Jornal Comunicação

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Co:::unicação

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jornal laboratório do curso de jornalismo da ufpr edição 08 | novembro de 2008

Denúncias

podem tirar do ar cursos à distância da Escola Técnica

Opinião

Comportamento

Ciência e Tecnologia

“A publicidade inadequada cria hábitos inadequados”, afirma especialista em educação

De batom e salto alto, crossdressers lutam contra o preconceito

De ferramenta de pesquisa à dominação do mundo virtual: Google completa 10 anos

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2 Editorial

As denúncias são graves: não se pode usar o leviano argumento da ‘politicagem’ para ignorar irregularidades na movimentação de 20 milhões de reais dentro da própria universidade. Uma investigação meticulosa é necessária. No entanto, ainda não sabemos o mais importante: os alunos formados pelos cursos à distância da Escola Técnica estão capacitados para cumprir o que está em seu diploma? A responsabilidade de quem educa jamais pode ser subestimada. E no caso das instituições públicas, essa responsabilidade é dobrada, pois utiliza recursos públicos para formar as pessoas que devem guiar o futuro de toda uma sociedade. Portanto, o uso irregular desses 20 milhões não é a única coisa a ser questionada. É necessário saber se esses cursos serviram para formar profissionais ou apenas dados estatísticos que não representam uma real democratização do ensino. Além disso, toda essa polêmica serviu, novamente, para demonstrar algo que vem se tornando cada vez mais perigoso dentro da universidade: o descaso com a comunidade externa. Cada vez mais, os gestores da UFPR se escondem atrás de uma pretensa “autonomia universitária” para não prestar contas ao estado que é responsável pela instituição. Em uma matéria do Comunicação de março deste ano, o então reitor Carlos Augusto Moreira Jr. proferiu a seguinte frase: “hoje em dia eu já acho que gestor que não tem problema com o Tribunal de Contas da União é um mau gestor para a instituição”. Meses depois, essa frase seria dita novamente, em um debate, pelo atual reitor Zaki Akel. Quando o diretor da Escola Técnica, Alípio dos Santos Leal Neto, afirma que uma recomendação do TCU é “apenas uma recomendação” e que não precisa ser seguida pela instituição, é demonstrado um imenso descaso com toda a sociedade pela qual a universidade deveria, em tese, zelar. Não só isso: a abertura de cursos sem autorização e sem licitação significa, de certo modo, ignorar as regras estabelecidas pelo estado e se isolar de toda a comunidade a sua volta. É válido dizer, também, que em certos pontos os administradores estão certos: a burocracia, muitas vezes, impede que a universidade seja gerida com mais eficiência. Mas não é passando por cima de todas as regras e abrindo brechas para inúmeras formas de corrupção que a universidade vai funcionar melhor. Uma universidade pública não pode tomar decisões unilaterais. Sua primeira responsabilidade é dialogar com toda a sociedade.

É válida a publicidade infantil? Proibir a veiculação televisiva de publicidade para crianças e adolescentes: é o que pretende o Projeto de Lei (PL) 5921/01, do deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR). O PL, proposto em 2001, já foi aprovado na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara, com algumas alterações. Atualmente o projeto tramita em outras comissões, antes de ser encaminhado ao Congresso. Segundo os defensores do projeto, crianças e adolescentes ainda não têm seu senso crítico desenvolvido integralmente, e, portanto a publicidade direcionada para estes públicos deve ser proibida. “A criança é um consumidor vulnerável”, afirma a doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) Araci Asinelli da Luz. E a criança brasileira é um alvo com grande potencial: segundo pesquisa do Ibope realizada em 2007, ela passa, em média, quatro horas e 50 minutos por dia na frente da TV, um dos maiores índices do mundo. Já para os críticos do PL, a publicidade não é tão poderosa e influente quanto se imagina. É dos pais o papel fundamental de ensinar e determinar o que é necessário e o que é supérfluo para o consumo das crianças. “É fácil culpar a publicidade quando não se tem a formação correta dentro de casa, ou quando o próprio governo não dá as condições necessárias para tal”, afirma Danyel Sak, diretor de criação da CCZ, agência de publicidade curitibana. “Devemos proteger a criança, mas não superprotegê-la”. Em entrevista, Asinelli fala sobre a influência das crianças na hora das compras pela família e o impacto negativo da mídia no surgimento de problemas de saúde infantis. Uma criança tem capacidade de escolher de forma consciente o que é necessário e o que é supérfluo? Já pode ser considerada um consumidor? Asinelli: A criança é um consumidor vulnerável, pois não tem ainda a capacidade crítica de ‘ler’ tudo o que está agregado ao produto – riscos à saúde, dano ambiental, qualidade, durabilidade, valor real, juros agregados, entre outras coisas. Apesar disso, por ser um sujeito de direitos e deveres, trata-se de um cidadão. Embora em

estágio peculiar de desenvolvimento, ela é e tem força enquanto consumidor. Por isso, há um mercado que investe muito dinheiro e a cada dia aprimora mais suas estratégias para a venda de produtos infantis. Estudos demonstram que as crianças exercem grande influência na hora de a família escolher o que deve comprar. Isso é correto? Os pais devem ouvir os filhos sobre qual o melhor produto, sobre o que eles desejam adquirir? Até onde deve ir essa influência? Asinelli: Infelizmente, algumas crianças se tornam verdadeiras ditadoras das normas e desejos em suas famílias. Mas a responsabilidade sobre essas atitudes não é da criança e sim dos seus pais e mães (ou adulto de referência), que não estão sabendo estabelecer os limites. Crianças que não aprendem a compreender e respeitar limites terão dificuldades em gerenciar suas vidas e relacionamentos no futuro. Apesar disso, como seres de direitos e deveres, as crianças devem participar das decisões coletivas familiares, expressando seus desejos e gostos. Os pais devem estar preparados para argumentar sobre as decisões na escolha da escola, do tipo de alimentação, da associação religiosa, do estilo de vestimentas e também dos brinquedos, livros, programações culturais e demais produtos e atividades de veiculação publicitária. A publicidade, da forma como é veiculada hoje às crianças, é prejudicial à sua formação como cidadão? Elas privilegiam mais o ‘ter algo’ em vez de o ‘ser alguém’? Como educadores e pedagogos avaliam o conteúdo dessa publicidade? Asinelli: A influência da mídia na vida das crianças é um assunto recente no que se refere a pesquisas de cunho educativo, e ganharam visibilidade a partir do aumento da violência envolvendo e adolescentes. É importante lembrar que o estilo capitalista de consumo provocou uma mudança danosa dos valores do ‘ser’ para o ‘ter’. E agora, pior ainda, basta ‘parecer ter’. N ã o

sei realmente o nível de consciência de educadores e pedagogos sobre isso, pois a escola tem dado pouca ênfase à questão nos currículos e projetos escolares. A publicidade pode ser considerada um dos fatores responsáveis pelos maus hábitos alimentares das crianças hoje, causadores de obesidade, hipertensão e diabetes desde a infância? Asinelli: Para mim, e para um grupo grande de pesquisadores em educação, não há dúvidas de que a publicidade inadequada cria hábitos inadequados. Ela pode provocar problemas de saúde como obesidade infantil, por veicular produtos com excesso de gordura, sal, açúcares. Além disso, ela veicula modelos estéticos preferenciais, causando bulimia e anorexia infanto-juvenil; estimula o uso precoce de drogas em propagandas de cerveja e outras bebidas, assim como o antigo estímulo ao cigarro; e propicia a banalização do sexo, levando à gravidez precoce e tantas outras manifestações de risco social e pessoal. Críticos do PL para limitação da publicidade para crianças e adolescentes afirmam que os deputados estão subestimando a influência dos pais no processo de formação do caráter da criança e dando muita importância à publicidade. Levando-se em conta que a criança brasileira fica quase 5 horas diárias na frente da TV, uma das maiores médias do mundo, e de que os pais têm cada vez menos tempo para os filhos, esse receio do poder publicitário não faz sentido? Asinelli: Embora a tarefa de educar seja prioritariamente da família, é papel do poder legislativo dar o suporte legal para a ação efetiva do comportamento social frente à educação, saúde, segurança etc. O Código Internacional de Prática Publicitária da Câmara Internacional do Comércio já estabelece que “os anúncios em nenhum caso devem explorar a credulidade natural ou a falta de experiência da criança, nem podem prejudicar o seu senso de lealdade, e não devem influenciá-la com afirmações ou imagens que possam resultar em prejuízo moral, mental ou físico”. Portanto, basta regulamentar essa questão à luz de nossa cultura e necessidade, sem politicagens e interesses escusos e particularizados. Aos críticos, cabe o seu papel de provocar a dúvida , estimulando um debate que busque soluções adequadas para mais esse dilema social. Bruno Rolim

Antoni Wroblewski

Os limites da autonomia

opinião


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ufpr ENSINO À DISTÂNCIA

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Ministério Público investiga irregularidades em convênios da UFPR

Uma série de denúncias contra a Escola Técnica da UFPR (ETUFPR) pode impedir a criação de cursos à distância na instituição. O Ministério Público Federal (MPF) expediu uma recomendação no dia 23 de outubro de 2008 para que fosse suspensa a abertura de cursos novos por parte da Escola Técnica, em função de irregularidades em convênios e acordos firmados entre a Universidade e instituições privadas. De acordo com o MPF, o contrato entre a UFPR, Funpar e o Instituto Tecnológico de Desenvolvimento Educacional (ITDE) movimentou cerca de 20 milhões de reais. As acusações partiram de um grupo de professores da Universidade. Wilson Alcântara Soares, professor de Física da UFPR, afirma que o termo do convênio, assinado em junho de 2004, previa a abertura dos cursos técnicos à distância em contabilidade, secretariado, administração e administração pública. No entanto, outros foram ofertados em desacordo com o termo de convênio. “Ao todo, são 11 cursos à distância, inclusive com cobrança de mensalidade e material didático”. Soares afirma que havia inclusive um cursinho pré-vestibular, ministrado por professores da Universidade. O convênio foi encerrado em 2007. O presidente do ITDE, Marcos Paterno, nega que houvesse cobrança de mensalidade. Ele alega que apenas o material era cobrado – e só para quem quisesse ter acesso. “Não obrigávamos ninguém a comprar o material, assim como nenhum aluno é obrigado a comprar livros didáticos em quaisquer cursos na UFPR”. Segundo o MPF, os 20 milhões de reais movimentados pelo convênio vêm do pagamento de matrículas e venda de materiais didáticos – toda a quantia foi depositada em contas particulares e não atendiam à solicitação de prestação de contas feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em 2007. A fiscalização do TCU concluiu que várias atividades promovidas através do acordo entre a UFPR e o ITDE eram ilícitas. O Ministério Público deu o prazo de 15 dias para que a UFPR cumpra as recomendações. O diretor da Escola Técnica, professor Alípio dos Santos Leal Neto, afirma que o teor do texto publicado pelo Ministério Público é passível de interpretação. De acordo com ele, a recomendação não proíbe a Escola Técnica de abrir novos cursos. “Foi feita uma recomendação e não uma imposição”. Essa não é a primeira vez que a Justiça investiga irregularidades no convênio. No final de 2007, o TCU determinou à UFPR que exigisse do ITDE os relatórios, assim como a prestação de contas, relativos à arrecadação obtida por cursos livres, ministrados nos estúdios da Escola Técnica. Além disso, a Funpar deveria repassar todo o dinheiro arrecadado pela execução do convênio. A Assessoria de Imprensa da Funpar foi procurada para esclarecer o caso, mas não quis comentar sobre o assunto pelo fato de o convênio já ter sido finalizado.

Antonella Iacovone

Por trás das tele-salas

Convênio movimentou R$ 20 milhões sem prestação de contas , aponta Ministério Público

Sem licitação Soares afirma que o convênio foi feito sem a abertura de licitação para que as atividades fossem desenvolvidas. Segundo a determinação feita pelo Ministério Público e pelo TCU em 2007, a UFPR deve exigir da Funpar a realização de licitação para a execução de qualquer projeto entre a Universidade e terceiros. Marcelo Rodrigues da Silva, coordenador de Relações Institucionais da PróReitoria de Planejamento da UFPR (Proplan), informou que não havia necessidade da realização de licitação para o termo de convênio firmado entre a Universidade e o ITDE. A determinação parte do Manual de Convênios, válido desde 2004 – o mesmo ano em que o acordo foi firmado entre as partes. “Os interesses em um convênio são os mesmos, trata-se de uma parceria. Não há necessidade de licitação”, defende. Leal contesta que a cobrança por parte do Ministério Público em relação à realização de licitação é indevida. Segundo ele, não houve liberação de verbas públicas do Tesouro Nacional para o ITDE, portanto, não haveria necessidade de realizar licitação. “O que ocorreu foi o movimento contrário de verbas. Todos os custos para instalação de equipamentos e transmissão das aulas vieram da ONG”. Além disso, segundo Soares, o ITDE fazia a oferta desses cursos através de sua página na Internet . “Eles oferecem os cursos no interior do estado e em outros lugares do país; arrecadam com mensalidade e o diploma sai da Universidade”, afirma. No entanto, o ITDE não tinha autorização da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED) para ministrar os cursos. Na ocasião, o instituto só tinha autorização para oferecer equipamentos para a UFPR.

Paterno alega que todos os cursos eram de responsabilidade da Escola Técnica e que a ONG oferecia apenas o material técnico para as tele-salas e o canal via satélite para a transmissão das aulas. “Nós somos o meio. Damos as ferramentas para os cursos à distância. As aulas eram responsabilidade da Escola Técnica”, declara.

Estrutura precária Outro ponto questionado por Soares é a qualidade da estrutura oferecida pelo ITDE à UFPR para a realização dos cursos. Segundo ele, tanto em equipamentos técnicos quanto em profissionais, o Instituto deixa a desejar. “As tele-salas eram lotadas de alunos, que assistiam às aulas por meio de um pequeno televisor. O número de monitores para cada turma era insuficiente para tantos alunos”. Soares afirma também que a hora/aula nos cursos era de apenas 33 minutos, enquanto os técnicos formados recebiam diploma como se tivessem assistido a uma aula normal na UFPR, com 50 minutos. Paterno confirma o tempo menor de aulas, mas defende que até mesmo as aulas presenciais possuem menos tempo. “Cerca de apenas 20 minutos são realmente aproveitáveis numa aula. O fato de o professor se atrasar, por exemplo, diminui o tempo. No nosso caso, eram 33 minutos totalmente dedicados aos alunos”. Quanto aos problemas de falta de estrutura que o ITDE oferecia à UFPR, Paterno rebate acusações e nega que o apoio técnico não estivesse à altura da Universidade. “Todos os nossos equipamentos são de boa qualidade. Tanto é que todos eles, e o estúdio montado na Escola Técnica, foram doados à Universidade”.

O diretor da Escola Técnica não quis entrar em detalhes sobre as acusações feitas pelo professor Wilson Soares e apenas disse que isso é reflexo da falta de conhecimento das pessoas sobre o caso. “Eles nos acusam, mas não quiseram vir até aqui para conhecer como funciona a estrutura”, afirma Leal. Ele diz que, por serem novidade, os cursos geram polêmica. “Há uma resistência natural nestes casos. As pessoas não têm noção daquilo que realmente ocorre e expressam opiniões sem fundamento”. Para Alípio, os protestos do professor são frutos de um jogo político que na época pretenderia desestabilizar a reeleição do ex-reitor Carlos Augusto Moreira.

Acúmulo de cargos Além dos problemas com o convênio e a estrutura oferecidos pelo ITDE, Soares cita que os professores da UFPR utilizavam tanto o horário vago quanto o horário de trabalho na Universidade para dar aulas nos cursos à distância – o que caracterizaria acúmulo de cargos. O professor se baseia nas leis do Regime Jurídico Único, que determina que apenas nos horários vagos de trabalho em instituições públicas o funcionário público pode exercer outra profissão. Paterno confirma a situação, mas diz que isso é um problema a ser resolvido pela UFPR. “Os professores vinham exigir salário pelas aulas nos cursos do convênio. Esse foi um dos problemas que nos desestimulou a continuar”, declara. Tanto a Funpar quanto a direção da Escola Técnica não quiseram comentar sobre este caso. Rodrigo Batista


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comportamento

CROSSDRESSERS Heterossexuais que sentem prazer ao se vestir de mulher

Homem de saia, salto alto, batom e lingerie

Caricaturas de mulher Eliane ressalta ainda que há grandes diferenças entre os travestis ‘normais’ e os CDs. Os travestis são homens com características femininas adquiridas por meio de hormônios ou plásticas, que agem e se vestem como uma mulher, e geralmente são homossexuais. “O CD é um travesti diferente, que tem a vida masculina estruturada também”, explica. A imagem que se tem dos travestis está muito associada à marginalidade. Os CDs são, na maioria, pessoas bem sucedidas, que trabalham e levam vidas relativamente normais. Segundo Vanessa, eles não têm a pretensão de se tornarem mulheres perfeitas. “As mulheres já nascem prontas. Nós passamos por todo um aprendizado e chegamos a uma caricatura do que é uma mulher”. Muitos CDs, que são heterossexuais em sua maioria, brincam que gostam tanto de mulheres que resolveram tornar-se uma.

tir para eles que o Reinaldo é o que é, um bom profissional, e é isso que importa”. Mas, quando está montado e encontra algum conhecido, a desculpa é sempre algo do tipo ‘perdi uma aposta, por isso estou assim’. O anonimato, segundo ele, é o ‘grande barato’ do crossdressing. Vanessa concorda: “Seu vizinho ou alguém da sua família pode ser um CD, e você, talvez, nunca saiba disso”. Carlos/Patrícia é hétero convicto e nunca teve dúvidas sobre sua sexualidade. “Mulher põe roupa de homem e ninguém liga. Mas se um homem põe uma sandália, uma saia, é gay. Não posso fazer isso e continuar a ser heterossexual?”, questiona. No entanto, ele admite que o crossdressing não é considerado “normal” na sociedade, e respeita a visão de quem não entende. Ele acredita que por ter desenvolvido mais seu lado feminino consegue também entender melhor as mulheres. “Vou comprar roupa no shopping junto com a namorada, a gente dá opinião um pro outro, é uma relação diferente”, explica. Rafaela, sua namorada, completa: “É como se fosse a sua melhor amiga, mas é seu namorado ao mesmo tempo”.

Juliana Vitulskis

Desde a infância, Roberto preferia estar no grupo das meninas, e olhava mais para vitrines femininas. Quando jovem, usava roupas da mãe ou da irmã, em segredo. “Você repara mais em coisas que só mulheres reparam”, afirma. Ele não é homossexual, mas sente prazer em se vestir como mulher. Roberto é um crossdresser (CD) e Vanessa está incorporada à sua personalidade. O crossdressing é um tipo de travestismo considerado Distúrbio de Identidade de Gênero – quando a pessoa não se adequa ao seu gênero físico. Segundo a psicanalista Eliane Kogut, cujo tema da tese de doutorado foi o crossdressing masculino, ele é um distúrbio principalmente do ponto de vista cultural, pois vai contra costumes e tradições vigentes. Ela acredita que, futuramente, o crossdressing deve ser visto de outra forma, como a homossexualidade, que deixou de ser considerada um distúrbio em 1974. Segundo Roberto/Vanessa, o que os CDs sentem é a necessidade de vivenciar o sexo feminino. “Queremos nos vestir e nos portar como uma mulher. É assim como uma necessidade que se tem de fumar ou beber”, conta. Eliane concorda e diz que não se trata de uma escolha. “Se eles não se vestirem, a angústia vai a níveis muito elevados. É como uma droga, porque existe uma espécie de fissura”. Essa angústia oscila entre a vontade incontrolável de se vestir de mulher e a negação total do ato. Os CDs normalmente começam a se travestir ainda na infância, antes da chegada da puberdade. Segundo a pesquisa de Eliane, a maioria começa entre quatro e seis anos de idade. Não há comprovação de que haja alguma relação com a carga genética, porém, acredita-se que o fator biológico e o cultural se complementam na formação de um crossdresser. “A influência cultural pode vir de uma mãe apagada, um pai mais agressivo, ou mais ausente, que seja alguém com quem o filho não queria se identificar”, explica a psicanalista.

Crossdressing não é fetiche

“Passamos por todo um aprendizado e chegamos a uma caricatura do que é uma mulher”, conta Vanessa

Se o CD é solteiro, pode formar seu guarda-roupa feminino com mais liberdade. Já quando é casado, contar para a esposa é um passo difícil. Muitas vezes, essa condição não é aceita pela mulher, o que pode inclusive acabar com relacionamentos. No entanto, muitas apóiam e, às vezes, até participam. Vanessa foi casada por 20 anos, e sua esposa não aceitava a situação. Seus dois filhos não sabem que o pai é CD. “Eu viajava muito, aí levava as roupas e me satisfazia escondido”. Vanessa, no entanto, acredita que o principal não é a aceitação dos outros, mas a própria. “Várias vezes eu tentei negar isso. Mas até você descobrir quais são seus limites, é um caminho dolorido”, diz. Quando ainda não sabia o que era o crossdressing, achava que era homossexual. “Eu sabia que a sociedade não aceitaria, eu não queria ser gay! E, ao mesmo tempo, eu nunca me senti atraído por menino nenhum”, lembra. Eliane diz que eles pensam que são aberrações até descobrirem que existem pessoas com o mesmo problema. A facilidade de encontrar informações na internet e organizações como o Brazilian Crossdresser Club (BCC) ajudam muito. O BCC realiza eventos para que

os CDs possam conviver socialmente e aproveitem momentos de encontro para ficarem ‘montados’ (vestidos de mulher). Compartilhar as experiências com pessoas que passam por situações semelhantes é muito importante para eles, segundo Eliane.

Marido, pai e crossdresser Atualmente, Vanessa diz que só se relacionaria com uma mulher que aceitasse e tivesse pleno conhecimento do crossdressing. “De que adianta amar uma pessoa, mas não compartilhar com ela minha totalidade? Não quero mais esconder, já chega o que escondo no trabalho e da família”, afirma. Como mora sozinha, Vanessa tem mais liberdade para guardar suas peças femininas. “Tenho um guarda roupa que qualquer mulher teria, e há muito tempo que só uso lingerie feminina”, revela. Para os que têm a cumplicidade da esposa, fica mais fácil assumir o crossdressing. Reinaldo é casado, tem filhos e parte de sua família conhece seu outro lado. No escritório em que trabalha, onde também é o chefe, não esconde Kelly de seus funcionários. “Eu consegui transmi-

Segundo a tese de Eliane, uma parte dos CDs é bissexual e outra é heterossexual. Ela não conheceu, durante toda a pesquisa, um crossdresser que fosse homossexual. Quanto ao erotismo, que é aquilo que provoca e mantém a excitação, eles não se enquadram em nenhuma dessas opções. Para um homem homossexual, por exemplo, o objeto de desejo é outro homem. Para o heterossexual, é o sexo oposto. Mas, para os CDs, apesar de terem relações com os dois gêneros, o erotismo não está voltado para a outra pessoa, e sim para a própria figura feminina que eles constroem. Essa figura não é uma personagem, porque não se trata de uma atuação. “São eles próprios”, diz Eliane. E também não é apenas um fetiche porque, no caso dos fetichistas, a relação com o vestuário feminino não está associada ao transtorno de gênero. É apenas um desvio do objeto de desejo sexual para peças específicas, como calcinhas ou sapatos de salto alto. “Esses que têm apenas o fetiche de botar uma calcinha e aparecer no Orkut ou numa webcam não são CDs de verdade”, explica Vanessa. A grande diferença, de acordo com Eliane, é que os CDs têm alguns componentes femininos na personalidade. Mas a mulher que eles acreditam ser é criada do ponto de vista masculino, a partir do que eles acham que a mulher é e pensa. “As mulheres não sentem prazer em balançar os cabelos, com o ‘toc toc’ dos tamancos, ou em vestir uma meia calça, por exemplo. Mas, para eles, o prazer de ser mulher é vestir a roupa e balançar os cabelos”, exemplifica a psicanalista. Juliana Vitulskis


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ciência e tecnologia GOOGLE

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Com dez anos de existência, marca é uma das mais conhecidas do mundo

Pedro de Castro

Do projeto de garagem à ‘dominação do mundo’

O mundo Google

— O que faremos esta noite, Cérebro? — O mesmo de todas as noites: tentar dominar o mundo. Os ratinhos do desenho animado Pinky e o Cérebro sempre se frustravam nas tentativas de comandar o planeta. Infelizmente para eles, outra dupla tomou a dianteira nessa corrida. Em 1996, os estudantes de ciência da computação Larry Page e Sergey Brin desenvolveram um mecanismo de pesquisa chamado BackRub. Dois anos depois, esse sistema seria renomeado Google. A empresa, que começou em uma garagem, hoje, aos dez anos de existência, contabiliza um trilhão de endereços de páginas na web. Mas não é só o sistema de busca que torna a empresa uma das mais fortes do mundo. O analista de sistemas Emílio Yamane comenta que, se um determinado campo envolve informação, provavelmente o Google tem alguma participação. “Construção de sites, fotos, blogs? Google Sites, Picasa Web, Blogger e Blogspot, fora os vídeos com o YouTube. Pesquisa em energia? Sim, o Google faz, afinal, os enormes centros de processamento consomem muita energia. Registros médicos? Google Health”, enumera o analista. Antes do sistema de busca do Google, havia outros, como o Alta Vista e o Cadê?. “As principais reclamações eram o tempo, a qualidade e a quantidade das respostas retornadas”, comenta o professor de Ciência da Computação da Universidade de Rio Verde (GO), Rodrigo Campiolo. Para Yamane, o diferencial do Google é o fato de trazer resultados mais relevantes do que os oferecidos pelos concorrentes, poupando tempo para quem o utiliza. O analista explica que o papel do buscador é centralizar e filtrar informações. Como empresa, o Google também se destaca no mercado de propaganda e marketing online, principalmente com o AdSense (mecanismo que exibe anúncios relacionados com o conteúdo do site). Campiolo acredita que essas inovações, que resultam na prestação de serviços gratuitos de qualidade na web, é que tornaram a marca tão conhecida quanto Coca-Cola e Microsoft.

Segundo o professor, vários fatores fazem com que os serviços oferecidos pelo Google sejam bem avaliados. Os principais são a infra-estrutura física – a quantidade e a qualidade das máquinas empregadas – e a distribuição do serviço. “O Google emprega mecanismos clássicos de sistemas distribuídos (conjuntos de computadores autônomos) para garantir escalabilidade (capacidade de determinado equipamento em receber implementações) aos seus serviços, como mecanismos de redundância e disponibilidade, isto é, várias máquinas oferecem o mesmo serviço”, aponta. A atuação do Google em propor novas formas de se resolverem problemas é também mencionada pelo analista de informática e coordenador de segurança de rede da Companhia de Informática do Paraná (Celepar) Tarso Dutra de Queiroz. “Cada parte do serviço de pesquisa sofre constante evolução, por isso algumas dessas partes, através de um novo e mais eficiente modo de execução, respondem de forma rápida e apresentam informações mais consistentes”, afirma.

‘Não vivemos sem o Google’ Mesmo um sistema tão eficiente tem aspectos negativos. Para o analista Yamane, além de provocar o risco de dependência, também pode prejudicar a produção intelectual. “As pessoas podem tender a pensar menos, criticar menos a informação que lhes é apresentada e simplesmente fazer uma cópia do que eles encontram pelo Google”, observa. Várias comunidades na página de relacionamentos Orkut – que também pertence ao Google – expressam essa dependência. Uma das que mais se destacam é Eu não vivo sem o Google, que possui mais de 32 mil membros. Entre eles, estão o estudante Leonardo Iago Wagner, o técnico de suporte à tecnologia da informação André Behar Ribeiro e a professora Ana Letícia Franco. Wagner considera o Google importante pela facilidade de encontrar toda informação de que precisa, como pesquisas para estudos e para outros fins. “Depois

que inventaram essa ferramenta, tudo ficou mais fácil. É só digitar o que deseja, e, em segundos, estão diante dos seus olhos matérias que você poderia ficar muito tempo procurando em livros, revistas, etc”, comenta. Para ele, se o Google não existisse, o tempo seria mais escasso, e, assim, as tarefas não seriam tão produtivas. “Sinceramente, nem lembro como era a minha vida antes do Google”, diz Ana Letícia. Para Ribeiro, o diferencial do Google é o critério de indexação, que define como relevantes as páginas mais mencionadas (por links). “Um site especializado em Fórmula 1 é citado em muitos sites e fóruns de aficionados sobre o assunto, logo, quando eu buscar ‘Fórmula 1’, o primeiro site será este especializado e não os de aficionados, porém amadores”, exemplifica.

E o plano de dominação? Ao contrário dos ratinhos do desenho animado, não se sabe se o Google possui mirabolantes planos de dominar o planeta, mas há o consenso de que ele já tem uma forte atuação nesse sentido. Queiroz lembra que essa ‘onda’ de liderança no mundo da informática não é inédita. “Foi assim na era do mainframe ou hardware com a IBM, e na era do sistema operacional ou software com a Microsoft”. O segmento no qual o Google trabalha é global, portanto, não há fronteiras para seus serviços. Além disso, existe a possibilidade de registrar informações sobre os usuários. “Imagine que toda vez que alguém acessa um serviço do Google, toda e qualquer informação pode ser armazenada e cruzada com os diferentes serviços oferecidos. É possível prever, usando técnicas adequadas, muitos comportamentos e, por que não, estabelecer certo controle sobre as ações de um usuário”, comenta Campiolo. Para Yamane, o Google já domina o mundo. “Mas isso não é uma coisa necessariamente ruim, pois essa dominação está dependente de quão eficiente o sistema é”. Para ele, se uma empresa mais eficiente aparecer, pode representar uma ameaça para a marca. “Claro

O nome surgiu a partir da palavra ‘googol’, termo matemático que designa o número representado pelo algarismo 1 seguido de uma centena de zeros – símbolo da missão de organizar a grande quantidade de informações na web. A empresa, que também tem sede no Brasil, procura desenvolver um ambiente descontraído de trabalho. Conheça alguns fatos curiosos desse planeta nerd. - A empresa apelida de ‘Googler’ seus funcionários. Há outros termos internos derivados desse: ‘Noogler’ (novo Googler), ‘Gaygler’ (Googler gay) e ‘Greygler’ (um Googler de uma ‘certa idade’). - No dia 15 de dezembro de 2006, os Googlers de todo o mundo vestiram pijamas e chinelos para trabalhar no primeiro Dia do Pijama da empresa. Alguns opositores vestiram smoking. - Em maio de 2007, foi plantada uma horta no meio do Googleplex (complexo de edifícios da empresa em Moutain View, Califórnia) e as verduras foram usadas nas refeições oferecidas durante o café. - Uma tradição são as histórias lançadas em todos os 1 de abril. Em 2000, foi anunciado o MentalPlex: a capacidade do Google de ler sua mente enquanto você visualiza os resultados de pesquisa desejados. Em 2005, o novo produto era uma bebida mágica que tornava os usuários mais inteligentes e mais capazes de usar corretamente os resultados de pesquisa. Tudo não passou de brincadeira – pelo menos foi o que informou o Google. que, com a visão estratégica certa, eles acabariam comprando o ameaçador, antes que ele crescesse demais”. Queiroz elege o Google como a companhia que hoje melhor apresenta resultados para o modelo baseado em serviços. Já Ana Letícia é mais simples ao expressar a hipótese de dominação: “Todo o mundo conhece, usa e aprova. O que mais é preciso para mandar em tudo?”. Juliana Karpinski


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cultura/geral

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INCENTIVO À CULTURA

Mudanças na Lei Rouanet não resolvem questões problemáticas

Uma questão de incentivo panhia Interamericana de Entretenimiento (CIE) para a produção do espetáculo Saltimbanco, do grupo canadense Cirque Du Soleil no Brasil. Segundo o advogado tributarista Marcelo da Silva Prado, o episódio foi um caso de “indireta entrega de dinheiro público para um particular que pretende obter lucro com esse empreendimento” – os ingressos custavam entre 130 e 400 reais. Hoje, o Ministério da Cultura (MinC) admite o erro: “O caso Saltimbanco foi uma mostra de que havia coisas erradas na Lei, pois um projeto do porte do Cirque du Soleil jamais deveria Antonella Iacovone

Para acelerar a aprovação de projetos culturais incentivados por renúncia fiscal, foi criada a Portaria nº 54 da Lei Rouanet (nº 8.313/91), no dia cinco de setembro. A idéia é reduzir a burocracia no processo. No entanto, para muitos artistas a mudança não resolve as maiores falhas do incentivo à cultura no país, como o uso de dinheiro público para o financiamento de espetáculos comerciais. Um caso emblemático ocorreu em 2006, quando o governo liberou uma quantia de R$ 9,4 milhões à empresa mexicana Com-

A peça Se Oriente, oxente demorou quatro anos para receber uma resposta da Lei Municipal de Incentivo

ter recursos públicos, já que eles cobram ingressos muito caros e não é o tipo de ação que democratiza a cultura”, afirma o secretário de incentivo e fomento à cultura do MinC, Roberto Gomes do Nascimento Para o produtor cultural Marcos Cordiolli ainda é grande a dificuldade de se regionalizar os incentivos. “As empresas preferem investir em regiões com maior possibilidade de retorno”, afirma. Até hoje, foram 4144 projetos aprovados na Lei Rouanet - apenas 193 são paranaenses, enquanto São Paulo representa 1255 e o Rio de Janeiro, 1003. No Paraná, três desses projetos são trabalhos do fotógrafo João Urban. Os dois primeiros livros, Aparecida e Tu i Tam, tiveram patrocínio parcial ou integral da Petrobras. Urban conta que o processo de captação para seu terceiro projeto, o livro O Mar e a Mata, está mais complicado. “Não há uma única empresa para apoiar, temos de bater de porta em porta”, relata. “A Lei Rouanet deixa o poder de decisão dos incentivos para as empresas. Além disso, há o erro no mecanismo de mecenato, pois os artistas que já têm visibilidade são privilegiados”, critica Marcos Cordiolli. Segundo a chefe da representação do Ministério da Cultura na Região Sul Rozane Dalsasso, o mecenato viabiliza benefícios fiscais aos investidores que apóiam projetos culturais. “Empresas e pessoas físicas aproveitam a isenção em até 100% do valor no Imposto de Renda e investem em projetos

culturais. Além da isenção fiscal, elas investem também em sua imagem institucional, tendo benefícios em sua marca”, explica. Uma outra opção para o financiamento de cultura é a Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Curitiba. Enquanto na Lei Rouanet o patrocinador abate o Imposto de Renda, na Lei Municipal recebe isenção fiscal de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto Sobre Serviços (ISS). Implantada em 1993, a lei é ferramenta fundamental na produção cultural da cidade. O limite de valor de projeto nessa lei é de 80 mil reais e os artistas devem apresentar contrapartida social. “Isso pode acontecer com a cobrança de preços menores nos produtos ou outras formas. No caso dos meus livros, eu forneci exemplares para as pessoas fotografadas, gratuitamente. É uma forma de se retribuir o apoio”, explica João Urban. A produtora cultural Núbia Cabral teve seu projeto protocolado na lei em 2000, mas só apresentou a peça Se Oriente, oxente neste ano. E demorou quatro anos para receber resposta. “Enquanto isso, projetos do pessoal mais famoso eram aprovados quase que imediatamente”, diz. Ela conta que quando recebeu a permissão do financiamento, os valores da planilha inicial já estavam defasados. “O empresariado em geral não quer incentivar a cultura, mas sim conseguir divulgar suas marcas sem gastar”, diz. Bruno Rolim

TERCEIRA IDADE Voltar a estudar após os 60 anos pode trazer benefícios físicos, psíquicos e sociais

A visão sobre a vida depois dos 60 anos mudou: o número de pessoas que voltam a estudar, para concluir o ensino fundamental, cursos universitários ou de línguas, é cada vez maior. A aluna do curso de Letras Maria Cristina Barbosa, 69 anos, é uma delas. “Enquanto eu tiver condições físicas e psíquicas para continuar aprendendo, não irei parar”, afirma. “Quando me casei, parei de estudar: marido, filhos e os cuidados com a casa não me permitiam ”, conta. Agora, com os filhos criados e netos já na universidade, ela voltou a estudar. “Quando me falavam para começar um curso para ocupar meu tempo livre, me indicavam curso de crochê, tricô, hidroginástica. Mas nada disso me atraía, eu queria mesmo entrar na faculdade”. Na metade do seu sonhado curso de Letras, Maria se orgulha: “Não pensei que tinha capacidade para realizar meu sonho, hoje vejo que posso ir até mais longe”. Os benefícios de voltar a estudar na terceira idade podem ir além da satisfação pessoal: o retorno às salas de aula também faz bem à saúde. O psiquiatra Felipe Batistela explica que o idoso, ao retomar os estudos, resgata

sensações agradáveis da época em que ainda estudava e recupera o prazer de viver, muitas vezes desgastado. Ele percebe a possibilidade de ser útil em uma sociedade que desvaloriza sua eficiência. “Toda essa melhora de auto-estima bloqueia a ansiedade e evita quadros de depressão próprios de uma vida que já não fazia mais sentido”, conta. E não é preciso passar em um vestibular para voltar a estudar após os 60. Uma solução simples para ocupar a mente é estudar idiomas. Américo Pereira, de 72 anos, está no nível intermediário de inglês. “Depois da aposentadoria, estou realizando meu sonho”, afirma Pereira. “Às vezes, nem acredito que consegui aprender com essa idade”. Foi seu filho, o gerente de marketing Gilberto da Rocha, quem o incentivou:. “Ele tinha receio de não conseguir acompanhar e ficar envergonhado na frente dos colegas mais jovens”, diz Rocha. Porém, Pereira afirma que hoje não possui nenhum problema de relacionamento com os outros alunos e que agora é uma pessoa mais sociável. “Conviver com pessoas jovens me faz sentir mais animado, capaz e útil, coisa que eu não sentia há muito tempo, desde que me aposentei”, conta. “Parece que revivi muitos anos da minha vida”.

Vinícius Fujii

De volta às carteiras Ele lembra também que a memória da maioria das pessoas com mais de 60 anos não é tão promissora, e que os idosos são mais vulneráveis a doenças degenerativas. No entanto, a freqüência estudantil amplia as conexões neurais e multiplica caminhos para a recuperação de informações perdidas com o tempo. “Já há pesquisas da neurociência que correlacionam a maior atividade intelectual com a menor incidência de doenças degenerativas como o Alzheimer”, conta.

O tricô está com os dias contados

No entanto, Batistela recomenda ficar de olho no estresse. “Cuidados nessa retomada à vida intelectual, como perseverança e moderação, devem ser tomados”, afirma. Essas medidas são formas de evitar desgaste desnecessário para o cérebro. “Boa parte das vezes, ele se encontra ‘destreinado’ e, portanto, precisa ser gradualmente estimulado”, explica.

Possibilidades

Vale lembrar que há cursos específicos para quem tem mais que 60 anos. O Serviço Social do Comércio do Paraná (SESC), por exemplo, possui mais de 10 modalidades. “Os cursos vão desde dança de salão, violão e inglês até dança do ventre”, explica a coordenadora da sede Água Verde, Isabela Valin. Outro exemplo é um curso de inglês ofertado pelo Centro de Línguas da UFPR (Celin). Nele, a idade mínima para a matrícula é 40 anos, mas a turma é dominada pela terceira idade. Keilla Rebello


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política LICITAÇÕES

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Compromissos assumidos durante a campanha podem interferir na aplicação de recursos

O Ministério da Justiça encaminhou aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado um esboço da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre a reforma política. Entre outras alterações, o texto prevê a implementação do financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais. Após o dia 15 de novembro – quando termina o prazo para as entidades e partidos encaminharem sugestões de alteração – a PEC deve seguir para apreciação no Congresso Nacional. Nas eleições municipais deste ano, os oito candidatos à prefeitura de Curitiba arrecadaram, juntos, mais de R$ 16 milhões durante a campanha eleitoral. Cerca de 60% desse dinheiro vem de doações de empresas e associações, as chamadas pessoas jurídicas. Caso a proposta seja aprovada nas duas casas legislativas, as eleições presidenciais de 2010 já deverão ser financiadas integralmente com fundos públicos. Para o economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Giácomo Balbinotto Neto, o financiamento privado das campanhas e a relação de interesse entre as empresas e políticos têm conseqüências para a administração pública. “Mesmo se analisarmos a questão pelo viés ‘inocente’, de que as empresas contribuintes nas campanhas eleitorais concordem com a ideologia do candidato, e por isso doem o dinheiro, o nome da empresa vai estar mais próximo dos governantes e, querendo ou não, será beneficiado”, declara Balbinotto. Balbinotto realizou uma pesquisa envolvendo possíveis fraudes no esquema de licitações em rodovias de Porto Alegre. Segundo os dados levantados por ele, uma rodovia que tem, em média, dez anos de vida útil estava sendo consertada a cada três anos. “Disso podemos concluir que, ou o material usado é de péssima qualidade, ou as obras não são necessárias e estão sendo feitas para garantir dinheiro à empresa que trabalha com isso, que ganhou a licitação”, diz ele. Para o pesquisador, casos como esses são vistos em todo o país, não apenas em Porto Alegre. “Temos essa ‘percepção de corrupção’ a partir de alguns sinais: empresas que en­viam presentinhos aos representantes do poder público, investidores nas campanhas políticas que conseguem licitações, pagamento de sobre-preço com o dinheiro da União. Mas é difícil ter certeza, ter provas para poder fazer uma denúncia”, afirma.

Como funcionam as licitações Segundo dados do instituto Transparência Brasil, entidade não governamental dedicada a combater a corrupção no país, as fraudes representam mais de 30% dos custos decorrentes de processos de licitação. “É praticamente impossível falar em corrupção sem que se lembre dos escândalos em compras do Estado junto a fornecedores por meio de licitações”, afirma o diretor-executivo da organização, Cláudio Weber Abramo. A licitação é o procedimento que regula as compras e contratação de serviços pelo poder público. Regidas por lei federal, elas

Antonella Iacovone

Do financiamento de campanha à corrupção caso, o governo tem autoridade de convidar uma empresa para realizar a obra, passando por cima do processo de licitação. Mas é válido notar que esse tipo de caso aumenta significativamente nos meses que precedem as eleições”.

Os pregões eletrônicos

Placas de sinalização, semáforos, asfalto: todos esses serviços devem passar por licitação

estão submetidas ao princíipio da “livreconcorrência” e a exigência de “legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade”. Para escolher uma empresa que forneça material para determinada obra do governo, é necessário um processo no qual todas as empresas capacitadas para cumprir com as exigências do pedido sejam julgadas de forma neutra e imparcial – e que este julgamento e seus meandros sejam de acesso livre para o conhecimento público. Para Silvana Beatriz de Brito, presidente da Comissão Permanente de Licitação e Pregoeira da Prefeitura Municipal de Curitiba, a administração tem se empenhado para evitar fraudes e irregularidades. Ela cita a descentralização do poder de compra como uma medida para agilizar o processo, além de diminuir as chances de irregularidades. “Até 2004, a Secretaria de Administração era responsável por todas as compras da prefeitura, desde materiais de construção até lápis para escritório. Depois, percebemos que era melhor formar comissões especializadas para tratar de cada necessidade”. Fraudes envolvendo licitações são comuns na política brasileira. Um dos casos mais recentes foi o “escândalo das sanguessugas”, ou “escândalo das ambulâncias” – no qual alguns parlamentares foram acusados de serem beneficiados por compra de ambulâncias. Para o diretor-executivo da

Transparência Brasil as licitações colocam de um lado funcionários públicos, com poder de gastar o dinheiro da União, e de outro, fornecedores do serviço pretendido, que têm grande interesse em vender seu produto. “Se deixados à própria vontade, inevitavelmente esses compradores e fornecedores entrarão em conluio”, afirma Abramo. Para ele, a iniciativa corruptora pode partir de qualquer uma das partes do processo, mas, de qualquer forma, as vantagens no campo econômico se sobreporiam a questões morais. Abramo explica que o principal aspecto falho no processo de compra de bens e serviços pelos órgãos públicos é o fato de que os próprios governantes têm a responsabilidade de analisar quais são as empresas aptas a cumprir o que é proposto nas licitações. Para o especialista, a seleção como é feita hoje desconsidera especificações técnicas. “Os administradores do poder público levam em conta aspectos subjetivos travestidos de considerações técnicas, ‘vendendo’ o resultado do julgamento”, diz. Balbinotto conta também que, além dos processos de licitação já permitirem uma margem para as fraudes, em determinados casos os governantes podem optar por não licitar um serviço. “Há obras ditas emergenciais, como um desmoronamento em determinada área da cidade que precisa ser resolvido naquele momento. Nesse

De acordo com o consultor Marcos Araújo de Aquino, proprietário de uma empresa que presta assessoria na área de licitação, os pregões eletrônicos têm possibilitado maior transparência nos processos de compra de bens e serviços por parte de órgãos públicos. Ele explica, entretanto, que o pregão eletrônico ainda não foi completamente implantado nos municípios, onde as fraudes seriam mais comuns. “Ainda há muita ajuda partidária e questões de corrupção nos municípios, mas a internet, que é um meio democrático para essas questões, é um grande avanço na transparência e no princípio de publicidade”. Brito explica que a divulgação das compras pela internet possibilita maior fiscalização ao processo. No entanto, apesar de Curitiba já trabalhar com os pregões eletrônicos, as fraudes e irregularidades ainda existem. “Apesar de todas as nossas medidas preventivas, a fraude ainda acontece. É utópico achar que não, e por isso devemos manter sempre a transparência e tomar precauções para que não aconteça”, defende. “Infelizmente, apesar de os escândalos se sucederem, mais se fala sobre o assunto do que se age a respeito deles”, conclui o diretor-executivo da Transparência Brasil. De acordo com ele, o único meio de evitar a fraude em licitações é submeter esses processos à vigilância da população. “Esses processos devem ser abertos para a discussão pública e o arbítrio do administrador público deve ser reduzido ao mínimo”, conclui. Luciana Galastri

Cortando o bolo O texto do Ministério da Justiça prevê que o Tribunal Superior Eleitoral faça a distribuição dos recursos aos partidos da seguinte forma: - 1% dos recursos divididos igualitariamente entre todos os partidos; - 19% divididos igualitariamente entre os partidos com representação na Câmara dos Deputados; - 80% divididos entre os partidos, proporcionalmente ao número de eleitos na última eleição para a Câmara dos Deputados. A Secretaria Municipal de Administração possui um site, onde as licitações e seus resultados são expostos ao público. Para fiscalizar e saber quais empresas são beneficiadas nos processos, acesse o site. http://www.e-compras. curitiba.pr.gov.br/


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EDUCAÇÃO FÍSICA

esportes

A disciplina possui dificuldades como falta de profissionais qualificados e de um sistema de avaliação oficial

Quem não se lembra daqueles 50 minutos de exercícios e jogos, antes ou depois de todas as exigentes aulas de Português, Matemática ou Física? A aula de Educação Física é um momento para relaxar a mente e exercitar o corpo. Porém, ela não é brincadeira, e possui um importante papel na formação dos estudantes, que, muitas vezes, parece não ser cumprido. Muitos professores alegam que esta defasagem está relacionada à falta de infra-estrutura nos colégios. Contudo, para a professora do ensino fundamental Gisele Machado Ribeiro, os problemas enfrentados pela Educação Física vão muito além disso. Segundo ela, é fácil culpar a falta de material ou estrutura, quando na verdade o principal fator é a qualidade do trabalho realizado pelos próprios profissionais que ministram as aulas. “Não adianta ter o material necessário com um professor mal preparado ou sem vontade de lecionar”, afirma. Além disso, há problemas com o método de ensino, a falta de interesse dos alunos e os critérios de avaliação.

Apesar de diferente das outras disciplinas, a Educação Física não pode ser encarada como brincadeira.” Luiz Eduardo Schmidt,

aluno do segundo ano do ensino médio

Para o estudante do terceiro ano do ensino médio, João Vitor Machado, as aulas de Educação Física são essenciais para aliviar o estresse no ano em que os nervos estão à flor da pele por causa do vestibular. “Na minha situação, este é o principal benefício que estas aulas podem oferecer. É o momento para se esquecer um pouco dos problemas e tensões”, afirma. Já para o aluno do segundo ano do ensino médio, Luiz Eduardo Schmidt, que pensa em ser professor de Educação Física, os benefícios das aulas vão um pouco além. “Acredito que é o momento para os estudantes aprenderem um pouco mais sobre os esportes que praticam. Apesar de diferente das outras disciplinas, a Educação Física não pode ser encarada como brincadeira.”, diz. Ele acredita que os professores devem desenvolver conteúdos com método do ensino e não apenas chegar à aula, dar uma bola para os estudantes e vê-los correr atrás dela durante o tempo todo.

A mesma opinião é compartilhada pelo estudante do último ano de Educação Física da UFPR João Paulo Almeida. Para ele, a disciplina deve ser tratada com seriedade. “O essencial é fazer com que os alunos se interessem pelas aulas”, afirma. Além disso, ele acredita que as aulas de Educação Física são importantes para que os alunos possam sair um pouco do ambiente da sala de aula. “Isso os ajuda a encarar o resto da semana com mais disposição. É uma fonte de bemestar para os estudantes”, diz. Para Gisele, o principal obstáculo que os professores enfrentam nas escolas é a falta de interesse dos alunos. Ela conta que sempre sentiu dificuldades em trabalhar com os chamados “alunos-problema”. Estes casos ocorrem quando o professor tenta todos os métodos possíveis e não consegue obter uma resposta positiva. “Isso pode causar grande desmotivação para quem leciona, por isso acredito que as escolas e os professores deveriam receber um suporte maior para lidar com esta situação”, afirma.

Vinícius Fujii

Muito mais do que uma brincadeira

A avaliação em Educação Física

Diferente das demais disciplinas, o sistema de avaliação de um aluno em Educação Física é único. Nesta disciplina, o conhecimento é construído pela apropriação de técnicas corporais e pela criação de movimentos, o que dificulta muito a avaliação por parte do professor. No passado, predominava um modelo técnico, em que a avaliação era feita de acordo com critérios de rendimento, principalmente o esportivo. Os estudantes com mais dificuldades para executar os movimentos técnicos dos esportes, por mais esforçados que fossem, tinham sempre um baixo desempenho avaliativo. “Esse tipo de avaliação não era justo, favorecia determinado tipo de aluno e prejudicava outros. Após muitas reclamações por parte dos alunos e até dos pais deles, esse modelo foi abolido”, explica Gisele. Depois do fim do modelo tecnicista, nunca houve um consenso quanto à avaliação. Alguns professores, por exemplo, exigem trabalhos teóricos em que é cobrada a história das modalidades esportivas. Outros professores simplesmente se apropriaram do modelo usado pelas demais disciplinas e aplicam uma prova ao término do bimestre. Outra forma de avaliação bastante comum e que também vem sendo questionada é aquela que usa como critério único o comparecimento do estudante e sua participação nas aulas. Para a professora Gisele, não existe um modelo ideal. “Infelizmente, não existe

Relaxar a mente e exercitar o corpo é apenas uma das funções da Educação Física

uma fórmula pronta. Estes modelos atuais podem continuar sendo usados, contanto que não como padrão único e tampouco sem passar por uma reflexão prévia”. Segundo a professora, o mais importante é não negligenciar a importância da avaliação, e sim procurar métodos justos que possam avaliar de forma igual todos os alunos. “É através dela que o educador tem um controle do seu desenvolvimento e, assim, sabe quanto ainda pode evoluir com relação aos movimentos e ao domínio e consciência do corpo, quebrando os paradigmas de beleza pregados pela mídia e que envolvem, muitas vezes, sofrimento e privações”, explica.

Futuros Professores A falta de uma melhor qualificação entre os profissionais de Educação Física é outro problema que prejudica o bom desempenho das aulas. Segundo a professora do curso de Educação Física da UFPR Célia Regina Serafim são poucas as instituições de ensino superior que prezam por uma boa formação para seus alunos. “Os cursos estão muito ba-

nalizados. As pessoas acham que ser professor de Educação Física é soltar a bola e ficar apitando jogo de futebol, vôlei, etc”, diz. Para ela, a falta de um embasamento teórico é a principal deficiência dos cursos de ensino superior. “Não se pode preparar um profissional para o mercado sem que ele tenha o conhecimento mínimo necessário sobre a história, a sociologia e a filosofia da Educação Física”, explica. João Paulo concorda com a professora. Segundo ele, o nível de preparo das instituições de ensino é fraco. “Eu tenho vários amigos que fazem o mesmo curso que eu, mas em outras faculdades, que não estão preparados para serem bons profissionais e estão no último ano de curso”. Para o estudante, uma maior conscientização de alunos, professores e coordenadores de curso poderia ajudar a acabar com o problema. “Se todos tivessem uma visão mais clara do que é a Educação Física nas escolas, o ensino poderia ser passado de uma forma muito melhor”, lamenta. Julio César Vasconcellos

expediente O Comunicação é uma publicação do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná, com a participação de alunos das disciplinas de Laboratório de Jornalismo Impresso e Laboratório Avançado de Jornalismo Impresso. Professor Orientador: Mário Messagi Jr. (jornalista responsável – DRT 2963/PR). Editora Chefe: Renata Ortega. Secretaria de Redação (impresso): Mariana Cioffi, Chico Marés e Manuela Salazar. Subsecretária: Julia Guedes.

Secretária de Redação (on-line): Aline Baroni. Subsecretário: Fábio Pupo. Webmaster: César A. Souza. Chefe de Reportagem: Toni Scharlau. Editores: Ciência e Tecnologia: Suelen Trevizan. Comportamento: Flávia Silveira. Cultura: Manuela Salazar. Esportes: Franciele Bueno. Geral: Mariana Ohde. Opinião: Vanessa Prateano. Política: Chico Marés e Thaíse Mendonça. UFPR: Iasa Monique e Renata Bossle. Fotografia: Fernanda Trisotto.

Capa: Fernando Vieira. Charge: Antoni Wroblewski. Projeto Gráfico: Renata Bossle. Diagramação: Juliana Karpinski. Endereço: Rua Bom Jesus, 650 – Juvevê – Curitiba-PR. Telefone: (41) 3313-2017. E-mail: jornalcomunicacao@ufpr.br Site: www.jornalcomunicacao.ufpr.br Tiragem: 4 mil exemplares. Impressão: Gráfica O Estado do Paraná.


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