrando que a consulta, desde que feita antes do envio da lista tríplice, é independente do Coun. No entanto, Appel não estava presente. De acordo com ele, a decisão de manter os prazos independentemente da decisão do Coun foi dos dirigentes das entidades representativas (Apuf-PR, Sinditest e DCE), e não da Comissão, uma vez que a reunião foi extra-oficial. Appel acrescenta que a próxima reunião é apenas na quarta-feira, dia 13, para rediscutir o processo eleitoral. Já Padilha afirma que Appel é o único membro da Comissão contrário a esse posicionamento e, portanto, a decisão é legítima. O único fato concreto é a candidatura oficial de Akel e Aimbiré. As duas chapas devem indicar agora dois representantes para acompanhar o processo de sorteio da ordem das cédulas e redefinir as datas e locais dos debates – anteriormente marcados para os dias 13 e 20 de agosto. Chico Marés


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DO ORIENTE

cultura

Cultura árabe está cada vez mais enraizada na capital paranaense

Mil e uma noites em Curitiba

É fácil perceber que o dia-a-dia do descendente de libaneses Bassam Hajar – interlocutor do diálogo acima – não é tão comum assim. É também interessante notar que Hajar nasceu e cresceu no Brasil, cursa Engenharia Civil na PUC e fala português naturalmente. No entanto, ele aprendeu a língua árabe com a família, come os pratos típicos e está tão familiarizado com os hábitos orientais quanto um jovem libanês. Os árabes que moram em Curitiba acabaram promovendo essa mistura cultural. Os descendentes são os grandes responsáveis por isso. Graças à aceitação dos hábitos brasileiros e, ao mesmo tempo, à valorização de suas raízes, famílias de imigrantes conseguem se relacionar bem com os curitibanos, estabelecendo um intercâmbio. Essa miscelânea tem ganhado o coração até mesmo de quem não é descendente. Alguns elementos da tradição árabe atualmente têm destaque no cotidiano do povo do Ocidente, como o narguilé (instrumento árabe utilizado para fumar) e o ensino da dança do ventre. Também estão presentes os restaurantes e bares temáticos, além de livros e filmes que tratam sobre o Oriente – um dos exemplos mais conhecidos é o livro O Caçador de Pipas, de Khaled Hosseini. À primeira vista, a diferença mais significativa entre Hajar e os colegas brasileiros está no fato de ele ser muçulmano. Porém quando se conhece um pouco mais sobre o Islã, é possível perceber que as diferenças com o Cristianismo não são tão grandes. Os muçulmanos crêem em um único Deus, nos anjos criados por Ele e nas verdades reveladas pelos profetas, que vão de Adão a Maomé (Mohammad), passando inclusive por Jesus Cristo. “Os muçulmanos podem parecer exóticos ou até mesmo extremistas, mas essa imagem se formou porque a religião não tem um papel tão importante no cotidiano das pessoas no Ocidente quanto no Oriente”, afirma Hajar. Como Hajar, Fátima Hamdar, estudante de Medicina da UFPR, também

Yasmin Handar

– Como é a sua rotina? – Bem normal. Sou muçulmano sunita, mas só rezo uma vez por dia. Já o ritual no mês do Ramadan eu faço com mais rigor. É um mês em que não como nada desde o nascer até o pôr-do-sol e, à noite, o jejum é quebrado geralmente com uma tâmara e água. Também falo um pouco de árabe e vou à mesquita.

brinha recheada) e o mjadra (arroz com lentilhas e cebola). A comida, bem temperada e de sabor exótico, não é apreciada apenas por quem tem origens árabes. Durante a refeição, observando as pessoas que freqüentam o lugar, notei em uma mesa defronte a minha, por exemplo, a familiaridade com os pratos demonstrada por uma família inteira – todos descendente de japoneses.

Os encantos das arábias

Entre os elementos mais populares da cultura árabe está o narguilé, usado para fumar

é muçulmana e de família libanesa. Seus pais se mudaram para o Brasil depois de adultos. Em casa, apesar de entender a língua dos pais, Fátima fala português. A família segue os preceitos do Islamismo, embora não seja ortodoxa. A estudante, por exemplo, não come carne de porco devido à religião, mas não reza mais de uma vez por dia, da mesma forma que seus parentes. A dieta dos Hamdar é variada. “Comemos feijão, macarrão, mas também esfiha, charuto, abobrinha recheada...”, afirma Fátima. Já as festas que a família freqüenta têm um estilo mais tradicional, com música, dança e comidas típicas. “Os casamentos entre árabes que acontecem aqui são interessantes. É como no Líbano, a cerimônia é celebrada em árabe por um sheik que lê o Alcorão”, conta a estudante. Essas celebrações acontecem principalmente quando os dois cônjuges são muçulmanos. Porém a religião não proíbe o casamento entre pessoas com crenças diferentes. Um casamento muçulmano não é um sacramento, como ocorre no Cristianismo, e sim um acordo simples e legal no qual cada uma das partes é livre para incluir condições – inclusive, por parte do homem, a de querer mais de uma esposa, desde que trate todas igualmente. Assim como Hajar, Fátima possui duas identidades culturais e se adaptou à vida no Brasil sem perder os laços com suas origens. Prova disso é que, mesmo

freqüentando festas tradicionais com a família, todos os anos ela organiza uma das celebrações típicas brasileiras: a festa junina. Cuida dos preparativos e vai às festividades a caráter.

O primeiro contato A culinária é uma ótima porta de entrada para quem quer conhecer mais sobre a cultura oriental. As refeições são tão valorizadas que é comum, numa mesa árabe, ouvir a frase ‘Coll habib, coll’ (ou algo como ‘come, querido, come’). Em um restaurante árabe tradicional de Curitiba, entre os pratos mais saborosos e diferentes se destacam o homus (uma pasta de grão de bico que se come com khobz, o conhecido pão sírio), o kibe naye (ou quibe cru), a cussa merchie (abo-

Além dos restaurantes temáticos, é possível encontrar diversos ambientes árabes em Curitiba. Os bares possuem uma atmosfera diferente e bem característica, pois os narguilés estão presentes em praticamente todas as mesas e deixam seu aroma adocicado pelo recinto. “A essência de maior sucesso por aqui é a de três maçãs”, diz o balconista de um bar temático de Curitiba. Ele também explica um pouco sobre a origem do instrumento: “É provável que tenha sido desenvolvido depois que os europeus apresentaram o tabaco ao Oriente”. A partir das 22h, no mesmo bar, começa uma apresentação de dança do ventre. A dançarina, brasileira, se apresenta entre as mesas. Com o tempo, os clientes acabam se levantando e, logo, todos já estão entrando no ritmo, apesar da dança ser tradicionalmente feminina. Uma das versões mais aceitas para a origem da dança do ventre é a de que ela surgiu no Egito, para homenagear as divindades ligadas à fertilidade. Mais tarde, acabou difundindo-se pelo mundo e eliminando qualquer vínculo com a religião. Hoje em dia, é considerada uma forma de arte e reconhecida pela sensualidade de seus movimentos. Juliane Mika

Contribuições árabes para o Ocidente ♦ A mais velha universidade ainda em uso é a Universidade de Fés, no Marrocos; ♦ O Cânon da Medicina, de Ibn Sina, e Sobre Varíola e Sarampo, de Al Razi, foram

os livros padrões da profissão médica por aproximadamente 800 anos; ♦ Por volta do ano 1000 d. C., Al Biruni mediu o perímetro da Terra com precisão de centímetros e estabeleceu a rotação da Terra ao redor de seu próprio eixo; ♦ Os numerais arábicos (1, 2, 3...) substituíram no Ocidente os algarismos romanos (I, II, III...), facilitando os cálculos; ♦ Foram os árabes que introduziram na Europa a idéia hindu de zero; ♦ Foram eles, também, que enviaram damasco, arroz e açúcar para o Ocidente.

expediente O Comunicação é uma publicação do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná, com a participação de alunos das disciplinas de Laboratório de Jornalismo Impresso e Laboratório Avançado de Jornalismo Impresso. Professor Orientador: Mário Messagi Jr. (jornalista responsável - DRT 2963/PR). Editora Chefe: Renata Ortega. Secretária de Redação (impresso): Mariana Cioffi. Subsecretário: Sandoval Poletto.

Secretária de Redação (on-line): Aline Baroni. Subsecretária: Iasa Monique. Webmaster: Tiago Capdeville. Comunicação Institucional: André Marques. Assessor de Comunicação: Tiago Cegatta. Chefe de Reportagem: Rodney Caetano. Editores: Ciência e Tecnologia: Suelen Trevizan. Comportamento: Giovana Neiva. Cultura: Amanda Audi. Esportes: Danilo Hatori. Geral: Poli Brito e Raphael Ramirez. Opinião: Vanessa Prateano. Política: Fábio Pupo e Thaíse Mendonça. UFPR: Amanda Menezes e Chico Marés. Fo-

tografia:

Fernanda Trisotto. Capa: Augusto Kraft. Charge: Antoni Wroblewski. Projeto Gráfico: Renata Bossle. Diagramação: Aida Mangue e Renata Ortega. Endereço: Rua Bom Jesus, 650 – Juvevê – Curitiba-PR. Telefone: (41) 3313-2032. E-mail: jornalcomunicacao@ufpr.br Site: www.jornalcomunicacao.ufpr.br Tiragem: 4 mil exemplares. Impressão: Gráfica O Estado do Paraná.


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