Revista CDM Impressa #41

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ano 14 - edição 41

setembro de 2016

revista corpo da matéria CURSO DE JORNALISMO PUCPR

Os filhos eternos

The Eternal Children

A história de três meninos curitibanos com Síndrome de Down que protagonizaram o longa- metragem O Filho Eterno, adaptado do premiado livro de Cristóvão Tezza The story of three boys from Curitiba with Down syndrome who played the leading role in the featurelength film The Eternal Son adapted from the prizewinning book written by Cristóvão Tezza


bicentenariomontagne_anuncio.pdf

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11/11/14

4:32 PM

maristas

2017

um novo começo

“DEIXAR A PRÓPRIA COMODIDADE E ATREVER-SE A CHEGAR A TODAS AS PERIFERIAS QUE NECESSITAM DA LUZ DO EVANGELHO” (EG).

2014|2015

Montagne

2015|2016

Fourvière

2016|2017

La Valla



Corpo da matéria Ano 14 - Edição 41 - Setembro de 2016 Revista Laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná R. Imaculada Conceição, 1115 Prado Velho, Curitiba PR REITOR

Waldemiro Gremski DECANA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES

Eliane C. Francisco Maffezzolli

COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO

Julius Nunes

COORDENADOR EDITORIAL

Julius Nunes

COORDENADOR DE REDAÇÃO/JORNALISTA RESPONSÁVEL

Paulo Camargo (DRT-PR 2569)

COORDENADOR DE PROJETO GRÁFICO

Rafael Andrade

Alunos - 6º Período Jornalismo PUCPR Alvaro Alves Lunardon, Ana Carolina de Souza, Ana Carolina Pacífico Cordeiro, Ana Paula Rusycki, Anna Caroline Augusto Pires, Bruna Caroline Santos Cavalheiro, Caio Ferreira Liberal, Caroline Cristine Costa Paulart, Caroline Ribeiro, Fabricio Calixto de Oliveira, Fernanda Maldonado Mocelin, Gabrielle Rocha Russi, Gilberto Stori Junior, Izabela Cristina Weber Azevedo, Karen Geovanna Loayza Taverna, Leticia da Silva Zan, Lucas Henrique Morking Ramos, Manoela Campos de Oliveira, Marjorie Coelho dos Santos, Matheus Rodrigues Urbano, Patricia dos Martyres, Paulo Rogério Morschbacher Junior, Renata Helena Fernandes, Sâmela Veiga Rodrigues de Carvalho, Stephanie de Morais, Veronica de Paula da Rocha Alves, Vinícius Frank Vaz

Imagem de capa: Bruna Caroline -6ºP Jornalismo

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GENTE

Da vida real para o cinema

From the real life to the big screen

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CIDADES

O pote de lixo no fim do arco-íris

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SUSTENTABILIDADE

Ouro que dá em árvore

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POlÍTICA

Nasce a neodireita

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COMPORTAMENTO

Quando a relação machuca

Liberdade sobre rodas

Vida no exterior gera transformações

Três é demais?

As roupas falam

34 40 44 48 50

COTIDIANO

Domingo dia D

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SAÚDE

A vida após o diagnóstico

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CULTURA

60 64

Booktubers

Vozes e sons da cena local

ECONOMIA

Negócio arriscado

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Jornalismo PUCPR Revista CDM

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gente

Experiência dos três meninos curitibanos, e André, durou dois meses.

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Bruna Cavaleiro

Luís, Pedro


gente

Da vida real para o cinema Três meninos curitibanos com Síndrome de Down participaram do premiado romance O Filho Eterno de Cristóvão Tezza. Eles vivem o personagem-título da produção Caroline Paulart, Bruna Caroline e Gilberto Stori Junior

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magine receber um telefonema confirmando a presença do seu filho em um filme, como personagem principal, contracenando com grandes atores do cenário nacional. E o enredo traz um dos maiores títulos da literatura paranaense, o livro O Filho Eterno, de Cristovão Tezza. Foi isso o que aconteceu com três mães curitibanas no primeiro trimestre de 2016. Após a participação em um casting para selecionar atores mirins para participarem do filme, elas ficaram ansiosas à espera do telefonema que chegou no fim de fevereiro. As gravações começaram no dia 23 de março e foram até 20 de abril. O filme O Filho Eterno tem previsão de estreia para o fim de 2016 ou início de 2017 e tem

como atores Marcos Veras, que interpreta Roberto, pai de Fabrício; e Débora Falabella, que vive Cláudia, a mãe. A direção é de Paulo Machline e Leonardo Levis adaptou o romance. O livro de Tezza foi publicado em 2007. Trata-se de obra autobiográfica, em que a expectativa da chegada do primeiro filho entra em choque com o fato da criança ter nascido com Síndrome de Down, um distúrbio genético que pode estar associado a algumas dificuldades de habilidades cognitivas e desenvolvimento físico, também apresentando alteração na aparência física. A obra é um surpreendente romance de desabafo sobre aquele momento singular, narrado em terceira pessoa. A história começa em 1980, ano do nascimento do Fabrício,

nome que o autor deu ao seu filho na ficção, e vai até a final da Copa do Mundo de 1994. No início do livro, o autor é relutante em aceitar um filho com Down. Chegou a cogitar o abandono da esposa e apagar aquela fase da sua vida. Em outro trecho, Roberto – seu nome na trama – chega a desejar que seu filho tenha complicações e morra. É necessário ressaltar que, para a época em que a criança nasceu, em 1980, o conhecimento sobre a síndrome não era tão disseminado como é hoje e havia muito preconceito. A primeira parte, que retrata o nascimento de Fabrício, foi feita pelo bebê Luís Gustavo Machado Ribeiro, que à época tinha apenas dois meses. Ele é filho de Ana

“Um filho é uma ideia de um filho; uma mulher é uma ideia de mulher. Às vezes as coisas coincidem, às vezes não.” Cristóvão Tezza Jornalismo PUCPR Revista CDM

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gente

Carolina Machado Ribeiro, que contou um pouco da sua experiência ao descobrir que teria um filho com Síndrome de Down. “Descobri ainda na gestação, quando eu estava de 12 semanas, durante uma ecografia. Chorei muito ao receber a notícia. Eu tinha medo do desconhecido, do preconceito, de não dar conta. Enfim, só teríamos 100% de certeza de que ele nasceria com a síndrome depois do parto, no primeiro exame. Então, havia aquela esperança de que o exame estivesse errado. Isso não aconteceu e, no momento em que eu o vi, tive a certeza que eu iria dar conta e que faria de tudo por ele.”

senti lisonjeada”, conta a mãe. Na segunda fase do filme, a participação fica por conta de André Gonçalves Teixeira, que tinha seis meses à época. Ele é filho de Lhanna Patrycia Gonçalves, que ficou sabendo na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) sobre o filme. “Uma moça da produção foi na Apae que ele frequenta e me chamou para participar. Achei que ele ia estranhar atuar, mas não. Eu percebia que

ele se sentia bem e conseguiu até fazer algumas cenas e eu fiquei surpresa.” Ela conta que já conhecia a história do livro e que foi incrível pensar que o seu filho teve a oportunidade de viver aquele romance para o cinema. “Eu li o livro, já conhecia a história. Ela retrata o peso de receber a notícia, ainda mais na época, quando pouco se sabia sobre Síndrome de Down. Nós sabemos que não tem

Apesar de pequeno, André conseguiu atuar em algumas cenas.

Bruna Caroline

Ana Carolina conta que foi durante uma palestra da Reviver Down, em março deste ano, no Parque Barigui, que a viram com ele no colo e convidaram para participar do filme. “Eu aceitei prontamente. Nós ainda não conhecíamos a história, mas foi emocionante vê-lo em cena, me

“No momento que eu o vi, tive certeza que faria tudo por ele.” Ana Carolina Machado

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Acervo Pessoal

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cura, mas, naquela época, o autor acreditava que o filho dele não sobreviveria muito tempo, acho triste pensar nisso.” “Um filho é a ideia de um filho; uma mulher é a ideia de uma mulher. Às vezes as coisas coincidem com a ideia que fazemos dela, às vezes não.” Esse é um dos trechos mais marcantes do livro de Tezza e pode ser aplicada a vários contextos da vida. A terapeuta infantil Denise Dias explica que, quando os pais engravidam, não se espera uma criança com a síndrome e a notícia geralmente cai como uma bomba. “Quando os pais estão esperando um filho, idealizam em sua mente a criança perfeita, com plena saúde, com pleno desenvolvimento cognitivo, com possibilidades futuras de se tornar um adulto independente. Por isso, é necessário passar por uma espécie de luto, quando se compreende que aquela criança antes idealizada não existe mais.” Lhanna diz que, pela forma de como o filho se comportou diante das câmeras, pensa em fazê-lo participar de testes para comerciais, programas de televisão e filmes. “A desenvoltura dele foi muito boa, gostaria que ele seguisse a carreira artística. É uma forma de olhar diferente a pessoa que tem Down.” A última fase do filme foi feita com Pedro Vinícius de Matos Francisco, de 9 anos. Ele é filho de Ana Claudia de Matos, que não ficou sabendo que o filho

nasceria com Síndrome de Down. “Eu fiquei sabendo quando ele já tinha quatro meses de vida, quando saiu o resultado de exames feitos no DNA. Deu positivo para a síndrome. Para mim foi bom isso, porque eu tive uma gravidez tranquila, a preocupacão veio depois quando ele demorou mais para se desenvolver.” Ela ainda conta que compartilhou de algumas das ideias do autor quando descobriu, já que estava entrando em um mundo novo. “Não tive nenhum familiar com a síndrome. No início eu achava que ele ia morrer, que viveria poucos anos, por pura ignorância”, relembra. “Nunca tive medo da síndrome, mas de perdê-lo. Teve a questão

do luto e da revolta, mais por parte do pai do que da mãe. Nós fazemos de tudo por ele, é um amor incondicional”, diz Ana. Ela disse que ficou sabendo pelos grupos do Facebook da Reviver Down sobre a seleção para o filme. “No início eu não levei a sério, mas decidi arriscar. Eles pediram fotos, mas não tive coragem de mandar. Foi a minha filha mais velha que enviou. Eles ligaram marcando um teste de câmera e eu levei ele lá. Depois de uns dez dias, eles ligaram para me convidar para participar de um segundo teste e ele foi aprovado entre 12 meninos que participaram da seleção.”

Luís Gustavo participou do filme quando ainda tinha dois meses.

A rotina do menino foi bastante alterada em decorrência do filme. Ele participou de 12 diárias – termo usado no cinema para os dias de gravação, que em média duram 12 horas. “Eles procuravam gravar nos finais de semana, mas nem sempre dava certo. Ele sofreu um pouco, porque nunca havia feito provas na vida

“É uma forma diferente de olhar a pessoa que tem Down.” Lhanna Gonçalves

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Bruna Caroline

gente

e as gravações coincidiram com a primeira semana de provas dele na escola. Ele fez depois, mas a ansiedade dele era grande. Foi cansativo, mas ele gostou muito de participar, por ser algo diferente do habitual.” Sobre a estreia do filme, as respostas das três mães ficam em torno de expectativa, felicidade e medo. Para Ana Carolina, mãe de Luis que viveu Fabrício na primeira parte do filme, acredita que esse será um marco para pessoas que ainda não conhecem muito sobre a Síndrome de Down. “Minha maior expectativa é que tenha a

diminuição do preconceito, pois a população vai ter um conhecimento maior sobre a história. Durante a gravação, a parte mais emocionante para mim foi a hora que o médico deu a notícia que o filho nasceu com Down. Chorei muito neste momento, porque mexeu com a minha memória.” Segundo Lhanna, mãe de André que viveu a segunda parte da história, o sentimento é de orgulho. “Sinto-me muito orgulhosa pelo meu filho ter participado de um filme tão bonito. Meus familiares e amigos perguntam sempre quando será a estreia. Meu filho

é um presente de Deus na vida da nossa família, e tão pequeno, já faz parte de uma história de amor entre pais e filhos, o amor é mesmo a maior das coisas.”

Pedro viveu

Entre suas cenas preferidas está a participação e encerramento da fase de André no filme. “Nos despedimos do filme na praia da Urca, no Rio de Janeiro. Foi uma cena linda, dos pais brincando com o filho, bem descontraída”, relembra.

gem

Para Ana Claudia, o medo do assédio é mais presente. Ela conta que a parte das entrevistas e dos pedidos para tirar fotos deixam o menino um pouco tímido. “Tenho medo do assédio. No início o Pedro gosta, mas ele é criança, então cansa rápido. O diretor do filme me chamou e explicou que a nossa vida vai mudar bastante depois da estreia, porque ele ficou exposto e vivenciou o personagem princi-

“Nunca tive medo da síndrome. Meu maior medo era perdê-lo.” Ana Claudia de Matos 10

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o papel de Fabrício, personaprincipal da trama.


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pal, então é para se acostumar, porque isso vai acontecer por um bom tempo, já que o filme vai para o cinema, para a televisão fechada e depois aberta.” Apesar disso, Ana Claudia diz se sentir feliz pela oportunidade que foi dada ao seu filho de participar de um filme divisor de águas para a sociedade que ainda mostra preconceito contra crianças e adultos com Down. “Expôr o Pedro é expôr a Síndrome de Down; é para as pessoas olharem e perceberem que ele é como qualquer outra criança. Isso vai abrir portas, facilitar o acesso à escola, a tudo. ” Pedro contou qual a sua cena favorita: “Foi na comemoração da Copa de 1994”. Ana Claudia disse que essa foi a última diária do menino no filme e ele gostou

porque era um momento de alegria, de festa e bagunça. “É um universo encantador, do início ao fim. “ É como define Carolina Maia, responsável pelo casting, produção e preparação do elenco, ao contar como foi a participação das crianças no filme. Ela destaca que quando leu o roteiro ficou encantada e teve abertura com o diretor e com o roteirista para aproveitar outras coisas que o Pedro poderia proporcionar. “O Pedro trouxe outras coisas além do roteiro e deixamos ele livre para aproveitarmos a espontaneidade dele.” Com relação ao produto final ela se mostra bastante positiva: “Acredito que vai ficar um filme bem bonito, bem bacana, toda equipe trabalhou muito bem”.

“É um universo encantador, do início ao fim.” Carolina Maia

Filhos são eternos Os filhos são sempre “encharcados “ de expectativas. Os pais projetam neles as possibilidades e realizações que não foram por eles realizadas. Todos sonham com suas crianças indo mais longe e se sentem sempre responsáveis por suas felicidades e infelicidades. Um filho com deficiência ameaça fortemente estas expectativas. Os preconceitos associados às condições especiais como a Síndrome de Down ocuparam os piores pesadelos dos casais grávidos. Naturalmente, o nascimento de uma criança nestas condições era motivo de dor e sofrimento e, frequentemente, as crianças eram “escondidas”, privadas de uma existência natural (sem amigos, escola e trabalho) e os casamentos ruindo. O conhecimento científico, especialmente a partir da segunda metade do século XX, jogou muita luz sobre esta questão. Compreendemos as causas e as possibilidades de quase todos os quadros de deficiência. Com esses conhecimentos, pudemos desenvolver estratégias de intervenção e estimulações que possibilitaram o desenvolvimento das potencialidades de cada indivíduo ao mesmo tempo que percebemos determinadas características com olhos de aceitação. Ter um filho com deficiência não é uma condenação. Cada avanço é uma grande vitória e motivo de enorme felicidade familiar. Quando há aceitação e envolvimento de todos em torno dos menos favorecidos pela natureza, todos saem ganhando. Crianças com Down podem, por exemplo, muito ensinar sobre afeto e amor. Amor singelo, puro, sem malícia e segundas intenções. Um tipo de emoção cada vez mais rara entre os “normais” e que tanta falta faz.

Os atores Marcos Veras e Débora Lhanna Gonçalves

Falabella participaram como pais dos meninos.

Nain Akel Filho é psicólogo formado pela Universidade Federal do Paraná e mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

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people Bruna Cavaleiro

From real life to the big screen Three boys from Curitiba with Down syndrome played the leading role in the film based on the awarded novel written by Cristóvão Tezza, The Eternal Son. They portrayed the title character of the screenplay. Caroline Paulart, Bruna Caroline e Gilberto Stori Junior Tradução: Christopher Thomaz Freitas; Luiza Gomes Kormann; Malena Karla Ceranto; Matheus Mauricio Britto Ramos; Adriane Luiza de Andrade. (4º período Curso de Letras Português Inglês Diurno)

I

magine getting a phone call confirming that your son would take part as the protagonist in a film and that he would work with famous Brazilian actors. And more, the plot is based on one of the most acclaimed books of our literature, the novel The Eternal Son, by Cristovão Tezza. That is what happened to three mothers from Curitiba in the first quarter of 2016. After their sons had participated in the casting call of the film, the boys’ mothers waited anxiously until the end of February when they finally found out their sons got the part. The filming started on March 23rd and lasted until April 20th. Directed by Paulo Machline and adapted by Leonardo Levis, “O Filho Eterno” is expected to be released between the end of 2016 and the beginning of 2017. As for the other roles, Marcos Veras and Débora Falabella will portray the protagonist’s parents. The book by Tezza was published in 2007. It is an autobiographical work, in which the author’s expectation with the arrival of his first-born clashes with the fact that the child

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The experience of the three boys from Curitiba, Luís, Pedro and André, lasted two months.


people

was born with Down syndrome, a genetic disorder which can be associated with physical growth delays, characteristic facial features, and mild to moderate intellectual disability. Though narrated in the third-person, the novel is surprising as the author gets off his chest that particular moment of his life. The story starts in 1980, the year Fabrício – the name of the author’s son in the book–¬ was born and goes until the end of the 1994 FIFA World Cup. At the beginning of the book, the author is reluctant to accept a son with Down syndrome. He even thought about leaving his wife and erasing that part of his life. In another part, Roberto – as the author named his

Though small, André was able to act in some of the scenes.

handle it. Anyway, we would only be 100% certain of his condition after he was born, during the first examination. So there was that hope that the ultrasound would be wrong. But it wasn’t, and when I first saw my son I was sure I would be able to

“A son is the idea of a son; a woman is the idea of a woman. Sometimes things coincide with the ideas we have of them, sometimes not.” Cristóvão Tezza character in the plot – wishes his son died from complications. It is worth mentioning that at the time the child was born, in 1980, differently from today, knowledge about the syndrome was not widely spread and there was a lot of prejudice. The beginning of the film, which depicts the birth of Fabrício, was portrayed by Luís Gustavo Machado Ribeiro who at the time was only two months old. His mother, Ana Carolina Machado Ribeiro, described her experience when she first found out that her son had Down syndrome. “I found out early in my pregnancy, at 12 weeks, during an ultrasound examination. I burst into tears when I was told the news. I was frightened of the unknown, of the prejudice, and of not being able to

handle the situation and that I would do anything for him”. Ana Carolina says that it was during a Reviver Down’s lecture, in March of this year, at Barigui Park, that they saw him on her lap and invited him to play in the film. “I readily accepted. We didn’t know the story yet, but it was moving to see him in the scene, I felt flattered”, says the mother.

participate. I thought that he would find it strange to act, but he did not. I realized that he was feeling well and even succeeded in doing some scenes. I got surprised.” She says that she already knew the book and it was amazing to think that her son had the opportunity to live that story in the cinema. “I read the book, and already knew the story. It portrays the burden of receiving the news, especially at that time when very little was known about Down syndrome. We know there is no cure, but back then the author believed that his son wouldn’t live for too long. I think it is sad to think about that.” “A son is the idea of a son; a woman is the idea of a woman. Sometimes things coincide with the ideas we have of them, sometimes not.” This is one of the most remarkable excerpts from Tezza’s book and it can be applied to many contexts of life. The Child therapist Denise Dias explains that when parents get pregnant, a child with Down syndrome is not expected and the news drops like a bomb. “When parents are expecting a child, they idealize in their minds the perfect child, with full health, full cognitive development, having

Luís Gustavo participated in the movie when he was only 2 months old.

The second part of the film is played by André Gonçalves Teixeira, who was six months old at the time. He is the son of Lhanna Pratrycia Gonçalves, who heard about the film at Association of Parents and Friends of Exceptional Children (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - Apae). “A young woman from the film production went to the Apae that he attends and asked me to Jornalismo PUCPR Revista CDM

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people

I would go for a second audition. Then, he was approved among 12 other boys that attended the casting.”

Pedro played the role of Fabrício,the main character in the plot.

future possibilities of becoming an independent adult. That is why it is necessary to go through a kind of mourning, when it is understood that the idealized child doesn’t exist anymore.” Lhanna says that, because of the way her son behaved before the cameras, she thinks about making him participate in auditions for commercials , television shows and films. “His resourcefulness was very good, I wish he followed the artistic career. It is a different way of looking at the person who has Down syndrome.” The last part of the film was played by Pedro Vinícius de Matos Francisco, of nine years old. He is son of Ana Claudia de Matos, who didn’t know that her son would be born with Down Syndrome. “I found out at the time he was already four months old, when the exams done on his DNA came out. The result was positive for Down syndrome. For me that was good because I had a smooth pregnancy, the concern came later when I realized it took him more time to develop.” She also says that she shared some of the author’s idea when she found

out, because she was entering a new world. “I had no relatives with Down

“The moment I saw him, I was sure that I would do anything for him.” Ana Carolina Machado syndrome. At the beginning, due to my ignorance, I thought he was going to die and would live just for a few years”, she recalls. “I’ve never been afraid of Down syndrome, but of losing him. The issue of grief and revolt was more present in the father than the mother. We do everything for him, it is an unconditional love”, says Ana. She said she got to know about the movie casting through Reviver Down’s Facebook page. “At first I didn’t take it seriously, but I decided to take the risk anyway. They asked for pictures, but I didn’t have the courage to send them. It was my oldest daughter who sent them. They called me, booked an audition screen test and I took him there. After 10 days or so, they called me to ask if

“It’s a different way of seeing the person who has Down Syndrome.” Lhana Gonçalves 14

The boy’s routine suffered a big change because of the movie. He participated in 12 shooting days – that generally go on for 12 hours. “They used to attempt to shoot only on weekends, but it didn’t always work out. He suffered a little, because he had never done school exams and the shooting coincided with the school’s first exams week. He attended the exams later on, but his anxiety was overwhelming. It was tiring, but he enjoyed being part of it, because it

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was out of the ordinary”. About the movie premiere, all moms’ answers are around expectations, happiness and fear. Ana Carolina, Luis’s mother, who played Fabrício in the first part of the film, believes that this film will be a milestone in the lives of those who do not know much about Down syndrome. “My biggest hope is that the prejudice decreases, because the population will have a bigger view about its history. During the shooting, the most moving part, to me, was when the doctor said that the kid was born with Down syndrome. I cried a lot at this part, because it brought up memories.”

The actors Marcos Veras and Débora Falabella participated as the boy’s parents.


people

“I have never been afraid of Down Syndrome. My biggest fear was of losing him.”

Ana Claudia de Matos

According to Lhanna, the mother of André who acted in the second part of the story, all she feels is proud. “I am so proud of my son for being part of such a beautiful movie. My family and friends always ask me when the premiere is going to happen. My son is a gift from God in the life of our family. Even so small, he is part of a love story between parents and children, love is indeed the greatest of things.” Among her favorite scenes is the participation and closing of André’s

point” movie in a society that still shows prejudice against kids and adults who suffer from Down syndrome. “Showing Pedro to the world is a way of showing Down syndrome; it is for people to look and notice that he is just like any other child. The film will open doors since it is a means for making the access to schools and to everything else easier.” Pedro revealed his favorite scene: “It was in the celebration of the 1994 FIFA World Cup”. Ana Cláudia said this was the last shooting day of the

“It is a charming universe, from the beginning to the end.”

Coralina Maia

part in the film. “We said goodbye to the movie at Urca Beach, in Rio de Janeiro. It was a beautiful scene, with parents playing with their kids in a relaxed atmosphere”, recalls Lhanna. To Ana Claudia, the fear of harassment is more present. She says that the interviews and picture requests make the boy a bit timid. “I fear the harassment. At first, Pedro likes it, but he is a kid, so he gets tired very fast. The film director explained to me that our lives will change a lot after the premiere, due to the exposure of giving life to the main character, so we have to get used to it, because it will happen for a while, since the film will be released at movie theaters, on cable TV and then on open TV.” Besides that, Ana Claudia says she is happy for the opportunity given to her son of starring in a “turning

boy and that he liked it because it was a moment of joy, celebration and mess. “It is a charming universe, from the beginning to the end ” defines Carolina Maia, responsible for the production and preparation of the cast, when commenting on the participation of the children in the film. She highlights that when she read the script she was delighted and had free access to work with the director and the screenwriter in order to make the best out of Pedro’s performance. “Pedro was able to do other things that were not in the script, so we gave him freedom to be as spontaneous as possible” Regarding the final product, she shows herself very positive: “I believe It is going to be a beautiful film, very nice, since the whole team worked very well ”

Children are eternal Children are always surrounded by expectations. The parents project onto them the possibilities and realizations they could not fulfill. They all dream of their children going further and always feel responsible for their happiness and unhappiness. A child with a disability strongly threatens these expectations. The prejudice associated with special conditions such as Down syndrome is one of the worst nightmares of pregnant couples. Naturally, the birth of a child in such conditions used to be subject to pain and suffer and, generally, the children were “hidden”, deprived from a natural existence (without friends, school, work), and marriages were ruined.

The scientific knowledge, specially at the begining of the second half of the XX century, shed a lot of light on this question. We understood the causes and the possibilities of almost all the cases of the disability. With this knowledge, we could develop strategies of intervention and stimulations that enabled the development of the potentialities of each individual as well as regard certain characteristics with acceptance.

Having a child with a disability is not a condemnation. Each advancement is a big victory and motive of huge family happiness. When there is acceptance and involvement of all those around the less fortunate, everyone wins. Children with Down syndrome can, for example, teach a lot about affection and love. Love that is simple, pure, without malice and false intentions. A kind of emotion increasingly rare among the “normal ones” and that is so needed today. Nain Akel Filho is a psychologist graduated from Universidade Federal do Paraná and with a Master Degree in Education from Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

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cidades

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cidades

O pote de lixo no fim do

arco-íris

Da produção às pontas de mercado, o descarte de alimentos saudáveis é um caso de saúde pública em todo o mundo Fernanda Maldonado e Patricia Martyres

O

s alertas sobre a questão do desperdício soam a muitos como discurso de mãe. “Nada de deixar comida no prato!” é o que muitos já ouviram, abaixo da birra diante da obrigação de raspar o prato. Com o passar dos anos, contudo, a consciência alimentar sai do microcosmo familiar e demonstra ser uma questão global – a solução para o problema da fome no mundo. O maior espaço de comércio e distribuição de hortifrúti do Paraná é a Ceasa (Central de Abastecimento de Alimentos) de Curitiba, que impressiona desde o lado de fora. Localizada no bairro do Tatuquara, as cancelas da entrada principal já transmitem uma sensação fronteiriça de aduana ao local, com enormes estacionamentos dentro e fora, e veículos de carga entrando e saindo a todo instante. De fato, a Ceasa se assemelha a uma pequena cidade movimentada a todo vapor, em uma área de mais de 500 mil metros quadrados onde aproximadamente 350 produtores agrícolas e mais de 600 atacadistas circulam diariamente a partir das cinco horas da manhã. No caminhar frenético

dos transportadores de caixas e carrinheiros, a quantidade de frutas, verduras e legumes surpreende a cada olhada. Entre o vai e vem, porém, até mesmo um visitante menos atento nota um comportamento comum entre a maior parte das pessoas ali dentro: a ação de descarte, intencional ou não, de produtos aparentemente bons para o consumo. A cada passo, há abóboras, tomates, abacaxis, mamões, pepinos e toda a sorte de hortifrútis jogados no chão, no asfalto e nos gramados. O desperdício de alimentos na Ceasa é um imenso problema público sobre o qual grande parte da população pouco ou quase nada conhece. Todos os dias, a Central de Abastecimento de Curitiba – falando apenas da de Curitiba, sem contabilizar as outras quatro Centrais no Estado – despeja em torno de 40 toneladas de alimentos no lixo. Isso representa um impacto de 960 toneladas que vão diretamente para os aterros todos os meses. Se há tanta sobra de comida apenas em nossa região, como é possível que, ainda hoje, uma em cada nove pessoas no mundo passe fome, segundo dados da ONU?

O problema, portanto, não é a falta de comida no mundo, mas a sua má distribuição entre as pessoas. É essa a ideia defendida pelo líder do movimento Slow Food Pró-Vita no Paraná, João Alceu dos Santos. Através dos trabalhos realizados pela ONG Slow Food, que teve sua origem na Itália em 1986 e hoje tem representantes no mundo todo, Santos conquistou um espaço dentro da Ceasa, com o objetivo de interferir no ciclo do desperdício alimentício do sistema e dar um novo destino aos produtos viáveis para consumo que iriam para o lixo. Foi então que a ONG reativou uma estrutura de cozinha industrial, anteriormente abandonada, e passou a promover eventos voltados à populações carentes. De ceias de Natal até festas juninas, a comida dos eventos é 100% preparada a partir das coletas realizadas na Ceasa. “Há quem não acredite que alimentos tão bons são considerados descarte, mas aqui ninguém passa fome”, brinca o representante da organização. Para o gerente do Banco de Alimentos, Gilmar Palvelski, o desperdício acontece durante todo o ciclo econômico de alimentos. “Desde a própria produção rural, Jornalismo PUCPR Revista CDM

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cidades Patricia Martyres

Produtores

lá nas lavouras, muito se perde devido principalmente às dificuldades de transporte e logística desses produtos, que geralmente são bastante frágeis”, destaca. Além disso, são poucos funcionários para atender as demandas de descarte, o que leva a maioria dos produtores a contratar o serviço de coleta de lixo para se livrar do montante, encaminhando-os direto aos lixões e ainda pagando por isso. A ONG Slow Food está concretizando, aos poucos, medidas que visam à mudança do destino de bons alimentos para instituições filantrópicas e pessoas em vulnerabilidade econômica. “No início, salvávamos apenas cerca de quatro das 40 toneladas diárias de alimentos. Hoje estamos caminhando para mais de 12 toneladas recuperadas todos os dias”, diz Santos. No complexo da Ceasa existem hoje três pontos de coleta chamados Ecopontos, cada um com uma máquina de prensagem das sobras orgânicas que não podem ser aproveitadas, e alguns funcionários e voluntários para realizarem uma triagem dos alimentos

descartam grande parte de sua produção por questões de log[istica.

recebidos. Esses alimentos são distribuídos para as entidades cadastradas gratuitamente no Banco de Alimentos. Em um dos Ecopontos, Raimundo Langner, voluntário de uma paróquia da igreja católica escolhia tomates de dentro de dezenas de caixas repletas da fruta. “Servimos almoços diários para a comunidade carente da região

da igreja, que fica no Cajuru. Eu venho aqui uma vez por semana e consigo levar mantimentos suficientes para o almoço de todos os outros dias”, conta Langner, um senhor de cabelos brancos e energia invejável. Para ele, onde os produtores e atacadistas enxergam lixo, as entidades sociais veem alimento. Patricia Martyres

Apesar de proibido, algumas pessoas recolhem os alimentos rejeitados na Ceasa.

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cidades

As várias facetas do problema As Centrais de Abastecimento de Alimentos em todo o país são apenas o “ponto médio” do ciclo do desperdício. O problema continua bem depois da distribuição de produtos para mercados municipais, redes de supermercados, feiras, restaurantes e no âmbito doméstico também. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) responsabiliza os proprietários de estabelecimentos, civil e criminalmente, por eventuais danos a saúde de quem consumir alimentos doados ou distribuídos por eles.

do embate com a Vigilância, a prática foi descartada e hoje eles têm uma parceira com uma empresa de recolhimento de lixos, que direcionam os produtos sem qualquer risco de serem desviados por alguém ou um grupo de pessoas”, relata ele.

sustentado pela comercialização de produtos vencidos ou que estão prestes a vencer e anteriormente eram vendidos no comércio convencional. No WeFood eles têm uma etiqueta de menos da metade do valor original, ou seja, o consumidor paga uma

“Há quem não acredite que alimentos tão bons são considerados descartes.” João Alceu dos Santos, líder do Slow Food Pró-Vita - PR

A lei, que se aplica às pontas de comércio, tornou quase nula a doação dos alimentos que sobram nos restaurantes, a chamada “sobra limpa”. Mesmo que a comida preparada não tenha saído da cozinha sequer para a gôndola do buffet, o descarte dos excessos é feito na maioria das vezes direto no lixo.

Em alguns países do exterior, como a Dinamarca e a França, por exemplo, essa realidade é bem diferente. Há um ano, Copenhague, a capital dinamarquesa, recebeu o primeiro “mercado de vencidos” do país. O empreendimento, chamado WeFood, é

bagatela por um produto ainda consumível. “WeFood é o primeiro supermercado do gênero na Dinamarca e talvez até no mundo. Não estamos apenas estendendo Patricia Martyres

A ex-garçonete Emília Zanote, que passou por diversos restaurantes em sua vida profissional, diz que de tão comum, o descarte se torna automático. “A gente se acostuma a jogar comida boa no lixo, já que na grande maioria dos restaurantes o patrão não deixa nem que os funcionários levem as sobras pra casa”, comenta.

Desperdício nos supermercados Já nos supermercados, o cenário é semelhante. Segundo um representante de vendas para supermercados de Curitiba e região de uma marca de laticínios que não quis se identificar, é por causa dessa legislação que os mercados se recusam a destinar gratuitamente produtos com poucos dias da data de vencimento. “Logo que chegaram ao Brasil, algumas redes internacionais tentaram doar parte desse estoque ainda consumível, mas por causa

Parte do material orgânico descartado é jogado nas máquinas de prensagem da Ceasa. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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cidades Patricia Martyres

Reciclers

a mão para os consumidores de baixa renda, mas tentando apelar para quem se preocupa com a quantidade de resíduos de alimentos produzidos em nossa sociedade”, é o que defende Per Bjerre, um porta-voz da iniciativa. Para Bjerre, enquanto 79 milhões de pessoas estão passando fome todos os dias no mundo, é inadmissível que continuemos vivendo um mesmo sistema falho de distribuição alimentar.

em ação após resgate de alimentos no Mercado Municipai.

A consciência começa em casa Apesar da falha que permeiam toda a cadeia alimentar, são as atitudes individuais que possuem a potência de alterar o micro e reverberar no macro. É assim que pensa Flávia Sotto Maior, advogada que despertou para o assunto em uma viagem à Alemanha. “Fiquei sozinha na casa de uma amiga e me surpreendi com a quantidade de resíduos que

produzi nesse tempo”, diz ela. A situação ficou mais evidente estando em um país com maior consciência a respeito do desperdício e com políticas públicas que estimulam as atitudes individuais. “Na Alemanha, se você jogar lixo orgânico no lugar do plástico, por exemplo, é capaz de irem na tua casa deixá-lo de volta”, brinca

40 toneladas de alimentos são levadas aos lixões diariamente.

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Patricia Martyres

Flávia, ressaltando que lá existe multa para quem mistura os resíduos orgânicos com os recicláveis. Após o contraste, a advogada passou a se atentar aos ciclos domésticos e, desde então, busca se especializar nas alternativas para o problema, afinal, para ela a consciência ambiental é o princípio necessário para a harmonia global. Assim, começou a dar palestras sobre o uso da composteira doméstica, para onde são destinadas as sobras orgânicas que se tornam novamente alimento no futuro e solucionam o problema dos lixões. Também aderiu à ONG Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA), uma iniciativa internacional que já acontece em 60 lugares do Brasil e estimula o consumidor a comprar alimentos orgânicos direto dos produtores. Dessa forma, o agricultor sabe a quantidade exata de alimentos que deve produzir e tem seu salário garantido, sem depender das pontas de mercado, que são grandes responsáveis pelo desperdício. Flávia participa há seis meses do projeto, vigente na região de Curitiba, e é positiva sobre a alternativa. “É algo simples, eficaz e sustentável, além de trazer vantagens tanto ao produtor quanto ao consumidor, que tem toda semana alimentos orgânicos com preço justo”, complementa.


cidades

Uma odisseia do

desperdício Patricia Martyres

D

os os quase 60 anos de existência do Mercado Municipal de Curitiba, dona Maria está lá há 49. Já aposentada duas vezes, a franzina senhora deixa diariamente sua casa no Parolin para ocupar um cantinho em que, sentada numa estrutura de concreto, presta serviços a alguns feirantes. O caminho de cinco quilômetros até sua casa, que hoje é feito de ônibus, durante muito tempo foi feito à pé. “Eu ia e voltava de casa puxando meu carrinho, já que ganho dos feirantes os alimentos que eles iam jogar fora”, conta. Com esses alimentos, descartados em grande parte por alguma batida na casca ou ranhura nas folhas, dona Maria alimentou seus cinco filhos com riqueza de cardápio. “Eles jogam tanta coisa boa fora que dá até dó”, diz ela, que leva apenas uma pequena parcela dentre os tonéis descartados diariamente. Dona Maria permanece exatamente na divisa do corredor que liga o interior ao exterior do mercado. Fica entre o palco de quimeras coloridas, com frutas, legumes e verduras que reluzem impecáveis das gôndolas, e os bastidores, cujos alimentos já não tão lustrosos são amontoadas dentro de sacos plásticos e jogadas em algum dos cinco tonéis, recolhidos pelo caminhão de lixo duas vezes por dia.

Quem passa por ali logo conhece Cláudio, de 43 anos, que foi recentemente contratado pelo lugar para manter a ordem dos descartes. “Tinha gente que revirava os tonéis pra pegar os alimentos, mas daí acabavam abrindo os sacos e fazendo sujeira”, conta Claudio, orgulhoso de seu ofício. Conscientes do desperdício diário, algumas pessoas, assim como dona Maria, adquiriram o hábito de reaproveitar os alimentos das feiras. É o caso do rondoniano Rodrigo Alves, artista independente que conheceu os “Recicles”, nome dado à prática, através de um coletivo de Curitiba, o El Quinto. Com isso, o grupo garantia a alimentação completa de todos os integrantes e, com o tempo, desenvolveram até algumas estratégias. Dentre os passos, Rodrigo conta que a abordagem ao feirante é muito importante, já que alguns preferem ajudar apenas os recolhedores despretensiosos.

“Se você aborda como uma necessidade eles não são muito receptivos, já que não querem que muitas pessoas vão pedir”, alerta. Apesar disso, o recicler ressalta que a maioria dos feirantes apoiam a ideia e ajudam muito, alguns até criando vínculos de camaradagem ou práticas de trocas. Depois da coleta, o Recicle do dia passa pelo processo de seleção para descartar os que já estão passados, contudo, como bem frisam os adeptos do movimento, a maioria está em ótimo estado para consumo.

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sustentabilidade

OURO QUE DÁ EM

ÁRVORE

Patricia Martyres

Diante da eminente extinção da biodiversidade alimentícia, os guardiões de sementes empreendem uma luta silenciosa contra os grandes monopólios Patricia Martyres

“E

m meio a tanta informação, é incrível como um assunto de tamanho impacto social seja desconhecido pelos maiores afetados – nós mesmos.” Esta é a reflexão de Mauricio Rossetto, mestrando de Filosofia, após compor uma roda de conversa sobre as chamadas sementes crioulas. Muito além da troca de conhecimentos botânicos, o assunto toma dimensões sociais e políticas ao abordar a massiva extinção de sementes puras por parte de grandes monopólios, que as alteram geneticamente e patenteiam sua nova formulação. “Quem tem controle sobre a comida, tem controle sobre a vida, e é aí que mora o perigo”, completa Rossetto.

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sustentabilidade

Rodrigo Soares é o mediador na segunda edição do projeto mensal “Roda de Prosa das Culturas Permanentes”, promovida pelo hostel Bosque de Iohana. Ao lado de seu datashow, pelo qual exibe seus projetos audiovisuais, o cineasta itinerante possui como artefato uma semente pendurada na extremidade da barba, além das centenas de variedades que resgata e doa no decorrer de suas viagens. Essas sementes são alojadas nos chamados “bancos de sementes”, locais que armazenam com muito cuidado o “ouro da terra”, como denomina Soares.

minação das sementes crioulas em inúmeras regiões do Brasil. Dessa forma, diversas pessoas têm se tornado guardiãs de sementes.

das “sementes com copyright” tornem-se as únicas opções de alimentos em nossa mesa. Segundo a última pesquisa das organizações Via Campesina e Grain, dez O termo “guardião” se refere a empresas dominam 75% do merquem adquire sementes crioulas cado mundial de sementes. “As de algum banco e se compromete pessoas rejeitam a possibilidade a plantar e cultivar o broto. Na de que empresas sejam proprietáproposta da multiplicação, o pririas da natureza e que agricultores meiro cultivo é destinado à persejam proibidos de cultivar suas petuação da espécie, garantindo próprias sementes, contudo este a preservação da genética crioula é um cenário atual inegável”, com a disseminação dos grãos. A afirma Nayara Moraes, bióloga PhD na Universidade de Maine (EUA). Segundo a Ong Grain, o aparecimento da Organização Mundial do Comércio fez Nascido em com que quase Curitiba, todos os países Rodrigo atuou do mundo durante dez aprovassem anos com conferindo Mauricio Rosseto, mestrando em Filosofia leis cinema em às empresas a Barcelona e posse sobre dipartir de então, é possível voltar somou vivências na Índia. “Nesse versas formas de vida. Seja através a plantar e então consumir os período comecei a questionar a de patentes ou leis específicas, já frutos. “Nas trocas de sementes produção industrial, quando opé possível privatizar microrgaque organizamos, buscamos fazer tei por um estilo de vida de maior nismos, genes, células, plantas, a ponte entre agricultores que se respeito por todas as espécies”, sementes e animais. tornam novos guardiões e os anconta. De volta ao Brasil, iniciou tigos doadores, a fim de conhecer o coletivo Raiz das Imagens em Foi a partir da Revolução Verde, a adaptação destas sementes em que, por meio do audiovisual, ocorrida em meados dos anos cada região e trocar informações auxilia comunidades indígenas no 50, que as empresas utilizaram sobre o plantio”, diz Soares. reconhecimento de suas histórias, diversas estratégias para ganhar fortalecendo a cultura tradicional esse controle. “Com a intenção de das aldeias principalmente entre O movimento expandir as produções agrícolas, os jovens. Além disso, desde de resistência a Revolução Verde se baseou na 2014 se uniu a outros parceiros e utilização de recursos devastadoToda essa iniciativa de resgate iniciou o projeto Multiplica!, que res da biosfera, como transgênicos busca impedir que as chamapromove a multiplicação e disse(organismos geneticamente modi

“Quem tem controle sobre a comida, tem controle sobre a vida.”

Coletivo Multiplica! Jornalismo PUCPR Revista CDM

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sustentabilidade acervo do Multiplica!

Rodrigo Soares promove a distribuição de sementes crioulas em uma ação do projeto Multiplica!

Com grãos de múltiplas cores, o Glass Gem é uma rara variedade de milhos crioulos.

Em formato de labirinto, a horta do bosque Gomm atua como um banco de sementes direto crédito: coletivo Multiplica! Divulgação

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na terra.

Patricia Martyres


sustentabilidade

ficados), fertilizantes, agrotóxicos, produção em massa e assim por diante”, diz Moraes. Desde então, com a popularização dos transgênicos, a atitude é vista cada vez mais com naturalidade. A agricultora Alissa Dubiella passa por dificuldades no cultivo de sua horta. “É cada vez mais difícil cultivar alimentos orgânicos ou crioulos, já que o plantio deve estar a 10 quilômetros de distância de plantações transgênicas. Caso contrário, pode haver contágio com o pólen, o que estragaria a semente pura para sempre”, afirma ela. “Essa atitude diante de nossa subsistência joga no lixo a maior herança que recebemos de nossos antepassados.”

Legado Há séculos que os povos tradicionais e camponeses reconhecem o valor da semente, o primeiro elo da cadeia alimentar. Seu cultivo sofreu cruzamento seletivo pela

natureza e técnicas passadas de pai para filho, que permitiram a soberania alimentar dos povos e a biodiversidade dentro dos sistemas de produção. Isso fez com que surgissem milhares de variedades intimamente ligadas à abundância. Enquanto no mercado encontram-se tipos limitados de arroz, as comunidades quilombolas cultivaram inúmeras variedades, dentre eles o arroz “mulatinho do baú”, da comunidade Figueira, no sul de Minas Gerais. Já o trigo, atualmente tido como vilão por conter o indigesto glúten, poderia ser substituído pelo trigo “mourisco”, trazido da Suíça pelo guardião Cláudio, que há oito anos planta e adapta espécies em seu espaço permacultural no Alto Paraíso, em Goiás. Essa espécie não possui glúten, além de possuir muito mais proteínas que o arroz, milho e trigo. “A lista de sementes resgatadas é imensa! Cada uma possui uma história dentro de si,

contém um mundo registrado em seus genes”, complementa Soares. “Nos acostumamos com a pobreza. A abundância da natureza é tão grande, e estamos prestes a perdê-la.” Além de constituir a base da alimentação, alguns povos reconheciam uns aos outros apenas através das espécies que cultivavam. Os índios, por exemplo, costumavam se identificar através dos milhos sagrados, ou awaxy”ete em guarani. “O milho é o cereal básico da alimentação do povo guarani e, por seu caráter sagrado, demarca o calendário religioso”, ensina Awaju Poty, pajé com descendência guarani que mora com sua família em Quatro Barras, na Grande Curitiba. Awaju concilia sua tradição com a erudição da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, onde é coordenador do curso de Composição e Regência. Além das pesquisas acadêmicas sobre seu povo,

Awaju Poty e sua filha caçula celebram a colheita do milho sagraPio Santana

do guarani.

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sustentabilidade

o pajé promove ritos e celebrações em seu espaço sagrado, dentre eles a colheita dos milhos. “No equinócio de primavera, fazemos seu plantio e no equinócio de outono, sua colheita, que marcam as principais datas de nosso ano”, complementa.

Frutos locais Apesar do cenário global, as iniciativas coletivas têm se multiplicado gradativamente. Neste ano, foi inaugurada a Casa da Semente, promovida pela Fundação Vida para Todos – ABAI, em Mandirituba, região metropolitana de Curitiba. O espaço é um novo instrumento de resistência que resguarda as sementes da contaminação transgênica.

Segundo Carina Biancardi, coordenadora do Núcleo Agroecológico da Rede Ecovida e uma das articuladoras do projeto a iniciativa pretende que os agricultores conquistem a soberania alimentar. “A Casa da Semente possibilita que os agricultores deixem de comprar sementes dos monopólios e tenham acesso livre aos grãos puros, podendo ser donos de sua própria terra”, diz Biancardi. “Se eu não detenho aquilo que planto, como posso me considerar livre?”

Patricia Martyres

Entre dois guardiões, Diogo Coneglian articula mutirões na horta do bosque Gomm.

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Carina Biancardi

O Bosque da Casa Gomm é outro exemplo. A iniciativa comporta um banco de sementes a céu aberto, em formato de labirinto, que possibilita a descoberta lúdica em cada passo durante o percurso. O biólogo Diogo Coneglian é um dos responsáveis pelo projeto, que busca ser sustentável desde sua estrutura. “Essa horta é agroflorestal, então o processo de feitio dos canteiros foi bem especial, utilizando a biomassa do próprio local pra compor a base dos canteiros, sobrepondo camadas, e a deixando preparada pra sobreviver com pouco ou quase nenhum cuidado”, explica Coneglian. O lugar também é fruto de resistência desde seu início. A enorme área, que antes era destinada à preservação, foi ocupada em 2014 pelo novo empreendimento imobiliário – o Shopping Pátio Batel. Graças ao ativismo dos envolvidos, em 2013 foi organizado o movimento “Salvemos o Bosque da Casa Gomm”, que possibilitou a permanência de 1/3 da antiga área, que hoje sedia diversas iniciativas voltadas a ações humanizadas e sustentáveis. “Precisamos parar de separar o rural e o urbano. Todos são parte do mesmo organismo e, apenas entendendo isso, poderemos viver na terra de forma plena”, conclui.

A Casa da Semente, em Mandirituba, objetiva promover a autonomia alimentar dos agricultores.


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coluna

Co

labor

Texto :Patricia Martyres Edição: Caio Liberal

ATIVISMO

Uma nova forma de economia por meio de iniciativas independentes

M

uito se tem escutado sobra a tal economia colaborativa. Casas e espaços compartilhados, coworkings, banco de horas, sistema de trocas... e a lista vai adiante. São inúmeras opções para quem optou por um estilo de vida que troca o verbo “acumular” pelo “compartilhar”. A mudança de paradigma não é completamente voluntária. Ela recebe um empurrãozinho da crise do capital, já prevista por sociólogos e economistas. Claro, existem controvérsias, mas nem é preciso grande genialidade pra concluir que de onde muito Patricia Martyres

se extrai, uma hora se esgota. Como parte integrante da própria natureza, o ser humano também se exauriu. A verdade é que vivemos um momento de transição – o homem ouviu, ainda como sussurros, o grito de seu próprio corpo. Cansados da carga horária exaustiva, trabalhos maquinais, burocracias desnecessárias e, principalmente, relações impessoais, os “dissidentes” do colaborativismo viram na brecha econômica a oportunidade pra reformular a cadeia produtiva. A rede de mudanças percorre

todos os setores. Os agricultores, por meio do programa Consumidores que Sustentam a Agricultura (CSA), podem vender sua produção direto para os consumidores e excluir as pontas de mercado de seu itinerário. Bom pra eles, que não precisam mais encarnar a persona de vendedores nas feiras, bom pros consumidores, que têm alimento orgânico semanalmente na mesa por um preço mais barato. Já os empresários, através dos coworkings, têm seu escritório de forma muito mais barata pra poder atuar de modo autônomo no mercado, sem depender daqueles

O Casebre, nome de uma casa de madeira numa rua arborizada do Jardim Social, possui quatro moradores que promovem atividades voltadas à cultura, espiritualidade e sustentabilidade

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coluna

Patricia Martyres

que já possuem a estrutura. As casas colaborativas podem tornar projetos acessíveis sem grande investimento, já que são várias mãos para lapidar as ideias e compartilhar os gastos. Através dessa acessibilidade, vemos a descentralização da cultura e inúmeras ações que adequam os ideais de vida ao mundo prático. E ao falar de cultura, não podemos deixar de citar as plataformas de financiamento coletivo. Com um pouco de muitos, projetos que dependeriam dos suspeitos editais do governo podem existir. Apesar de rentável, para que a cultura colaborativa seja plena é preciso ver o outro como semelhante, como ser humano repleto de potencialidades, e não como cifrões. É como água no óleo com a competitividade – a não ser que se resgate o gérmen da vivência compartilhada, jamais dará certo.

A casa funciona há um ano e sua estreia foi com uma oficina de Mandalas e Círculos Mágicos, ministrada pelo artista Bhaktiananda Das, de Florianópolis-SC.

Patricia Martyres

O homem ouviu ainda que como sussurros o grito de seu próprio corpo. Um dos projetos levados ao Casebre foi o Tus Manos, Nuestro Bosque, que plantou árvores nativas no terreno que já comporta uma horta, composteira e o projeto de um banheiro seco.

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política

Nasce a neodireita Quais são os movimentos e grupos e quem são os jovens que levantam as bandeiras do quanto menos estado melhor Texto: Caio Liberal Edição: Caio Liberal

D

e 1992 até 2013, são 21 anos. Portanto, pouco mais de duas décadas de passividade política. No começo dos anos 1990, a juventude se manifestava nas ruas pedindo o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. A reivindicação das ruas era uníssona e a pauta era homogênea. Em 2013, a Copa das Confederações sediada no Brasil teve de dividir os holofotes com as manifestações de junho. No começo, os protestos convocados pelo Movimento Passe Livre se concentravam em São Paulo. Eles pediam catraca

livre no transporte coletivo para estudantes. O aumento de R$ 0,20 na tarifa dos ônibus foi o estopim. As manifestações que começaram com uma pauta progressista se transformaram com o passar dos dias em um fenômeno até hoje estudado por sociólogos e cientistas políticos. Se no início era fácil identificar quem eram os manifestantes e o que queriam, no fim ficou difícil. Cartazes pediam de tudo: fim da corrupção, fora PT, qualidade dos serviços públicos, “Não vai ter Copa!”.

A partir desse evento político que ganhou cidades de todo o país, o brasileiro retornou às ruas com mais frequência. Contudo, vivemos hoje uma era de “fla-flu” tanto no Congresso em Brasília quanto na sociedade. Correntes opostas se revezam nas ruas, marcam protestos em dias diferentes e pressionam os políticos por agendas diferentes. Dessa rivalidade política de pelo menos três anos, movimentos autodeclarados de direita, conservador ou liberal nascem e ganham espaço na sociedade brasileira.

Acervo pessoal

Além de ser líder do Direita Curitiba, Eder Borges também coordena o Movimento Brasil Livre no estado do Paraná.

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política

Um desses movimentos é o Vem Pra Rua, nascido no fim de 2014. A advogada Adriana Dornelles é porta-voz do movimento na Região Sul e o define como suprapartidário, democrático e plural. “Não usamos muito essas nomenclaturas, esquerda, direita. Mas, se formos olhar nossa plataforma de atuação, missão, estamos perto do centro liberal”, explica Adriana. O movimento luta contra a corrupção e a má-gestão do dinheiro público e se articula em lideranças estaduais. “Os contatos são por redes e algumas vezes no ano, presenciais, como nos encontros de líderes”, completa a advogada. Segundo Adriana, no Paraná já foram realizadas “mega-manifestações”, as quais ocorreram em Curitiba e nas cidades cadastradas. “Além dessas manifestações, os Vem Pra Rua têm ações locais, como, por exemplo, ações de apoio à operação Lava-Jato na sede da Justiça Federal de Curitiba, o Muro da Vergonha realizado em Francisco Beltrão, buzinaços e panfletagens de conscientização sobre a necessidade e legalidade do impeachment [da presidente Dilma Rousseff] realizados em Rio Negro e diversas cidades do Estado”, finaliza.

enxugamento do Estado e pouca interferência na economia. “Não sou de direita, sou libertária”, se define Roberta. A geógrafa acredita que o brasileiro entende política apenas como esquerda ou direita. Ambas, para ela, são autoritárias e são ruins para o país. “A galera é bem bitolada”, opina. Sua posição autodeclarada como libertária é consequência das discussões no curso de Geografia que apenas consideravam o dualismo político tradicional. “Sou libertária porque sou contra todo tipo de autoritarismo no país, sou contra um estado forte, que tome as rédeas da vida da população”, encerra.

Luiz Felipe França participa de outro movimento. Ele trabalha com governança e formação de lideranças no MBL, o Movimento Brasil Livre, no Paraná. O MBL é um movimento da sociedade civil formado majoritariamente por jovens entre 18 e 35 anos. Eles propõem soluções de livre mercado e descentralização do poder para os problemas do Brasil, principalmente o aumento do nível de federalização da organização estatal e livre concorrência. “Em espectro político multifacetado, o movimento se posiciona como liberal, se for unidimensional, ele é de centro-direita”, situa França. vemprarua.net

A geógrafa Roberta Schio, de 23 anos, não se considera uma jovem de direita, apesar de a maioria de seus amigos a taxarem como tal. “Eles não entendem meu lado ideológico”, defende-se. Ela revela que já foi chamada de ‘reaça’, ‘coxinha’, ‘nazista’, ‘fascista’. Para a geógrafa, isso é erro de interpretação. Mesmo sem se autodeclarar de direita, ela foi às manifestações pela saída do PT e a favor das investigações da operação Lava Jato. “Fui porque não concordo com as políticas públicas atuais, não concordo com esse populismo, a corrupção desse governo foi a gota d’água”, alega a jovem. Se ela fosse levantar os próprios cartazes, eles reivindicariam o

Movimento Vem Pra Rua na manifestação de 13 de março de 2013. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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política Cristopher Soulé

.Roberta (ao centro) foi às ruas no dia da votação do impeachment da presidente Dilma na Câmara dos Deputados. O representante do MBL conta que o movimento critica a concentração de poder nas mãos da União Federal, o tamanho do Estado e sua consequente corrupção. No Paraná, a coordenação é do músico Eder Borges e, em Curitiba, a coordenação fica a cargo de Pedro Machado, Zé Scheffer e Denise de Souza. Por aqui, juntamente a outros grupos, o MBL já organizou as três maiores manifestações da história do Paraná e realiza mais de três ações semanais para avançar em suas pautas.

PT, ligado diretamente ao Foro de São Paulo, a ‘confraria bolivariana’ que tem quebrado países na América Latina”, completa o porta-voz.

te Direita Solidária, que visa a arrecadar brinquedos e alimentos para serem distribuídos em comunidades carentes da capital paranaense.

Na cidade, o grupo esteve junto na realização de grandes manifestações, em 2015 e 2016, que segundo eles “derrubaram o governo do PT”. Também fez palestras na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e promoveram três edições do evento beneficen-

O jovem V.M., de 22 anos e estudante de Arquitetura, não acredita que política se resume à esquerda ou à direita. O jovem, que foi às manifestações, acredita que o que falta no país, mais do que ideias, é atitude. “Fui para mostrar toda minha indignação com a política brasileira, fui principalmente para mostrar o Acervo pessoal

Um terceiro grupo é o Direita Curitiba. Desde seu início, em 2014, ele tem como porta voz Eder Borges, que também coordena o Movimento Brasil Livre no estado do Paraná. “O DC se define como liberal-conservador e defende ideias tradicionais e paranistas. Defende também o liberalismo econômico e a liberdade individual”, apresenta Borges. O Direita Curitiba combate abertamente o que eles chamam de “esquerda”, denunciando-a como um engodo e um projeto de poder totalitário. “Denunciamos também o projeto de poder do

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Luiz Felipe França é membro do MBL, movimento que critica a concentração do poder nas mãos da União Federal.


política Acervo pessoal

poder que o povo tem nas ruas. Vivemos num país livre, temos o direito de nos manifestar”, justifica o jovem, que não gosta de mostrar seu posicionamento político abertamente. “Sou de centro, porque sou a favor de livre mercado, mas entendo o papel do estado em algumas funções”, se esquiva.

Das ruas para a academia Gabriel Sales, estudante de Direito da UFPR, é integrante do Grupo de Estudos Liberdade e Democracia, o GELD. Sales é um dos membros-fundadores do grupo e o posiciona como “liberal-clássico”, tanto na política como na economia. “Somos um Think Tank, um grupo que atua em um campo de interesse, com o objetivo de produzir e difundir conhecimentos da área que atuamos”, define Lucas Cabral, atual presidente. Fundado em 2013, como resultado da necessidade de criar

um grupo contrário às ideias de esquerda na faculdade, o GELD possui um enfoque acadêmico para estimular a leitura de autores dessa corrente político-econômica. “Havia uma carência, uma lacuna na faculdade. Havia somente grupos de estudos de esquerda. Então, quatro membros começaram a se reunir todo sábado de manhã com uma programação de leitura temática e com indicações de autores”, explica Sales. O grupo possui uma carta de princípios, que inclui a defesa da vida e da liberdade individual, a defesa da propriedade privada, entre outros. E critica regimes comunistas e fascistas, bem como a sobrecarga de impostos, estado inchado e burocracia desproporcional. Em resumo, eles são anti-cultura estatista. O GELD se orgulha de promover desde 2014 o Fórum Interdisciplinar de Direito e Economia, o FIDE. O evento já trouxe palestrantes internacionais para apresentações na faculdade. De

Membro fundador do GELD, Sales se considera um jovem de direita.

acordo com o grupo, o FIDE se mantém graças ao patrocínio de escritórios de advocacia, institutos e consultorias que apoiam as causas que eles defendem.

“Jovens de hoje nunca viram um governo de direita.” O cientista político Rudá Ricci avalia que há várias camadas que ajudam a entender de que maneira esses movimentos ganharam força. A primeira é a longevidade do governo petista no poder. “Jovens com 20 anos só viram governo petista. Não tem contraponto para entender o que seria um governo de direita”, explica Ricci. A segunda camada é a nova configuração da juventude no Brasil. O professor conta que, a partir da década de 1980, há uma mudança na composição familiar. “Há uma diminuição da família nuclear. Aumentou o número de crianças que cresceram em ambientes monoparentais e caiu o tempo de convívio da família violentamente”, aponta. Para ele, por conta disso, pré-adolescentes e adolescentes começaram a socializar por pares de idade, por espelhamento, um reflexo deles próprios. Logo, eles começaram a formar comunidades

fechadas que compartilham das mesmas ideias. A última camada foi criada pelo lulopetismo. De acordo com o cientista político, Lula reforçou a coalizão presidencial, abrigando muitos partidos, e fortaleceu a lógica partidária no país. “Durante o governo Lula, os políticos profissionais tinham tomada de decisão que a maioria da população não tinha”, afirma Ricci. Criou-se então uma dualidade: a dimensão superior dos políticos profissionais e a dimensão inferior da massa, que só tem valor no dia da eleição. Portanto, de 2003 a 2010, anos de Lula no poder, prevaleceu os partidos aos movimentos populares e as negociações de cúpula à prática cidadã.

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comportamento

Quando a relação machuca Texto: Gabrielle Russi Fotos e edição: Fabrício Calixto Produção: Vinícius Frank Vaz

Números da Delegacia da Mulher de Curitiba mostram que denúncias de ameaça são maiores do que os por agressão física. Porém, quase não se fala nas lesões psicológicas. Muitas mulheres estão ou já estiveram em relacionamentos abusivos

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comportamento

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comportamento

A

violência é muito presente na vida de várias mulheres. A quantidade de denúncias de agressão física dentro dos relacionamentos é muito alta. Só de janeiro a março deste ano, a Delegacia da Mulher de Curitiba registrou 308 boletins de ocorrência. Porém, a agressão física não é a única forma de violência que muitas vítimas sofrem. As relações abusivas são muito comuns e, em muitos casos, deixam consequências psicológicas sérias. Em maio de 2016, a Delegacia da Mulher de Curitiba registrou 253 ocorrências decorrentes de ameaças e 256 por injúrias. Só em terceiro lugar é que estão os por lesões corporais, com 137 registros. Com esses números é possível concluir que os abusos psicológicos são mais frequentes do que os físicos, porém, as pessoas se indignam mais com crimes onde

há agressão, se esquecendo dos emocionais. Em muitos casos, um relacionamento abusivo pode se tornar algo mais sério, como nos casos que veremos a seguir. Todas as histórias relatadas aqui são verdadeiras e apenas os nomes foram modificados, a pedido das entrevistadas. Mas o que são relacionamentos abusivos? Sabe aquela sua amiga, irmã ou prima que reclama do ciúme obsessivo do seu parceiro? Que mudou seu jeito de se vestir e seu estilo para agradar seu companheiro? Que escuta xingamentos, ofensas e difamações do namorado ou marido? Que está mais triste, chorona, com baixa autoestima devido à relação? Que largou os estudos, o trabalho ou as coisas que gostava de fazer? Que escuta ameaças e acusações do parceiro? Ela está em uma relação abusiva.

E você deve estar se perguntando por que ela aceita passar por isso, por que não termina. Os motivos são diversos: porque ela não consegue, porque talvez ela não enxergue que passe por essa situação, porque o parceiro a ameaça quando tenta terminar ou porque, devido a sua criação, ela considera aquele tipo de relação aceitável, sofre, mas cede, pois acha que é normal. Como é o caso da consultora de imagem Heloísa*, de 28 anos. Ela conta que sua relação com o pai na infância e adolescência sempre foi beirando posse, pois ele era ciumento, exigente e extremamente cuidadoso e, por isso, sempre buscava agradá-lo. Após a separação do seus pais, quando tinha 16 anos, começou a namorar um homem mais velho e, pouco antes de completar um ano de relacionamento, decidiu Fabrício Calixto

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comportamento morar com ele. A relação durou cinco anos, mas foi extremamente conturbada. Ela conta que esse rapaz era muito parecido com seu pai: era machista e tinha opiniões fortes. Durante a relação, sofreu muito. Sentia-se como uma propriedade do seu namorado. Todo seu salário ia para ele e ela não tinha autonomia financeira. Foi forçada a mudar o jeito como se vestia e como se relacionava com as pessoas. Afastou-se se sua família e ele não a deixava ter amigos. “Minha vida era bem vazia. Ele me acuava e eu não fazia muitas coisas por sentir medo.” Para a psicóloga Edilene Lourenço Gomes, a Delegacia da Mulher tem um excelente projeto de proteger e acolher a mulher que sofreu agressões, mas muitas vezes a mulher está muito fragilizada e não quer expor a sua dor, se considera um fracasso pessoal e tem medo da violência e ameaças do companheiro. Para ela, esses casos acontecem porque existe uma cultura machista muito forte, porém tem o agravante de doenças psicológicas, como a bipolaridade e o descontrole emocional. “Há casos em que existe só o machismo, mas há aqueles nos quais ocorrem só os transtornos emocionais. Mas o pior é quando os dois aspectos estão presentes. Isso agrava a agressividade e o companheiro sofre muitos danos psicológicos.”

legal, logo começou a se mostrar possessivo. Ele queria as senhas de suas redes sociais. Não podia cumprimentar ninguém do sexo masculino sem que ele fizesse perguntas acusatórias e não podia sair sozinha. Após alguns meses de namoro, ele começou a ameaçar um garoto com quem Ana havia se envolvido antes de conhecê-lo e, um dia, em uma discussão sobre isso, ele a bateu. Ela conta que se fosse hoje, teria tomado alguma atitude, mas naquela época não sabia o que fazer e não queria contar aos seus pais e amigas por vergonha. “Foi horrível. Eu tentei terminar e ele ameaçou a mim e a minha família. Então eu continuei quieta, fazendo tudo o que ele queria para evitar algo ruim.” Juliana*, de 28 anos, foi outra mulher a sofrer uma relação abusiva, que durou seis anos. O conheceu quando cursava o segundo ano de Psicologia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São

Ela chegou a sofrer um abuso sexual. Eles estavam brigados, foram a uma festa e ele exagerou na bebida. Quando voltaram para casa, estava descontrolado. Segundo Juliana, ele estava diferente e parecia possuído. Foi para cima dela e ela viu que não ia conseguir se defender. Não ofereceu resistência, mas não queria aquilo, não consentiu. Ele não a escutava, estava agressivo. Para ela, aqueles foram os momentos mais longos da sua vida e nunca sentiu tanto medo como naquele dia.

Autoestima Edilene conta que atende muitas pacientes que sofrem agressões físicas e morais, principalmente acima dos 40 anos, que para ela é uma faixa etária que a cultura machista é mais forte. “Os danos são devastadores para a autoestima. Muitas vezes elas se mantêm num relacionamento doente por causa dos filhos ou da situação financeira, impedindo que elas tomem alguma atitude.”

“Ele dizia que eu era um lixo e isso fazia com que eu me sentisse assim, porque eu aceitava.“

Ana*, de 24 anos, estuda Medicina na Unicesumar de Maringá. Loira natural, ela adora brincar com as cores, gosta de maquiagens coloridas e batom vermelho, já pintou as pontas de seus cabelos de diversas tonalidades e vive cortando em comprimentos diferentes. Sua personalidade alegre contrasta com a história que viveu. Quando tinha 16 anos, começou a namorar Carlos* e, se no início ele parecia alguém

Paulo. Ele não gostava que ela fizesse trabalhos com amigos. Ouvia ameaças, ofensas e acusações. Quando se formou, em 2010, ele não queria que ela atendesse homens. Controlava seus horários. Ela acabava fazendo o que ele queria para agradá-lo e para que não terminassem. Tinha uma grande dependência emocional. Acreditava que tudo em seu relacionamento era sua culpa: que era ela que fazia ele ter ciúmes e desconfianças e que ele agia daquele modo pelo maneira como se portava. “Ele dizia que eu era um lixo e isso fazia com que eu me sentisse assim, porque eu aceitava.”

Juliana chorava constantemente durante seu relacionamento, sua autoestima era baixa e parou de se cuidar. Não se arrumava para ir à faculdade para evitar brigas, emagrecia e engordava durante curtos períodos de tempo. Hoje, é uma pessoa tímida e introvertida, mas se esforça para ser sociável. Para ela, mulheres que entram em relacionamentos abusivos e permanecem é porque não estão bem consigo mesmas e não conseguem impor limites. “Elas não conseguem mostrar ao parceiro que merecem ser respeitadas porque elas próprias não conseguem se respeitar.” Jornalismo PUCPR Revista CDM

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comportamento Heloísa sofria abusos psicológicos contra sua autoestima. Ouvia coisas do tipo “você nunca vai ser magra o bastante, nunca vai ser gostosa o suficiente”. Isso fez com que ela desenvolvesse uma relação triste com seu corpo. A menina que sofreu essas situações em nada se parece com a mulher que Heloísa se tornou. Com seus cabelos curtos castanhos e seus grandes olhos, é dona de uma personalidade marcante, trabalha com moda e estilo, ajudando outras mulheres a se redescobrirem. Feminista e defensora dos animais, luta por seus sonhos e ideais. Largou uma carreira de sete anos como administradora e decidiu escolher uma profissão movida a paixão. Está sempre arrumada, gosta de se sentir bonita e, por já ter passado por essa fase, decidiu conciliar

sua carreira com a vontade de ajudar mulheres que estão passando por transições e precisam resgatar seu amor-próprio.

no UniBrasil. Um colega de turma passou a demonstrar interesse por ela e a fazer vários elogios. Ela começou a perceber que o que vivia era bobagem, que seu namorado pensava e fazia aquilo para acuá-la. Passou a se impor e decidiu terminar o namoro. Chegou da faculdade à noite e, como morava com ele e não tinha carro, falou que ia embora e depois buscava suas coisas. Ele não aceitou. A expulsou de casa e disse para tirar tudo, pois o que ficasse ele iria dar fim. Foi obrigada a abandonar seus cachorros. Antes de partir, ele a agrediu fisicamente. “Não deixou marcas em meu corpo, mas deixou na minha vida.”

Termino Quando se está nesse tipo de relacionamento, o término pode ser conturbado. É comum o parceiro não aceitar, fazer ameaças e ficar agressivo. Muitos casos chegam a ter consequências fatais. A psicóloga Edilene Lourenço Gomes cita como exemplo o caso polêmico do policial que matou a namorada após o término. “O ciúme é um descontrole emocional e se a pessoa é violenta, o medo de enfrentá-la é muito grande.” O relacionamento de Heloísa terminou quando ela tinha 22 anos e estava cursando Administração Fabrício Calixto

Para Ana, a gota d’água em seu relacionamento foi quando foram em uma festa na casa de amigos e Carlos queria ter relações sexuais no local. Quando ela negou, ele a acusou de traição e a arrastou para um quarto. A agarrou à força, jogou na cama e subiu em cima dela. Ela começou a gritar desesperadamente e um amigo forçou a entrada no quarto, evitando que algo acontecesse. Após o ocorrido, em um domingo, quando Carlos ligou para Ana, ela negou sair com ele e disse que se sentia esgotada. Ele foi até sua casa e a arrastou para o carro. Ele ficou com raiva, começou a correr e a furar todos os sinais. A levou para o meio do mato e disse que ela ficaria com ele viva ou morta. Ela o convenceu de que não terminaria com ele, mas não conseguiu parar de chorar. Carlos a deixou em casa e terminou a relação. Mas a situação não acabou por ali. Ele ligou para Ana querendo voltar e, quando ela recusou, a ameaçou de morte. Nesse momento, ela contou aos seus pais. Ela sentia medo e evitava sair sozinha. “Hoje me sinto muito mais forte porque jamais deixaria isso acontecer novamente.” Para Juliana, o fim do namoro foi por conta das brigas e do desgas-

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comportamento te. Os dois estavam insatisfeitos, mas partiu dele. Ele conheceu outra pessoa e começou a flertar com ela pela internet. Ela ficou de luto até fim de 2014. Mas, hoje, diz já estar melhor, mais forte e jura que jamais voltaria com ele. “Ainda restam algumas magoas, não sei se isso um dia vai passar, mas vivo minha vida. Feridas cicatrizam, mas deixam marcas.” A delegada Sâmia Cristina Coser, da Delegacia da Mulher de Curitiba, explica que para a mulher registrar um boletim de ocorrência ela precisa contar um fato

Isso acontece porque algumas mulheres que passam por essa situação acabam desenvolvendo um quadro de depressão, ansiedade ou crises de pânico. “A violência sempre traz danos muito grandes.” Mesmo antes do fim do relacionamento, Juliana já frequentava uma terapeuta e, para ela, foi isso que a ajudou a se entender, se conhecer melhor e recuperar sua autoestima. Ela afirma que já estava meio preparada para o fim, mas que a forma como tudo acabou foi péssima. Foi sua analista que a ajudou a se reerguer e a

“Mesmo que a mulher tenha sofrido a vida inteira, o homem vai ser punido pelos atos que ela consiga descrever e isolar.“ - Sâmia Cristina Coser, delegada. ocorrido, pois, o que importa é a violência praticada em dia, hora e local certo e dentro de um determinado lapso temporal. Ressalta que não é só agressão física que pode ser registrada, se o fato e a conduta do agressor configurarem qualquer crime contra a legislação penal, ele pode ser denunciado. Ela conta que a maioria das mulheres chega à delegacia falando em fatos que sempre ocorrem, mas sem precisão e nesses casos, ela não pode transformar isso em uma ação judiciária posteriormente. “É importante que as pessoas entendam que mesmo que a mulher tenha sofrido violências a vida inteira, o homem vai ser punido pelos atos que ela consiga descrever e isolar.”

Tratamento Edilene afirma que o tratamento indicado para esses casos é a terapia, para trabalhar as causas, a questão da autoestima e de como enfrentar a situação e seus medos e, em alguns casos, é necessário a introdução de medicamentos.

pensar em superação. “Eu já vivia antes dele e ia continuar vivendo, só que mais feliz, mais eu de verdade.” Mesmo após anos de término, Heloísa carregava consigo um sentimento de culpa, desenvolveu uma depressão e decidiu procurar ajuda de uma psicóloga. Só então começou a entender a condição que viveu e aceitar que não era culpada pelos anos de relacionamento abusivo que sofreu. Compreendeu que foi a vítima e não a culpada. “Eu me considerava uma burra por não conseguir sair, mas quando você está dentro desse tipo de relação, você acha que não é boa o suficiente para nada, nem para sua vida, nem para a vida de ninguém. Somente dez anos após que tudo aconteceu, é que consigo dizer que não sofro mais por isso.”

Casa da Mulher Brasileira Inaugurada no dia 15 de junho de 2016, a unidade é a terceira do gênero no país.

comportamento Construída com recursos do governo federal, como parte do programa Mulher, Viver sem Violência, e gerida pelo município, a unidade oferece atendimento humanizado e integrado, reunindo num único endereço estruturas de vários órgãos que atuam na proteção e defesa da mulher em situação de violência. Foi concebida para ser um local onde a mulher não apenas se sinta encorajada a denunciar a violência, mas também receba proteção e apoio para superar a situação. No local, a mulher vítima de violência física, psicológica ou sexual encontrará serviços especializados que, juntos, completam um ciclo de atendimento, desde a denúncia até o apoio para a busca da autonomia financeira. Além de serviços da prefeitura, da Delegacia da Mulher, do Ministério Público e da Justiça, a Casa tem espaços destinados a acolhimento e triagem, apoio psicossocial, brinquedoteca para crianças e alojamento de passagem com dez leitos. A mulher que desejar terá acesso também a assessoria econômico-financeira, para superar a dependência em relação ao agressor, que costuma ser um empecilho ao rompimento com a situação de violência.

Serviço Endereço: Avenida Paraná, 870, Cabral (perto do terminal de ônibus). Horário: 24 horas por dia, de domingo a domingo.

*Nomes fictícios utilizados a pedido das entrevistadas.

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comportamento

Liberdade sobre rodas

Moto clubes reúnem pessoas de todo o Brasil paixonados por aventuras e máquinas potentes. Além de passeios pelas estradas, esses motociclistas também desenvolvem ações beneficientes

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Acervo


comportamento

o pessoal

Manoela Campos

V

ista por algumas pessoas como um simples meio de transporte prático para o dia a dia, a motocicleta pode ter mais admiradores do que se imagina. Os chamados moto clubes (M. C.), associações de pessoas que apreciam o motociclismo, têm ganhado cada vez mais adeptos no Brasil. Só no estado do Paraná, já existem cerca de 560 moto clubes e facções, (nome dado às sub-sedes dos M.C.), e a tendência é que esse número só aumente. Famosos por suas máquinas de roncos potentes, entre elas as famosas Harley- Davidsons, esses motociclistas chamam a atenção por onde passam. Despertando o fascínio nas crianças e a curiosidade nos adultos. Reinaldo Weigert, motociclista experiente há vários anos, e um dos membros fundadores do Moto Clube Rota X, conta como tudo começou. “O Rota X surgiu baseado em outro moto clube. À época, eles nos convidaram para uma viagem até Morretes e, como gostamos da ideia, nos reunimos e decidimos criar o nosso próprio.” “A nossa organização é até bem ‘organizada’ (risos), temos site, estatuto, hino e cerca de 700 associados no Brasil, é relativamente grande.” Os moto clubes são lugares para pessoas de diversas profissões e classes sociais exercerem, com segurança, sua paixão em comum. “Nós gostamos de viajar, mas não é tão simples. É preciso todo um aspecto de segurança por trás. Quem puxa o bonde (quantidade de motos na estrada) é o ponteiro, ou seja, a pessoa que melhor conhece o trajeto. Já o último é o ferrolho. Ele é essencial para o passeio. Sua função é a mais importante pois ele cuida da segurança dos demais. Nas ultrapassagens, ele segura os carros para que as outras motos passem. E em caso de acidente, o ferrolho tem

que ter uma motocicleta mais ágil pra alcançar e parar o bonde lá na frente”, explica Weigert. Outro ponto importante do trajeto, apontado por Weigert, é o posicionamento de cada motociclista. “Durante as viagens, sempre tem a questão de como se posicionar na estrada. As motos devem ficar intercaladas, mas quando tem um carro com pressa atrás, nos enfileiramos e deixamos ele passar. Na viagem tem que se portar assim. E claro, sempre res-

têm a motocicleta deles e querem sempre passar na frente. A gente até costuma brincar que motoqueiro é aquele que entrega a pizza e motociclista é o que come. Por isso que a gente vê tantos acidentes. A moto é equilíbrio, tem duas rodas ali e, além de usar equipamento, tem que saber respeitar também.” Ser integrante de um moto clube proporciona experiências maravilhosas. As viagens levam à lugares inexplorados e a experiências

“Estar em um moto clube é conhecer gente nova. Além de viajar o Brasil todo, você faz muita amizade.” Reinaldo Weigert, motociclista peitando a velocidade da pista.” Fazer parte de um moto clube pode ser encarado tanto como um hobby, como até mesmo um estilo de vida. E, apesar da grande variedade de clubes e facções, o que realmente importa no final, é a paixão em comum que une todos os membros, como explica Weigert. “Se você vir outro moto clube na estrada, você pode parar e cumprimentar. Não existe rivalidade, o motociclista faz o estilo paz e amor. Ele está a fim de fazer amizades e de ajudar.” Para os leigos, motoqueiros e motociclistas são sinônimos, mas para quem faz parte de um moto clube, não é bem assim. Segundo Weigert: “Os motoqueiros não têm regras nem segurança. Eles

novas. Porém, os benefícios vão muito além dos passeios. “Estar em um moto clube é conhecer gente nova. Além de viajar o Brasil todo, você faz muita amizade, e é extremamente bem recebido nos lugares que visita”, finaliza Weigert. No caso do gerente comercial Edson Portella, de 45 anos, a paixão pelas motocicletas falou mais alto do que o medo. “Nunca tive moto enquanto jovem, fui ter a minha primeira, já casado, com 38 anos, mas ainda tinha medo de andar com ela na cidade.” Após superar seu medo, Portella conta que passou a fazer várias viagens. “A rota mais longa que

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comportamento Manoela Campos

Reinaldo Weigert posa com sua Harley-Davidson em frente de sua casa em Curitiba. fiz foi no Deserto do Atacama. Percorri cerca de sete mil quilômetros em 14 dias, chegando até a cidade de Antofogasta, no Chile”, conta. Ele completa dizendo que sua próxima meta é ir para Ushuaia, capital da província de Terra Del Fuego. Mas seu maior desejo é percorrer a Rota 66 nos Estados Unidos, em cima de uma Harley- Davidson.

primeira motocicleta, uma CBX 250 Twister ” Motociclista há 14 anos, Hoffmann já realizou inúmeras viagens tanto no Brasil quanto no exterior, e conta com orgulho seus feitos. “A mais longa que já fiz, junto com a minha esposa Dayse, que também é motociclista, foi no começo do ano passado.

Fomos para Ushuaia, na Argentina. Foram seis meses de programação e preparo para a viagem, somando ao todo 23 dias e 13 mil quilômetros percorridos.” Membro do Carpe Dien Moto Turismo, fundado em São Paulo, há 11 anos, Mauricio conta que o clube carrega como bandeira principal o moto turismo. Com

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O gerente comercial encerra falando sobre os moto clubes dos quais participa. “Faço parte de alguns não oficiais, e também do Bodes do Asfalto, grupo vinculado à Maçonaria, e um dos maiores do Brasil, com mais de sete mil motociclistas.”

ESTILO Já o consultor de investimentos Mauricio Hoffmann de 32 anos, é motociclista por hobby, e conta como começou essa paixão. “Fui influenciado por parentes que tinham motos, e sempre admirei esse estilo de vida de liberdade. Durante toda minha infância, ouvia minha mãe contar sobre seus passeios de moto pela beira-mar de Florianópolis. Então, quando completei 18 comprei minha

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Edson Portella (a esq) enquanto prepara-se para passeio em Curitiba.


comportamento

O consultor conta que viajar de moto o enriquece culturalmente e que os passeios o desconectam da sua rotina, mostrando aquilo que muitas vezes via somente pela tela do computador. Passando a dar valor às coisas simples da vida, e enxergando o mundo com os próprios olhos.

ROTA X Fundado em Curitiba, no dia 31

de maio de 2003, por funcionários, hoje já aposentados, da Caixa Econômica Federal, o Rota X completou 13 anos de existência em 2016.

Acervo pessoal

cerca de 1.200 integrantes, a associação também realiza ações filantrópicas como campanhas de doação de sangue, agasalhos e comida, além de ajudar lar de idosos e orfanatos.

Recentemente, o moto clube passou a aceitar pessoas “de fora”, mas, até então, era exclusivamente para funcionários da Caixa. Com sub-sedes presentes em vários estados, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, entre outros, o Rota X hoje é composto por 700 membros em 18 facções espalhadas pelo país.

Manoela Campos

Maurício Hoffmann, orgulhoso com sua Yamaha XT 1200.

A marca mais famosa do mundo Fundada na cidade de Milwaukee, nos Estados Unidos, em 1903. O nome Harley-Davidson se deu após a junção dos sobrenomes dos seus criadores William S. Harley e Arthur Davidson. Tudo começou quando os dois jovens decidiram instalar um motor em uma bicicleta, com o intuito de se locomoverem de forma mais rápida em competições. A ideia fez tanto sucesso à época que, a partir daí a base da marca mundialmente conhecida, começou a se formar. A primeira moto construída pela Harley-Davidson,

a famosa Silent Gray Fellow, tinha um motor único de um cilindro de combustão a gasolina, com três cavalos de potência. Em 1907, a marca começou a ganhar mais espaço, aumentando sua produção para mais de cem motocicletas por ano. O momento pós-Primeira Guerra Mundial foi fundamental para a história da empresa, que nesse período se fixou como a maior fábrica de motos do mundo, presente até então em mais de 67 países.

para que, no final da Segunda Guerra Mundial, a marca fosse consolidada como símbolo do Sonho Americano. Acrescentando um grande valor na imagem da empresa. Nos dias atuais, a Harle-Davidson é uma das marcas de motocicletas mais requisitadas do mercado mundial. Com mais de 28 modelos de motos diferentes, a empresa também é dona de uma linha de roupas e acessórios próprios para motociclistas e amantes da marca.

A larga utilização das motos Harley pelos soldados norte-americanos, contribuiu

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comportamento

Vida no exterior gera transformações Morar fora do Brasil e conviver com culturas diferentes podem causar diversas mudanças pessoais Texto e Imagens: Sâmela Rodrigues Diagramação e Edição: Izabela Weber e Stephanie Morais

D

esde que nascemos, passamos por desafios e transformações, como a adolescência, questões de trabalho, entre tantas etapas. Mas existem algumas pessoas que resolvem se desafiar ainda mais. Mudar de país, seja para estudar, trabalhar ou conhecer novas culturas, proporciona diversas mudanças pessoais e profissionais que exigem amadurecimento e preparação. Os motivos são diversos: adquirir experiência profissional, estudar novas línguas, conhecer pessoas. Cada um tem um motivo específico que leva a tomar a decisão de

viver no exterior. Jéssica Mirely resolveu fazer intercâmbio na Espanha por querer ter não só novas experiências profissionais, mas também de vida “Sair da zona de conforto, entrar em contato com outra cultura, conhecer novos lugares, além de aprender um idioma de uma maneira muito mais intensiva.” Para ela, o fato de ter que se virar sozinha em um país desconhecido favoreceu seu amadurecimento como pessoa, e uma das aprendizagens que teve com a cultura espanhola foi não se preocupar tanto com a aparência, como no Brasil. A escolha do lugar tem relação

com familiaridade com a língua ou, muitas vezes, conhecer alguém que viva no país. Robson Veiga, hoje um empresário do ramo de salão de beleza, vive há 11 anos em Lisboa, e inicialmente pensou que pelo país ter a língua portuguesa como oficial pudesse facilitar sua adaptação. Motivado por conhecer como era a vida na Europa, enfrentou muitos desafios até chegar a sua posição atual: “Minha ideia inicial era atuar como cabelereiro, mas na época como não era legalizado não consegui. Fui trabalhar para um restaurante, como ajudante de cozinha, mas nunca deixei de procurar trabalho na minha Sámela Rodrigues

Robson Veiga passou por grandes desafios antes de adquirir seu próprio salão de beleza.

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comportamento área, até que sete meses depois encontrei um salão onde consegui fazer um teste antes mesmo de perguntarem se eu era legalizado. Essa foi a minha sorte, pois até então não havia tido a oportunidade de mostrar meu trabalho.” Desde então, Robson sempre atuou como cabeleireiro até que conquistou seu próprio salão. Ele acredita que o maior desafio de morar no exterior é viver longe de sua família, amigos, sem conhecer ninguém.

Sámela Rodrigues

Agatha vive em Portugal há dois anos e escolheu estudar e trabalhar na área de estética.

Transformações Daiane Daldegan, que vive na cidade de Newark nos Estados Unidos, não pensava em trabalhar como garçonete quando se mudou para lá, porém, acredita que a mudança trouxe muitas transformações positivas para sua vida: “Quando tomamos a decisão de viver em outro país, é como se começássemos do zero. Isso nos agrega muito mais conhecimento. Cada dia é um novo aprendizado, nos estimulando a ter uma mente mais aberta e preparada para situações que são simples no dia a dia, mas em um outro país acabam se tornando desafios”, afirma. A paranaense resolveu ir para os Estados Unidos, pois parte de sua família já morava lá e viu que o país proporcionou a ela uma melhor qualidade de vida. O mesmo aconteceu com Agatha Cristina Veiga, de 17 anos, que decidiu morar em Portugal para estudar pois seu pai já vivia lá há algum tempo. Para ela, a mudança trouxe amadurecimento: “Viver fora muda tudo, né? Muda a cabeça, a forma de pensar, vemos as coisas de uma maneira mais aberta.” Agatha chegou sem saber que iria seguir a profissão de esteticista, mas hoje, dois anos depois de sua mudança, já está formada e trabalhando na área. “Sempre gostei

da área, mas não imaginava seguir essa profissão quando estava no Brasil, mas acredito que vai me acarretar muitas coisas boas para o futuro, porém penso em voltar a viver no Brasil.” Para a psicóloga relacional sistêmica Talita Mazziotti Bulgacov, a transformação pessoal depende do comportamento e da reação de cada pessoa: “Alguns aproveitam essas novas oportunidades para fazer novas aprendizagens e se desenvolver de maneira que ocorram essas transformações. Em outros casos, dependendo do padrão, a pessoa pode se fechar e não acontecerem mudanças. Por isso, acredito que a transformação vai depender do objetivo de cada um.” Para alguns, a mudança de país traz grandes guinadas na personalidade. Robson Veiga acredita que viver no exterior fez com que ele aprendesse a ser um cidadão, se preocupasse mais com a política, com o próximo, assuntos aos quais no Brasil, pela falta de segurança e situações corruptas

frequentes, as pessoas já estão acostumadas e acabam achando normais: “Para wwwmim, a maior mudança que o exterior me trouxe foi uma nova visão sobre o mundo, sobre o outro e também sobre mim mesmo, mudei completamente.” As mudanças podem ser tão grandes que muitas pessoas que saem do Brasil não querem mais voltar a viver lá. “Quero retornar apenas a passeio. Amo meu país, porém, aqui tive oportunidades que talvez jamais tivesse no Brasil. Aqui as portas se abrem quando você se esforça, as coisas acontecem. Hoje vivo em um país que me dá oportunidade de crescer mesmo não tendo nascido aqui”, afirma Daiane. Ainda que a pessoa tenha que voltar ao Brasil, leva muitos aprendizados, como é o caso de Jessica Mirely, que termina em breve seu intercâmbio na Espanha: “Acho que vou voltar com meu interesse por conhecer novos lugares, pessoas e culturas ainda maior, com uma vontade Jornalismo PUCPR Revista CDM

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comportamento Arquivo pessoal

Jessica Mirely aproveita o tempo livre de seu curso para conhecer lugares na Espanha.

bem grande de morar de novo em algum outro país, com a mente mais aberta e com uma aceitação muito maior para as adversidades da vida; Além disso, tive contato com pessoas de vários países e percebi que os estereótipos podem ser bem errados. E que nós, brasileiros, temos que melhorar em muitos aspectos.”

“Para mim, a maior mudança que o exterior me trouxe foi uma nova visão sobre o mundo, sobre o outro e também sobre mim mesmo, mudei completamente.”

Emily Luiza Furman Muchinski, de 20 anos, está estudando alemão em Berlim, e acredita que vai levar muitas coisas boas desta fase da vida: “Levarei muito aprendizado sobre a vida, amadurecimento e uma saudade imensa desse lugar, dos trens que nunca atrasam, das pessoas vestidas das formas mais inusitadas, da música nas ruas, dos parques e, principalmente, dos muitos amigos que espero um dia reencontrar.”

Robson Veiga, cabeleireiro.

Segundo a psicóloga Talita Mazziotti dependendo da forma que a pessoa lida com novas situações e

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mudanças, pode passar a enxergar a vida de outra maneira. “Se a pessoa tem um padrão de aproveitar cada nova oportunidade para aprender algo, pode passar a se comportar de maneira diferen-

te por ter novas experiências, por experimentar hábitos diferentes, por estar em uma cultura diferente, podendo assim usá-las para amadurecer e se desenvolver cada vez mais.”


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comportamento

TRÊS É DEMAIS? Há quem duvide que isso seja possível, mas enquanto alguns buscam a vida toda por um amor, outros têm o destino de conviver com mais de uma pessoa que desperta a sua mais intensa paixão, dedicação e todos os ingredientes necessários para um poliamor

Ana Carolina de Souza

“S

ou casada com um homem e nós dois nos envolvemos com a mesma mulher.” Foi assim que a estudante de Design Fabiana Furni, 20 anos, entrou no mundo da poligamia. Um relacionamento poliafetivo ou poligâmico é a prática de manter uma relação íntima simultaneamente com mais de uma pessoa por vez, com o consentimento de todos os envolvidos. Fabiana conta que, assim como ela, seu marido Yann também sempre sentiu vontade de ter um relacionamento com mais de uma pessoa, mas que isso não era bem recebido nos namoros antigos. “Somos livres para termos o relacionamento que quisermos com quem quisermos, e isso vale para os três”, diz. Em abril deste ano, a corregedora nacional de Justiça, a ministra Nancy Andrighi, assinou um documento remetido a todos os tribunais do país, dando a recomendação para que os tabelionatos brasileiros não registrem mais escrituras públicas declaratórias de união poliafetiva. “Considerando tratar-se de uma realidade fática relativamente recente na nossa sociedade, não houve

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inclusão de tal circunstância no ordenamento jurídico ainda. O que se percebe é que não há dispositivo legal no Código Civil, no Código Penal ou mesmo na Constituição Federal que proíbam as pessoas de manterem essa espécie de relação”, explica Thaís Braga Bertassoni, advogada especialista em Direito Civil e Teoria Geral do Direito. Esclarece, ainda, que existe uma proteção abstrata aos direitos do cidadão, como dignidade da pessoa humana, à liberdade de expressão, etc. A Constituição Federal, no art. 226 §3º e 4º, prevê que a união estável possa ser entre pessoas do mesmo sexo, mas não limita que seja entre apenas duas pessoas.

Origem

Antigamente, nossos ancestrais eram poligâmicos. Não havia monogamia, ou seja, o relacionamento exclusivo entre uma pessoa e seu respectivo cônjuge, sem abertura consensual para outro relacionamento simultâneo. A transição da cultura poligâmica para a cultura monogâmica, em nossa sociedade, se explica por vários fatores: crescimento populacional localizado promovido pela agricultura; prevenção do

infanticídio, hábito comum em nossa cultura antepassada; cuidado parental para sobrevivência da prole; e, recentemente, um artigo publicado na revista Science mostra que a monogamia pode ter sido estimulada pela prevalência das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), que teriam crescido com a estagnação da população humana promovida pela agricultura.

Ciúmes

“Fazia um mês que a gente estava ficando e eles me pediram em namoro, e eu aceitei. Aí iniciamos um relacionamento poliafetivo. Eu entendi melhor o que era e começou a ficar visível também: a gente sempre saia os três juntos.” João Pedro (nome fictício) se envolveu com um casal homossexual que tinha interesse em mais um companheiro. Porém, o desfecho da história não foi o esperado. “Depois de um tempo, eu acabei me aproximando mais de um do que de outro, então começou a complicar porque eles estavam casados fazia seis anos e eu estava entrando na vida deles. O que era para ser uma brincadeira acabou ficando sério, tão serio


comportamento

que eu me apaixonei mais por um do que pelo outro. Eu terminei com os dois, porque percebi que ia acabar estragando o casamento. Só que aí os dois se separaram e aquele por quem eu tinha me apaixonado se declarou para mim”, narra.

Aceitação

Assim como a estudante de Design, Marcos Mathias não contou sobre sua opção para seus familiares por medo de suas reações. Contudo, faz questão de compartilhar suas experiências com seus filhos. “Tenho dois

se saturando e se separaram. Passado algum tempo, resolveram tentar de novo. Nesta tentativa, cada um ficaria com uma pessoa antes de voltar um para o outro. “Ela ficou com alguém, eu fiquei com alguém. No outro dia,

“Somos livres para ter o relacionamento que quisermos com quem quisermos.” - Fabiana Furni

A maior dificuldade enfrentada pelos integrantes de um relacionamento poligâmico é ganhar a aceitação da família e dos amigos. Fabiana e Yann, casados há dois anos, decidiram se relacionar com mais uma mulher há pouco tempo. “Ainda não falamos com a nossa família porque temos um filho pequeno e não queremos ninguém colocando preconceito desnecessário na cabeça dele por enquanto. Pretendemos assumir isso quando tivermos o nosso lugar mesmo.”

filhos, e a eles já é falado bastante sobre o assunto, sobre como é bonito amar outras pessoas, que isso é natural, que não é errado. Errado é odiar, é querer o mal e não querer o bem.” Mathias foi casado por dez anos em um relacionamento monogâmico, e sua ex-mulher é bissexual, mas reprimia isso. O casal acabou

fomos conversar sobre o assunto, ela teve uma experiência ruim, eu tive uma experiência boa e quis continuar. E foi assim que começamos a pensar no assunto, procurar conhecer esse tipo de relacionamento.” Acabou que não deu certo, mas Mathias diz que a experiência foi necessária.

Acervo pessoal

Anne, Yann e Fabiana decidiram assumir um relacionamento poligâmico há pouco tempo. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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comportamento

As roupas falam

Conheça mais sobre a moda gênero fluído, que está quebrando o padrão de homens e mulheres Isabel Maria Santos, Matheus Urbano e Anna Pires

Q

ual é o seu gênero? Você é cisgênero, transgênero, agênero ou gênero fluido? Os questionamentos da vida sexual dominaram o guardaroupa. Com isso, a moda vive um momento de inclusão e se quebram as regras de masculino e feminino, a pluralidade domina e sobressai a moda agender, ou simplesmente sem gênero. O gênero está associado com qualidades socialmente reconhecidas como masculinas e femininas, ou até mesmo ambas. Esse sistema binário que é incapaz de compreender características sexuais de hermafroditos e intersexuais e defini-las de maneira precisa. É aí que surge o gênero fluido, que extingue todas as outras identidades e estabelece uma dinâmica entre homem e mulher. Ou seja, você pode se sentir mais homem em um dia e em outro, mais mulher. O designer e criador Luan Valloto passou a observar a moda sem gênero após elaborar uma linha de pesquisa e criação para seus produtos que seguem os conceitos do slow fashion, que tem como principal ideia que a roupa se torne uma peça autoral e atemporal. “Para prolongar a vida útil dessa peça, as pessoas têm me procurado para criar roupas assim, únicas, um consumo autoral, resultando em uma pegada ecológica mais leve para o

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produto”, justifica Valloto. Mas se você pensa que essa fluidez de gênero é algo novo, pode se surpreender. Um olhar mais observador do designer aponta as roupas usadas ao longo da história por gregos, romanos e japoneses tinham diferenças mais sutis até a Idade Média, quando surgem costumes de vestimenta mais definidos. O termo gênero passa a ser empregado de forma mais sistematizada após a Segunda Guerra Mundial com movimentos feministas fazendo distinção de masculino e feminino. “Então, surge a Teoria Queer, possibilitando mais do que o binarismo de gênero. A moda começou a falar sobre agender, unissex, gênero nulo, NOgender, andrógeno, entre outros há algum tempo. Com isso nascem marcas pelo mundo todo a desconstruir os muros entre os gêneros, que, para mim, são grandes limitantes das possibilidades criativas”, complementa o artista. O designer de moda Matheus Passos despertou o interesse por roupas denominadas femininas a procura de calças mais interessantes. “Sabia que nas araras femininas

encontraria cortes melhores, então comprei algumas. Depois de um tempo, fui começando a frequentar mais as araras masculinas”. A partir daí, ele partiu para acessórios, partes de cima, sobre-peças, além das saias e vestidos e se envolveu com o assunto. “Fiz minha primeira saia por não encontrar um bom comprimento que ficasse legal em mim, no momento que comecei a lidar diretamente com as diferenças de gênero e passei a buscar entender melhor essa relação”, explica. Para Valloto, uma possibilidade para o futuro seriam as batas. “Para mim, a roupa precisa ser prática e confortável, então peças longas, amplas como batas são uma possibilidade viável para o cenário que percebo”. Seja na bata, na saia, no masculino, no feminino ou no sem gênero, o importante na moda, assim como na vida, é se sentir confortável com suas próprias escolhas.

“Os gêneros são, para mim, grandes limitantes.” Luan Valloto, designer


comportamento

Famosos A moda genderfluid vem tomando não só espaço na mída como conta com famosos adeptos

Pedro Fernandes

Já nos dias de hoje, os mais famosos representantes da tendência são a atriz e modelo australiana Ruby Rose.. A estrela do seriado Orange Is The New Black, no ar pela plataforma de streaming Netflix lançou um curtametragem chamado Livre de Gêneros, que debate a identidade sexual das pessoas em que somente imagens ilustram o conflito. O também ator Jayden Smith, filho do ator americano Will Smith, já havia dado declarações sobre se identificar com o gênero fluido. Neste ano, a marca Louis Vuitton decidiu quebrar alguns padrões, colocando Jayden como modelo de sua coleção feminina.

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cotidiano

Domingo dia D O primeiro dia da semana pode ser o mais diferente de todos Ana Paula Rusycki Letícia Zan Renata Fernandes

D

omingo é considerado, ao mesmo tempo, um dia de descanso para a maioria da população, mas, também, o primeiro dia útil da semana. Muitos gostam de dormir e assistir a filmes. Outros já gostam de passear nos shoppings e nos parques na cidade, enquanto muitos preferem ir ao estádio de futebol ver o jogo do time do coração, ou até mesmo jogar bola com os amigos e fazer churrasco para a família. Há muita gente que prefere apenas ficar em casa no domingo. Lendo um livro, cozinhando, vendo televisão, ou então recebendo os amigos para uma confraternização. Existem também aqueles para quem o domingo é sagrado, e dedicam algum momento para participar de cultos religiosos. Para algumas pessoas, é apenas mais um dia comum de trabalho. Com certeza você, caro leitor, se encaixa em alguma dessas categorias, assim como boa parte da população mundial.

Trabalhar Para o feirante Osmar José Mordes, domingo não só é um dia de trabalho como também o mais

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proveitoso de toda a semana. “É o que mais dá lucro, acordamos às quatro da manhã para irmos para a feira e só voltamos para a casa umas três horas da tarde. O meu domingo é só na segunda-feira: é o único dia da semana em que consigo descansar.” Mordes trabalha fazendo feira de quinta a domingo. Nos demais dias da semana, ele cuida da chácara onde cultiva as frutas e verduras. “Domingo para mim é normal, como qualquer outro. Nos outros dias, eu praticamente não descanso. Tenho que cuidar da minha chácara e, dois dias por semana, fazer compras, para oferecer sempre um produto de boa qualidade para o cliente.” Lucas Teixeira também não tem folgas aos domingos, pois além de trabalhar no aeroporto nos fins de semana, ele costuma estar em eventos com bandas. “Faço direção técnica e também sou roadie há uns dez anos. Então, meus domingos eram sempre trabalhando com alguma banda em alguma cidade.” Quanto ao trabalho no aeroporto, Lucas afirma que tudo depende do dia, mas mesmo com o movimento mais tranquilo, é preciso estar atento, pois é um

dia cansativo não só para ele que está trabalhando, mas para as pessoas que viajam também. “Aos domingos, nossa malha aérea é reduzida, não temos todos os voos que costumamos ter durante a semana. Então, consequentemente, o movimento é um pouco menor, mas às vezes bem por ser reduzida é que os voos saem mais lotados, então depende muito do horário”, diz. Sobre o fato de ter que acordar cedo no domingo e trabalhar em um dia que é de descanso para a maioria das pessoas, Lucas afirma que já está acostumado com isso, mas que é sempre importante manter a calma e ficar atento. “Para mim, é um misto de ansiedade com cansaço, porque aos domingos é muita gente voltando para casa, seja um executivo que passou o final de semana com a família, ou um cara de passou com os amigos e está voltando para a rotina diária. Por isso, é o dia da semana que mais exige cautela da parte de quem trabalha. Qualquer coisa mínima que você diga errado no momento não propício o cliente pode acabar se irritando”, revela.

Dia de descansar Marcos Aurélio Duarte tem a sua


cotidiano

Ana Rusycki

Ana Rusycki

rotina muito parecida com a da maioria das pessoas que trabalham durante a semana e tem apenas o domingo como dia de descanso. “Trabalho de segunda à sexta, das 8 às 19 horas, e, aos sábados, das 9 até às 14 horas. Portanto, o único dia que tenho inteiro livre é o domingo, atípico. Costumo acordar mais tarde, almoçar fora, aproveito para ler um jornal e uma revista, passear em lugares mais tranquilos. Quando não saio de casa, aproveito para ficar com a família e descansar, assistindo à televisão ou navegando na internet.” Já para Dalila Classe, domingo é dia de agradecer pela vida e participar de cultos religiosos. “Meus domingos são sempre dedicados à igreja. Eu costumo almoçar com a família também, mas ir ao culto no domingo é sagrado. Até mesmo quando eu viajo, procuro uma igreja no lugar onde estou. Fui educada desta forma, e acredito que a semana fica melhor quando começa desta forma”, conta. Fábio Miranda tem, pode-se dizer, o perfil mais parecido com o da maioria da população no primeiro dia da semana. Quase todos os seus domingos são dedicados a assistir televisão e “fazer nada”. “Aos domingos, eu não costumo fazer nada interessante. Vejo televisão, principalmente quando passa jogo de futebol. Acho que é um dia preguiçoso. Por isso, é muito difícil eu sair de casa, prefiro recuperar as energias para enfrentar a semana que vai se iniciar”, diz.

Diferentes realidades vivem o domingo de diferentes maneiras.

Domingo é o dia de agradecer, mas também trabalhar, descansar e se preparar para a nova semana que começa. Pode ser atípico ou apenas normal: o importante é que seja apenas o começo de uma boa semana.

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saúde

A vida após o diagnóstico

Como as pessoas portadoras do vírus HIV lidam com sua vida nos dias de hoje? Matheus Urbano

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á 27 anos, o Brasil se chocou diante do diagnóstico do cantor Cazuza. Já combalido pela luta contra a Aids, a revista Veja publicou uma matéria com a manchete “Uma vítima da Aids agoniza em praça pública” causou muita discórdia e uma piora significativa no quadro do cantor pelo seu tom fúnebre. De lá pra cá, muita coisa mudou, o vírus parou de estar relacionado apenas ao público gay, os medicamentos ficaram muito mais eficazes e, com isso, a expectativa de vida aumentou. Reginaldo (ele preferiu omitir seu sobrenome) ainda se lembra quando recebeu a notícia de que era soropositivo, isso em 1994. Usuário de drogas injetáveis, dividia seringas e dessa maneira, acabou contraindo a doença. “Daquela época, foram muitos amigos que morreram e, por isso, eu me sinto hoje um remanescente”, afirma. Durante esses anos, Reginaldo já passou pelas mais diversas combinações de remédios para a última possível. “Uma hora elas acabam, né? Caso não der certo, o próximo tratamento é o injetável, o que é bastante difícil. Mas eu acho que agora vai dar certo.” Ele faz parte do grupo de apoio Rede Nacional de Pessoas Vivendo com Aids (RNP) que tem como missão realizar um trabalho de conscientização aos familiares e portadores da doença. “Aqui na ONG fazemos um trabalho de quebra de preconcei-

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tos e conscientização na adesão ao tratamento daqueles que pensam que o HIV não é mais perigoso, mas ele é sim.” Receber o diagnóstico quando se é tão jovem é uma surpresa, o youtuber Gabriel Comicholli, de 20 anos, que o diga, ele se descobriu portador do vírus após ir ao médico com uma suspeita de caxumba. Foi quando Gabriel resolveu criar um canal de vídeos onde ele documenta todo o processo pelo qual uma pessoa soropositiva passa e sobre todos os cuidados que devem ser tomados. “Quando resolvi fazer o canal sobre HIV, estava preparado pra muita coisa negativa e isso simplesmente não aconteceu”, revela. Quanto às mudanças de prioridades, ele é enfático ao afirmar que suas prioridades mudaram totalmente. “Era uma pessoa que não era nada ligada no quesito saúde e hoje vejo que minha vida é muito importante. Eu vi que usar camisinha é muito importante porque depois que

acaba virando o que virou, não tem mais volta.” No entanto, quando indagado sobre preconceito, o youtuber aposta na desconstrução e na diferenciação necessária entre HIV e Aids. “Tem que acontecer um trabalhinho de separar essas duas coisas, que o HIV é o HIV e a Aids é a Aids. As pessoas acham que ninguém mais pode beijar na boca, ninguém mais pode transar e isso é um mito”. Discursos assim já foram reproduzidos por Lucas Panek, de 22 anos, quando descobriu que o seu namorado, na época, era soropositivo. “Minha experiência com esse universo era apenas o show de horrores que a escola ensina pra botar medo nas crianças nas aulas de sexualidade. Então, quando ele me contou, minha reação foi bem negativa, do tipo de pirar com momentos em que ele me tocou, até de beijos que trocamos”. Arquivo Pessoal

Gabriel Comicholli decidiu documentar seu tratamento contra HIV através do YouTube


saúde

Apesar de tudo, a desconstrução foi um fator fundamental para que a relação prosseguisse. O estudante de Jornalismo hoje já não está mais namorando essa pessoa, mais afirma que enquanto estava com ele, aprendeu muitas coisas. “Aprendi que a própria comunidade nutre um grande preconceito com pessoas que são portadoras do vírus, pois o discurso é de acolhimento, mas quando um gay sai com um cara descobre que ele tem HIV fala mais alto que o encantamento pela pessoa”, afirma. Diferentemente de Lucas, Marcus* faz parte da estatística dos que vivem com a doença e a contraiu do companheiro. “Já estávamos numa relação de quatro anos, então nem usávamos o preservativo”. O parceiro de Marcus acabou sofrendo todos os efeitos colaterais do remédio, mas o momento mais critico veio em 2012, quando seu marido perdeu os dois rins, teve que fazer hemodiálise para sobreviver e, quando conseguiu um transplante não resistiu à cirurgia. Após a experiência, Marcus decidiu que não irá começar seu tratamento tão cedo. “Meu T-CD4 (linfócitos, células importantes para a defesa do organismo) é acima de uma pessoa que não tem HIV. Como eu não tenho relação afetiva e sexual com ninguém há muito tempo, e todas as que tive foram com proteção, não achei necessário começar o tratamento, pois me sinto bem assim.”

Tratamento Professora de Infectologia do curso de Medicina da PUCPR e coordenadora cientifica da Sociedade Paranaense de Infectologia (SBI), a doutora Rosana Camargo explica que o maior risco para contrair HIV continua sendo através das transfusões de sangue e sexo anal receptivo. “O maior risco é das transfusões, contato

sanguíneo ou através de indivíduos que são usuários de drogas intravenosas e partilham seringas. Esse risco diminuiu e essa forma de contaminação diminuiu significativamente pelo controle rigoroso que é feito nos bancos de sangue em relação à qualidade do sangue a ser transfundido, e o programa em que o Ministério da Saúde distribui para aqueles indivíduos que usam drogas injetáveis seringas descartáveis.”, explica. No entanto, mesmo com tanta informação, os índices da doença aumentaram entre a população jovem, com maior incidência entre jovens homossexuais entre 15 e 20 anos. “O preservativo hoje, deve fazer parte da nossa vida como qualquer outro objeto de higiene pessoal. Não precisa ficar guardado dentro das gavetas”, revela a infectologista. Por isso, há uma grande importância quanto ao diagnóstico precoce e a realização do teste no menor tempo possível. A médica ainda explica que ficou mais fácil fazer os testes para descobrir a doença. “Ele está disponível em centros de referência e orientação sorológicas, e aqueles indivíduos que querem fazer o teste em casa, podem fazê-lo, já que há o teste disponível em farmácias.” Quanto ao tratamento dos soropositivos, a doutora explica que o Brasil colocou como meta diminuir a carga viral da população “O Brasil adotou uma medida de tratar todos os indivíduos independentemente do número de células T-CD4 que tenham isso tem como objetivo diminuir carga viral da população em geral.” Mas as medidas mais eficazes pra prevenção continua sendo o sexo seguro e a PEP (Profilaxia Pré-Exposição). “Se (ingerido) nas primeiras 72 horas após ter uma relação sexual de risco, podemos evitar que o indivíduo se contamine”, conclui.

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coluna

Vamos falar sobre doação de órgãos É uma conversa séria e necessária. Todos os dias morrem pessoas por falta de informação e medo, e isso não pode mais acontecer Bruna Cavalheiro

S

ubiu em 41% o número de transplantes de órgãos no Paraná nos primeiros quatro meses do ano, em relação ao mesmo período de 2015, totalizando 196 cirurgias, segundo a Central Estadual de Transplantes

De acordo com os dados oficiais do Ministério da Saúde, de janeiro a junho do ano passado 4.672 potenciais doadores foram notificados, resultando em 1.338 doadores efetivos de órgãos em todo Brasil. O doador potencial

de conscientização. O assunto é tabu, as pessoas têm dificuldade de conversar, ler, entender o tema, e essa falta de interesse custa muitas vidas. Depois de mais de 50 anos do

A legislação prevê que a família decida se vai querer ou não doar os órgãos do familiar. do Paraná (CET/PR). O número é o novo recorde para o período, levando em conta toda a história do Sistema Estadual de Transplantes, implantado em 1995. Mesmo com o número de doações aumentando, duas mil pessoas ainda estão na fila para conseguir um órgão no Estado. A maior demanda é por rim, seguida por córnea, fígado e coração.

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é aquele paciente notificado com morte cerebral. Para ele se tornar um doador efetivo, os órgãos passam por uma triagem com o objetivo de analisar a aptidão da doação de órgãos do paciente. Além disso, a legislação prevê que a família decida se vai querer ou não doar os órgãos do familiar. E é ai que mora o problema, a maior dificuldade quando se fala em doação de órgãos é a falta

primeiro transplante de órgãos no Brasil, ainda são muitas as famílias que se recusam a doar os órgãos de um parente que teve morte cerebral. No ano passado, 44% das famílias não autorizaram o procedimento, a maioria porque não sabia se o desejo do ente querido era ou não ser doador. Como resultado várias outras pessoas que poderiam ter um novo recomeço, perderam suas vidas na fila por um transplante.


coluna

Todo ano os órgãos governamentais criam campanhas de conscientização sobre o assunto, falam sobre o tema e imploram para que as pessoas também conversem sobre ele. É difícil falar sobre doação de órgãos, porque para maioria ela mostra nossa limitação diante da vida, apresenta ao ser humano a realidade de que ele não é eterno e que precisa pensar se quer fazer a diferença para alguém quando não estiver mais aqui. É difícil? Sim, muito. Falar para sua mãe, seu pai, seus irmãos, seu esposo que quando você se despedir da vida quer que seus órgãos sejam doados para outra pessoa é complicado, todo mundo sabe que vai morrer um dia, mas não para e pensa no

assunto e muito menos separa um tempo para conversar sobre isso. Mas se formos analisar com cuidado, falar de doação de órgãos não é dar protagonismo à morte, mas à vida, e o dom que ela tem de transcender. Todos nós vamos embora um dia. Não está ao alcance de nossas escolhas mudar isso, mas uma parte de nós ser responsável por permitir que outra vida seja prolongada está ao alcance uma escolha, a nossa. De acordo com o Ministério da Saúde, os órgãos que podem ser transplantados são o coração, o fígado, o pâncreas, os rins e os pulmões. Tecidos e células, como

córneas, válvulas do coração, ossos, pele, sangue, medula óssea e cartilagens também podem ser doados. Outra alternativa é realizar a doação em vida. Essa possibilidade só é aceita pela equipe médica em último caso, já que, dessa forma, o procedimento envolve duas vidas. Órgãos como o rim e partes do pulmão e fígado podem ser doados. Além disso, é possível realizar em vida a doação de sangue, medula óssea e pele.

Saiba mais

Infografia: Caroline Paulart Jornalismo PUCPR Revista CDM

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cultura

Booktubers

Canais sobre literatura no YouTube fazem sucesso entre jovens e adolescentes e se tornam uma espécie de rede que une leitores de todo o país Texto: Verônica Alves Diagramação: Marjorie Coelho

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vida e amor ao lado do pior cão do mundo” é o que diz a tradução do título original do livro que sua irmã pegou emprestado de uma amiga e trouxe para casa naquele dia. A história, um relato real da vida do jornalista John Grogan e seu labrador, foi a responsável por prender o pequeno Bruno Miranda, então com 13 anos, às mais de 300 páginas e mostrar-lhe um novo mundo de possibilidades. Foi em meio às travessuras do cachorro Marley que o menino percebeu o real poder de um livro, como diziam seus professores, e, então, ler tornou-se muito mais do que uma tarefa de casa. “Na escola, nós tínhamos que ler o livro e fazer algum trabalho ou resumo, mas nem sempre eu terminava porque boa parte dos livros não me interessava. Então, essa foi a primeira vez que eu comecei a ler e fiquei empolgado com a história. A partir daí, passei a ler muito”, ele relembra. Depois de Marley & Eu, mais de 200 livros já passaram pelas mãos de Bruno, que agora, aos 19 anos, reúne-se a milhares de outros jovens que, assim como ele, usam

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a ferramenta de sua geração, a internet, para compartilhar, ampliar e discutir suas descobertas literárias. Surgidos há cerca de cinco anos, os chamados canais literários formam uma espécie de rede que, por meio da literatura, une leitores de todo o país. Criados originalmente, em sua maioria, apenas para complementar conteúdos veiculados em sites e blogs dedicados ao assunto, os canais se tornaram a plataforma principal de seus idealizadores para publicar resenhas, críticas e tags literárias. “Depois que fiquei viciado em livros, vi que eu não tinha muitos amigos para falar sobre livros na vida real com a mesma empolgação que eu tinha. Então, comecei o Minha Estante. Era só um blog, mas no ano seguinte passei a publicar vídeos e o canal cresceu ainda mais que o blog e decidi focar apenas nele”, Bruno explica. O que ele chama de Minha Estante é hoje a estante de muitas outras pessoas, contando com mais de 125 mil inscritos e quase 6.9 milhões de visualizações.

“Há dez ou 15 anos, quem falava sobre literatura era quem tinha acesso à chamada grande mídia e, no caso de crítica literária, era uma dúzia que ditava que era bom e o que não era. Essa disseminação de vozes é importante porque, aparentemente pode parecer algo anárquico, mas já dizia Nietzsche: é do caos que nascem as estrelas”, aponta Otto Leopoldo Winck, professor e doutor em Teoria Literária pela UFPR. Para ele, as possibilidades trazidas com as novas tecnologias contribuem para a transformação do consumidor, que não mais apenas consome, mas também passa a produzir conteúdo e, ao mesmo tempo, incentivar tal produção. “Eu já era leitora assídua de alguns blogs literários e foi por meio de alguns deles que cheguei aos vídeos. Depois de ver vários e perceber que só minha opinião nos comentários não era o suficiente para matar minha vontade de falar, refleti: por que não fazer também?”, lembra Bruna Camargo, criadora do Papo de Estante, outro canal que, desde 2012, dedica-se a falar exclusivamente sobre literatura.


cultura

Bruno Miranda, é criador do canal Bubarim, no Youtube, este ano lancou seu primeiro livro, AzeItona, uma história que fala sobre relacionamentos familiares.

Divulgação Jornalismo PUCPR Revista CDM

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Arquivo pessoal

cultura

Bruna Camargo, 25 anos, criadora do Papo de Estante, canal literário com quase 30 mil inscritos.

Além do Hobby Se ganhar dinheiro produzindo vídeos para o Youtube já é tarefa difícil para quem mantém um canal diversificado, abordando os mais variados temas, conseguir tornar financeiramente rentável um conteúdo direcionado para um nicho específico parece ainda mais complicado. “Mesmo dentro de uma comunidade de leitores, muitas vezes falar de livros dá menos audiência do que falar de outras coisas. O maior exemplo disso são as próprias resenhas que, em um mesmo canal, costumam ter menos visualizações do que os outros vídeos”, relata a paulistana Bruna, de 25 anos, que apesar de ter o maior orgulho do hobby que, aliado à sua paixão pelos livros, influenciou na decisão de não exercer a profissão de bacharel em Ciência da Computação e iniciar o curso de Letras, nunca teve pretensão de viver da renda de seu canal literário.

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A despeito das dificuldades de conseguir um bom rendimento com as visualizações dos vídeos, com um público que se mostra em desenvolvimento crescente, isso pode acontecer em decorrência da publicidade externa gerada por eles. Uma vez que as editoras não encontram muito espaço para a divulgação de livros menos populares em veículos de comunicação de massa, a mídia espontânea criada por esses canais torna-se uma boa saída. “Quando falam sobre literatura na mídia tradicional, é quase sempre a chamada mainstream ou casos isolados de muito sucesso. Blogueiros e vlogueiros são a alternativa mais viável e acessível às editoras. E dá bons resultados”, explica Walter Tierno, escritor e editor da Giz Editorial. Além disso, para aqueles que não só são apaixonados pela leitura, mas também pretendem se tornar autores, estar presente e ser seguido na internet, seja no Youtube

ou em outras redes sociais de compartilhamento, tem se mostrado um diferencial. Segundo Tierno, o fato de um autor já ter um público formado é uma vantagem importante, apesar de não ser decisiva, para a publicação. O escritor Danilo Leonardi, de 29 anos, fundador do Cabine Literária, um dos primeiros e maiores canais exclusivos de literatura no país, sabe muito bem disso. Em 2013, Danilo tinha apenas a ideia do que seria o seu primeiro livro, Por Que Indiana, João?, lançado pela Giz em 2014, quando a editora manifestou interesse pela obra. “Tive muito medo de não conseguir terminar, porque eu era escritor de contos. Nunca tinha levado um romance até o fim. Felizmente, acabou dando tudo certo”, diz ele. O mesmo aconteceu com Bruno, que foi procurado pela Editora Planeta e viu seu sonho de publicar um livro ser realizado em maio deste ano, com o lançamento de Azei-


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tona, um romance inusitado, que narra a história de dois colegas que fingem ser um casal de pais adolescentes para participar de um reality show. Aposta de muitas outras editoras atualmente, o lançamento de livros escritos por “youtubers” não se limita a ficções e aos canais literários, e divide opiniões entre leitores, críticos e profissionais da área. Emplacando livros entre os best sellers, a prática é vista por alguns como uma medida questionável, focada estritamente no retorno financeiro. Em contrapartida, os mais sensatos defendem que esses títulos podem ser a porta de entrada para novos leitores e

que os recursos dessas publicações viabilizam a venda de livros de menores tiragem ou escritos por autores não tão conhecidos. “É uma contradição porque costumam falar que o brasileiro não lê e que ninguém compra livro, mas, quando uma obra de autoajuda estoura, por exemplo, criticam. O mesmo pessoal que quer o mercado editorial mais fortalecido, com mais leitores, critica a venda desses livros”, resume o professor de literatura João Amálio Ribas, que dá aulas para o ensino médio, e, assim como Winck e tantos booktubers, acredita na democratização da leitura e da escrita.

youtube.com/ DaniloLeonardi Nesse outro canal, Danilo comenta sobre diversos assuntos, como filmes, séries e relacionamentos.

A literatura nas escolas João Amálio Ribas O grande problema em relação à leitura hoje no Brasil não está no leitor e nem nos livros. Está no meio do caminho, na ponte, nos difusores. Temos professores de Literatura muito ruins. Precisamos que eles sejam apaixonados pelo que estudam e capazes de fazer constantemente uma atualização de seu conhecimento literário para perceber que ele pode dialogar com a realidade do aluno. Quem faz isso percebe que Game of Thrones tem tudo a ver com Tolkien, que tem tudo a ver com A Divina Comédia, de Dante Alighieri, que por usa vez está ligado a Odisseia, de Homero. Conhecer o universo dos jovens e adolescentes é uma obrigação dos professores desse público e isso não significa que precisamos nos curvar a ele. Não precisamos ler Harry Potter no ensino médio para deixar todo mundo feliz ou pedir a leitura do livro da Jout Jout como avaliação bimestral. Mas podemos mostrar a eles que o mesmo universo mágico e místico de Harry Potter pode ter semelhanças com Guimarães Rosa e que os vídeos da Jout Jout sobre gêneros podem ter links com obras de outros autores, como Caio Fernando Abreu, por exemplo.

vídeos humorísticos que

Aplaudo os livros de youtubers, os de autoajuda, os esotéricos e os religiosos, porque é a vendagem dessas obras que dá respiro ao mercado editorial e permite que as editoras publiquem também autores que vendem 5 ou 10 mil exemplares. Sou favorável, não para que nós nos curvemos e abandonemos os clássicos, mas para que sigamos esses caras e prestemos atenção ao que eles falam para, então, traçar pontos entre tudo isso e capacitar os nossos alunos para ler e entender qualquer tipo de literatura.

misturam vlogs e esquetes.

youtube.com/ Bubarim Além do Minha Estante, Bruno também produz

Mestre em Estudos Literários pela UFPR e professor de Literatura do Ensino Médio e Pré-vestibular. Jornalismo PUCPR Revista CDM

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cultura

Vozes e sons da cena local Artistas da música curitibana compartilham as perspectivas do momento da produção independente da cidade

crédito: Fabrício Calixto

Fabrício Calixto Gabrielle Russi Vinícius Frank Vaz

O jazz da cantora Jenni Mosello é destaque em Curitiba.

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cultura

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oi batucando em um balde e inventando letras sobre sua casa e seu cotidiano que, na Itália, uma garotinha de 2 anos começou a perceber sua sensibilidade para a música. Mais tarde, essa menina, agora com 21 anos, é uma cantora de jazz de destaque na cena musical curitibana. Jenni Mosello nasceu aqui, mas com apenas dois meses foi morar em Roma, cidade natal de seu pai. Lá viveu até os 10 anos, quando sua família decidiu voltar para o Brasil atrás da realização do sonho de iniciar um negócio próprio. Em um país diferente daquele onde cresceu, teve dificuldades e demorou a se adaptar. Enxergou na música um escudo, o seu mundo. Um lugar onde não importava o que acontecesse, ela podia ser ela e se sentir protegida.

Foi atrás de um produtor, produziu seu primeiro single, e logo depois seu primeiro EP. Ela se apresentou com o Queen Symphonic, na Ópera de Arame, e ela viu que tinha chegado seu momento. Trancou a faculdade e hoje se dedica a seu verdadeiro amor: a música. Hoje é um exemplo de ascensão e da força da cena independente. Já participou de quase todos os projetos e festivais dedicados a músicos da cidade. Lançou seu primeiro single pelo projeto #bomdiacuritiba da página da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), e foi destaque de visualizações.

Jenni considera Curitiba uma cidade muito receptiva. “O legal de Curitiba é que todo dia tem algum evento cultural, relacionado a arte. Os curitibanos anseiam por coisas diferentes.” Com uma produção ampla e diversificada, tem atrações para todos os gostos e públicos. E, pelo visto, tem espaço para tudo. “O meu maior medo quando lancei o EP era saber se as pessoas iriam gostar, afinal meu estilo é diferente e eu canto em inglês. Mas eu tive uma recepção muito boa, pessoas cantando minhas músicas no show de lançamento e dizendo que buscam e gostam de conhecer artistas locais. Eu fico

“O legal de Curitiba é que todo dia tem algum evento cultural, relacionado a arte. Os curitibanos anseiam por coisas diferentes.”

Sentada em um pequeno café, o mesmo aonde vinha quando mais nova para compor – localizado no bairro do Batel, em meio - Jenni a livros, ao som de jazz como música ambiente –, ela conta um pouco sobre sua carreira, ascensão e fala da cena local. “Minhas maiores influências são os cantores antigos de jazz, por isso que escolhi esse lugar para a entrevista, ele me inspira.”

Mosello, cantora.

Incentivada a ter o sonho como hobbie, decidiu estudar Psicologia na PUCPR, mas levava o curso em paralelo com sua banda de jazz cover. Era um trabalho profissional, mas faltava alguma coisa; ela não se sentia completa. “Eu amo cantar jazz, mas fazer minhas músicas é diferente, falar sobre mim, minhas angústias, críticas, vontades e desejos. Eu sentia falta de cantar minhas composições, lançar meu trabalho autoral.”

O primeiro show autoral foi pelo projeto Mais Música, da É-Paraná, e lotou duas sessões no auditório do Museu Oscar Niemayer. Ano passado, se apresentou na Corrente Cultural, e mesmo com chuva, lotou as Ruínas e fez o público dançar. Deu entrevistas a quase todas as rádios da cidade que têm algum programa voltado a artistas locais. “Eu me joguei e entrei de corpo e alma, testei muitas coisas e corri atrás dos meios que achava que iriam me ajudar, afinal não tem uma apostila ou um manual a se seguir, depende de você. Consegui fazer meu primeiro EP e vendi mais de 1.000 cópias sozinha, sem nem mandar pra lojas”, conta.

muito feliz que a cidade se valoriza. Afinal, sempre fui uma pessoa que buscou conhecer e ouvir artistas daqui e, ‘sem querer querendo’, acabei virando uma”, disse. Para Igor Cordeiro, superintendente da Fundação Cultural de Curitiba, há um enorme avanço do ponto de vista técnico e da qualidade. “Vivemos um momento tão positivo quanto vivemos no início da década de 1990, com uma cena um pouco mais pesada, underground.” Para ele, esse panorama se beneficia do fato de ela se organizar pela internet e que a possibilidade de construir com o poder público uma parceria, para identificar esses artistas, tem lhes dado maior visibilidade. “Isso está fazendo com que consigam Jornalismo PUCPR Revista CDM

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cultura

projetar melhor seu trabalho. Há uma produção de muita qualidade, mas é importante que o país reconheça que nós somos hoje uma cena pujante. Eu vejo que há uma possibilidade de explodirmos”, afirma. As pessoas já estão ocupando as ruas para vivenciar a cidade, o próximo passo é criarem o hábito de conhecer e consumir o que é produzi do aqui. “Eu sempre digo que as pessoas podem cantar os seus refrãos da vida com produções feitas em Curitiba, porque qualidade temos de sobra”, declara Cordeiro. CENÁRIO MÚLTIPLO A musicista Mariele Loyola, locutora dos programas Geração Mundo Livre e Acústico Mundo Livre, dedica seu trabalho ao cenário independente. Para ela, a diversidade das bandas curitibanas é gigante. Temos desde o death metal extremo, alguns

grupos conhecidos e respeitados no mundo inteiro, passamos pelo pop, hardcore, nova MPB, o folk, o blues e vamos até o psychobilly (também considerado um dos melhores do mundo). “Cada estilo tem seus destaques. Muitos são até melhores do que é considerado de melhor qualidade no mercado nacional. Nossa infelicidade é não conseguir chegar com força e respeito na grande mídia”, declara. Enraizado na cultura popular afro-brasileira, o grupo curitibano Molungo é fruto de uma união firmada há cerca de oito anos atrás, em meio a ritmos compassados e à cultura do Maracatu de Baque Virado (ou Maracatu Nação) – ritual religioso essencialmente calçado em origens africanas. Seis amigos, de uma formação inicial, se identificaram com um mesmo propósito: criar, pesquisar e compor canções inspiradas na cultura e no ritmo popular tupiniquim.

O grupo Molungo tem influência na cultura popular afro-brasileira.

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Do baião ao coco, do samba ao rap, do maracatu ao nayabing, o Molungo promove verdadeiras festas dentro do palco, empoderadas pelo ritmo harmônico e sinérgico dos batuques, violões, vozes e guitarras que vestem cada show do grupo e promovem um “contágio” dançante facilmente contraído pelo público. Com tanta raiz e personalidade assim, não demorou muito para o grupo ganhar notoriedade na mídia local e até mesmo fora do Brasil. Atualmente, o Molungo ostenta um portfólio interessante, tendo seu trabalho lançado, no caso dos discos, e suas pesquisas divulgadas em mais de 20 países, além de ser considerada uma grande revelação no circuito de bandas independentes de Curitiba. FESTIVAIS INDEPENDENTES A proliferação da linguagem sonora multicultural do grupo


cultura

Cauê Menandro, um dos percussionistas e vocalistas do grupo Molungo, explica que eventos de rua, como a Corrente Cultural e o Expressões Curitibanas (cerimônia que abrigou nosso bate papo) permite idas e vindas de diferentes tipos de pessoas, de idades e gostos diferentes. Que, de repente, “por estarem de bobeira por ali”, podem conhecer e se engajar em um novo tipo de som – fora do espectro midiático e digital. “Se você pegar um palco em um lugar como este, nas ruínas, em pleno domingo, onde tem gente passando de tudo que é lado e de outros lugares, inclusive, só vem a acrescentar para nós.” Para o superintendente da FCC, Igor Cordeiro, o cenário da música curitibana vive um bom momento e a criação de shows ao vivo e gratuitos tem contribuído positivamente para que os artistas que produzem música autoral possam se aproximar do grande público. Loyola acrescenta que esses festivais geram maior visibilidade e acesso aos músicos. “Eu, como produtora de eventos, de programas especiais para artistas independentes nacionais e locais, espero que por meio desses palcos a céu aberto, as pessoas parem para ouvir o que nossos artistas têm a dizer, que se identifiquem.

Descubram que a grama do vizinho (as bandas de fora) só é mais verde (melhor) que a nossa, por prestarmos mais atenção nela”, declara. Além disso, o segmento não depende exclusivamente de holofotes e estruturas montadas em pontos estratégicos, partindo unilateralmente de iniciativas culturais e específicas do ramo. Dificilmente um grupo independente se elabora sozinho: é uma tarefa colaborativa, que ganha tom e forma com a ajuda de outros profissionais que compõem a cena local. “Acredito que o próprio movimento entre os artistas, como festas de produções próprias durante o dia, em um local que tenha um gramado, por exemplo, estejam abrindo os caminhos por aqui”, conta Menandro. A exemplo, Luciane Alves, vocalista do grupo Braseiro e entusiasta de festivais independentes de rua, marca presença em todos os eventos que pode frequentar. A artista não comparece somente por obrigação – quando sua banda é atração confirmada no palco –, mas também vai como espectadora, como fã, como admiradora da cena. Ela ainda atenta para o choque cultural que as apresentações promovem durante as horas que se expõem ao público. “Tem todas as minorias sendo representadas ali. Acho que é bem característico desse mosaico musical que a gente tem. Nós não

crédito: Gabrielle Russi

Molungo é realçada pelo cenário arejado e convidativo que os festivais a céu aberto proporcionam a bandas do gênero, em Curitiba.

Luciene Alves busca frequentar festivais ao ar livre.

temos necessariamente o ritmo curitibano, ou a cara. Estamos passando por isso agora, e, por isso, acho que temos que ter mais espaços para sermos valorizados”, analisa. O mercado é amplo e está ganhando visibilidade. Nossos músicos têm potencial para ganhar o Brasil, o mundo. Não tem uma fórmula de sucesso, é necessário se arriscar. Jenni considera que as coisas deram certo para ela porque colocou a cara a tapa, sem medo de errar. “Pensava assim: na pior das hipóteses, eu estou passando vergonha. Mas, ainda assim, fazendo o que gosto. Eu acredito que para se conseguir realizar os sonhos, basta querer e ter muita vontade. Temos tantos exemplos de pessoas que são bem-sucedidas, então quem sou eu para dizer que não posso ser cantora.”

Confira as playlists no Spotify

Jenni Mosello http://bit.ly/jennimosello

Molungo http://bit.ly/grupomolungo

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economia

Negócio arriscado Os food trucks são o negócio do momento, mas atenção: mesmo importantes para a economia, eles têm vida útil Lucas Ramos e Álvaro Lunardon

Lucas Ramos

A principal característica dos food trucks é a mobilidade.

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nvestir no negócio do momento parece ser a solução para sair da crise, mas, para prosperar, e evitar fechar as portas em pouco tempo, é preciso estar preparado para um mercado saturado, como o de food trucks. A febre do momento, no Brasil, são os Food Trucks. São caminhões que substituem restaurantes, vendendo diferentes tipos de comida onde estacionam. A cada momento aparece um diferente,

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com outra opção de alimento e em outro canto da cidade. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), metade dos restaurantes brasileiros fecha em três anos, e para isso não acontecer com seu estabelecimento a dica é: tenha um diferencial. É o que acredita Rafael Schreiber, organizador da Caravana Food Truck, um parque que reúne di-

ferentes caminhões, no Bacacheri. “O que tem segurado os clientes é a estrutura, o grande investimento e o fato de toda semana ter um evento temático diferente.” O parque oferece espaço para crianças, música e áreas cobertas, assim como o tema do evento muda toda semana. Os caminhões também têm uma rotatividade. Assim, o cliente sempre tem opções diferentes no cardápio.


economia

Planejar é importante para não esgotar as novidades. O investidor conta que tem os temas semanais prontos para dois meses e reforça a ideia. “Você nunca pode apresentar tudo de uma vez para o cliente. Sempre tem que ter uma carta na manga, um entretenimento, como música ao vivo.”

Opinião econômica Muitos negócios abrem e rapidamente fecham. Isso é bem comum no meio da gastronomia, mas o mestre em Economia Caio Bittencourt explica que, para obter sucesso, e manter as portas abertas, são necessárias várias maneiras de atrair o cliente e

pequena. Bittencourt afirma que, apesar de ser ruim fechar um negócio, há vezes em que é necessário cerrar as portas para não ter mais gastos do que receitas. Diz ainda que os negócios temporários, de certa forma, são saudáveis para a economia local. “O abre e fecha faz com que empreendedores sempre renovem suas idéias

“praticamente metade dos estabelecimentos que abrem, tem uma vida útil. ” - Caio Bittencourt, mestre em economia.

O parque fica na Rua Holanda 1.750 e conta com telões, com futebol às quartas-feiras, música, shows, conforme o evento da semana, espaço com brinquedos para crianças e áreas aquecidas e cobertas.

instiga-lo a voltar ao seu estabelecimento. Esses investimentos são considerados de risco, pois a chance de darem certo muitas vezes é

e façam algo diferente, além disso, praticamente metade dos estabelecimentos tem uma vida útil. Vendo por outro ângulo, isso é bom e faz a economia girar.”

$ - 50% fecha em três anos $ - 150 veículos em Curitiba $ - Investimento médio R$ 50 a 70 mil

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Quase faltou braço pra trazer

tantos

troféus pra

Mas trouxemos casa.

mesmo assim. O Curso de Jornalismo da PUCPR é o grande campeão do 20º Prêmio Sangue Novo, com 18 trabalhos premiados. Parabéns a todos que participaram desta conquista!

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