Bebop 06 2015-2016

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ç ão n da e u F ias a– óri , Ciênc t s i a eh ofi os d Filos n a 15 l de ). afig tadua (1985 F : nte ava e Es *F o l d a d a r a p u u Fac as, Gu r t e L : por

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Hospital, seminário ou necrotério? Quantos lugares diferentes já pensamos ser o prédio da Unicentro, no campus Santa Cruz, antes de se tornar a nossa universidade? São tantas e tão curiosas as versões sobre a história desse prédio universitário que, nós do Bebop, decidimos ir atrás e descobrir qual a real origem, e se alguma das várias teorias que ouvimos, de fato, procede.

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Voltamos então à década de 1970*, onde as primeiras turmas da faculdade que se tornaria anos depois, a Universidade Estadual do Centro-Oeste, cursavam e concluíam a graduação. Para este funcionamento inicial da faculdade, foi alugado o prédio da Sociedade Brasileira de Educação e Assistência, pertencente aos padres salvatorianos. Ali então, onde já funcionava o ginásio Santa Cruz, no período matutino, foi a sede das primeiras aulas da Faculdade de Guarapuava. Anos

depois, a Ordem dos padres salvatorianos, colocou o local à venda, por um preço simbólico. A compra fora realizada pelo prefeito Moacyr J. Silvestre, com o acordo de doá-lo a Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava (Fafig). Em cinco anos, o prédio foi pago e o então prefeito, Nivaldo Kruger, em 4 de abril de 1977, passou a escritura de doação à Faculdade. Após a compra, a instituição, que utilizava apenas algumas salas de aula, um espaço para biblioteca, direção, secretarias e

laboratórios, foi ampliada com novos blocos e área de atividades externas. Em pouco tempo, a Fafig abriu novos cursos, atingindo abrangência regional. Foi nesse momento também que ganhou um novo nome: Unicentro. Sabendo agora que nossa universidade não era um hospital e muito menos um necrotério, vamos conhecer outras histórias interessantes de Guarapuava, algumas das quais pouco se fala, se pesquisa ou se recorda. Se aventure por esse Bebop, cheio de curiosidades e ‘causos’ locais.


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Professor orie ntador: Anderson A. Co sta Editora da ed ição (06, de 2015-2 016): Nádia Moccelin

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Narradores: Caio Budel Isabela Lessak Nádia Moccelin Naiara Perseg ona Priscila Schran

O Bebop é um jornal experim ental produzid turma B do 4º o pelos alunos ano do curso de Comunicação So da Unicentro. A fin cial (Jornalism alidade deste m o) da aterial é inform cultural, sendo ativa, educacio expressamente nal e proibida a com ercialização. Todos os textos são de responsa bilidade dos au a opinião da U tores e não refle nicentro (Unive tem rsidade Estadu al do Centro-O Agradecimento este). : Lourival Gon schorowski Impressão: Grá fica da Unicent ro Tiragem: 300 exemplares

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Soldados em Guarapuava A revolução de 1924 e os dez mil soldados nas terras do terceiro planalto Quem narra: Nådia Moccelin

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Os soldados se acamparam em várias divisões. Tinha o comando geral em Ponta Grossa, alguns em Guarapuava e outros no fronte de guerra, em Catanduvas

Uma terra sem revoltas, mas não sem soldados. Se no atual território do terceiro planalto nenhum conflito fora registrado, não se pode dizer o mesmo sobre Guarapuava na década de 1920. Na época, a cidade, que possuía cerca de dois mil habitantes, restringia em sua comunidade urbana apenas alguns casarões coloniais concentrados em torno da praça central. Grande parte da população vivia na área rural, onde as principais atividades econômicas eram a pecuária e a extração de erva mate. Guarapuava passava nessa década por um período de efervescência cultural e desenvolvimento econômico que marcaram os anos 20. A forte utilização e importância dos clubes sociais como centros

de cultura e literatura, bem como a implantação de linhas telefônicas, da primeira casa bancária da cidade e a chegada da energia elétrica, são grandes conquistas da época. Mas, segundo o pesquisador guarapuavano Murilo Teixeira, um grande episódio da década de 1920 não centrou-se em nenhuma atividade cultural ou desenvolvimentista. A história estava ligada a Revolução de 1924, que trouxe integrantes do movimento tenentista à Guarapuava, para se alojarem em espaços representativos da cidade durante o conflito. “Os soldados se acamparam em várias divisões. Tinha o comando geral em Ponta Grossa, alguns em Guarapuava e outros no fronte de guerra, em Catanduvas”, conta. Durante todo

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De uma só vez, o número de soldados chegou a atingir o mesmo da população local

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o período de confronto (19241925), estima-se que cerca de dez mil combatentes passaram pela cidade. De uma só vez, o número de soldados chegou a atingir o mesmo da população local. “Imagine uma cidade de dois mil habitantes, recebendo dois mil feridos. A medida que eles chegavam, como o hospital recém inaugurado na cidade era pequeno, eles tiveram que preparar outros lugares”, afirma Murilo. Foi então que o tradicional clube social guarapuavano Guayra e os prédios da Câmara e da Prefeitura Municipal se transformaram em instalações provisórias para


atender às demandas do conflito. “Nesse período o clube se tornou hospital de campanha e a Prefeitura e a Câmara serviram suas instalações ao quartel-general, recebendo sub-comandos da tropa”. Na década de 20, Guarapuava era uma das cidades mais populosas e com melhores condições para receber esse contingente populacional. Mesmo com um grande volume de outros prédios tradicionais disponíveis, há registros somente do uso do clube Guayra na revolução. Seu Murilo falou ainda da importância da passagem de Cândido Rondon por essas terras, um dos homens mais importantes do Brasil, segundo ele. ”A figura dele foi muito importante. Durante a revolução,

havia uma quantidade enorme de enfermos, então, foi ele fez o ato de orientar, liderar o movimento pra cidade, talvez prefeitos ou autoridades não tinham conhecimento, nem condições financeiras porque a prefeitura era muito pobre, a renda era pequena e ele interviu no processo de saúde pública, ajudando a combater doenças da época, como a hanseníase, também chamada de lepra”, conta. O que resta hoje além das memórias dessa revolução, são as diversas fotografias no acervo do Murilo Teixeira, nas publicações do também pesquisador da história guarapuavano, Nivaldo Kruger, e uma cápsula de canhão, da qual Murilo acredita ser da histórica revolução de 1924.

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Nesse período o clube se tornou hospital de campanha e a Prefeitura e a Câmara, serviram suas instalações ao quartel-general, recebendo sub-comandos da tropa

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saída de emergência Dois acidentes aéreos, que ocorreram no século passado, fazem parte da história de Guarapuava quem narra: Naiara Persegona

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Acidentes aéreos são acontecimentos que, geralmente, causam muita comoção. Isso ocorre, porque são casos que mexem com a imaginação das pessoas. Elas pensam no desenrolar da história - que se passou lá em cima, no ar - desde o momento da pane, até o momento do acidente. Essa imaginação também é alimentada pelos meios de comunicação, que em suas coberturas, muitas vezes, utilizam recursos, como infográficos, reconstrução das cenas através de simulação, ilustrações, etc. A série Lost é um exemplo de como esse assunto chama a atenção das pessoas. Em 2006, ano em que foi lançada, a série mostrou - logo no primeiro episódio - um acidente aéreo em que um avião que fazia um vôo internacional caiu em uma ilha, e parte dos passageiros sobreviveu. A trama alimentou a curiosidade do público durante seis temporadas, e até hoje permanece entre as séries mais populares de todos os tempos, mesmo com o considerável aumento de produções nos últimos anos. Mesmo sendo um assunto que desperta o interesse, geralmente, as pessoas veem os acontecimentos com distanciamento, como algo que só ocorre em grandes cidades ou em outros países. Muitos guarapuavanos, por exemplo, não sabem que ocor-

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reram dois acidentes aéreos em Guarapuava, um no final da década de 50 e outro no início da decáda de 90, ambos com aviões de pequeno porte, mas que foram fatais. Os detalhes sobre os acidentes, foram obtidos através dos relatos do ex-integrante do aeroclube de Guarapuava Josemar Karpinski Silva.

erro de cálculo No dia 15 de novembro de 1959, o piloto Fernando Augusto Virmond veio a Guarapuava, com um avião da força aérea brasileira participar de um baile de debutantes, no clube Guaíra. Conforme Josemar, o avião era um modelo North American T6, que tem como característica a

Ônibus que foi atingido com a queda do avião em 1959

capacidade de fazer acrobacias no ar com versatilidade. Depois de participar do seu compromisso no sábado à noite, no baile, Fernando decidiu ficar mais um dia na cidade para fazer passeios de avião com alguns amigos. No domingo de manhã, o piloto convidou quatro pessoas para participar dos vôos, mas como o modelo da aeronave só permitia um passageiro por vez, os outros três convidados ficaram esperando no aeroporto. E em questão de minutos, os três viram uma fumaça preta vindo da direção de onde o avião havia levantado vôo. Conforme o jornal Folha do Oeste, que fez a cobertura do acidente na época, o piloto estava fazendo uma manobra, chama-


da looping, nos ares do centro da cidade, mas não conseguiu endireitar o avião e caiu. Josemar confirma esses dados, argumentando que “o piloto estava fazendo manobras de acrobacia, e não se sabe exatamente o porque ele não conseguiu sair do mergulho”. Por conta deste incidente, o avião “caiu no meio da rua Xavier da Silva, na esquina com a rua Guaíra. E não sobrou nada do avião,

porque ele ‘entrou voando’ no chão”, conta Josemar. Os dois tripulantes do avião morreram imediatamente, e com a queda, a aeronave atingiu uma família inteira que estava saindo de um culto na Igreja Presbiteriana e também um ônibus. “Dessa família só sobreviveu uma senhora que estava grávida. Já o ônibus, chegou a pegar fogo, mas conseguiram conter, e não houve morte

desses passageiros”, completa. O acidente abalou os cidadãos guarapuavanos na época, por ter sido um acontecimento inédito, e principalmente pelo fato de ter sido bem no centro da cidade. Ainda hoje, existe, na cidade, uma cicatriz deste dia: no exato local em que o avião caiu ainda está um pedaço do poste de ferro em que o avião enroscou uma de suas asas.

Fato curioso: Segundo relatos da época, havia um bar na esquina da rua onde ocorreu o acidente, e um senhor estava no bar. Ele foi embora e acabou esquecendo o chapéu, no momento em que ele voltou pra pegá-lo, o avião caiu praticamente na frente do bar. Houve explosão, porque a aeronave ainda estava com combustível, mas esse senhor acabou escapando da morte por causa do chapéu.

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visibilidade zero O segundo acidente fatal ocorreu mais de 30 anos depois, em 10 de agosto de 1992. Nesse caso, o desaste envolveu um empresário e seu filho, que saíram de uma fazenda no Mato Grosso com destino a Guarapuava. Os dois tripulantes se depararam com um imprevisto durante o vôo. Nas proximidades da região de Guarapuava havia muita neblina, que resultava em visibilidade zero. Próximo às 10 horas da manhã, em um atípico dia de inverno, no mês de agosto, o piloto não tinha condições de fazer um pouso de segurança no aeroporto, por conta das condições meteorológicas. Inclusive, para conseguir se lo-

calizar, o piloto teve que recorrer à frequência de rádio, já que não conseguia se comunicar com o aeroporto. “Então eles fizeram um bloqueio de rádio, esse bloqueio é feito por meio de um aparelho que se tem no avião, chamado ADF, ele vem com a frequência da rádio, e eles voaram em cima da antena pra poder perceber que estavam em Guarapuava naquela localização”, explica Josemar. Depois de confirmar que estavam sobrevoando a cidade, não se sabe ao certo quais eram as intenções do piloto, mas especulam que ele tentou furar a camada de neblina – quando estava em cima do Vale do Jordão –, porém, na tentativa, colidiu com uma árvore e depois com uma enorme

pedra. Os dois tripulantes faleceram com a queda. Josemar relata que esse acidente ocorreu na época em que ele estava fazendo o curso para piloto, e por conta do ocorrido, muitos alunos ficaram abalados e desistiram das aulas. Entretanto, o ex-piloto afirma que, nos dias de hoje, a aviação está muito mais segura, até mais do que andar de carro. “Esse acidente foi em função de que na época também o aeroporto de Guarapuava não era dotado de comunicação, tinha o rádio mas estava inoperante. Hoje as coisas mudaram, em função da tecnologia, com o GPS, com os instrumentos de navegação, hoje já não aconteceria isso”, argumenta

Incidente no Parque de Exposições Na década de 70, ocorreu outro incidente em Guarapuava, dessa vez com um avião agrícola, modelo Ipanema. O piloto percebeu que a aeronave estava com pouco combustível e tentou um pouso de emergência em uma pista que era projeção da Avenida Manoel Ribas, próximo ao Parque de Exposições Lacerda Werneck. Entretanto, o pouso não foi realizado com perfeição, e o avião só parou quando entrou em um barracão do parque. Felizmente, neste caso, o piloto sobreviveu.

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Assoalhos, pedras, cerâmicas desde mil novecentos e tal

Em Guarapuava, muitos são os grupos e as famílias que conservam a história da cidade através de construções históricas Quem narra e fotografa: Isabela Lessak

Victório Hauagge, personagem desta matéria, faleceu no início do mês de janeiro de 2016. Deixamos aqui nosso agradecimento e nossos pêsames à família.

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a cidade centenária, é fácil encontrar construções que enchem nossos olhos de história. Muitas extremamente conservadas, outras já machucadas pelo tempo, mas todas ali, prontas para contar boas histórias. Saldanha Marinho, na baixada, duas construções que já debutaram, comemoraram as bodas de ouro e continuam, no mesmo cantinho, reformadas, mas com a mesma carinha de antigamente. São as meninas dos olhos de seus mantenedores. 956 é o número que marca a localização. 1947 é a data de construção e 68 é a quantidade de anos de lembranças que a velha casa traz para o seu Carlos Alberto Buch Pereira, o Seu Bebeto, ou, até mesmo, Beto, como preferir. A casa de fachada pequena e singela foi construída em 1947 com financiamento da Caixa Econômica, feito pelo pai de seu Bebeto, o Sr. Bernardino Pereira. Quando se mudou, Seu Bebeto tinha apenas um ano de idade. Todas as suas lembranças remetem àquele lar. Foi ali que cresceu, ganhou novos irmãos e passou a infância inteira brincando com a molecada da rua. “É a minha infância, me criei lá dentro, brincando com a molecada que tinha no bairro. Eu lembro de tudo cada vez que eu olho pra ela, queira ou não queira, você volta no tempo”. Lembranças não só do imóvel, mas de toda a vizinhança, dos


vizinhos da frente, da revenda de bebidas da esquina, que “tinha até uma fábrica de refrigerantes”, ressaltou. Seu Bebeto conta que ali, na Rua Saldanha Marinho, logo na baixada, era um pequeno centro de comércio, de saída para as serrarias do Jordão e, logo depois, para as colônias. Sobre sua casa de infância, na frente sempre ponto de comércio, o açougue do pai, atrás a residência e em cima o

sótão. “Era uma construção da época. O estilo, não tinha muita coisa de diferente. Muitas eram assim. Se olhar as que ainda existem são muito parecidas, geralmente, sempre um comercio na frente e a residência atrás”. Durante todos esses anos, a casa sofreu algumas reformas devido ao tempo, e ao alagamento de um rio que corta o terreno. Seu Bebeto tem o sonho de fazer uma reforma maior, e embutir o quadro da “casa velha” dentro do prédio, enquanto isso não acontece pequenas reformas são feitas.

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Não longe dali, cerca de dois ou três lotes seguindo o sentido da rua, fica o prédio onde a escrita em seu topo denuncia sua idade: 1954, Edifício Ana Maria. “Esse prédio foi construído pelo meu pai, em cima tem o ano em que foi feito, que é exatamente o ano de nascimento da minha outra irmã, Ana Maria, por isso que tem o nome dela no prédio e a data, 1954”, conta Victório Hauagge. Victório é filho de Elias, que construiu o prédio de próprio punho, com a ajuda de dois ou três trabalhadores.

O prédio é resistente, tem em sua base pedras. Sua história também resiste e não quer ser apagada tão logo. 1954 é o ano de construção; de história já se somam 61 anos. Elias sempre foi comerciante e construiu o prédio com o suor de seu trabalho, reconhecido, orgulhosamente, pelo filho. Com a história de vida, neste endereço, entre uma padaria, um armarinho onde se vendia de tudo, Seu Victório e sua família de seis irmãos, passaram a maior parte da infância. Na parte de baixo sempre comércio, em cima a casa. O local, que hoje é um escritório, chegou até a ser hospital infantil.


Seu Victório lembra bem de como era a redondeza. Um cemitério, a lagoa sem pavimentação e urbanização logo a cima. “Barbaridade, primeiro aqui era uma rua sem calçamento. A rua era terra e tinham mais casas de comércio na frente, na lateral tinha açougue. A rua terminava há duas, três quadras pra cima, não tinha mais nada. O cemitério normal, a lagoa não era arborizada, não tinha urbanização nenhuma, uma lagoa sem nada, e aqui tinha duas, três, quatro casas”.

Reformado recentemente, e com algumas reformas durante a vida, o prédio hoje está mais moderno, mas não deixou suas origens para trás. As janelas e as portas não são mais as mesmas pelo desgaste do tempo, o piso também foi trocado, mas a fachada, se depender do Seu Victório, será sempre a mesma. “Veja bem! Nós fizemos um projeto, porque a gente não queria, de maneira nenhuma, tirar a figura inicial”, contou. Durante a reforma nada foi desmanchado, apenas remodelado, de acordo com as necessidades da construção.

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Mesmo com datas e idades diferentes, o sentimento de pertencimento e a valorização dos imóveis é a mesma entre as duas famílias.

“Nós já tivemos muitas propostas de vendas, pra ser estacionamento, prédios, mas isso aqui, a partir do momento que meus pais faleceram, nós decidimos que a possibilidade de venda não existe. Nós não queremos jamais desmanchar esse prédio, nós moramos aqui todos, então traz uma história, porque meus irmãos nasceram aqui, casaram aqui, ficaram pela cidade. Foi remodelado, mas sem mexer na estrutura inicial, ficou do

jeito que estava antes”, Victório contou emocionado. “Eu sempre brinco que se eu não morrer em Guarapuava, pelo menos com a cabeça virada pra esse lado eu vou estar. Eu só saí daqui para estudar, depois nunca mais. Sobre a casa, não vou me desfazer nunca, é um bem de família, reformar sim, mas desmanchar jamais”, ressaltou Seu Bebeto.

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Conselho Municipal O Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural de Guarapuava, tem como foco a preservação do patrimônio. Todas as construções antigas precisam passar pelo Conselho para que ocorra uma demolição, por exemplo. Rosevera Bernardin integra o conselho, e explica que, para qualquer demolição, é preciso de um protocolo via Secretaria de Habitação e Urbanismo, que depois é repassado para o conselho. “Nós tentamos ao máximo evitar as demolições, porque é a nossa história. E em qualquer decisão, sobre qualquer coisa relacionada a esses imóveis, o conselho é soberano e impomos condições”, revelou.

Em Guarapuava, mesmo tendo diversas construções antigas, o único imóvel tombado é o Museu Municipal Visconde de Guarapuava, onde não pode ser feita nenhuma construção ou reforma, apenas a restauração com o que é necessário. Para evitar ao máximo que a história patrimonial de Guarapuava seja apagada, Rosevera explica que, quando possível, a Prefeitura compra o imóvel e doa para alguma ação ou entidade. Na cidade, hoje, há aproximadamente 20 imóveis de famílias que não podem ser reformados ou restaurados sem a autorização do conselho.

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Passagens de

São João Maria ¨

O monge que andou por Guarapuava e deixou muita história para contar QUEM NARRA E FOTOGRAFA: PRISCILA SCHRAN

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ontos e causos. A proposta para esta edição do Bebop é buscar algum fato histórico pouco conhecido em Guarapuava. Pois bem, quando pensamos em um fato histórico, logo pensamos em entrevistar um historiador, uma pesquisadora, um estudioso, enfim, alguém que dê credibilidade a aquilo, que prove a realidade de tal fato histórico por meio da ciência. Mas quem disse, que só a história oficial é carregada de fatos pouco conhecidos em Guarapuava? Tem muita história esperando uma boa conversa com um chimarrão para ser revelada.

Por isso, fui atrás de uma pauta que pudesse ser contada pelas pessoas ‘normais’, que realmente viveram ou vivem determinada história. Foi aí que eu cheguei nas passagens do Monge São João Maria por Guarapuava. Quem já foi no Parque Recreativo do Jordão, deve ter passado na Gruta do São João Maria e visto uma bica d’água, imagens, objetos pessoais, fotografias. Acontece que esse não é o único olho d’água do profeta que passou por Guarapuava e deixou muitos ensinamentos, bênçãos, fé e histórias para contar.

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Omonge João Maria, chamado carinhosamente de São João Maria, era um peregrino, missionário cristão que percorreu a região sul do Brasil. Por onde andava ele deixava palavras de sabedoria, de fé, ensinamentos e benzia olhos d’água ou fazia jorrar olhos d’água. De tempo em tempos, em suas peregrinações, ele passava por Guarapuava, onde deixou um legado de milagres, águas bentas e boas histórias. O olho d’água mais conhecido na cidade é o do Parque do Jordão. Segundo a crença popular, relatada no livro ‘Guarapuava, Fases históricas e Ciclos Econômicos’, do ex-prefeito Nivaldo Krüger, o monge fazia seu poso em Guarapuava, às margens do Rio Jordão, onde havia uma nascente. Lá

ele benzeu a água que, pela fé, poderia batizar as crianças e curar doenças. Segundo o ex-prefeito, a fé dos guarapuavanos era tanta que, na década de 1960, foi edificada uma capela rústica de pedras e foi canalizada a água da fonte: o olho d’água de São João Maria. Mesmo quem não viu o Monge tem fé na sua água. O aposentado Oscar de Almeida Lima, conta que na sua família ele já presenciou uma cura pela água de São João. “Minha prima mora em Curitiba e há muito anos ela tinha uma ferida no braço que nunca curava. Ela já tinha ido em muito médicos e usado todo tipo de remédio, nada melhorava aquele braço. Naquele tempo eu trabalhava de motorista e ela me ligou pedindo

para que eu levasse uma garrafinha de água do olho do São João Maria para ela passar no braço. Eu disse que não acreditava nessas coisas, mas fui no Jordão, peguei a água e levei para ela em Curitiba. Ela começou lavar aquele braço com a água do olho e depois de uns dias a ferida sarou. Não sei se podemos chamar isso de milagre, mas aconteceu na minha família”. O Sr. Oscar levou a água da fonte do Parque do Jordão para a sua prima e ela foi curada. Mas essa não foi a única fonte benzida pelo monge e não é a única história popular. D. Arlete Panissão é moradora do Distrito do Jordão e tem muita história para contar. Segundo ela, São João Maria passou em seu sítio e benzeu um olho d’água.

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D. Arlete e D. Belirde com a família

A crença popular diz que quando o monge passava por Guarapuava, ele não dormia em nenhuma casa, dormia apenas embaixo das árvores, nos quintais, e onde ele dormia ele abençoava a água. Ela não presenciou a passagem dele, mas acredita que a fonte é benta. “Tinha um olho lá perto de casa e nós sempre íamos limpar aquele olho e no outro dia estava tudo sujo. Meu cunhado e eu cavocávamos e colocávamos telha, ficava bem boa a água. No outro dia nós voltávamos e estava tudo sujo. Aí o meu vizinho foi lá em casa, e falou que ali o Monge São João Maria dormia, era um olho de São João Maria. Ele disse ‘Vá lá e acenda uma vela, lá naquela pedra, e coloque lá que você vai vê que nunca mais vai sujar o olho’. Daí nos fomos lá com o

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meu cunhado, acendemos a vela, rezamos para São João Maria e limpamos o olho. No outro dia fomos ver se o São João Maria sujou o olho ou o que foi que ele fez. Chegamos lá e estava bem limpinha a água. Nunca mais sujou ou secou o olho e ainda está lá”. Na crença popular, essa água benta também tem poder de cura, D. Arlete usava a água para curar a tosse cumprida que atacava as crianças. “Tem que levar no olho do São João Maria, batizar eles, tomar três goles da água, trazer três garrafas para casa e dar pra criança até acabar. Quando acabava a água, melhorava da tosse”. Nessa água também as crianças da família foram batizadas, segundo a D. Arlete, os bebês tinham que ser batizados no olho d’água antes de comple-

tarem sete dias de vida. “Igual quando fomos batizar o piá do Verci. Ele queria batizar atrás no cemitério, daí fomos lá com a foice cortar o mato, mas eles achavam que não ia ter água. Colocamos uma taquarinha e começamos a rezar, de repente a água do São João começou brotar”. Por onde o monge passou, ele deixou água benta em abundância para a população local. Mas o que ele vinha fazer em Guarapuava? Não se sabe ao certo. O que se sabe é que ele tinha Guarapuava como um lugar de passagem. Ele não ficava, apenas tinha a cidade como paradeiro temporário para continuar sua peregrinação. No pouco tempo que permanecia aqui deixou alguns ensinamentos e profecias. Uma das profecias era que a região de Gua-


rapuava ia virar uma terra de “porungal”. D. Arlete conta que o monge dizia assim: “que Guarapuava ia crescer, crescer, crescer e daí ia virar num ‘porungal’. O que será que é porungal? Daí diz que nós temos que guardar feijão, quem guardar nas taquaras, nos canudos de taquara, vai conhecer feijão, porque o feijão vai chegar um tempo que não vai dar mais.” Para D. Belirde Pulga, também moradora do Jordão, o monge passava por aqui para dar esperança ao povo. “O povo era pobre, daí vem aquele velhinho lá, quem é esse velhinho? É São João Maria, um profeta, eles tinham fé. Naquele tempo não tinha nada, e com uma taquara você podia achar água benta, tomar, batizar, pedir

graças, ser curado. O povo era muito necessitado e por isso tinha muita fé”. Foi essa fé que fez com que o ex -prefeito Nivaldo Kruger construísse uma capela de pedras para proteger o olho d’água mais conhecido de São João Maria, no Parque do Rio Jordão. Se você quer conhecer um olho d’água do monge, lá é o lugar de mais fácil acesso, os demais estão nas propriedades dos moradores do Jordão. A capela é simples e cheia de santos, flores e velas. Uma imagem do monge também está lá. Há muitos santos quebrados, mas não se assuste, segunda a crença popular, o monge ensinou que quando uma imagem de santo é quebrada, ela não pode ser consertada e deixada na casa porque

as pessoas que vivem na casa podem ficar doentes. Por isso, muitas pessoas deixam as imagens quebradas na capelinha. A capela é um pouco escura e precisa de alguns reparos, mas a água da fonte tem uma vazão constante e nunca secou. A crença no monge faz com que sempre corra água nas suas fontes. Quando a pessoa não tem fé, a bica diminui e fica pouca água, mas se tem fé e começa rezar para ele, a água volta a escorrer. São muitas as histórias que ainda são desconhecidas sobre o São João Maria. Que o seu resgate possa contribuir para que essa água continue a jorrar.

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