Bebop 02 2016 - Ano 3

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Caro leitor Nesta segunda edição do Jornal Laboratório Bebop, seguimos abordando cada um dos 7 Pecados Capitais e suas respectivas virtudes oposta. Trazendo como foco desta vez a preguiça, e seu oposto, a diligência. A preguiça, segundo a crença cristã, foi inserida na lista dos sete pecados capitais por causar um desperdício da vida que Deus nos deu. Tem relação com a queda do homem do Paraíso e a punição que o Senhor lançou, de que todos deveriam trabalhar e comer com o suor do próprio rosto. A preguiça quebra a ordem divina nos dez mandamentos, onde Deus diz que o homem deve trabalhar seis dias e descansar somen-

POR DIANA PRETTO te no sétimo. Já a diligência é uma palavra que vem do latim, diligere, e significa amar/ aquele que ama. Em confronto com a preguiça, a virtude da diligência consiste no carinho, alegria e prontidão (coisa diferente da pressa) com que pensamos no bem e nos prontificamos a realizá-lo da melhor maneira possível. “São inúmeras situações em que a preguiça não perde a chance de se manifestar. Aquele que se nega a trabalhar é condenado tanto pela Igreja Católica, quanto pelo chefe, mas não se preocupe, nessa edição do Bebop, ninguém será julgado. Na verdade, os

julgamentos deixaremos a vocês pelas histórias aqui compartilhadas, já que nesse momento a língua rolará solta, uma mistura de delator e fofoqueiro”. Cada matéria à seguir abordará um ângulo desses dois sentimentos, e nos fará refletir sobre como estamos, ou não, conduzindo nossa vida. A parceria com o jornal Correio do Cidadão é outra novidade que veio para fortalecer e valorizar ainda mais o Bebop que agora, conta com mais de 3 mil exemplares distribuídos por toda a cidade. Portanto, amigo leitor, aprecie a leitura da segunda edição do nosso Jornal Laboratório com muita diligência, e nada de preguiça. Vetores de imagens de divulgação

PROFESSOR ORIENTADOR: Anderson A. Costa EDITORA DA EDIÇÃO BEBOP ED 02 - 2016: Diana Pretto AGRADECIMENTO ILUSTRAÇÃO CAPA: Luis Krieger @luiskrieger_

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NARRADORES: Amanda Bastos Maciel Amanda Gollo Bortolini Amanda Padilha Pieta André Justus Diana Pretto Elisandra Carraro Gabriel Aquino Luísa Araújo Urbano Ulisses Zinhoni Pamela Andrade

O Bebop é um jornal experimental produzido pelos alunos da turma B do 4o ano de Comunicação Social (Jornalismo) da Unicentro. A finalidade desse material é informativa, educacional e cultural. Todos os textos são de responsabilidade dos autores e não refletem a opinião da Unicentro.

Este produto experimental é impresso e distribuído pelo jornal Correio do Cidadão, em parceria firmada com a Unicentro. Nós, da equipe do Bebop, registramos nosso agradecimento por todo o apoio recebido, tanto da reitoria da Universidade, quanto da diretoria deste veículo de comunicação. Muito obrigado!


O Cara sobrevive “Às vezes, a gente aguenta a barra, e às vezes...” POR DIANA PRETTO E ANDERSON COSTA Agradecimento especial ao aluno Ernane Reis, ao fotógrafo João Gustavo e ao Supermercado Edinara .

* Esta entrevista é fictícia. Jeffrey, que se intitula ‘O Cara’, é o protagonista de O Grande Lebowski (1998), comédia dirigida pelos irmãos Coen. Os responsáveis pelo texto utilizaram falas do personagem como respostas para algumas perguntas e, além disso, pequenas partes do texto são do ‘narrador’ do filme. A ideia era colocar ‘O Cara’ no contexto do tema da segunda edição do Bebop, a preguiça e a diligência. Lá para os lados do oeste, vivia o sujeito de quem quero falar. Um cara chamado Jeff Lebowski. Pelo menos esse foi o nome que ele recebeu dos pais. Mas ele nunca gostou muito dele. Lebowski gostava de ser chamado de "Cara". "Cara" é um nome que ninguém escolheria de onde eu venho. Mas muita coisa sobre o "Cara" não fazia sentido para mim. Inclusive muita coisa sobre onde ele vivia. Talvez, por isso, eu tenha achado o lugar tão interessante. Chamam Los Angeles de "Cidade Dos Anjos". Não achei exatamente isso... mas admito que há muita gente boa por lá. A história que vou contar aconteceu no começo dos anos 90. Muitas foram minhas tentativas de conversa com o Sr. Lebowski, mas, em todas, algum imprevisto aconteceu. Em uma, ele não havia acordado; em outra o carro dele não funcionou, pelo menos foi o que me disse. Mas na maioria das vezes... Eu sei, e sei muito bem, que o motivo mesmo era outro. A preguiça sem tamanho era o que não o deixava vir até mim. Então, me vi obrigada a ir em

busca de Lebowski, no boliche. Chegando ao local, não demoro muito até avistar aquela figura única – vamos combinar que, nem todo mundo, sai de casa usando apenas o roupão favorito –. O inconfundível cabelo ondulado e a barba por fazer, são também algumas de suas características marcantes. Mas, se você estiver se perguntando, como eu sabia que ele estaria lá no boliche? A resposta é simples. Lebowski é jogador profissional do esporte, e está no meio de um campeonato com seus amigos, portanto, grande parte de seu dia é dedicado a isso. E tempo é uma coisa que ele tem de sobra. Me aproximo de Lebowski a ponto de denunciar minha presença. Ele logo me cumprimentou, mas me olhou de cima até embaixo tentando entender o que eu fazia ali. “A entrevista...”, disse eu, e Lebowski então dá um sonoro “oh”, daqueles que se dá quando lembramos de algo que não deveríamos ter esquecido. Um tanto encabulado, creio que pelos vários bolos que me deu, me conduziu até um dos

bancos do boliche para conversarmos um pouco. Logo sua vergonha desaparece e é substituída por um sorriso que combina muito mais com sua personalidade passiva. Com seu inseparável copo de White Russian, sua bebida preferida, ele me cumprimenta de novo, tentando recompensar a primeira estranha impressão. Começamos. - Gostaria de agradecer por me receber aqui, um lugar tão importante para o senhor. - Primeiro, deixa eu explicar uma coisa. Não sou o Sr. Lebowski. Eu sou o Cara, é assim que deve me chamar. -O Cara! Claro! Assim será. E como o Cara está? - Sabe como é. Altos e baixos. - Entendo, mas pesquisando sobre você descobri que um dia já foi universitário, é verdade? - Estudei. Mas passei meu tempo ocupando prédios da administração, fumando baseado, atacando o guichê de alistamento e jogando boliche. Não lembro de muita coisa. - Tudo bem, mas me fale mais sobre você, me conte um

pouco da tua história... Lebowski se esparrama ainda mais no sofá, espalhando os braços pelo encosto e mantendo as pernas abertas. - Não tenho muito para contar. Fui um dos autores da Declaração de Port Huron. Da Declaração de Port Huron original, não da segunda versão modificada. Depois, eu... Já ouviu falar dos Sete de Seattle? Era eu. E outros seis caras. Trabalhei na indústria musical. Fui assistente do Metallica. Na turnê "Speed of Sound". E depois fiz um pouco de tudo. Minha carreira diminuiu de ritmo ultimamente. Pelo menos tenho uma casa. - E o que faz para se divertir? - Nada especial. Jogo boliche. Ando por aí. Tenho um flashback de ácido de vez em quando. - O que é essa marca no seu rosto? Um soco? Alguma briga de bar? - Não. Foi o chefe da polícia de Malibu. Um reacionário. - Arrumando confusão com a polícia? Multas de trânsito? Lembro que você tinha um carro marrom... - Roubaram meu caro. Ver-

de... ou marrom... Cor de ferrugem. - Nossa, sinto muito, tinha algo de valor nele? - Sim. Um toca-fitas, alguns cassetes do Creedence... E uma maleta. Meu tapete também foi roubado. - Seu tapete estava no carro? - Não, em casa... Ele compunha o ambiente da sala. - Entendo. Esse roubo tem alguma ligação com o incidente que ocorreu na sua casa? O que de fato aconteceu? Lebowski se ajeita um pouco, toma mais uma longa dose do seu White Russian, e começa a contar o ocorrido. - Jackie Treehorn quebrou tudo. Achou que eu estava com a grana. Mas naquela época eu achava que ela estava com Larry Sellers, um garoto de escola. Um pirralho irritante. - Bom, isso envolve o trabalho para o qual foi contratado, né? Esse é justamente um dos pontos da entrevista, estou fazendo um material sobre diligência, sabe? Sobre pessoas determinadas, zelosas e tal, e queria descobrir como o famoso Lebowski se sai como em03


pregado. Soube que, nesse caso, você foi ‘contratado’ como mediador num caso de sequestro... - Este caso é realmente complicado, Diana. Muito vai-e-vem. Felizmente, estou seguindo um regime sério de drogas, para deixar minha mente flexível. Estou perto de achar o dinheiro do pai da Maude. - Maude é sua namorada? - Ela não é minha namorada. Eu a ajudei a conceber. - Bom, mas você conseguiu recuperar a moça sequestrada? - Sabe como é... Eu joguei o dinheiro, como... Tenho algumas informações. Certos fatos foram revelados. Não ocorreu ao velho que, em vez de ficar me culpando, dada a natureza das novas informações, a situação pode ser mais... complexa? Talvez não seja tão simples... Entende? - Não entendi, Cara. - Vou dizer do que estou falando. Tenho informações. Surgiram novos fatos. E cara... Ela se raptou. Claro. Pense bem. Uma esposa "troféu", como dizem hoje em dia, que deve dinheiro à cidade toda, inclusive a empresários pornôs. O que não tem nada demais. Só que ela precisa de dinheiro. É claro que vão dizer que não receberam a grana, porque ela quer mais. Ela precisa pagar as dívidas. Quer dizer... Não tinha pensado nisso? Nisso, Walter, um assustador amigo de Lebowski, aproximou-se da mesa entre uma jogada e outra e se atravessou na conversa: - Ricaços desgraçados. Tudo 04

isso... Não vi meus amigos morrerem com a cara na lama para que essa vaca, essa vagabunda... E Lebowski o interrompeu: - Não vejo ligação com o Vietnã, Walter. - Não é uma ligação direta. - Não tem ligação nenhuma. Walter, quer calar a boca? Estou trabalhando, cara. Walter saiu sem dar muita atenção à advertência de Lebowski, e eu tentei retomar a conversa: - OK, mas quem raptou essa mulher? - Niilistas. Disseram que não acreditavam em nada. Deve ser muito cansativo. Você se importa se eu fumar um baseado? - Não, por mim tudo bem. Mas, no fim das contas, essa história do sequestro foi uma farsa, não foi? Ouvi que o marido aproveitou que a esposa fugiu de casa para forjar um sequestro. Aí sacou um milhão de dólares de uma fundação que ele administrava com o pretexto de pagar o resgate, sendo que, na verdade, a grana iria para o bolso dele. Você foi usado para construir o golpe, não foi? Você mesmo descobriu isso em algum momento, como foi isso? - Se ele sabia que sou um imbecil, por que me contratou? Porque ele não a queria de volta. Ele estava farto, não gostava mais dela. Foi tudo um espetáculo. Então, por que ele não liga para o milhão de dólares? Ele sabe que não entregamos a maleta... mas ele não pediu a grana

de volta. Não havia um milhão de dólares naquela maleta. A maleta estava vazia. Precisava de um idiota para culpar e tinha acabado de me conhecer. Nesse ponto da entrevista já tinha desistido de entender o caso e sobretudo de encontrar alguma diligência no Cara, que estava ali na minha frente, solto no sofá, com um copo de bebida numa mão, cigarro na outra e óculos escuros. Decidi investigar então a questão da preguiça como uma pergunta rápida e direta: - Dizem que você é o cara mais preguiçoso de Los Angeles. - De que diabos está falando? Vê se relaxa? Não dá para ir com calma? Bem, essa é a sua opinião. Por outro lado, admito que rolou certa simpatia. Só menciono isso porque às vezes, um homem... Não vou dizer herói porque... O que é um herói? Mas, às vezes, um homem... Estou falando do "Cara". Às vezes, um homem é o homem certo para determinado tempo e lugar. Ele se encaixa perfeitamente. Prossegui: - Gosto do seu estilo, Cara. - Também aprecio o seu estilo, Diana. Essa coisa meio caubói. Então, levantou-se devagar e me olhou de um jeito simpático. - Cuide-se, preciso voltar. - Claro. Vá com calma. - É. - Sei que vai. - Bem... O Cara sobrevive. "O Cara sobrevive”.


Pela contemplação do ócio

A ARTE DE OBSERVAR E REPOUSAR, ENQUANTO AFASTA-SE DAS INÚMERAS ATIVIDADES COTIDIANAS, É UMA POSSIBILIDADE ESCLARECEDORA E EFICIENTE.

TEXTO POR: GABRIEL AQUINO IMAGENS: LUIZ FERNANDO

INTRODUÇÃO O teto é imóvel, mas o pensamento... O pensamento não. É corrente como a água de um rio, imparável. E, então, o que seria a ausência do pensamento? Ou, melhor, como pensar melhor, sem pensar a todo tempo? E se o pensamento coincide justamente com o ato de, mesmo por um momento, não pensar? E se apenas pensar for suficiente para que se veja além do teto que permanece diante de mim, que já faz algum tempo, permaneço deitado, coberto. Diria que, pensando ou não, esse momento, em que uns repousam corpo e mente, outros apenas a mente, outros apenas o corpo, alguns abrem um vinho, alguns colocam seus fones, alguns curvam-se, deitam-se, corrigem sua postura... esse momento pode ser a solução. Contemplo o ócio, este que não significa não fazer nada, mas atentar-se, entregar-se ao pensamento e ao espírito, livre da necessidade de agir incessante e erroneamente. É justamente o ócio, esse momento de reflexão e autoconhecimento, que pode iluminar escolhas, ideias e ações. Permita-se contemplar o ócio. Permita-me contar histórias de contemplação do ócio.

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“Autoconhecimento é autocura” Adriano Caillot

CAPÍTULO I – O ÓCIO REfrentamento. FLEXIXO “O grande A liberdade de poder da cura afastar-se das dié observar o versas atividades coque acontece tidianas, mesmo que por consigo. Nesse um breve momento, e dedimomento eu paro, car-se ao autoconhecimento, paro tudo. Fico proporciona uma serenidade encom a dor, a tristegrandecedora. Tal qualidade é vísiza, qualquer que seja vel em Adriano Caillot, ao pedir que o sentimento que se eu me aconchegue no Jardim de Essênapresenta. Observo o cias, onde trabalha com diversas terapias que estes sentimentos naturais. têm a me dizer, a me Neste ambiente, conhece-se um pouco de ensinar. Eu estou vendo um homem inspirador e, inevitavelmente, um pouvocê. Autoconhecimento co mais de si mesmo. Desprender-se dos limites é autocura”. de corpos físicos, informações e memórias, rapaz, E por que não seria isso resulta em uma enorme descoberta. “Quando simples? Basta considevocê descobre quem é você, a vida se transforrar que o ócio não se assema em um estalo. Nós só nos identificamos em melha com um momento de corpos, nomes, títulos, coisas que todos temos, pouca serventia, mas, como mas nada além disso”, conta, enquanto explisugere Adriano, de reflexão, ca o caminho que percorreu até encontrar-se de interiorização. “A observacomo indíviduo e profissional. ção é ‘não fazer nada’. Dentro Nesta conversa, Adriano questiona da meditação, observar é apenas como somos escravos dos outros e de nós observar, não agir. Ter mais claremesmos, lembrando o tempo que traza e resistir as armadilhas da nossa balhou em escritórios e em uma rádio mente, que nos dá pernas para corouvindo músicas que não lhe acalentarer daquilo. Nesse sentido, o ‘não favam, até encontrar o seu mantra. Ser zer’, o ócio, é uma grande chave para mestre de si mesmo exige sabedoria, o autoconhecimento”. observação, sensibilidade. E cá entre nós, nossa afobação cotidiana CAPÍTULO II – O ÓCIO RESOLUTIVO nos atrapalha nessa missão enComo já diz Criolo, saber a hora de grandecedora. parar é pra homem sábio. Eu acrescenA sugestão do terapeuta é taria que saber a hora de recomeçar tamaparentemente simples: resbém. Já o Everton diria que nada como esse pirar e observar. E não conintervalo. Everton Guilherme, publicitário e funda isso com fuga. Largar designer de animação, trabalhou durante tudo e dedicar-se aos seus sete meses na criação do curta-metragem sentimentos e problemas animado “O Disco de Ouro”. Antes que alé a melhor forma de en06

personagem, a segunda é o gum desavisacontexto e o lodo subestime, cal em que ele está tal projeto foi inserido, enquanto desenvolvido soa terceira é o desfecho zinho pelo publida história, onde revela-se citário e, mesmo seu segredo musical. E o curele sendo uma boa ta ganhou liga quando, durante personificação de o afastamento do projeto, Everton uma pessoa aparenlembrou que Also Sprach Zarathustemente simpática ao tra, um clássico de domínio público, ócio, pela fala mansa e “tem uma progressão que é justamente o gestos tranquilos, este tipo de clímax que eu queria para o curta”. é um projeto que exige Todo o tempo investido de dias, noites e muita dedicação, concenmadrugadas ganhou um pilar mais resistente dutração e conhecimento. rante o único momento em que nenhum tempo era Veja bem, você faz um investido. Contraditório. De qualquer forma, esse incurso e, naturalmente, quer tervalo inusitado, esse momento de desprendimento colocá-lo em prática. “Sozie afastamento, porém, não de fuga ou esquecimennho, passando por todas as to, pode trazer resultados e soluções satisfatórias. etapas de criação, até para “Acho que se eu não tivesse parado, eu gostaria ver se eu era capaz”. O curta bem menos do resultado final que cheguei”. apresenta bem e de forma singela um ser espacial vencedor EPÍLOGO de diversos prêmios musicais em Com certa frequência, percebo em algumas algum planeta distante. Sabe qual falas um certo repúdio para com o simples ato é o segredo do amigo alienígena? de não fazer nada. Imagine aquela voz rísA música terrestre. Suas compida, agoniada: “Ficar sentado não resolve posições baseiam-se em grandes nada!”. Confesso, por muito tempo acrediclássicos da vida humana, que, postei nisso e, por muitas vezes, forcei-me a sivelmente, se perderam em algum fazer algo sem a menor ideia do que esmomento. O felizardo as encontrou. E tivesse fazendo. Hoje, penso: “Ora, por o curta é lindíssimo. que não resolveria?” Mas ué, cade o ócio nessa história? Eu acabo de me permitir contar “Houve um momento, no meio do prouma história criada a partir do ócio. cesso, que eu comecei a não gostar mais Contá-la da forma que eu imaginei do que estava fazendo, parecia uma hisenquanto abraçava a minha cama, tória sem ritmo. Aí parei... parei por duas enquanto o frio não me deixava fasemanas, pensando até em desistir, quando zer nada além de permanecer deitive uma ideia para mudar a estrutura do curtado e encolhido. Percebam, esse ta e ele voltou a ser interessante para mim”. momento, que na visão de alguns Basicamente, a estrutura do curta consiste é preguiça, pra outros é essenem três cenas. A primeira é a apresentação do cialmente visão.


“NÃO VOU HOJE...”

Você já usou seu “vale desculpinha”? Talvez você seja o único sobrevivente, considerando o número de familiares que a sua família já perdeu. Talvez você já possua um físico impecável, por optar pelas caminhadas ao invés das incontáveis vezes que acabou perdendo o ônibus. E, talvez, você já seja alvo de algum estudo médico pelas constantes vezes que alguma doença inesperada lhe fez ficar de cama ou então pelos seguidos casos de conjuntivites. Quando fui incumbido a fazer esse texto ainda brinquei sobre a possibilidade de entregar apenas o título ou um parágrafo, pois todos já fomos e somos adeptos a esse pecado. Pela manhã, logo que acordamos, a cama está quentinha, é como um abraço bom que você não quer que acabe nunca. E lá está ela, brigando com a sua consciência enquanto repetidamente você escolhe a opção “mais 10 minutos” no seu despertador. São inúmeras situações em que a preguiça não perde a chance de se manifestar. Aquele que se nega

PARA FUGIR DA ROTINA, A MENTIRA TORNA-SE A VÁLVULA DE ESCAPE PARA MUITAS PESSOAS TEXTO E IMAGENS: ANDRÉ JUSTUS AGRADECIMENTO ESPECIAL: JOSELI JUSTUS

a trabalhar é condenado tanto pela Igreja Católica quanto pelo chefe, mas não se preocupe, nessa edição do Bebop ninguém será julgado. Na verdade, os julgamentos deixaremos à vocês pelas histórias aqui compartilhadas, já que nesse momento a língua rolará solta, uma mistura de delator e fofoqueiro. Gabriely Correa Gomes (17) está no início dos seus estudos profissionalizantes, mas para iniciar essa etapa da vida, teve que deixar de lado seu emprego como funcionária em uma empresa especializada em buffet de festas infantis. Quando se fala em aniversário de criança, não há uma pessoa que não goste, afinal, sempre haverá comida boa. Mesmo recebendo bem e sendo apaixonada pelo antigo trabalho, a estudante revelou que em um momento específico ela teve que usar o seu “vale desculpinha”. Mas o que seria isso? Esse termo foi inventando nesse momento parafraseando um jogo de baralho e bebidas, onde uma carta específica é selecionada como um “vale

banheiro”, quem tirar, pode se ausentar do lugar no momento que quiser, enquanto os outros precisam tirar uma mesma carta para terem esse liberdade de deixar o jogo e ir ao banheiro. Na vida, acredito que todos possuímos um ou dois, por isso é importante escolher bem a hora de utiliza-lo. “Sempre trabalhei entre 17 horas da tarde até 2 da manhã. Uma rotina cansativa. Mas naquele dia eu tinha um aniversário de 15 anos, já tinha combinado tudo com as minhas amigas. Até que meu celular tocou no início da tarde e era minha chefe avisando que eu teria que trabalhar naquele dia”. Após confirmar presença, a estudante não viu outra alternativa a não ser utilizar o seu “vale desculpinha” para não desapontar suas amigas e conseguir descansar para aproveitar a festa a noite. “Algumas horas depois, a dona do buffet começou a me ligar desesperada, o que me deixou desesperada também. Na dúvida, acabei desligando o celular”. Ao contrário da estudante, o publicitário Nycolas 07


Dierka (20) não gostava do seu antigo trabalho. Faça isso. Fala aquilo. É para amanhã. Está atrasado. A rotina desgastante de um departamento de marketing foi fator decisivo quando decidiu usar a sua desculpa para não ir trabalhar numa sexta-feira. “Era 5 horas da manhã e ainda não tinha dormido. Eu nem estava de ressaca. Chovia muito e só conseguia pensar que eu não iria render nada no serviço”. Para algumas pessoas basta um telefonema para justificar a ausência, mas para Nycolas era uma questão de honra transformar a mentira em algo quase verídico para não ser descoberto, praticamente uma trama de How to Get Away With Murder. Afinal, quando se tem que cumprir uma carga horária mensal, se não for inteligente o bastante, você terá que compensar em algum momento esse dia que faltou. Uma hora se passou. Entre um pensamento e outro, acompanhando o ritmo da chuva, as tradicionais desculpas foram deixadas de lado para dar espaço para uma grande ideia. “Levantei, fui de pijama até uma unidade de pronto atendimento e sentei na sala de espera para ser atendido. Tirei uma foto e mandei para o meu chefe na hora, fiz até um check-in no facebook”, justificando que com o registro fotográfico seria menos provável que pedissem um atestado ou algo que comprovasse o seu estado. E,

de fato, funcionou. Mas o que ele não esperava era que depois só conseguiria dormir até 11h da manhã. “Teria sido bem melhor e produtivo se eu tivesse trabalhado, pois na segunda eu tive que agilizar muita coisa que eu devia ter feito na sexta”. Maria Nilze Santos (50) possui raízes fortes ucranianas na família. Vinda de Ivaí, contou que sua mãe era considerada uma “rata de igreja”, ou seja, missa de segunda à sexta. Desde criança, foi educada a partir dos ensinamentos religiosos e quando aprontava alguma coisa, sua mãe não repreendia com a famosa “vara de marmelo”, mas sim com uma “vara de aleluia”. No período da Páscoa, quando trabalhava como gerente em uma loja de Persianas em Curitiba, não foi trabalhar no sábado, pois na sua cidade de origem a religiosidade é muito forte e sua família guarda o dia para refletir sobre a crucificação e morte de Jesus. “Eu juro que não sabia que as pessoas não consideravam o sábado de aleluia feriado. Meu chefe não acreditou em mim, mas prometi que jamais sairia da cidade sem conversar com ele”, mostrando que na verdade o “vale desculpinha” nem foi usado, soou como uma mentira. Mas se até Deus descansou no sétimo dia, porque dona Maria não poderia relaxar naquele sábado?

“CADÊ VOCÊ?”

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Aos meus olhos, a preguiça é irmã do descanso. É necessário dar um tempo. Para alguns são 15 ou 30 minutos e para outros é uma manhã inteira. Estamos tão presos a uma rotina agitada, onde tempo é dinheiro que qualquer deslize ou pedido de socorro pode ser visto como algo negativo. E, por isso, constantemente surge a necessidade de inventar uma mentira, uma forma de mascarar um estado que todos estamos destinados a sentir, a preguiça é natural. O corpo cansa. A mente cansa. É reflexo da cultura social que estamos situados. Lembra da Gabriely lá do início? Bem, no outro dia depois de sair com as amigas, a chefe dela voltou a ligar para saber o motivo de faltar e também lembrar que naquele dia teriam outro evento. “Eu tinha ficado acordada a noite inteira, festei muito, estava muito cansada, não poderia ir trabalhar de novo, mas finalmente atendi a ligação. Inventei que tive que fazer uma viagem de urgência e só agora o celular estava com área. Ela acreditou, espero”, afirmando ser a última vez que isso aconteceu. Talvez seja, talvez não. Mas pensando bem, quem nunca usou seu “vale desculpinha” para faltar o trabalho que atire a primeira pedra ou, melhor, invente a primeira desculpa.


NA CENA DO CRIME CONFIRA UM POUCO SOBRE COMO É O TRABALHO DE INVESTIGAÇÃO Por Pamela Andrade

QUEM NUNCA ASSISTIU OU, PELO MENOS, OUVIU FALAR EM ALGUM FILME OU SÉRIE DE INVESTIGAÇÃO POLICIAL, COMO CSI, THE FALL, O PRÓPRIO DEXTER, FICÇÕES QUE NOS LEVAM A CRER QUE DESVENDAR UM CRIME É COMO NUM PASSE DE MÁGICA. AFINAL, QUEM NUNCA QUIS SER SHERLOCK UMA VEZ NA VIDA? OU QUALQUER OUTRO PERSONAGEM QUE NOS FAZ AMAR AS HISTÓRIAS POLICIAIS. E NA VIDA REAL COMO É O PROCESSO INVESTIGATIVO? VIVIANE ALVES E DENISE LOURENÇO SÃO INVESTIGADORAS DA DELEGACIA DE GUARAPUAVA HÁ 16 ANOS, EM UM BATE-PAPO COM ELAS PODEMOS ENTENDER UM POUCO MAIS SOBRE O TRABALHO QUE REALIZAM. ELAS ATUAM NA SIC, SETOR QUE CUIDA DE TODOS OS CRIMES DA DELEGACIA DA MULHER, COMO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, ESTUPRO, INJÚRIA, DIFAMAÇÃO, E TAMBÉM OUTROS CRIMES QUE NÃO CABEM À EQUIPE DE HOMICÍDIOS E NARCÓTICOS, COMO ESTELIONATO, LESÃO CORPORAL, INCÊNDIOS, PORTE E DISPARO DE ARMAS DE FOGO E CALÚNIA. PARA ELAS, DILIGÊNCIA NÃO É SÓ UMA CARACTERÍSTICA DE COMPORTAMENTO, É UMA OBRIGAÇÃO!

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COMO É O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO?

VIVIANE: Então, para cada crime existe um método diferente a ser utilizado. Por exemplo, nos crimes de estupro, a vítima virá aqui, vai dar seu depoimento e a partir dele a investigação começa, pois depende se ela sabe ou não quem é o autor. Assim trabalharemos com essas primeiras informações. Tudo começa com o boletim de ocorrência da vítima, é a partir do que ela tem para nos falar que começamos a investigação, se ela tem poucas informações, nós partimos do nada. DENISE: A gente trabalha muito com denúncias, que muitas vezes são anônimas, e ordens de serviço. Depende de cada caso, o delegado

expede a ordem de serviço e nós vamos procurar cumprir essa ordem. Aí são as diligências que nós iremos fazer, conforme cada ordem de serviço e conforme cada crime. Cada crime é tratado de uma forma, pois não tem como seguir sempre a mesma linha, mesmo que seja o mesmo tipo de crime, para esse mesmo tipo podem ter vários desfechos diferentes.

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QUANDO UMA PESSOA SE DEPARA COM UMA CENA DE CRIME COMO ELA DEVE PROCEDER?

VIVIANE: Imediatamente ela deve acionar a polícia. Não adianta ela tentar fazer alguma coisa porque ela não pode, corre o risco de piorar a situação. Claro que têm situações 09


em que a pessoa viu, por exemplo, uma adolescente sendo agarrada na rua, ela começou a gritar para os vizinhos virem ajudar, porque é mais fácil e mais rápido na hora. Mas deve-se sempre acionar a polícia. Hoje em dia, as pessoas estão mais espertas, quando elas veem algo suspeito elas anotam a placa do veículo, prestam atenção nas características da pessoa. DENISE: A primeira coisa em qualquer situação deve ser sempre ligar para a polícia. Como numa cena de homicídio, por exemplo, em primeiro lugar chamar a polícia e em segundo ter a consciência de não mexer na cena do crime, pois ela pode se comprometer e comprometer a investigação.

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QUANDO CONSEGUEM SOLUCIONAR UM CASO, COMO SE SENTEM?

VIVIANE: Me sinto vitoriosa. Porque eu não sei qual a imagem que, muitas vezes, as pessoas tem da polícia, porque as vezes elas acham que nós não nos empenhamos para solucionar o caso, e é o que a gente mais quer, porque nós temos prazer quando conseguimos identificar e resolver um crime, a gente gosta do que faz. Muitas vezes, nós não podemos ficar detalhando em que passo estamos para não comprometer a investigação, e a pessoa acha que não estamos fazendo nada, mas nós estamos fazendo de tudo para solucionar o caso, faz parte do nosso trabalho o sigilo e a descrição. DENISE: Para nós é muito gratificante, todo trabalho que temos sucesso e um resultado bom, e esse resultado nem

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sempre é a prisão imediata, a identificação da autoria do crime para nós já é positivo, porque daí a prisão vai ser a consequência da investigação e da identificação do autor. Mas, quando você consegue chegar ao fim de uma investigação com um resultado positivo, quando você consegue a condenação do criminoso, consegue dar retorno para a vítima, é muito satisfatório.

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HÁ MUITOS FILMES ESÉRIES QUE ABORDAM A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, SÓ QUE MUITAS VEZES, COMO SE FOSSE NUM PASSE DE MÁGICAS, COMO VOCÊS VÊEM ISSO?

VIVIANE: Na nossa realidade é muito mais trabalhosa, nem um serviço se resolve fácil, nós temos que correr atrás. E outra, nós não temos os melhores equipamentos, as melhores armas, nós trabalhamos com o que temos, e felizmente conseguimos fazer muito. E o que não é divulgado, os resultados bons que temos nas investigações, as vezes, trabalhamos um mês, três meses em um caso, e ninguém sabe. O que é mais divulgado, por exemplo, são as operações policiais, mas até para ter essa operação teve muito trabalho por trás dela. DENISE: Totalmente fora da realidade, nossa realidade não é o que passa em CSI, nos filmes, é bem diferente. Nós precisamos ter cautela durante a investigação para não prejudicar um inocente, nós precisamos ter provas concretas, que não são fáceis de achar, por isso é bem diferente desses seriados, onde parece tão simples de resolver, mas não é.

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VOCÊS DE ALGUMA FORMA ACABAM SE ENVOLVENDO COM A VÍTIMA, OU CONSEGUEM SEPARAR O EMOCIONAL DA INVESTIGAÇÃO?

DENISE: Pelo nosso tempo de serviço, nós já aprendemos a não nos envolver, porque se você se envolve com a vítima ou com a família dela, acaba atrapalhando no processo de investigação, e isso não é bom. Então com o tempo, você aprende a separar bem as coisas.

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QUAIS FORAM OS CASOS QUE MAIS MARCARAM VOCÊS?

VIVIANE: Eu tenho muitos casos, não foi só um, casos em que crianças e adolescentes são vítimas de estupro, e que nós conseguimos tirar a criança dessa situação. Muitos casos em que a criança apanhava e era abusada pelo próprio pai. Então para nós, conseguir retirar essa criança desse local, conseguir provar a culpa e a condenação da pessoa, para nós é gratificante. E uma coisa que me deixa muito triste na sociedade, é que muitas pessoas se importam se a vizinha saí tarde ou chega tarde em casa, com que roupa saí, e não se preocupa se ali está acontecendo alguma violência. E é só ligar. A gente percebe, que muitas pessoas, não querem se envolver, mas ela pode ligar sem se identificar no 197. DENISE: A gente sofre, principalmente quando são casos de crianças sendo violentadas dentro da própria casa, a gente sofre com locais de morte, mas nós não nos envolvemos como foi falado, até para ter um equilíbrio

emocional, conseguir viver bem fora daqui, porque nós não podemos carregar o trabalho policial 24 horas por dia, nós temos família, nós temos que cuidar também da nossa vida pessoal. E tem crimes que não conseguimos solucionar, tem pelo menos dois crimes de homicídio que não conseguimos desvendar, e para nós isso é bem frustrante, porque nós gostaríamos muito de ter chegado a um resultado final positivo, mas infelizmente não conseguimos.

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E NA VIDA PESSOAL VOCÊS TAMBÉM SÃO DILIGENTES?

DENISE: Com certeza, é uma coisa que já é do nosso jeito de ser, então o que a gente for fazer sempre vai ser diligente, sempre vai seguir essa linha. E no pessoal envolve nossa família, que as vezes exige até mais cuidado, mais zelo ainda. Não tem como separar, dizer que só vou ser diligente no trabalho porque ele exige que eu seja, a família exige as vezes até mais.

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HÁ ALGUM MÉTODO, ALGUM APRENDIZADO DAQUI QUE VOCÊS JÁ APLICARAM NA VIDA PESSOAL?

VIVIANE: Nós aprendemos muito com o que acontece aqui para a vida, todo dia a gente aprende alguma coisa, todo dia tem surpresa, tem novidade. E como você aprende muito aqui, no dia a dia automaticamente você acaba usando o que aprendeu, você fica mais esperto. Por exemplo, se forem lá em casa e tentarem aplicar um golpe, quero ver a pessoa conseguir aplicar o golpe.


TEREZA MARIANO BRAND, 58 ANOS, AUXILIAR ADMINISTRATIVA

O mito de Atena O perfeccionismo feminino como ato de autodestruição MATÉRIA E FOTOS: AMANDA GOLLO

O caminho até o banheiro é feito inconscientemente. Um pouco devido às poucas horas dormidas, a outra parte da culpa é porque a energia disponível para o dia que está nos seus primeiros instantes não permite prestar atenção em coisas tão insignificantes. O café, já não mais tão quente, é ingerido sem a percepção que falta açúcar. Mas o beijo no esposo ainda é doce, assim como o súbito olhar dirigido as crianças, que se apressam em seus uniformes limpos e seus materiais do desenho animado da última série da televisão. O mau humor rotineiro do chefe faz lembrar o parágrafo que faltou no relatório entregue adiantado ontem. E a pausa para o almoço é preenchida com o desejo pelo corpo magro e definido das moças do outdoor. Atena, uma das principais heroínas gregas, hoje em dia é mito! A mulher contemporânea tem que apaziguar batalhas de deuses, matar um leão por dia e sorrir durante o jantar em cima de um sapato de salto 15.

Era assim que C. L., 30 anos, se sentia seis meses atrás. Antes do agravante que a levou a um surto e grito desesperado: a depressão pós-parto. Psicóloga há sete anos, C. L. soube identificar que todo cansaço e irritação tinham raízes mais profundas que o nascimento do seu segundo filho. “Eu me sentia esgotada, só queria ficar sozinha. Trabalhava em dois lugares, tinha minhas duas pós-graduações, minha casa e meus dois filhos. Meu marido é muito parceiro, mas chega um momento que o transtorno se transforma em disfunção química e as coisas não são mais do seu controle”. O desequilíbrio nas relações familiares, a pouca ou inexistência vida social e convivên-

cia com amigos, os abusos no ambiente de trabalho, a falta de lazer e a não aceitação de si mesmo são fatores que influenciam no desenvolvimento de um transtorno mental. Para as mulheres, essas cobranças são ainda mais violentas. A sociedade atual exige que a mulher seja uma boa mãe, uma boa esposa, esteja sempre bonita e ainda a provoca para ser uma profissional acima da média, ou qualquer homem que esteja no mesmo nível poderá substituí-la, a não ser que ela aceite um salário inferior ao cargo que ocupa. Não há espaço para ser mediana. No entanto, assim como a heroína da Grécia Antiga, Atena, o perfeccionismo social 11


trabalhamos muito a questão do eu, como o indivíduo entende tudo o que ele está passando. O nosso objetivo é que ele pare de brigar consigo mesmo pelas frustrações que o envolvem. Tentamos direcionar o pensamento para as coisas que ele já conquistou e as coisas que ainda tem para conquistar. As pessoas precisam ter expectativas”. Um ano e meio após a perda do marido, Tereza passou num concurso público e ali conseguiu reconstruir sua vida. “Fiz tratamento psicológico por dois anos. Mas o que mais me ajudou a superar foi a conquista de um novo emprego. Eu conversava com muitas pessoas, me envolvia com as histórias delas, e com o tempo criei uma disposição para ajudar os outros. Meus dois filhos cresceram, hoje tenho três netos. Anos depois de superar a depressão voltei a cantar, hoje me sinto realizada pessoal e profissionalmente”. C.L. lembra-se bem do momento em que decidiu procurar ajuda. “Eu estava estendendo roupa e meu marido estava ajeitando a casa. De repente, meu filho menor desceu para a lavanderia e fez uma bagunça. Me bateu um desespero. Eu não queria brigar. Então eu só gritei para o meu marido tirar os meninos de lá e para todos saírem, fiquei sozinha e chorei muito, até aquilo passar”. Após procurar orientação psiquiátrica, C.L. foi diagnosticada com depressão pós-parto, pela idade do seu segundo filho, ainda com menos de um ano. Porém ela conhecia muito bem as origens de todo o estresse e esgotamento. “Eu sou muito bem resolvida como mãe, e sentia que o problema não era que eu não os queria, eu apenas não aguentava mais. Eu tive uma gravidez tumultuada, foi uma época intensa no trabalho, havia risco de eu sofrer um aborto e ainda passei por assédio moral. E na época eu não soube lidar com essa violência, por isso guardei pra mim”. “As pessoas que procuram ajuda psiquiátrica geralmente associam o problema com algum trauma emocional, como a perda de alguém querido, um acidente ou até o nascimento de um filho. Mas ao longo do tratamento a gente consegue perceber que o problema é muito maior que isso. Que vem lá da infância, ou, o que é muito comum, que a pessoa leva uma vida muito agitada, num processo sempre crescente e

acelerado, e muitas vezes se perde no caminho”, relata a psicóloga Mônica, explicando o diagnóstico de depressão pós-parto de C.L., que desejou e planejou a vinda dos dois filhos. Seis meses após começar o tratamento, C.L. voltou a ter uma relação normal com os filhos, com o marido e no trabalho. “Eu tomo medicamentos e faço terapia – que eu nunca deveria ter parado. Para mim não é cansativo amar, eu acho que tenho o dom para cuidar dos outros, só não posso esquecer de cuidar de mim mesma e respeitar meus limites. Eu amo meus filhos e gostaria de ter mais, mas infelizmente não posso por motivos de saúde - inclusive mental”, brinca, a bem humorada C.L. A psicóloga Mônica é convicta em dizer que a pressão para não fracassarmos é um dos aspectos mais negativos da contemporaneidade. “Nós, enquanto sociedade, somos muito discriminatórios. E inclusive discrimina-

PSICÓLOGA MÔNICA DA SILVA TAVARES

mos as fraquezas femininas, que na verdade não são fraquezas. Não é fraqueza uma mulher não ser diligente em tudo o que faz. Assim como não é fraqueza uma mulher querer ter um tempo seu e aproveitar um momento longe dos filhos”. Se essas questões, tantas vezes, não fossem tratadas como fraquezas, as doenças que atingem o mais enigmático e ao mesmo tempo limitado órgão

As pessoas que procuram ajuda psiquiátrica geralmente associam o problema com algum trauma emocional, como a perda de alguém querido, um acidente ou até o nascimento de um filho. Mas ao longo do tratamento a gente consegue perceber que o problema é muito maior que isso.

feminino, ou a diligência forçada imposta pela sociedade sob as mulheres, não passa de um mito – ou ao menos, não deveria passar. Tereza Mariano Brand viu sua vida desmoronar após uma perda traumatizante. “Nós levávamos uma vida muito boa. Eu era dona de casa, mas tínhamos também uma empregada. Ele era um pai exemplar, sempre muito presente. Gostava de me presentear e de me surpreender”. No dia 5 de agosto de 1993, o marido de Tereza saiu de casa para trabalhar. Cerca de dez minutos depois Tereza recebeu um telefonema. Seu marido havia sofrido um acidente e morrido no local. “Aquilo me tirou o chão. Eu sofri demais. Eu não tinha ação para nada. Eu não reagia. O mundo parou ali”. Não bastasse o trauma da perda do marido, Tereza teve que se adaptar a outra vida. Tinha dois filhos, uma menina de 10 anos e um menino de 8. Não recebeu qualquer auxílio financeiro por ocasião da perda e passou alguns meses sendo sustentada pela própria família, até conseguir um trabalho como empregada doméstica. Tudo isso aliado a luta contra uma depressão profunda desencadeada pelos acontecimentos traumáticos na vida de uma mulher de 35 anos. “Aqueles dias eram tristes. Para mim o mundo era só preto e branco, passei dois anos usando apenas preto. Minha vida não tinha sentido, por mais que me ajudassem. Eu não tinha mais perspectiva de vida”. Na psicologia existe um conceito muito observado em situações traumáticas. A resiliência é definida como a capacidade do indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos, ou resistir à pressão de situações. A sociedade contemporânea exige que sejamos cada vez mais resilientes, que sejamos cada vez mais diligentes em sermos resilientes, pois afinal, somos indivíduos culturalmente lapidados para produzir. Não temos muito tempo para nos recuperarmos. Ou seja, não há muito tempo para não sermos resilientes. Quando essa lógica não funciona, o risco de desencadear um transtorno da ordem psíquica aumenta. A psicóloga Mônica da Silva Tavares explica que, quando um paciente é avaliado, é importante entender a intensidade que o transtorno mental acometeu na vida da pessoa. “Durante o tratamento de algum distúrbio, nós 12

humano não seriam consideradas os males do século. Mas, com a esperança oriental e o positivismo defendido pelo filósofo Byung-Chul Han, acreditamos que a reflexão do quão apressados somos sirva como um alerta imediato, que nos leve a parar e dar tempo para nos espreguiçarmos pela manhã, antes de começarmos a caminhar até o banheiro.


Direito ao trabalho nos 70 “Eu nasci no mato e me criei na roça. Eu ganho a vida na luta pesada , mas sem recurso para estudar eu sei apenas manejar a enxada” (trecho da música ‘Fruto do Meu Trabalho’, de Tonico e Tinoco). MATÉRIA E FOTOS: AMANDA ABASTOS

O despertador é um rádio de pilha, que uma mistura é o suficiente para recarregar toca todos os dias, sagradamente, inclusive as energias e voltar à labuta. Mesmo com o nos finais de semanas, às 6h30 da manhã. resto da tarde disponível, seu Surek se apresEnquanto o radialista atualiza as notícias da sa. Feijão fervido. Arroz aquecido. Cebola cidade, seu Paulo Surek se agasalha e coloca picada. Carne preparada. Almoço na mesa. o café para coar. “Acordo todos os dias nesse Louça lavada. Dentes escovados. Descansar horário, até as sete e meia eu tenho que estar só depois de terminar o trabalho. no serviço, se eu atrasar quinze minutos aqui, O ponteiro do relógio marca uma hora já perco o apetite para o almoço”. da tarde, momento de voltar ao trabalho. Surek deixa a sua casa, ainda com chei- O serviço mais pesado, que era capinar, já rinho de café no ar, passa a tranca na porta e havia sido feito, agora, era só varrer. As lonconfere no relógio se está dentro do horário. gas vassouradas faziam a poeira do asfalto O objetivo, agora, é ir até ao estacionamento subir e vez ou outra era preciso de uma pauda prefeitura para buscar o trator. “Mesmo sa para arrumar o chapéu, que insistia cair aposentado, quero me sentir útil, por isso sobre os pequenos olhos castanhos. vou continuar tralhando até quando me perO radinho de pilha, que deu ritmo ao dia mitirem. Eu dou conta do serviço, menina, de serviço, toca a música preferida do seu até faço mais rápido e melhor que muito piá Surek. Morena Luxuosa abre espaço para novo”, me conta às gargalhadas, enquanto eu perguntar se em sua vida há lugar apedá passos rápidos que nas para o trabalho. transmitem destreza e “Meu casamento foi “JÁ ESTOU HÁ ANOS disposição. a única coisa que eu A conversa ajudou NA FIRMA E NUNCA ME não consegui concluir o percurso ser mais sucesso, eu tenLIMITEI EM NENHUM com rápido e, virando a tei, mas sabe como esquina, já podíamos TIPO DE TRABALHO” é. Mas, agora, chega ver o pátio da predomingo, eu vou para feitura de Irati. Seu os bailes apreciar um Surek carrega as ferramentas na carroceria sertanejo, nos dias de sorte encontro um bom do trator e, com cuidado, embarca na máqui- par para dançar”. na. Enquanto acelera em direção ao centro da O tempo começa a fechar e a chuva aponcidade, a fumaça do motor tinge de preto a ta lá no morro, então faço uma última perneblina esbranquiçada. gunta: Estaciona entre os carros e nas mãos cale- Se o senhor pudesse fazer um pedido jadas, certamente por trabalhar com a enxa- relacionado ao seu trabalho, qual seria? da, coloca uma luva, essa foi a solução para -Que os próximos prefeitos deixem eu evitar que as bolhas dos dedos estourassem. continuar trabalhando até quando eu achar Entre uma buzinada e outra de algum conhe- que estou realizando um bom trabalho. cido, as touceiras de matos eram arrancadas Me despeço de seu Surek e, rindo, aconde forma minuciosa pelo trabalhador. Uma selho ele a diminuir o ritmo. “Sabe, menina, piscada e o relógio marca 11 horas, pratica- com 73 anos, estou me permitindo ser um mente toda a avenida havia sido limpa e, para pouco mais preguiçoso”. Se o senhor chama a tarde, havia ficado pouco serviço. isso de preguiça, eu não sei explicar o que é O almoço hoje é em casa, arroz, feijão e disposição, amigo.

RPIR, ALÉM DE CA RASTELA SEU PAULO FORMA E VARRE DE AS RUAS MINUCIOSA

CHAPÉU E LUVA MOSTRAM OS CUIDADOS TAMBÉM COM A SAÚDE

NORMALMENTE PREFERE TRABALHAR SOZINHO, DIZ RENDER MAIS NO TRABALHO.

SEU PAULO GANHOU PRÊMIO DE CIDADÃO HONORÁRIO DO ROTARY CLUB E DA PREFEITURA MUNICIPAL DE IRATI 13


O QUE CARACTERIZA UMA SOCIEDADE QUE EXIGE UM ANO INTEIRO DE DISPOSIÇÃO DE SEUS TRABALHADORES PARA ENFIM TEREM A CONQUISTA DE ALGUNS DIAS DE DIREITO À PREGUIÇA POR AMANDA PIETA

“Sejamos preguiçosos em tudo, exceto em amar e em beber, exceto em sermos preguiçosos”. O revolucionário jornalista e ativista político franco-cubano Paul Lafargue já sabia da importância de um tempo de ócio e descanso quando deixou essa ideia registrada em seus escritos intitulados “O Direito à Preguiça”, de 1880. ”Os filósofos da antiguidade ensinavam o desprezo pelo trabalho, essa degradação do homem livre; os poetas cantavam a preguiça, esse presente dos Deuses”: e ele sabia que muito antes dele, outros já bebiam da água desse pecado capital como se fosse uma dádiva.

Grande parte do conhecimento e artes produzidos na Grécia Antiga vieram depois de um período de ócio e contemplação, julgado importante para chegar à racionalidade e criatividade. Até mesmo em um contexto que exigia muita disposição, como a Guerra de Tróia, encontrava-se um personagem que cultuava a preguiça e a recreação como necessária para revigorar as energias para a batalha. Palamedes, príncipe da Ilha de Eubéia, tentava atrair a simpatia dos soldados para si dando-lhes passatempos para se distraírem nas pausas de guerra. Ele acusou Ulisses de exigir demais dos soldados e não lhes dar alimento suficiente.

Por fim, acabou sendo morto em decorrência das rixas com Ulisses, mas deixou de herança para a humanidade a criação de onze letras do alfabeto grego, a balança e sua definição de pesos e medidas, o uso da moeda, os jogos de xadrez e de dados, além de outras contribuições. Palamedes foi um preguiçoso que usou o ócio para deixar adentrar grandes ideias para só depois, levantar da rede pendurada em seu navio de batalha e trabalhar nelas efetivamente. Mas o que aconteceu com essa valorização da preguiça que hoje parece ser tão pouco aproveitada como antigamente? Nos submetemos a um sistema onde precisamos estar

NEI AMARAL É EMPRESÁRIO DESDE CEDO MAS AFIRMA QUE SER CHEFE NÃO SIGNIFICA TER MENOS TRABALHO.

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sempre dispostos ao trabalho para termos nosso pequeno direito à preguiça - nossas férias. A anarquista Mábia Camargo acredita que depois de uma rotina cansativa todos os dias, a preguiça torna-se um direito para o trabalhador, uma reivindicação. “O que pensamos em termos de tempo livre, eu chamaria de ócio produtivo. O tempo em que você não estaria engajado nas atividades de produção para a subsistência, seria tempo livre para se dedicar as artes, para a retórica, para aprimorar conhecimentos técnicos”. Ou seja, seria um tempo de refúgio do corpo e mente do universo produtivo. O empresário Nei Amaral, 54 anos, já teve vários negócios ao longo da vida, entre eles bares, mercado e até uma danceteria, mas nos últimos 15 anos é dono de um restaurante. Ele conta que mesmo sua renda sendo melhor do que quando empregado, não gosta de fazer grandes planos para suas férias e prefere aproveitar o ócio de uma maneira bem simples. “Gosto de ficar sozinho em casa ou com a família, passear nos parques e lagos da cidade, ficar meio sossegado”. Ele relata ainda que a maior vantagem em ser autônomo é a de não ser cobrado, porém ao mesmo tempo ele se sente na obrigação de exigir de si mesmo. “Às vezes a pessoa vê o empresário bem de vida e acha que é fácil montar um comércio também, mas é trabalhoso.

Penso 24 horas por dia no meu negócio, em como comprar e vender, sempre cuidando para não explorar nos preços para poder conquistar clientes”, comenta. Quem frequenta o restaurante todos os dias, conversa com o Nei, que costuma ir de mesa em mesa cumprimentar os clientes proporcionando um clima amigável e confortável do lugar, nem imagina que por trás de toda a simplicidade existe um empresário dedicado e funcionando a todo vapor. Mesmo em seu tempo livre, o empresário continua vinculado à produção da sua empresa, pensando nos negócios, e seu direito à preguiça acaba não sendo tanto aquele refúgio da mente, como o proposto pela Mábia. “O trabalho exaustivo aniquila a possibilidade criativa das pessoas e nesse sentido, a preguiça aparece com caráter de oposição a esse trabalho de servidão, um ato de resistência aos modos como o trabalho enfraquece o corpo, acabando com a vitalidade do indivíduo”. Quem sabe o dono do restaurante aproveite justamente esse ócio para deixar a criatividade adentrar e trazer novas estratégias para seu negócio? De qualquer forma, esse descanso é necessário para que o trabalho não passe de meio de aquisição de capital para mal da humanidade. A zeladora Carmen Camargo, 50 anos, trabalha para uma imobiliária há seis anos, seis horas por dia, seis dias por sema-


na. As bolsas nos olhos revelam seu cansaço da rotina, mas ela não se dá por vencida. “Para mim tendo o domingo para descansar já está de bom tamanho”, comenta, entre risos. Quando questionada sobre o que faz nas suas férias, ela simplesmente não sabe como responder: “Não tem vez. Trabalho de diarista no meu tempo livre” e explica que o trabalho para ela é uma necessidade financeira e também pessoal, pois mantém a mente ocupada. “Tenho uma filha deficiente e trabalhar bastante me ajuda a ter forças e dinheiro o suficiente para mantê-la bem”. Além disso, a zeladora conta que devido a esse ping-pong de empregos entre zeladora e diarista, não tira férias há 16 anos. O tempo que tem para descanso ela converte em mais disposição para ser melhor remunerada. Uma pesquisa do Catho, site brasileiro de classificados de empregos, apontou que mais de um terço dos trabalhadores brasileiros (36,9%) afirmaram não ter tirado férias nos últimos 12 meses. A pesquisa também mostrou que 7,6% dos profissionais tiveram apenas 1 semana de descanso, 15,2% e 14,3% tiveram, respectivamente, 3 e 2 semanas de folga, enquanto apenas 26% dos trabalhadores usufruíram de seu período completo de férias. A média nacional de férias por ano do brasileiro é de 2,4 semanas. A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) define que todo trabalhador brasileiro tem direito a 30 dias de férias a cada 12 meses trabalhados, só havendo diminuição desse período se houverem faltas não justificadas. Porém, muitos funcionários optam pelo abono de férias para converter uma parte desse direito em dinheiro. E assim, o trabalhador vende seu direito ao descanso, ao ócio, à preguiça. Normalmente nesses casos, o empregado recebe 20 dias de férias e o restante em remuneração. Algumas evidências provam que o trabalho em excesso algumas vezes pode se tornar mesmo um mal. Um exemplo é a existência de clínicas de Medicina do Trabalho, onde se visa a prevenção de acidentes e de doenças do trabalho, além

da promoção da saúde e da qualidade de vida do trabalhador. Algo que devia ser natural precisando ser supervisionado e regularizado por um serviço terceirizado porque a maioria dos empresários não consegue assegurar esses direitos sozinho a seus funcionários. Essas clínicas são importantes na medida em que acompanham periodicamente a saúde do trabalhador e caso haja algum problema, identificam a origem dele. “Em caso de sobrecarga de trabalho é feita uma avaliação psicológica para investigar se o cansaço ou outros problemas que o trabalhador tem, são de origem emocional ou causadas por esforço repetitivo no trabalho”, explica o engenheiro de segurança do trabalho Kristoffer Klassar. E então um laudo médico define se o trabalhador deve receber afastamento por estar sobrecarregado e agora inapto a realizar as tarefas diárias da sua rotina de trabalho. Então, o que fazer em meio a esse sistema de produção que exige tanta disposição dos trabalhadores e desvaloriza o tempo de ócio para recarregar as energias? O anarquismo tem uma solução. “O trabalho seria ressignificado trazendo para si outros modos de conduzir a forma pela qual produzimos recursos para a nossa sobrevivência. Ele só se tornaria um exercício benéfico para o organismo humano, uma paixão útil ao organismo social, quando fosse prudentemente regulamentado e limitado a um máximo de três horas por dia”, propõe Mábia Camargo. “Ainda não superamos o ideal marxista da venda de nossa força de trabalho em troca de condições básicas para que possamos usufruir de uma vida com qualidade, dignidade”, contextualiza. E se a sociedade hoje ainda não consegue retomar o exemplo dos antigos filósofos e saber valorizar a preguiça, o máximo que podemos fazer por enquanto é chegar em casa depois do trabalho, sentar no sofá, assistir algum filme e esperar que algumas horas de sono recarreguem a disposição para mais uma batalha no dia seguinte.

CARMEN É ZELADORA E PREENCHE SUAS HORAS VAGAS COM OUTRA FUNÇÃO: A DE DIARISTA, POIS SEGUNDO ELA O TRABALHO MANTÉM SUA MENTE ATIVA.

E as férias mundo afora? E mesmo com essa percepção de muito tempo de trabalho e pouco de descanso, uma pesquisa revelou que os brasileiros estão no topo da lista dos que possuem mais dias de férias. No Brasil: 75% dos entrevistados afirmaram que tiram 30 ou mais dias de férias ao ano. Somente os franceses tiveram a mesma porcentagem de respostas. Espanhóis e noruegueses se aproximam com 74% de pessoas que afirmam ter no mínimo 30 dias de descanso por ano. Já os japoneses, por exemplo, têm direito a 13 dias, em média, mas acabam tirando apenas cinco. Os coreanos do sul acabam tirando apenas sete dias de dez. Quanto a jornada de trabalho, na Coreia do Sul, Cingapura e Taiwan trabalham, em média, 44 horas por semana. Enquanto os brasileiros, 31% responderam que trabalham de 31 a 40 horas por semana e 20%, entre 41 e 50 horas. Dados: pesquisa realizada pela agência de viagens online Expedia. 15


matéria e imagens: elisandra carraro

A diligência na arte Conheça a história de dois homens que se dedicam ao artesanato de uma forma bem inusitada. Um realiza a arte de demolição na madeira, o outro a criação de objetos de decoração a partir de peças de bicicleta. PARTE 01 Arte de demolição na madeira Nas mãos as marcas de um dom; no azul dos olhos, o mistério de cada traço que esculpe; nos lábios, o sorriso da satisfação em fazer o que mais gosta. O cheiro é da mata fresca, o ar é agradável e levemente úmido; as galinhas, ciscando por comida, correm ao perceber a presença estranha que se aproxima. Adiante, um galpão que reserva muitas histórias, feito por Diego Baitel, a partir de madeiras e tijolos reutilizados. Tornou-se ali o seu ateliê. 16

Diego tem 31 anos, e é formado em Engenharia Florestal, mas deixou os escritórios para trabalhar com a arte de demolição. Usando sucata e madeira, ele dá novas formas ao objeto bruto, compondo traços que se definem na medida em que a madeira insinua suas novas formas. Desde pequeno já fazia seus brinquedos, e tudo aquilo que conseguia criar em sua imaginação. Quando mais jovem, os caminhos da vida o levaram à Universidade,


e teve que deixar o trabalho de artesão de lado, pelo menos por hora. Dotado de uma conexão profunda com a natureza, a arte de esculpir na madeira de demolição continuava junto com ele. Para conseguir uma renda na faculdade, Baitel começou a produzir biojoias, que são feitas com materiais de origem vegetal, natural, ou animal, como: pedras, penas, folhas, sementes, frutos, etc., mas as joias biológicas não rendiam muito dinheiro, e acabaram se tornado um hobby. Depois que terminou a graduação, começou a trabalhar em um escritório com mais um amigo, mas Diego não estava se sentindo realizado na Engenharia Florestal, mesmo que a área o agrade muito. O fato de estar naquele espaço, lidando com aquelas questões, não o faziam totalmente feliz. Com o descontentamento, veio a busca por mudança. Foi então que começou a reproduzir em estufas, espécies de mudas de árvores frutíferas, como a jabuticaba, e voltou também a fabricar os objetos de decoração feitos em madeira. Devido a isso, recebeu o conselho de um amigo, para vender no tra-

balho as plantas e objetos que produzia. O escritório se tornou uma selva, ou melhor, um pomar cheio de “pezinhos” de laranjeiras, figos, ponkans, e jabuticabeiras, que ficavam em grandes vasos distribuídos por toda a sala. Era lindo, cheiroso e verde

isso seria secundário, mas tudo ocorreu naturalmente”. Houve um tempo em que Diego semeou mais de mil pés de jabuticabeira para vender, e aí sim, se tornara um negócio. Hoje em dia, Baitel mora em um condomínio afastado do centro da cidade e no mesmo

“Tudo o que eu faço, eu faço em algo que eu peço para alguém me doar, às vezes até encontro na rua. As pessoas jogam muita coisa que pode ser reaproveitado, e eu me utilizo disso” (DIEGO)

de se viver. As vendas começaram a crescer. Aos poucos, começou também a fazer móveis com madeira de demolição e, assim, de pé em pé, madeira em madeira, a loja se formou. “Não era a minha intenção comercializar isso, porque eu via como um hobby, algo que eu amo fazer. E como eu já tinha minha profissão, eu pensei que

espaço em que construiu sua casa fica seu ateliê. As obras são comercializadas em uma loja no centro da cidade, chamada Arte Florestal, que funciona em parceria com suas duas irmãs, Jo e Miriam. Para produzir as peças, ele encontra os materiais em ferros velhos, e as madeiras são de casas desmanchadas, ou até mesmo

doações, nada é extraído de forma degradativa da natureza para suas criações. “Tudo o que eu faço, eu faço em algo que eu peço para alguém me doar, às vezes até encontro na rua. As pessoas jogam muita coisa que pode ser reaproveitado, e eu me utilizo disso”. Para o trabalho de demolição ele utiliza motosserra, formão, lixadeira... tudo o que for necessário para o detalhamento da obra. Mas há quem pensa que as peças são feitas sob encomenda. Não são! O artista não cria somente coisas que suas mãos desejam criar, a peça é quem dita o que será feito, pois pouco de sua estrutura original é alterada. Claro, ele sempre pode talhar alguns traços, desenhar outros, mas como se trata de um material que já possui uma característica original forte, nem sempre o planejado é o resultado final, a madeira por si só vai determinando sua forma. Dentre os objetos que não vende de forma alguma, está uma escultura da sagrada família de Nazaré, Jesus, Maria e José. Diego tem uma vertente espiritual, uma conexão com o divino muito grande, parte disto está ligado ao lugar em que

vive, pois considera sua trajetória neste local um grande presente de Deus. “Esta peça tem um sentido muito forte para mim, pois senti uma ligação com São José, a medida em que talhava ela”. A maior parte das suas obras vem de inspiração religiosa e de sua conexão com a natureza, e isto, combinado com sua habilidade em esculpir, faz com que cada obra seja única, e não possa ser reproduzida igualmente em todos os detalhes. Há um saber e um sentimento inerente a cada movimento que se dá na construção das suas obras. A relação com a natureza, com o canto dos pássaros, com o vento que move a copa das árvores... Essa conexão com o local e esse cuidado com cada traço, o zelo no acabamento destas peças, faz com que sua arte seja algo ligado ao sublime. Em meio aos rumos que sua vida tomou, hoje ele vive em sua terra, e convive com as proezas que da natureza pode ter, neste chão que lhe transporta a novas dimensões, sofre as incertezas que carrega consigo de um novo amanhã, onde produz suas obras à luz do sol que se põe.

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parte 02 Objetos de decoração a partir de peças de bicicleta Dar um novo sentido a velhas coisas, reaproveitando aquilo que seria descartado. Retratar em um simples objeto decorativo, sentimentos singelos, como o amor, carinho e afeição. É desta forma que Décio Carneiro Dias, 46 anos, produz seus “bichinhos de decoração”. Sua profissão é de engenheiro mecânico, atualmente trabalha com fabricação de peças de bicicleta em sua própria empresa, além de fazer adaptações em carros para deficientes físicos. Os objetos de decoração são um hobby que desenvolveu com o tempo, como forma de produzir presentes para agradar a esposa, Alessandra. Depois de um tempo, as peças que ele confeccionava para 18

a mulher começaram a ser vistas e desejadas pelas clientes que frequentam o salão dela. Como esses objetos não são parte de sua profissão, ele não trabalha sob encomendas. Os objetos são feitos conforme ele tem tempo, e depois expostos para decorar sua casa, e o salão de Alessandra, se alguém se interessar e os objetos estiverem à venda, ele negocia com os clientes. Para produzir os objetos, Décio reaproveita peças de bicicleta, velas de carros, e outras coisas de sucata. Os objetos variam de aranhas, gatinhos, cachorrinhos, galos, lagartixas, fora as motos e bicicletas que os animais estão montados. Ele optou por criar


apenas animais, pois, geralmente às peças não são muito modificadas de sua estrutura original, e por isso, os bichinhos são mais fáceis de serem reproduzidos. O trabalho é minucioso e cheio de detalhes, o que exige muito cuidado, zelo, e atenção em cada passo. Tudo é feito em sua oficina mesmo, nos intervalos de trabalho, ou quando ele anda muito estressado, até porque isso já virou uma terapia. “Eu me sinto relaxado, eu gosto de fazer isso, então mesmo que eu esteja com coisas para fazer, eu deixo um tempinho para lidar nisso, porque me faz bem, e eu reaproveito as coisas”. Na confecção ele utiliza maçarico, lixa, esmiril, e o que for necessário para o acabamento do objeto. Mesmo que Dias já tenha em mente qual animal vai reproduzir, a peça é quem acaba ditando o formato e alguns detalhes, pois ela não pode ser totalmente alterada. “Eu tenho que colocar os detalhes do bicho, mas a peça já tem um formato natural, en-

tão ao olhar pra ela eu já sei o que posso, e o que não posso reproduzir”. Na oficina, há um turbilhão de coisas espalhadas, muitas peças de solda, parafusos, brocas, além de aros de pneus, e

a isso, compreendi porque as obras são cães, gatos entre outros, e porque eles estão quase sempre montando uma moto, ou bicicleta, tudo isto está ligado às paixões inerentes de Décio.

“Eu me sinto relaxado, eu gosto de fazer isso, então mesmo que eu esteja com coisas para fazer, eu deixo um tempinho para lidar nisso, porque me faz bem, e eu reaproveito as coisa” (DÉCIO)

carcaças de bicicletas antigas. Mesmo fazendo tanta coisa, Dias é atleta de bicross, (BMX ou Bicicross é um esporte praticado com bicicletas especiais, uma espécie de corrida em pistas de terra.) Amante dos animais ele tem três cachorros, e dois gatos em casa. Devido

Em um lado mais reservado do galpão de sua oficina, ele guarda algumas relíquias, bicicletas de mais de trinta anos, além de uma motinha da década de 60. Coisas que segundo ele, quando tiver tempo, em meio a tantas atividades, vai reformar. Já deu para perceber

pelo trabalho que ele realiza, e pela descrição do local, que o artista é um colecionador de peças antigas. Dentre os objetos que ele jamais venderia, está uma peça composta por um cachorro, pilotando uma moto com uma gatinha na garupa. Foi um mimo que fez de presente para a esposa no dia dos namorados do ano passado, e por isso tem um valor sentimental e afetivo muito grande. É notável que Décio só produz aquilo que está em suas referências pessoais, seja no dia a dia, ou ao longo da vida, o que faz com nenhuma peça saia exatamente igual à outra. “Cada peça é única, eu posso fazer dez peças com a mesma base, e elas não serão iguais, porque tudo vai da vontade e do espírito da gente enquanto está fazendo o objeto”. Diego e Décio são artistas, artesãos. Nasceram com o dom da criatividade, e com amor por criar belos objetos a partir de coisas simples. De suas mãos, pequenas coisas se transformam em arte.

“Tenho muito gosto pelo trabalho do artesão. Ele demora no processo de construção. Olha devagar, acerta detalhes, ama o que e aquilo que faz!” Néreo Wilker

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O VENENO E O ANTÍDOTO QUEM INDICA: LUÍSA URBANO

DA SEGUNDA EDIÇÃO

NA ANTIGA GRÉCIA, OS CRESCENTES CASOS DE ENVENENAMENTO TIVERAM COMO CONSEQÜÊNCIA A INCESSANTE BUSCA POR ANTÍDOTOS, PRINCIPALMENTE PELAS PESSOAS QUE SERIAM ALVOS POTENCIAIS. O REI MITRÍDATES VI (132–63 AC) COMANDOU EXPERIMENTOS EM PRISIONEIROS DE GUERRA, ONDE BUSCAVA POR UM ANTÍDOTO UNIVERSAL QUE NEUTRALIZARIA QUALQUER VENENO. ENQUANTO NÃO INVENTAM UM COMPOSTO DE SUBSTÂNCIAS QUE CURE TODOS OS MALES, DIZEM QUE PARA COMBATER A PREGUIÇA O MELHOR REMÉDIO É A DILIGÊNCIA. NESSA EDIÇÃO, O BEBOP INCITA SEUS LEITORES A APROVEITAREM CADA MINUTO DO SEU DIA, MAS TAMBÉM PROCURA FAZER ENTENDER QUE UM TEMPO JOGADO NO SOFÁ É TOTALMENTE ACEITÁVEL. OS FILMES, LIVROS, MÚSICAS E PERSONAGENS DA SEGUNDA EDIÇÃO ENTREMEAM O BOCEJO DAQUELA PREGUIÇA GOSTOSA COM A ENERGIA E O ZELO DOS DILIGÊNTES. E, O MELHOR, SEM FAZER MAL A NINGUÉM!

CINEMA

MÚSICA

QUADRINHO

SÉRIE DE TV

O Grande Lebowski

vida de cachorro

I’m Only Sleeping

recruta zero

Mônica Geller

Dirigido pelos Irmão Coen e estrelado por Jeff Bridges, O Grande Lebowski (1998) é um filme estaduniense do genero comédia que conta a história de Jeff Lebowski, um malandro que desfruta de seu tempo jogando boliche e gosta de ser chamado de “O Cara”. Após conhecer um milionário da Califórnia que possui o mesmo nome que o seu, ele acaba por se envolver no sequestro da esposa do ricaço. Após alguns anos do lançamento, o filme rendeu até uma religião criada para homenagiar Lebowski, o Dudeísmo, onde basicamente a ideia principal é: “a vida é muito curta e muito complicada. E como ninguém sabe o que fazer com ela, melhor é não fazer nada”. Hoje, o Dudeísmo tem mais de 100 mil seguidores pelo mundo, onde a maioria pertencem ao sexo masculinho.

O vagabundo mais aclamado do cinema, Carlitos, salva e adota um cãozinho vira-lata, que vira seu parceiro na eterna procura de emprego, comida e um lugar para dormir. Indo parar num salão de dança, ele se vê metido em um roubo de dinheiro e se apaixona por uma dançarina explorada pelo patrão. Carlitos fica decidido em ajudá-la a mudar de vida e serem felizes juntos. O filme Vida de Cachorro (1918) foi escrito, produzido e dirigido pelo talentoso Charlie Chaplin, que soube demonstrar sentimentos e provocar o riso no cinema mudo. Chaplin nasceu em Londres, em 1889, e iniciou sua carreira como mímico, fazendo excursões para apresentar sua arte. Em 1913, durante uma de suas viagens pelo mundo, este grande ator conheceu o cineasta Mack Sennett, em Nova York (Estados Unidos), que o contratou para estrelar seus filmes.

Composta por John Lennon e Paul Mccartney, I’m Only Sleeping, é a terceira faixa do sétimo álbum do grupo de rock inglês The Beatles, o qual foi lançado em 5 de agosto de 1966 no Reino Unido e em 8 de agosto nos Estados Unidos. Atingiu o primeiro lugar nas paradas de sucesso americana e inglesa, sendo considerado um álbum inovador, cheio de surpresas e muito psicodélico. Na canção a banda faz uma crítica ao modo de vida cada vez mais agitado e veloz da sociedade moderna “(...) Everybody seems to think I’m lazy/ I don’t mind, I think they’re crazy/ Running everywhere at such a speed/ ‘Till they find there’s no need (there’s no need)”. The Beatles foi uma banda de rock, formada na cidade de Liverpool (Inglaterra), em 1956. Faziam parte do grupo os músicos: John Lennon, George Harrison, Paul Mc Cartney e Ringo Star .

Uma das maiores obras de Mort Walker, Recruta Zero ou Beetle Bailey and His Friends, foi criado em setembro de 1950, e narra o cotidiano militar do quartel Swampy, inspirado no quartel “Camp Crowder”, onde o autor prestou serviços militares. Recruta Zero abandonou os estudos e se alistou no Exército norte-americano, sendo que uma de suas principais caracteristicas era cochilar durante a hora do trabalho, assim, era freqüentemente castigado tanto verbalmente quanto fisicamente pelo Sargento Tainha. A tirinha ganhou uma versão televisiva, onde 50 episódios foram produzidos pela companhia King Features Syndicate e animada pelos estúdios Paramount, nos Estados Unidos e Artransa Film, em Sydney, na Austrália, sendo exibida originalmente em 1963.

Irmã de Ross e chef de cozinha, Mônica Elizabeth Geller, é obsessivacompulsiva por limpeza e tem um forte espírito competitivo. Durante sua adolescência foi obesa, e isso a traz lembranças ruins e neuroses. A personagem pertence ao seriado norte-americano Friends, e é interpretada por Courteney Cox. O programa gira em torno de um grupo de amigos que vivem no bairro de Greenwich Village, na ilha de Manhattan, na cidade de Nova York. Aclamada e assistida até hoje, a série foi criada por David Crane e Marta Kauffman e apresentada pela rede de televisão NBC entre 22 de setembro de 1994 até 6 de maio de 2004, com um total de 236 episódios, durante dez anos. Foi produzida por Bright, Kauffman, Crane Productions em associação com a Warner Bros Television.

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