Revista Primeira Mão 153, dezembro 2018

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dezembro 2018 - ano XXIX

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do novo

sĂŠculo


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Materialidades ensaio fotogrรกfico Beatriz de Paula

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Primeira Mão Revista laboratorial produzida pelos alunos do 6º período do curso Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes)

A

revista Primeira Mão traz para você uma edição especial reunindo um conjunto de temas que pautaram as discussões da sociedade durante o segundo semestre deste ano. A eleição de 2018 foi um dos acontecimentos que marcaram a vida do Brasil e trouxeram assuntos importantes, como a influência da religião nas questões e políticas de Estado e as formas de comunicação contemporâneas, que combinam as interações na internet com as presenciais. Nesta edição, que ganha versão digital e impressa, também lançamos nosso olhar sobre a história recente do país e fomos analisar os 30 anos da Constituição de 1988, um dos marcos da redemocratização do Brasil depois de um longo período de ditadura militar; e os 30 anos do Sistema Único de Saúde (SUS), que assegurou o acesso universal à saúde para os brasileiros. Ainda no tema Saúde, fizemos reportagens sobre questões que preocupam principalmente os jovens, como as doenças psicológicas. Também abordamos a necessidade da preservação ambiental como meio de assegurar qualidade de vida para todos. Como forma de reconhecer e promover a importância da Cultura e do Esporte, tratamos também desses dois temas, nos quais procuramos evidenciar suas transformações e desafios, buscando vislumbrar seu futuro próximo, com foco especial para o estado do Espírito Santo. Tudo isso para que se perceba não somente a importância, mas a necessidade de uma atenção especial que cada uma dessas dimensões merecem ter, considerando a necessidade de políticas públicas e de envolvimento da sociedade na promoção de ações que auxiliem na valorização e no desenvolvimento para que todos se beneficiem. Compreendemos que esta seja uma das funções sociais do jornalismo: possibilitar a difusão do conhecimento e provocar a reflexão. Desejamos uma boa leitura!

Equipe Alice Soares, Ana Carolina Favalessa, Ana Luiza Dias, Andressa Ventura, Artur Meireles, Beatriz de Paula, Bernardo Oliveira, Carmen Oliveira, Cecília Miliorelli, Daniel Pasti, Daniel Santiago, Israel Magioni, Iury Demuner, Lucas Santos, Nicolas Rodrigues, Marcus Freire, Mariana Cristina, Matheus Galvão, Paula Romanha, Reinaldo Fonseca, Sthefany Duhz, Vinícius Viana, Vinícius Nery e Yvena Plotegher. Editores Lucas Santos & Yvena Plotegher Diagramadores Marcus Vinicios & Vinícius Viana Professora orientadora Ruth Reis

@revistaprimeiramao

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SUMÁRIO 08

BARREIRAS NA PONTE Combate aos efeitos de um problema que exige ser enfrentado como um todo

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OS DOIS LADOS DA MOEDA

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HOMEM SENSATO SE CUIDA

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AO LADO DA PREVENÇÃO

Homossexuais impedidos de doar sangue se sentem discriminados

Riscos e preconceitos na prevenção do câncer de próstata

No ES, a detecção de AIDS caiu 10% e a taxa de mortalidade, 19,6%

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SUS 30 ANOS Conquistas e desafios do maior sistema público de saúde do mundo

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DIVÓRCIO SUSTENTÁVEL Casal que se separa em Colatina ajuda a preservar o meio ambiente

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MÃES DE ANJOS Mães se unem para compartilhar luta pelos direitos de filhos com microcefalia

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O MAL DO NOVO SÉCULO

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30 ANOS DE CONSITUIÇÃO VIDA SAUDÁVEL É POSSÍVEL O desafio de viver bem em meio a tanta correria, estresse e cobranças

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL

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MODA SUSTENTÁVEL

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CANUDINHOS BANIDOS

Projeto Tamar promove consciência ambiental há quase 40 anos

Marcas capixabas aderem a processos e produtos ecologicamente corretos

O uso de canudinhos de plástico está proibido em todo o Espírito Santo

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PARQUES URBANOS

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RELIGIÃO E POLÍTICA

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NA REDE OU NO BOTECO

Opção de lazer para relaxar e se distanciar da agitação da cidade

Os limites de uma relação histórica em confronto permanente

Direita, esquerda, centrão, coxinha, fascista, petralha. Política bomba nas rede

67 e 98

ARTIGO


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ACESSO À INFORMAÇÃO Após seis anos da LAI, abertura de dados ainda é desafio

MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO

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O VINIL ESTÁ DE VOLTA

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MC CAMPEÃO Cesar MC detaca a importância do rap produzido no ES

Menos emprego, mais flexibilidade

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HORA DA VIRADA Insatisfeitos com a profissão buscam outros caminhos

ESTAGIÁRIO TAMBÉM É GENTE Direitos e deveres no começo da vida profissional

COISA DE RICO? Aplicações financeiras deixam de ser privilégio de poucos e alcançam os jovens

70 INVESTIMENTO EM ESPORTE E CULTURA

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YES, NÓS TEMOS CINEMA O crescimento e as dificuldades do cenário audiovisual capixaba

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POR TRÁS DAS ANIMAÇÕES

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MAESTROS POR TRÁS DO ESPETÁCULO

O SOTAQUE CAPIXABA Particularidades inscritas na fala cotidiana revela nossas raízes

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DEIXA O BRASIL DANÇAR Grupo de dança Andora resgata cultura para o Brasil e o mundo

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AS BRUXAS VOLTARAM Filosofia naturalista recupera ancestralidade dos ciclos da mulher

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ESTÁDIOS EM EXTINÇÃO Parte da história do futebol capixaba se perde com demolição do Joaquim Calmon

O vai e vem do apoio oferecido pelo Estado

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Aumento da demanda por LPs tem crescido ao redor do mundo

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FUTEBOL DESCONTRAÍDO A pelada sobrevive no coração de quem curte o esporte mais popular do planeta

Filmes infantis trazem informação e ajudam a entender questões complexas

Os desafios de quem promove cultura

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CELEBRIDADES Novos nomes da cultura e do esporte ganham projeção local e nacional

56 e 78

CRÔNICA

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ESPORTES ELETRÔNICOS EM ALTA 7


BARREIRAS CONTRA A instalação de barreiras de proteção na Terceira Ponte parece uma saída para conter os transtornos no trânsito, mas os problemas de saúde mental da população começam antes Desde 2000, já foram registradas 441 tentativas suicídio na Terceira Ponte, que liga os municípios de Vitória e Vila Velha, no Espírito Santo, de acordo com dados do Governo do Estado. Em condições normais, o tráfego de veículos é intenso

tratados como resíduos da sociedade, no processo de modernização do país, e como ameaça à ordem pública. Apesar dos avanços conquistados ao longo do tempos nos indicadores clínicos, epidemiológicos e de organização

vida. Mas essa proteção não estaria operando apenas em cima dos efeitos da insuficiência de políticas públicas efetivas para a saúde mental no país? Segundo a Agência de Regulação dos Serviços Públicos do ES (ARSP), responsável pela

e nessas ocorrências, a comoção popular, somada à tentativa de conter a consumação, provoca o congelamento do fluxo de automóveis. Com o objetivo de amenizar o problema, estão em fase de consulta pública quatro alternativas de barreiras de proteção a serem instaladas na ponte. Tal medida se caracteriza como dispositivo de controle das consequências, já que a questão é de saúde, e exige ações de prevenção. Os transtornos psicológicos começaram a ser objeto de intervenção no Brasil desde a chegada da família real, em 1808. Os doentes mentais durante muitos anos foram

dos serviços voltados aos cuidados públicos de saúde mental, a verba destinada aos centros de assistência aos transtornos psicológicos é escassa. Em novembro de 2018, o Governo Federal suspendeu recursos aos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Aliadas à invisibilidade das doenças mentais na sociedade brasileira, todas as demais dificuldades no trato dessa questão invocam o questionamento da eficácia das barragens na Terceira Ponte, no Espírito Santo. A medida tem como objetivo reduzir as possíveis paralisações do trânsito no local e o número de atentados contra a

instalação, as barragens devem conter os impactos promovidos pela paralisação do trânsito local. Os estudos para a instalação visam a proteção dos usuários e à funcionalidade e ganho de qualidade estética para a ponte. “O principal objetivo da barreira de proteção é proporcionar segurança aos usuários, diminuir as incidências de atentados contra a vida e minimizar os transtornos para a mobilidade. Além disso, promover o mínimo de impacto na visibilidade para preservação das belezas paisagísticas e potencial turístico capixaba”, informa em nota a ARSP. Ainda de acordo com a

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A INSUFICIÊNCIA Agência, após a consulta pública para definir o tipo e o custo das barreiras de proteção, o governo estadual decidirá, até o final de 2018, entre as opções escolhidas para licitar, com previsão de instalação de até seis meses.

De acordo com a Polícia Militar do Espírito Santo, a interdição da Terceira Ponte em casos de atentado contra a vida funciona como ganho de tempo para o indivíduo retornar à racionalidade, oxigenar o cérebro e compreender a existências de outras alternativas além de uma definitiva. Doutora em Psiquiatria, professora do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Maria Carmem Viana argumenta que as barreiras podem auxiliar na prevenção dos atentados contra a vida. Entretanto, também é fundamental o aprimoramento das atuais polí-

ticas públicas de saúde mental. “Toda vida é relevante. Então, a restrição de acesso a determinados lugares e formas de prevenção devem ser tomadas. Com o bloqueio, é possível impedir casos mais impulsivos”, comenta. “Existe, na verdade,

fissionais de saúde da família nas unidades básicas”, propõe. No longo caminho de combate à psicofobia - preconceito contra doentes mentais - é necessário promover intensos debates e apoio às vítimas de transtornos psicológicos. Vale a

PSICOFOBIA NÃO!

texto VINÍCIUS VIANA

No Brasil, a expressão é atribuída ao preconceito contra indivíduos diagnosticados com problemas ou deficiências mentais. Na tentativa de combater essa realidade, o Projeto de Lei do Senado nº 74, de 2014 objetiva a alteração do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 para tipificar o crime contra as pessoas com deficiência ou transtorno mental. A pena prevista no projeto é de 3 anos para quem praticar injúria contra pessoas com transtorno mental.

uma insuficiência de assistência. Muitos pacientes não conseguem marcar consultas de forma rápida, comprometendo o tempo de latência no atendimento”, continua a professora. Maria Carmem Viana analisa o atual cenário psiquiátrico nacional e acredita que é vital fortalecer o trabalho dos agentes de saúde, ambulatórios e Centros de Apoio Psicossocial (Caps). “No Brasil, é necessário investir em equipes para dar conta de atender e prevenir abusos mais comuns, por exemplo, depressão e alcoolismo. Também acredito na necessidade de atenção primária, aplicando e equipando os pro-

pena conversar com parentes, amigos ou conhecidos que estão enfrentando crises depressivas e procurar ajuda especializada. Para obter atenção gratuita, é possível entrar em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), pelo número 188, ou o Departamento de psicologia da Ufes, pelo telefone (27) 4009-2509. *Nas redes sociais da revista Primeira Mão, você também pode conferir uma lista de outros locais na Grande Vitória que disponibilizam atendimento psicológico de baixo custo.

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MAL DO NOVO SÉCULO

texto ALICE SOARES & MATHEUS GALVÃO Saúde mental é um assunto cada vez mais em evidência. De acordo com dados oferecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil lidera o ranking de incidência do transtorno de ansiedade e depressão e apontam que 11,5 milhões sofrem de depressão e 18,6 milhões são ansiosos crônicos. Dentro deste panorama geral, um grupo se destaca: estudantes, sejam eles do nível médio, superior ou pós-graduação. Esta situação é responsável

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por um alto índice de abandono dos cursos e de suicídio nos ambientes acadêmicos. Um levantamento feito pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) aponta que cerca de oito em dez universitários já sofreram de algum transtorno de ansiedade ou depressão. Para a doutora em Psicologia Tammy Andrade Motta a instabilidade e a baixa expectativa em um ambiente pouco acolhedor e

infértil são as principais causas para o agravamento dessa situação. “O fato de as dificuldades mentais ou emocionais ainda não serem reconhecidas e, pelo contrário, serem desacreditadas ou consideradas irrelevantes frente às questões de saúde física ou às demais problemáticas sociais”, acrescentou. A estudante de Medicina Martha Tironi que sofre de problemas psicológicos devido à pressão dos estudos, con-


ta que as crises tiveram início desde o pré-vestibular. “As cobranças excessivas e a sobrecarga de matérias perdura até hoje na universidade, o que só piorou meu quadro de ansiedade”, afirmou. Para ela, as instituições deveriam ter centros de apoio e promover ações voltadas para a saúde mental do aluno. “Acredito que as escolas e universidades devem perceber o aluno não como uma máquina pensante ou como apenas um estudante, mas sim como um ser humano que tem falhas, problemas pessoais e estresse”. A pesquisa da Andifes também aponta que 6% dos alunos relataram ter ideias de morte

e 4% já tiveram pensamentos suicidas. Para que esse fator diminua, a universidade terá que reconhecer que o problema existe e que a saúde mental é um pilar para os seus universitários. “Além de criar um ambiente de a c o l h i mento para os(as) alunos(as), é necessário compor espaços de discussão e projetos que promovam a conscientização do

problema e da importância de se reconhecer a responsabilidade social”, destaca Tammy.

milhões de brasileiros

18,6 11,5 são ansiosos são depressivos

procure ajuda! Centro de Valorização da Vida (CVV) - Ligue para 188 Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)- (27) 31325111 Serviços Residenciais Terapêuticos em Cariacica (se informar no número) - 0800-61-1997 (Disque Saúde) Unidades Básicas de Saúde com especialidade em Saúde Mental, em Vitória (se informar da unidade mais próxima no número) (27) 3382-6759

DA UNIVERSIDADE PARA TODOS: Núcleo de Psicologia Aplicada (NPA): Na Ufes, alunos de Psicologia que já estão finalizando o curso atendem à comunidade, priorizando pessoas de baixa renda. São oferecidos quatro tipos de serviço, Psicodiagnóstico, Terapia Individual, Terapia em Grupo e Orientação Vocacional. Telefone para contato: (27) 4009-2509 Departamento de Atenção à Saúde (DAS): A Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas da Ufes (Progep) oferece, prioritariamente aos servidores, atendimento individual com psicólogos contratados. Serviço de Atendimento Psicossocial: A Pró-Reito-

ria de Assuntos Estudantis e Cidadania da Ufes (Proaeci), por meio da Divisão de Assistência Estudantil (DAE), oferece três psicólogos para atender estudantes da universidade e, se preciso, encaminhá-los para outros profissionais. São atendidas cerca de 200 pessoas por mês em consultas individuais ou em grupo. Telefone para contato: (27) 3145-4587. Projeto AMORtecer: A Universidade Vila Velha (UVV) oferece, aos alunos de Medicina, o Projeto Amortecer. Por meio dele, um psicólogo e um psiquiatra apoiam os alunos, se disponibilizando para consultas e conversas. Além disso, o projeto promove cine-debate, palestras, yoga e meditação. 11


transto r n o psicoló s na sala gicos de aula A sala de aula se torna, muitas vezes, um ambiente hostil para os estudantes. Prazos curtos, atividades avaliativas e trabalhos acadêmicos podem gerar uma pressão que reflete diretamente no adoecimentos mental dos alunos. Formada em Letras desde 2014, a professora e mestra Lorena de Araújo iniciou, simultaneamente, o mestrado em Letras e uma nova graduação em Jornalismo no ano de 2016. Por se sentir a cada dia mais estressada e insegura, Lorena procurou um psiquiatra e recebeu o diagnóstico: transtorno generalizado de ansiedade e depressão. “Foi uma junção de fatores na minha vida, mas a universidade contribuiu bastante para a acentuação desses quadros. Quando eu precisava fazer prova da graduação e um artigo do mestrado numa mesma semana era algo extremamente estressante. Prejudicou muito minha saúde mental”, lembra.

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Lorena comenta, também, sobre o curto período de duração do mestrado e a pressão sentida pela necessidade de concluir uma dissertação em apenas dois anos. “A gente acha que é pouco tempo para desenvolver um estudo. Há o fator dos prazos, ficando aquela sensação de que a gente não conseguiu fazer de fato a dissertação da forma como planejou. Somado a isso, vivenciei o bloqueio da escrita também. Houve um período que fiquei quase dois meses sem conseguir escrever nada”, disse. Hoje, Lorena finalizou o mestrado em Letras, se dedica à carreira de professora e está retomando a segunda graduação. Para ela, a maior dificuldade para a maioria dos estudantes é conciliar a vida acadêmica com outras atividades já realizadas. Na graduação a situação se repete. O estudante de Estatística da Ufes João Victor

Uliana sofre diariamente com transtornos psicológicos. “A faculdade tem uma grande porcentagem de culpa dentro do espectro de fragilização da minha saúde mental. Já até vomitei de ansiedade por conta disso”, pontua. Seu curso de graduação, pautado em cálculos complexos, acaba ocasionando dúvidas e dificuldades que refletem em notas abaixo da média e reprovações. “O nível de reprovação na Estatística é altíssimo e o coeficiente de rendimento de todos os alunos é baixo, o que gera uma vulnerabilidade muito grande porque, por mais que você se esforce, é muito difícil se sair bem e isso é muito frustrante”, ressalta. Na contramão de um sistema educacional considerado despreocupado com a saúde mental dos estudantes, alguns professores fazem a diferença com a realização de aulas que visam o bem estar emocional


dos alunos. Um deles é José Antônio Martinuzzo, docente do Departamento de Comunicação Social da Ufes. Em suas aulas, o professor - que também é psicanalista - costuma abrir espaço para que os alunos desabafem sobre questões pessoais e acadêmicas que os afligem. O docente comenta que a sua metodologia de aula é livre. Nela, todos têm o poder da palavra e podem questionar sobre as temáticas apresentadas. “É como se eu transferisse para a sala de aula a técnica clínica psicanalítica da associação livre, ou seja, falar sem amarras sobre o que nos ronda, de modo a produzir um saber que nos pareça pertinente”, contou. Para ele, a sociedade como um todo está marcada pelo individualismo e pelo consumismo, situação que causa uma angústia cada vez maior para aqueles que se sentem desamparados, grupo em que, muitas vezes, se enquadram os estudantes. Assim, ressalta que criar um ambiente em que os alunos se sintam valorizados é um caminho para contornar essa situação. O diálogo também é apontado pelo professor como um fator importante que rompe medos de uma juventude aprisionada pelo seu meio social. Em sala de aula, ele exercita a linguagem e amplia o campo simbólico juntamente com os universitários. “Falar é libertar-se para viver com a dignidade que nossa potência de humanidade propõe”, finalizou.

Falar é libertar-se para viver com a dignidade que nossa potência de humanidade propõe” José Martinuzzo, professor

Banner da estudante de Design da Ufes Suellen Ferraz, no banheiro feminino do prédio Cemuni IV, conscientiza sobre a ansiedade dos universitários.

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oos doiiss la lados da m mooeeddaa Ministério da Saúde proíbe homens que fizeram sexo com outros homens nos últimos 12 meses de doar sangue texto CARMEN OLIVEIRA & YVENA PLOTEGHER No ano passado, quando o publicitário Rafael Frizzera e o namorado tentaram doar sangue para sua avó, que ia realizar uma cirurgia, eles passaram por uma situação lamentável. “Nós tínhamos um relacionamento monogâmico há mais de três anos. Eu nem cheguei a entrar para a sala de doação, mas meu namorado na época sim e ele saiu quase chorando de lá. A médica deu a entender que, mesmo que ele doasse, o sangue ia ser descartado por constar na ficha que ele era gay”, ele lembra. Entre as normas de doação de sangue no Brasil está o veto para homens que tiveram relação sexual com outras pessoas do mesmo sexo, na portaria 2.712, de 12/11/2013 do Ministério da Saúde. “Art. 64. Considerar-se-á inapto temporário por 12 (doze) meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo: IV – homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes”.

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A decisão é polêmica, no entanto, defendida fortemente pelo Ministério da Saúde, que alega basear-se em dados científicos que demonstram que a taxa de prevalência de HIV entre homens que fazem sexo com homens é maior do que a média da população no geral. Segundo uma pesquisa realizada pela instituição em 2016, o Brasil tem atualmente cerca de 900 mil pessoas vivendo com HIV (0,4% da população), mas apenas 85% destas são casos notificados. Houve um alarmante aumento dos casos de HIV/Aids entre homens gays no país, sobretudo entre jovens. A pesquisa avaliou 4.176 homens que se relacionam sexualmente com outros homens em 12 cidades, sendo que 3.958 (90,2%) passaram por testes de HIV. No resultado geral para todas as regiões, 18,4% dos resultados deram positivo. O número encontrado numa pesquisa similar feita em 2009 foi de 12,1%. A Revista Primeira Mão foi conversar com a diretora técnica do Hemocentro do Estado do Espírito Santo (Hemoes), Rachel Costa. Ela explicou que


o comportamento homossexual não é risco, o que é risco são múltiplas parcerias sexuais” - Gabriel Lorenzoni, estudante

não há nenhum cunho de preconceito ao não se aceitarem as doações de homossexuais, apenas considerações de dados estatísticos. “A gente respeita a legislação. Por enquanto as nossas leis ainda não mudaram, mas em alguns países isso tem se transformado em situações específicas”. Ela acrescenta que todo o sangue doado passa por testes antes de chegar ao seu destino final. “Nas amostras sorológicas, a gente testa algumas doenças: HTLV, HIV, Hepatite B, Hepatite C, citomegalovírus, sífilis, doença de chagas e malária. O sangue ainda passa por outro tipo de teste, o NAT, que é feito por uma tecnologia mais avançada no Hemorio”, diz a diretora. Se todo o sangue é testado, por que ainda há a restrição aos homossexuais? Rachel menciona que, mesmo com os testes, existe o risco da chamada “janela imunológica”, período no qual o teste é não reativo e a pessoa apresenta a infecção, com possível contaminação do receptor deste sangue. “Se a gente tem ciência de que existe um risco aumentado e mesmo a despeito de toda a tecnologia hoje aplicada nos testes sorológicos, a gente tem que fazer uma triagem não só nesse tipo de comportamento como em outros hábitos que elevam o risco de transmissão de doenças, que é o que a gente não quer”, ela afirma. O estudante de medicina Gabriel Lorenzoni aponta que a portaria está ultrapassada, ao partir do princípio de que não existem mais grupos de risco,

existe comportamento de risco. “O comportamento homossexual não é de risco, o que é risco são múltiplas parcerias sexuais. Então, a mesma pergunta que exclui o heterossexual, deveria excluir o homossexual”. Essa restrição é motivo de frustração para muitos homossexuais que se dispõem e têm condições físicas para doar sangue, mas se veem proibidos por causa do veto. Rafael Frizzera diz que isso o faz sentir-se impotente. “As pessoas afirmam que eu estou em um grupo de risco, só por uma característica minha. Tenho que sofrer com preconceito de todos os lados, inclusive do Estado”.

STF julga norma

Em outubro de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar as normas da Anvisa e do Ministério da Saúde que autorizam hemocentros a rejeitar doações de homens gays sexualmente ativos. Segundo a proposta do Partido Socialista Brasileiro (PSB), a restrição é preconceito, pois já existe um critério relacionado ao contágio de doenças sexualmente transmissíveis. O relator, ministro Edson Fachin, julgou as normas inconstitucionais, uma vez que que elas impõem tratamento não igualitário injustificável. Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux também se manifestaram de maneira favorável ao pedido. Porém, o julgamento está suspenso desde 25 de outubro de 2017 por pedido de vista antecipada do ministro Gilmar Mendes.

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Homem sensato cuida da saúde Eis que novembro se colore de azul, alertando para os cuidados que o homem deve ter com a saúde

texto DANIEL SANTIAGO Após a campanha do Outubro Rosa, que busca conscientizar as mulheres sobre a saúde feminina e a prevenção ao câncer de mama, o mês seguinte deu espaço para que a saúde do homem também recebesse a devida atenção. O Novembro Azul é uma campanha criada pelo “Instituto Lado a Lado pela Vida” que, inicialmente, visava alertar a população masculina sobre a importância da detecção precoce do câncer de próstata. Acontece que a campanha ganhou adeptos, evoluiu e passou a chamar a atenção não só para a doença, mas para todos os cuidados com a saúde masculina. O urologista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Márcio 16

Maia Lamy explica que não há como evitar a doença, mas alguns hábitos podem diminuir as chances de ela aparecer. Alimentação saudável e exercícios físicos são fundamentais, enquanto o fumo e o consumo exagerado de álcool são desaconselhados. Em todo caso, o importante é descobrir a doença o quanto antes. “Com a detecção precoce, a chance de cura do câncer de próstata passa de 90%”, informa o médico. Os sintomas mais comuns da fase inicial da doença estão relacionados a problemas na urina, como dificuldade em começar e terminar de urinar, diminuição do jato de urina ou presença de sangue nela, mas esses mesmos sintomas podem indicar outros problemas na próstata,

como Hiperplasia Benigna da Próstata (aumento do órgão) e Prostatite (inflamação). Tabu A meia idade, aproximadamente compreendida entre os 40 e os 55 anos de idade, é a fase da vida em que os homens precisam começar a redobrar os cuidados com a saúde, só que isso não vem acontecendo. Márcio Lamy atribui a baixa procura de homens nessa faixa etária por profissionais de saúde ao fato de esse ser o período de maior produtividade em relação a trabalho e sustento da família. Desse modo, os cuidados médicos acabam ficando em segundo plano, dando lugar a outras preocupações. Para o psicólogo Adriano


Jardim, o machismo é a causa principal da baixa procura dos homens por exames preventivos. Por isso, defende que toda ação de combate ao machismo contribui diretamente para diminuir a rejeição ao procedimento. “O fato de o exame ter um caráter invasivo contribui para uma menor adesão. E, claro, existe o tabu da masculinidade. Muito homens sentem-se atingidos na sua masculinidade pelo exame envolver o toque retal”, pondera. Além disso, ele também acredita que os preconceitos acerca do tema são reforçados, em grande medida, por piadas que circulam entre os homens. “Acho que as campanhas e as ações de saúde deveriam tentar atingir exatamente esse nicho, discutindo diretamente os conteúdos das piadas e tentando reverter o preconceito veiculado nessas piadas e brincadeiras”, avalia Jardim.

ta que homens brancos. Por esse motivo, devem iniciar os cuidados mais cedo que a maioria, aos 40 anos. Além disso, quem possui parente próximo (pai, irmão, tio) que já tenha sido acometido pela doença também está no grupo de risco, tendo grande possibilidade de desenvolvê-la.

Câncer de Testículo A rapaziada mais jovem também tem de ficar atenta aos cuidados com a saúde. Quando se trata de câncer de testículo, a incidência maior da doença está naqueles com idade entre 15 e 35 anos. Ele aparece como um nódulo indolor no testículo e, daí, o tumor evolui. Márcio Lamy aqui destaca a importância do autoexame na detecção precoce da doença, assim como no câncer de mama. O médico explica que esse câncer está relacionado com a descida dos testículos para a bolsa escrotal, que deveria ocorrer até os dois anos de Fique esperto Um estudo de 2008, da idade. Quando esse procesUniversidade de Bristol, In- so não se dá normalmente, glaterra, concluiu que os ho- há 10 vezes mais chance de o mens negros têm chances câncer de testículo aparecer. três vezes maiores de desen- Traumas e doenças crônicas volverem câncer de prósta- na região também estão en-

tre os fatores de risco. Além disso, homens inférteis são mais suscetíveis a ela. Detectando o câncer de próstata O primeiro passo para investigar o câncer de próstata é o exame de toque retal, que deve ser feito anualmente por homens a partir de 45 anos de idade. Nele, o médico introduz uma luva lubrificada no reto para apalpar a próstata e verificar alterações de tamanho, forma e textura. Se verificada alguma dessas alterações, o médico urologista, que é o reponsável por esse tipo de tratamento, irá receitar um exame de sangue específico que medirá a quantidade de uma proteína produzida pela próstata chamada Antígeno Prostático Específico (PSA, do inglês Prostate-Specific Antigen). Níveis altos dessa proteína podem indicar tumores malignos, mas também tumores benignos. Caso esses dois procedimentos indiquem alterações na normalidade do órgão, finalmente é feita uma biópsia, na qual pequeninos pedaços dele são retirados para serem analisados em laboratório.

Casos de Câncer de Próstata 68.220 novos casos em 2018 (66,12 casos novos a cada 100 mil homens) Fonte: Instituto Nacional de Câncer (Inca)

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AO LADO DA PREVENÇÃO texto ANDRESSA VENTURA & VINÍCIUS NERY Há 30 anos, o dia 1º de dezembro foi instituído como o Dia Mundial da Luta Contra a AIDS. A data, escolhida em uma assembleia que reuniu a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU) em outubro de 1988, tem como objetivo conscientizar a população sobre a patologia que registrou, em 1990, quase 10 milhões de infectados no mundo. Diante de uma população alarmada e mal informada sobre a doença - até então pouco conhecida e estudada, o encontro pautou questões como o apoio e a solidariedade às pessoas que portavam o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Naquele ano, os casos de AIDS notificados no Brasil somavam 4.535 pessoas, de acordo com dados do Ministério da Saúde (MS). A AIDS é uma doença causada pelo HIV que enfraquece o sistema imunológico, deixando a pessoa mais propensa a outros tipos de enfermidades, como câncer e infecções

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oportunistas. Em muitos casos, o vírus em si não causa sintomas. Entretanto, se não houver tratamento, a imunidade será comprometida e no decorrer dos anos a AIDS se desenvolve. Dário Coelho, de 42 anos, é assistente social e descobriu sua sorologia aos 27, quando já estava doente de AIDS, e relatou que passou por algumas dificuldades ao saber do diagnóstico. “A família no início não soube lidar por conta do medo e da falta de informação, mas com o tempo tudo se ajeitou e hoje a gente vive muito bem”, conta. O assistente social ainda destacou a influência do estigma social no reforço do preconceito e da discriminação. “As pessoas têm a ideia de que a AIDS é uma doença suja. O estigma fomenta o preconceito. É preciso desconstruir o estigma para evitar o preconceito e a discriminação, é preciso falar mais de HIV, AIDS e DSTs”, disse. Dário, que hoje está com carga viral indetectável, já foi representante da Comissão Nacional de AIDS do Ministério da Saúde e da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV. Segundo recente levantamento feito pelo MS, nos últimos quatro anos houve a redução de 16,5% na taxa de mortalidade pela doença no


Cariacica entre os 100 mais do Brasil país, que foi tecnologias mais O município de Cariacica está em 79º entre os de 5,7 moravançadas para 100 municípios do Brasil com mais de 100 mil habites por 100 a prevenção a tantes com o maior índice composto de infecção de mil habitaninfecção pelo víHIV/Aids, de acordo com dados do Boletim Epidetes em 2014 rus, como a Promiológico de Aids do Ministério da Saúde. É o único para 4,8 óbifilaxia Pré-Exdo Espírito Santo nessa lista, que leva em conta inditos em 2017. posição (PrEP) e cadores como a taxa média de detecção de Aids na Em contraa Profilaxia Pós população geral nos últimos três anos; taxa média partida, um Exposição (PEP); dado preocude mortalidade na população geral, entre outros. além de ampliar o pante: o núacesso ao diagnósmero de jovens tico precoce e ações gays entre 15 e específicas para popu19 anos com HIV lações-chaves para restriplicou entre 2006 posta ao HIV. e 2015, passando de 2,4 para 6,9 para cada 100 mil Principais meios de habitantes nesta faixa etária. transmissão No Espírito Santo, a queda Se não for tratado, o HIV na detecção do diagnóstico de de contaminação, e a maioria pode ser transmitido através de AIDS foi de 10% e a taxa de mor- dos casos novos (70,8%) acon- relações sexuais sem o uso de talidade diminuiu 19,6% entre tecem entre homens de 15 a 29 preservativo, já que a maior con2014 e 2018, de acordo com anos. Quando a pessoa tem o centração dele está no sangue, dados da Secretaria de Estado diagnóstico precoce e inicia o no sêmen e nos fluidos vaginais. de Saúde (Sesa). Nos 32 anos tratamento imediatamente, é Outra forma de transmissão é de cadastro, foram registradas possível reduzir a transmissão através de transfusão de sangue 14.470 mil pessoas soropositi- sexual”, disse Sandra. contaminado, ou até mesmo com vas no estado, e dos casos reO Brasil é apontado pela ONU o compartilhamento de seringas, gistrados em 2017, 74,5% eram como referência mundial no agulhas, ou outros materiais corhomens. A coordenadora Esta- controle da AIDS. No país, 92% tantes usados por pessoas infecdual do Programa de Infecções das pessoas em tratamento já tadas. A mulher infectada pelo Sexualmente Transmissíveis atingiram estado de carga viral HIV também pode passar o vírus (IST) e Aids da Sesa, Sandra indetectável, e essa conquista para o feto na gravidez, no parto Fagundes Moreira, relata que se deve ao fortalecimento das ou durante a amamentação, se a falta de proteção durante as ações que ampliaram a oferta não fizer a prevenção da transrelações sexuais é o grande fa- do melhor tratamento dispo- missão vertical - da mãe para o tor para o contágio do vírus, e nível para o HIV, como o uso filho. Porém, existem medicaque o número de jovens infec- do medicamento Dolutegravir. mentos que podem reduzir a 1% tados é alarmante. “O sexo sem Hoje, o SUS coloca à disposição o risco de transmissão do vírus camisinha é a principal forma da população as estratégias e nesses casos.

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SUS

E

m 5 de outubro de 1988, o Brasil comemorava a aprovação, no Congresso Nacional, da nova Constituição, que garantia, não só a liberdade política e o direito de manifestação, negado por anos durante a ditadura militar vigente no país de 1964 a 1985, mas também o direito à saúde gratuita, pública e de qualidade, através do Sistema de Único de Saúde (SUS). O objetivo era atender as necessidades da população de um país com as marcas da desigualdade social, do desemprego e da hiperinflação. 30 anos depois, o SUS, que ainda hoje é o maior sistema público de saúde do mundo, é considerado bem sucedido, embora ainda careça de investimentos e ampliação. “O SUS é uma das mais importantes políticas de inclusão social deste país. É um sistema baseado em valores como solidariedade, igualdade e equidade. É um sistema generoso, que acolhe e cuida de 200 milhões de brasileiros.” Essa afirmação foi feita pelo atual secretário de Saúde do Estado do Espírito Santo, Ricardo de Oliveira, durante discurso feito em junho deste ano, em comemoração aos 30 anos do SUS. “Quem acompanha o SUS pela mídia, vai achar que o sistema não funciona. Infelizmente, a nossa cultura midiática maximiza as falhas e minimizar os acertos”, criticou o secretário. A dona de casa Alzira Barrelo, de 57 anos, observa que há diferenças entre a qua20

30 anos conquistas e desafios texto NICOLAS RODRIGUES lidade e rapidez no atendimento prestado em Vitória e no interior. “Em Cachoeiro, você tinha que acordar de madrugada e ficar na fila da unidade de saúde para conseguir a senha e depois ser atendido. Em Vitória é outra realidade. O agendamento facilita demais. Você não precisa ir no postinho pegar senha, você só vai no postinho no dia da consulta!”, analisa Alzira. O agendamento é feito pela internet, no portal da Prefeitura de Vitória. Ela nunca precisou usar muito o SUS para exame especializado.

do maior sistema público de saúde do mundo “Meu uso é mais rotineiro e sempre fui atendida sem nenhum problema”, afirma A jornalista Patrícia Garcia Neves está grávida de sete meses de um menino, e realiza seu pré natal pelo SUS. “Como minha gestação é de baixo risco, me consulto com minha médica da família na Unidade de Saúde que atende meu bairro. Lá, eu também tomei diversas vacinas necessárias devido à gestação (gripe, hepatite B, antitetânica e outra), faço os exames de sangue [incluindo os exames rápidos de DSTs, que é protocolo médi-


os dedos não melhoraram e voltaram a inchar, porém me deram o mesmo diagnóstico. Voltei uma terceira vez, contestei e falei que o diagnóstico estava errado. Depois disso, me encaminharam para a reumatologia e então fui diagnostica com Artrite Reumatóide”. Por causa da demora no atendimento e do diagnóstico errado, Lana, que tem 31 anos, teve sequelas, tendo perdido parte do movimento da mão direita. Akira Onuma/fotospublicas.com

Despreparo e sucateamento “Não só ultrapassado como machista e muitas vezes cheio de erros gravíssimos. A assistência dada à população sem informação é terrível. Se você não tiver como recorrer a uma segunda opinião, a saúde do paciente é colocada em risco com consultas que não duram nem 20 minutos e médicos que mal olham para a cara do paciente,” desabafa co para gestantes e parcei- reu quando voltei do Espírito uma usuária que preferiu ros], e recebo os suplemen- Santo e consegui tratar obe- não ser identificada. Ela entos vitamínicos e remédios sidade de grau dois pelo SUS, frenta problemas por cauque preciso. O SUS também diz Lana que perdeu em um sa de um exame de mama e cobre alguns outros exames, ano e meio cerca de 53 kg. um diagnóstico errado feito como ultrassonografias”, in- Ela também contou com ou- por um ginecologista, e aleforma Patrícia, que, desde tros serviços do SUS como ga também lhe ter sido negaa conclusão da faculdade, os de nutrição e psicologia: do uso de DIU como método contraceptivo. nunca mais recorreu aos “Me ajudaram Muito!” planos de saúde. Mas Lana também teve Já a estudante de mestra- uma triste experiência com SUS: Atualidade X futuro Para a professora do Dedo em Mídia e Tecnologia, o SUS: “Uma vez eu estava Lana Salvador, moradora com os dedos da mão direita partamento de Enfermade Botucatu, São Paulo, que muito inchados e, no Pronto gem da Ufes, Marluce Mecursou Publicidade e Propa- Atendimento, fui diagnos- chelli de Siqueira, os planos ganda na Ufes, faz consultas ticada com reação alérgica de saúde têm atuado para o pelo SUS quase toda sema- por causa de picada de mos- enfraquecimento da saúde na e, por isso, tem muitas ex- quito. Eu voltei depois de pública no país: “Esta ameaperiências. “A positiva ocor- umas três semanas porque ça existe de todos os lados, caracterizada pelo sucatea21


mento que temos assistido no SUS. Existe um enorme interesse no nosso sistema de saúde, pois é um grande mercado que, historicamente, foi dominado por grupos que monopolizavam e querem voltar a monopolizar a saúde pública brasileira. Ou seja, os interesses privatistas e suas relações com o poder público são nossa grande ameaça”, critica Marluce, que também é docente do Mestrado em Saúde Coletiva da Ufes.

O professor do Departamento de Pós graduação em Saúde Coletiva da Ufes Adauto Emmerich compartilha da mesma opinião e cita outros aspectos. “O problema é desde alguns médicos com sua conduta antiprofissional até o governo federal que não investe como deveria”, afirma Adauto, que. apesar das possibilidades, não acredita numa possível privatização do SUS. De acordo com ele, os planos não aceitariam arcar com procedimentos de

Adauto Emmerich Oliveira

O SUS vem de uma discussão política no campo da saúde”

A luta pela saúde para todos A ditadura militar, instaurada em 1964, não só cassou o direito à livre manifestação e de reunião de ativistas antissistema, como também retirou direitos básicos da população com o direito à liberdade, ao trabalho digno e à saúde. Com o golpe militar, as discussões sobre as “Reforma de Base”, que incluía a reforma sanitária, foram silenciadas a força bruta. Formado em Odontologia,

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o professor do Departamento de Pós graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Espírito Santo, Adauto Emmerich Oliveira, foi um dos ativistas da longa jornada do movimento pelo direito à saúde no Brasil. O professor era presidente do diretório estudantil do Centro Biomédico da Ufes (Atual Centro de Ciências da Saúde), quando participou da Semana de Saúde Comuni-

tária, em Londrina, Paraná, em 1977: “Esses movimentos que a gente participava funcionavam como um campo de informação política sobre questões de saúde no qual eu me inseri. O SUS vem de uma discussão política sobre a saúde”, lembra Emmerich. “Não eramos motivados apenas por questões ideológicas ou por simples vontade de copiar os sistemas de saúde públicos como há na Europa, mas pela necessidade da população”, afirma, ponderando que, durante a ditadura, boa parte da população não tinha acesso a serviços de saúde no país. Somente os trabalhadores com carteira assinada conseguiam atendimento: “O camarada que estava desempregado, não seria atendido. Hoje não! O sistema é universal. O desempregado, mesmo com todas as dificuldades econô-

FIla em hospital durante a Ditadura Militar. Foto/Reprodução


3 0 lugar

2 lugar 0

1 0 lugar

{ O tempo de espera para atendimento é demorado

{

{

24%

Faltam recursos financeiros para o SUS

15%

Má gestão do SUS por parte dos responsáveis

12%

Faltam médicos disponíveis para atender

10%

É difícil marcar ou agendar os procedimentos e consultas

10%

É difícil conseguir uma cirurgia

8%

É difícil conseguir um exame de imagem

6%

O número de leitos de UTI não é o suficiente

5%

Faltam profissionais não médicos

3%

Faltam medicamentos e materiais como luvas, gaze, seringas

3%

É difícil entender como funciona o SUS para ter acesso aos serviços

2%

O número de leitos de internação comum não é suficiente

2%

É difícil conseguir um exame de laboratório

1%

Pesquisa feira este ano pelo Datafolha para o Conselho Federal de Medicina mostra a opinião das pessoas sobre os principais problemas enfrentados no SUS

alta complexidade que atualmente o sistema cobre. De acordo com uma pesquisa feita pelo Datafolha em 2018 a pedido do Conselho Federal de Medicina - CMF - divulgada pelo Conselho Nacional de Secretaria de Saúde - Conass - 77% dos brasileiros aprovam o atendimento no SUS, o que demonstra que, apesar de todos os seus problemas, a população brasileira dá um voto de confiança a saúde pública do país.

micas será atendido”, afirma Emmerich..

O Brasil, naquela época, tinha uma população A saúde pública nos estimada em tempos da repressão 119 milhões de Na época da ditadura mi- habitantes. Em litar, saúde e previdência so- artigo publicacial foram unificado numa do pelo Cenúnica estrutura, dando ori- tro de Estudos gem ao Instituto Nacional de GeoestratégiPrevidência Social (INPS), cos da Fundacriado em 1966 e substituí- ção Fiocruz, do em 1974 pelo Instituto de em 10 de abril Assistência Médica da Pre- deste ano vidência Social (Inamps). (“Antes do Com isso o sistema público SUS: Como de saúde atendia somente se (des)orquem contribuía para a Pre- ganizava a vidência Social. Quem não saúde no tinha dinheiro dependia da Brasil sob a Prédio do e caridade e da filantropia, ditadura”) x-Inamps em Vitória em unidades como a San- Maíra Marta Casa de Misericórdia ou tins mostra os hospitais universitários. que, no peDe acordo com os dados do ríodo militar, a privatização vado, conforme expõe o Centro Cultural do Ministé- ganhou força, com destaque artigo, que também cita a rio da Saúde somente 30 mi- para a saúde. Com a mescla tentativa dos militares de eslhões de pessoas realmente da previdência e da saúde, conder os surtos de doenças tinham acesso à ao sistema eram necessário mais inves- como a meningite, que aconpúblico de saúde no país até timentos. Porém, o governo teceu entre os anos de 1970 o final da ditadura, em 1985. preferiu apostar no setor pri23


à 1972. A taxa de mortalidade infantil também aumentou nesse período, assim como pioraram as condições sanitárias nos centros urbanos, devido ao êxodo rural provocado pelas políticas dos governos. A população carente se aglomerava nas periferias sem direito a água tratada e redes de esgoto, o que contribuia para a proliferação de doenças. “Para que uma pessoa possa ter uma boa saúde, é preciso cuidar também do ambiente em que ela vive”, afirma o professor Emmerich. Ele argumenta que a saúde não se resume a prover estrutura hospitalar, mas também a garantir o acesso a água e esgoto tratados, incentivar a prática dos esportes, combater as drogas de forma humanizada e conscientização da população sobre temas como doenças sexualmente transmissíveis e atenção à saúde psiquiátrica.

é direito A saúde Art. 196. Estado, o dever d e s o d nte polí de to o media ômicas d ti n a r ga econ ciais e do ticas so redução à m e os is tr v que e de ou doença re e d iv o n c ris sso u e ao ace s o v a r g a a alitário sal e igu s e serviços par e o ã ç às açõe prote moção, o r p a u s ação. recuper

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A 8a Conferência Nacional de Saúde e a conquista do acesso universal Em março de 1986 acontecia em Brasília, a 8ª Conferência Nacional de Saúde. Era a primeira aberta à participação da sociedade e que não só resultou na implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), um convênio entre o INAMPS e os governos estaduais, mas também na formação das bases para a seção “Da Saúde” da Constituição Brasileira, de 5 de outubro de 1988. “Essa constituição incluiu o artigo 196, que diz que a saúde é direito do cidadão e dever do estado. Depois, através da Lei Orgânica da Saúde, em 1990, estabeleceram-se os parâmetros para o funcionamento do SUS”, explica Adauto Emmerich, que também participou da 8º conferência. Artigo 196 O professor do Departamento de Direito da Ufes e especia-

lista em Direito Constitucional, Ricardo Gueiros, acredita que o acesso universal à saúde pública se tornou um direito constitucional por ser “natural que quando se vem de uma ditadura, haja uma tendência de garantir direitos. “Há um lado bom, mas também um lado ruim nessa garantia constitucional. Não adianta a Constituição prever vários direitos e acabar não sendo autoaplicável”, alerta o professor sobre a incapacidade do poder público de oferecer serviços a todos. Quanto a este aspecto, o professor Emmerich Adauto denuncia que desde o início, “houve um desinvestimento do SUS”, citando que desde o ex-presidente José Sarney até o atual, Michel Temer, o Estado não vem cumprindo o seu dever de garantir investimentos suficientes para o funcionamento e aperfeiçoamento do sistema de saúde.


divórcio SUSTENTÁVEL Projeto da Defensoria Pública de Colatina propõe o plantio de uma árvore aos casais em processo de separação

texto IURY DEMUNER O Espírito Santo é o quinto colocado entre os estados do Brasil em números de divórcios, segundo pesquisa do IBGE de 2015, quando foram realizados quase 9 mil processos judiciais de separação, sendo utilizadas milhares de folhas de papel para formação dos documentos de análise. Refletindo sobre esses dados, o defensor público de Colatina, Rafael Delfino idealizou o projeto Solução Verde. “Um processo judicial gera um impacto socioambiental por sua simples análise, por isso, idealizei um método de solução de conflito que reduzisse este impacto e começamos a explorar, nos processos de separação, a prática de convidar as pessoas envolvidas a plantarem uma árvore”, explica Rafael.

O projeto tem por objetivo final revitalizar a bacia do Rio Doce, e a ligação do povo colatinense com o Rio ajuda na aceitação da ideia. Segundo a Defensoria Pública de Colatina, cerca de 75% dos casos abraçam a iniciativa. Outro fator que ajuda no desenvolvimento é o baixo custo: cada semente custa R$ 16,00 ao fim da ação, que é dividido entre as partes. Com o fim de seu casamento, Vectar Vitória procurou a Defensoria , conheceu e aderiu ao projeto. “Quando li sobre ajudar a natureza plantando uma árvore logo me interessei. É muito importante preservar nosso planeta, ainda mais sabendo que o papel é tão prejudicial”, ressaltou. Para atingir o objetivo fi-

nal, a Defensoria Pública de Colatina fez parceria com o Instituto Terra, do conceituado fotógrafo Sebastião Salgado. As mudas são plantadas e cultivadas por dois anos na fazenda Bulcão, em Aimorés, Minas Gerais, e depois seguem em definitivo para a bacia do Rio Doce. Isabella Salton é gestora do Instituto e relata que chega a se emocionar quando os casais, mesmos separados, visitam, com seus filhos, a fazenda para conferir o trabalho. “Primeiramente, eu fiquei muito satisfeita quando recebi o contato da defensoria de Colatina, por toda iniciativa, criatividade, motivação e pela razão que está sendo feita. Hoje ver este trabalho dando certo é gratificante e emocionante”, disse ela.

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l a r u t a n medicina o v i t a n r e t l a o d o t é ém s a ç n e o d r a r u c a r a p Apesar dos resultados positivos, a prática ainda divide opiniões entre especialistas

texto ANA CAROLINA FAVALESSA & LUCAS SANTOS

Q

uem nunca tomou chá de boldo para aliviar a ressaca? Ou estava estressado e bebeu um de camomila? E o de gengibre, para amenizar a dor de garganta? Ingerir remédios caseiros é uma prática com origem ancestral e ainda comum em muitos lares brasileiros, constituindo o que é chamado de Medicina Natural ou Naturopatia, que se baseia no poder de cura da natureza e no sistema holístico de análise das doenças. Apesar da aprovação popular, especialistas divergem sobre a capacidade de cura desses medicamentos, feitos, geralmente, à base de plantas. Analisar enfermidades de acordo com o sistema holístico significa compreendê-las como resultados de desequilíbrios de um todo, incluindo o físico, o energético e o emocional. Por exemplo: o fígado, além de sua função no sistema digestivo, está relacionado à raiva, ao rancor e ao ressenti-

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mento, de acordo com adeptos dessa medicina naturalista. Logo, se há alguma desarmonia nesse órgão, todos esses fatores precisam ser trabalhados para que ele melhore.Para a terapeuta holística Luiza Faresin, a terapia busca olhar para o inconsciente, desperta na pessoa a essência e o autocuidado e tenta entender a raiz do problema. “A holística visa também ao empoderamento, para que o indivíduo olhe para si, para aquela emoção mal curada, e tenha mais autonomia e conhecimento do próprio corpo. Dessa forma, traz a espiritualidade para um conceito mais amplo: de que nós temos a cura e o conhecimento de que precisamos dentro de nós”, pontua. Há diferentes técnicas e terapias holísticas, cada uma com sua especialidade. Entre elas, há ioga, a fitoterapia, a homeopatia, a acupuntura. Luíza Faresin faz produção caseira de tinturas, homeopatias e cosméticos naturais, todos terapêuticos, e também realiza

a bênção do útero. Ela parte do princípio de que tudo o que se alimenta é remédio. Com isso, água, luz, amizade e amor são vistas como formas de cura. “Trabalho também com plantas e óleos essenciais, todas medicinas preciosíssimas, de fácil acesso e durabilidade. A tintura de aroeira, por exemplo, serve para usar na pele e fazer banho de assento, por ser antisséptica, antifúngica e antibacteriana. A tintura de amora é usada para desequilíbrios hormonais; a de boldo, para fígado e estômago; e a de baleeira, para inflamação e dores. Vou fazendo minha farmacinha e buscando alternativas para os problemas que surgem”, afirma. Izabela Romanha, de 18 anos, é estudante e iniciou tratamento psicológico há cerca de dois anos, quando foi diagnosticada com transtorno de ansiedade. Desde que começou a frequentar a clínica, pediu que o profissional não receitasse nenhum remédio, por mais difícil que


fosse controlar o problema. “Como este ano prestei vestibular, com a proximidade do Enem fiquei muito nervosa e outras áreas da minha saúde foram afetadas, como o estômago. Foi então que comecei a tomar um remédio natural, à base de folhas e de extrato de maracujá. Ele é mais fraco que os de farmácia, não dá dependência e ainda me ajuda a relaxar. Não fico sonolenta durante o dia e consigo ter um sono de melhor qualidade à noite”, conta.

Especialistas divergem

Apesar dos benefícios relatados, a Medicina Natural ainda é mito para alguns especialistas da área da saúde científica. É o exemplo do recente grupo criado por diversos especialistas em saúde que propõem o fim da oferta de homeopatias pelo Sistema Único de Saúde, que atualmente oferece 29 práticas alternativas. O grupo intitulado Instituto Questão de Ciência se baseia em entidades dos Estados Unidos e do Reino Unido. A médica especialista em ginecologia e obstetrícia Maria Cecília Pontual demonstra uma visão contrária à de alguns médicos quanto aos tratamentos homeopáticos. Atuando na

área há cerca de 20 anos, Pon- uma alimentação mais controtual relata que já se deparou lada e saudável”, complementa. com diversos tipos de pacienMas, assim como os medicates e que também muito apren- mentos de farmácia, alguns redeu com eles sobre o lado mais médios naturais também aprenatural da medicina. “Uma das sentam contraindicações para minhas pacientes me ensinou certos grupos. A terapeuta Luuma receita de xarope e quan- íza Faresin explica que, antes do estudei as propriedades dos de ingerir qualquer remédio, é ingredientes que compõem o preciso verificar a procedência, medicamento, percebi que os a dosagem e o modo de usá-lo, elementos utilizados são de para evitar intoxicações. Além fato muito bons para a cura de disso, alguns são contraindicaum resfriado”, conta. “Acredito dos para pessoas com pressão que uma terapia holística, com alta e gestantes, como os óleos base científica, que seja trans- essenciais, que têm concenmitida com segurança para o tração alta de componentes. paciente pode ser muito “Assim como há plantas que proveitosa e curam, há também aquelas que trazer diversão tóxicas por natureza. Segundo sos resultaPor isso, é preciso coa Organização dos positinhecê-las e pesMundial da Saúde, 80% da vos. No meu quisar sobre o população dos países em caso, na giassunto andesenvolvimento utilizam práticas ne c o l o g i a , tes de intradicionais de medicina natural nas antes de cogeri-las”, unidades básicas de saúde. No Brasil, meçar um acresdevido à ampla biodiversidade vegetal, tratamento centa. o potencial de desenvolvimento de de reposição remédios caseiros é ainda maior. hormonal, De acordo com a Portaria nº 971 por exemplo, do Ministério da Saúde, em vigor eu oriento a padesde 2006, algumas dessas práticas ciente em diversão consideradas Integrativas e sas outras opções, Complementares e passaram a ser tentando interferir implantadas no Sistema positivamente até Único de Saúde. mesmo por meio de

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Mães de anjos

microcefalia não é o fim Após três anos dos primeiros casos de zika vírus no Brasil, mães se unem em evento e compartilham vivências de luta pelos direitos de seus filhos com microcefalia

texto STHEFANY DUHZ Guilherme já completou 3 anos de vida, e Germana, apesar de todas as dificuldades e desafios, já conquistou alguns avanços para seu filho e para milhares de crianças. Constituiu e preside a UMA, União de Mães de Anjos, que presta assistência para as famílias e também luta pelos direitos e inclusão na sociedade das crianças com microcefalia causadas pelo zika vírus. A UMA é uma associação que luta também por melhores condições de atendimento às crianças com microcefalia na saúde pública em Pernambuco, promove eventos para as famílias, auxílio psicológico e motivacional, além de distribuir doações arrecadas. Já conquistaram entrega gratuita de anticonvulsivante pela farmácia do SUS, mutirão de atendimento

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no agreste pernambucano com ortopedista, gastro e neurologista infantil para avaliação e encaminhamento de exames e tratamento e também prioridade para participar do programa Minha Casa Minha Vida. Ela esteve presente no II Seminário Capixaba de Comunicação & Saúde, (II Secacs) realizado na Ufes em novembro, com o tema “Zika vírus e Rio Doce: (IN)visibilidades, silêncios e resistências”. O seminário foi realizado em dois dias: o primeiro promovendo rodas de conversas e debates sobre a epidemia de Zika e o segundo com discussões sobre os impactos do desastre socioambiental do Rio Doce. O Zika vírus alarma brasileiras e brasileiros desde 2015, quando os primeiros casos foram notificados no país. É um

vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, já conhecido, o mesmo transmissor da dengue e da febre chikungunya. A infecção pelo vírus pode causar algumas complicações neurológicas em bebês com mães infectadas, como acontece na chamada síndrome congênita do zika. A microcefalia é um dos problemas causados pela síndrome. Germana Soares, mãe do Guilherme compartilhou com duas capixabas, Alessandra Catarino, mãe do Daniel, e Glaucilene Farias, mãe da Helena a experiência de enfrentar as consequências de uma epidemia ainda muito recente, com muitas dúvidas a serem sanadas. Germana veio de Recife (PE), a convite da organização do seminário, “Minha maior


Germana (foto à esquerda)dividiu com mães capixabas a experiência de luta por direitos das crianças vítimas do zika vírus.

intenção era conhecer as características de familiares daqui. Chegando, já ouvi falar um pouco do perfil da mãe da Helena e da Alessandra que moram no interior. Eu, como mãe do Guilherme, digo a vocês, mães: preciso que me ajudem nessa junção, nessa força, e que vocês se ajudem e ajudem as crianças aqui no estado”, apelou em roda de conversa com as mães e participantes. A vinda de Germana, diretora da UMA foi em especial para construir e fortalecer redes com as mães e mulheres do Espírito Santo trocando experiências, os desafios e as conquistas alcançadas pela Associação. “Já

podemos observar uma movimentação nesse sentido a partir do II Secacs, consideramos então que a participação dela foi muito produtiva e mobilizadora” avalia Micheli Nacif, organizadora do evento. Germana relatou situações de preconceito vividas por mães de crianças como Guilherme. “A gente já teve caso de motorista de ônibus ser demitido porque agiu com preconceito com a mãe e com a criança. A mãe foi à delegacia, registrou o boletim de ocorrência, passou para mim e eu passei para o presidente da companhia de transporte público e foi demissão na certa. Mas isso levou um

tempo para construir, e não foi fácil. A gente só conseguiu isso por união, todo mundo por todo mundo”, conta Germana. A luta de Germana Soares e da União de Mães de Anjos, ultrapassa os ares pernambucanos e segue em busca do compartilhar conhecimento e unir forças com mães e famílias de todo o Brasil. “Podemos oferecer o estatuto da UMA para vocês só copiarem e estabelecerem as especificidades de vocês. Adianto que não é fácil, sobrecarrega. Mas a intenção é muito maior. É justamente para que a gente lute para uma assistência, uma qualidade de atendimento para as crianças e consequentemente trazer uma qualidade de vida para as famílias”, incentivou Germana. As mães capixabas afirmam que encontram muitas dificuldades não só em lutar pelos direitos dos filhos junto o poder público, mas em unir as famílias do estado. “A minha questão é que por várias vezes eu converso com as mães e elas não têm conhecimento nenhum, elas não gostam de se envolver”, comenta Glaucilene Farias. É uma luta diária, um trabalho contínuo de mães e famílias para que suas filhas e filhos tenham direitos garantidos e qualidade de vida. “Estou marcando com as mães para fazermos uma passeata com camisas escritas “todos pelo Daniel” e com “microcefalia não é o fim”. Estou montando essa base ainda. Conversando com mães não só com o caso da microcefalia, mas com mães com bebês com meningite, toxoplasmose”, explica Alessandra Catarino, mãe do Daniel.

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Vida

saudável é possível

O desafio de viver bem em meio a tanta correria, estresse, milhares de obrigações e cobranças

Ter uma vida saudável e uma rotina tranquila está cada vez mais difícil, o dia a dia tornou-se corrido e estressante. Muitas pessoas acabam levando uma vida sedentária, o que implica em diversos problemas à saúde. Entretanto, fugir desses problemas é possível e fundamental para uma maior longevidade. Em julho deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) apresentou um plano para aumentar a prática de atividades físicas até 2030. Segundo a instituição, 20% dos adultos e 80% dos adolescentes não praticam exercícios físicos. Atualmente, a agência recomenda que crianças de cinco a 17 anos pratiquem pelo menos 60 minutos diários de atividade física. Para os adultos, a prática deve chegar pelo menos aos 150 minutos por semana. 30

O exercício físico regular é fundamental para prevenir e tratar doenças crônicas, como as cardíacas, diabetes, acidentes vasculares, entre outros. A OMS ainda aponta que essas enfermidades são responsáveis por 71% de todas as mortes no mundo. A educadora física Renata Carolyne Costa observa que as tendências da população condizem com os dados da organização.“Certamente as pessoas têm tendências sedentárias, por conta da tecnologia e das facilidades do dia a dia, como a internet e os aplicativos”, relata. Costa explica que ter hábitos saudáveis é cuidar do corpo através da alimentação e de exercícios ou atividades físicas regulares, ter uma rotina de sono, descansar o suficiente e ter uma mente sob controle. A administradora Suellen

Oliveira, que trabalha das 8h às 17h e ainda estuda à noite, conta que pratica musculação três vezes por semana e pedala aos domingos. E esses hábitos, segundo ela, trazem diversos benefícios. “Eu gosto muito de frutas e legumes, prefiro suco do que refrigerantes. Não tenho o hábito de pedir lanche em casa ou comer esse tipo de comida [industrializada, fast foods, etc]. Meu maior problema é com os doces”, conta. Para ela, ter uma vida ativa e uma alimentação equilibrada “traz muitos benefícios, evita ficar doente com frequência, pois uma boa alimentação ajuda a manter a imunidade alta e a manter o peso”. Quem também tem uma rotina saudável é o estudante de Engenharia de Produção Lucas Mendes Reis, que


vai à academia seis vezes na semana e ainda tem uma alimentação equilibrada. Mendes explica que estuda na maior parte do dia; somente à tarde dedica seu tempo à academia. “Pratico musculação seis vezes por semana, por isso, na minha alimentação, eu como de tudo: doce, fruta, legumes, verduras e todas as fontes de proteína, mas sempre controlando a quantidade e a qualidade. Com isso eu me considero uma pessoa saudável”, conta. O estudante ainda aponta que quando começou a praticar exercícios físicos sua vida mudou completamente. “Eu era uma pessoa muito sedentária, ficava doente muito mais fácil e tinha menos disposição. A academia traz muitos benefícios, pois fico muito mais animado no dia a dia e as coisas que eu faço rendem muito mais do que antes”, conta. Mendes ainda dá uma dica para quem quer ter uma vida mais saudável e fugir do sedentarismo. “Procure algo que você goste e mude sua alimentação. No começo, é complicado mudar, mas você tem que ir aos poucos até que acabe virando uma rotina prazerosa”. Para ter uma vida saudável, não é necessário frequentar somente academia. Há outras formas de ficar com o corpo e a saúde em dia. Pensando nisso, organizamos algumas dicas de como ter uma vida mais ativa, baseadas em pesquisa e orientação da educadora física Renata Corolyne.

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DESCANSO; DURMA 6 A 8 HORAS POR DIA

Dormir é fundamental para repor as energias gastas pelo corpo. Um estudo da American Academy of Sleep comprovou que dormir bem é um dos segredos para a longevidade. Dos 2.800 participantes da pesquisa, os 46% que relataram insatisfação com a saúde tinham também má qualidade de sono. Para os pesquisadores, o ideal são pelo menos se horas e meia de sono por dia.

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PRATIQUE EXERCÍCIOS NO DIA A DIA

Movimentar o corpo no decorrer do dia é fundamental. Você pode preferir escadas ao elevador. Voltar a pé do trabalho ou escola, caso seja perto, enfim, fazer o máximo possível de atividades que usem o corpo. Dizer não ao sedentarismo significa afastar de perto doenças como a obesidade, hipertensão, doenças cardiovasculares, diabetes, além de ter mais disposição e energia.

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ALIMENTAÇÃO; COMA BEM

O cuidado com o que você consome é um dos pontos centrais para alcançar uma maior qualidade de vida. O abuso de alimentos ricos em gorduras saturadas, sódio e açúcares é um gatilho para doenças como infarto, derrames, hipertensão, obesidade, diabetes e até câncer. É fácil incluir no cardápio alimentos que proporcionem maior longevidade, como os ricos em nutrientes (carboidratos, proteínas, lipídios, vitaminas e minerais). Opte pelos alimentos que a natureza produz. Evite o excesso de industrializados e principalmente os ultraprocessados. Descasque mais e desembale menos.

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BEBA ÁGUA

A água é essencial para o transporte de nutrientes no organismo e hidratação. A orientação é ingerir dois ou três litros de água por dia. A água não deve ser substituída por refrigerantes, sucos, especialmente os industrializados, e muito menos bebidas alcoólicas.

DESCANSE

Alimentar-se bem e fazer atividades físicas não são as únicas atitudes que significam hábitos saudáveis. Desligar-se da rotina e procurar algo que você gosta de fazer é fundamental para a saúde. Uma mente saudável é essencial para um corpo em igual em condição.

TEXTO MARCUS FREIRE 31


EDUCAÇÃO AMBIE NTAL é o caminho

para preservação de tartarugas Projeto Tamar desenvolve ações há quase 40 anos para conservar as espécies e promover consciência ambiental

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texto e imagens ARTUR MEIRELES & MARIANA CRISTINA

E

xistem cinco espécies de tartarugas-marinhas no Brasil, e por conta dos acidentes com redes de pesca e anzóis, atropelamentos causados pelo trânsito de veículos nas praias e o acúmulo de plásticos no mar, todas elas estão ameaçadas. Por isso, o Centro Tamar, do Instituto Chico Mendes (ICMBio),a há 36 anos realiza pesquisas, proteção e controle desses animais para a conservação da diversidade marinha brasileira. A iniciativa está presente em 26 localidades, de nove estados do país, inclusive no Espírito Santo. Por ano, mais de dois milhões de tartarugas são devolvidas ao mar. As três bases pioneiras do Projeto são as de Regência (ES), Praia do Forte (BA) e em Pirambu (SE). O Centro de Visitação do Projeto Tamar em Vitória, localizado na Enseada do Suá, possui apenas seis anos, e é o mais recente do país. A bióloga Ana Claudia Marcondes informa que a iniciativa não desenvolve apenas ações voltadas para a preservação das tartarugas, mas também dissemina e divulga essas atividades de conservação para que as pessoas criem consciência ambiental e mudem seus comportamen-


tos. “O Tamar ocupou as praias e passou a realizar o monitoramento das espécies junto com a comunidade local. Com o trabalho, a ameaça foi reduzida e o número de ninhos aumentou bastante. Essa mudança de hábitos decorreu de uma diversidade de ações, tanto de educação ambiental quanto de leis que proibiram o consumo e a captura desses animais”, explica. Quando uma nova tartaruga é encontrada, sempre ela é marcada. Os pesquisadores colocam anilhas nas suas nadadeiras e usam transmissores via satélite para descobrir os locais de reprodução, as áreas de alimentação e suas rotas. Foi identificado que as principais ameaças destes répteis são a coleta de ovos e a morte das fêmeas, causadas principalmente pelas capturas acidentais durante a pesca. O Tamar também realiza ações para tentar reduzir esse problema. De acordo com a bióloga “são realizadas atividades com os pescadores para desenvolver a consciência ambiental, orientando-os a devolver as tartarugas, caso sejam capturadas, e como tirar o anzol sem machucar o animal, por exemplo”. Nos últimos anos, o registro de ninhos de tartarugas tem aumentado em todo o país. No Espírito Santo, a desova predomina no norte do

Estado. Mas, foram encontrados, recentemente, ninhos na Grande Vitória, uma área não produtiva e regular para as desovas. Segundo a bióloga, este fato incomum reforça a importância do apoio e da participação popular neste processo de preservação das espécies,

Educação Ambiental

Além das ameaças como os acidentes, a caça e a pesca indevida, outro fator que contribui para a extinção dessas espécies é o lixo marinho. Muitas delas morrem por enforcamento ou asfixia depois de ingerir plásticos, restos de redes de linhas de pescas e outros resíduos. Em média, uma tartaruga-marinha consome 14 pedaços de

O Centro Tamar possui cinco bases no Espírito Santo, que protegem 157 km de praias de desova. O Projeto está presente em mais de 110 km do litoral brasileiro.

plásticos, o que indica 50% de chance de não sobreviver. Umas das atividades que o Projeto Tamar desenvolve para evitar esse tipo de problema é mostrar a importância do descarte correto do lixo. “No centro de visitantes trabalhamos com a educação ambiental, realizamos ações de limpeza de praias e convidamos a população a participar para que ajude a divulgar essa questão ambiental sobre a problemática que é o lixo”, informa a bióloga. 33


Projeto faz lista de animais ameaçados de extinção Além das tartarugas-marinhas, outras espécies da fauna capixaba também correm risco de desaparecer. Por isso, cientistas e pesquisadores do Brasil e de outros países se reúnem no projeto “Lista de Animais Ameaçadas de Extinção no Espírito Santo”, para identificar quais podem desaparecer. A última lista foi divulgada em 2004, e agora está sendo realizada uma atualização, com previsão de ser divulgada em 2019. O projeto é uma iniciativa do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), em parceria com o Instituto Es-

tadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), Fapes, universidades e centros de pesquisas, e promove workshop com especialistas para discutir o assunto e os impactos no meio ambiente. Para o professor e pesquisador de Ciências Biológicas Yuri Leite, um dos integrantes do projeto, essa atividade é uma importante política de preservação ambiental no estado. “A partir do momento que uma espécie entra na lista, existem vários mecanismos para protegê-las. Inclusive, existe a oportunidade de financiamento para estudar e proteger esses ani-

mais”, diz. Em relação às outras iniciativas ambientais, como o Tamar, o biólogo comenta que são extremamente importantes para a sociedade, e que os cidadãos podem contribuir com atitudes que ajudem na preservação ambiental. “Se você só cria uma lei, as pessoas vão continuar prejudicando o meio ambiente. Mas se junto dessa lei, cria um projeto que mostra a importância disso, acaba sendo desenvolvida uma troca. Aquele público que ia caçar, por exemplo, agora vai visitar, comprar produtos e fazer turismo no lugar”, observa.

Tartaruga-cabeçuda

Tartaruga-de-pente

Nome científico: Caretta caretta Status: ameaçada Ninhos no ES: 282 Distribuição: ocorre nos mares tropicais e subtropicais de todo o mundo e também em águas temperadas

Nome científico: Eretmochelys imbricata Status: criticamente ameaçada Ninhos no ES: 01 Distribuição: é considerada a mais tropical de todas as tartarugas marinhas e está distribuída entre mares tropicais e por vezes subtropicais dos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico.

TARTARUGAS MARINHAS ENCONTRADAS NO BRASIL As cinco espécies de tartarugas-marinhas encontradas no Brasil estão ameaçadas de extinção. A única que está menos exposta é a tartaruga-verde, por desovar em ilhas oceânicas, onde a ação humana é mais controlada.

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CUIDADOS NECESSÁRIOS! Caso a tartaruga seja encontrada fora do mar, é necessário entrar em contato com o Tamar, para que as devidas ações sejam tomadas, além de evitar atitudes que possam assustar o animal. A bióloga Ana Claudia Marcondes orienta que as pessoas se afastem e desliguem luzes (flash de câmeras, por exemplo), pois elas são sensíveis, e não permitam que outras pessoas se aproximem. Telefone: 0800 039 5005.

Tartaruga-de-couro

Tartaruga-verde

Tartaruga-oliva

Nome científico: Dermochelys coriacea Status: criticamente ameaçada Ninhos no ES: 02 Distribuição: todos os oceanos tropicais e temperados do mundo.

Nome científico: Chelonia mydas Status: vulnerável Ninhos no ES: 0 Distribuição: ocorre nos mares tropicais e subtropicais, em águas costeiras e ao redor das ilhas, sendo frequente a presença de juvenis em águas temperadas.

Nome científico: Lepidochelys olivacea Status: ameaçada Ninhos no ES: 22 Distribuição: mares tropicais e subtropicais, oceanos Pacífico e Índico. No Atlântico, ocorrem na América do Sul e na costa oeste da África.

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l e v á t n e t s u s a mod Marcas capixabas aderem à onda da sustentabilidade e apostam em modos de produção menos agressivos ao meio ambiente

texto ANA LUIZA DIAS & PAULA ROMANHA 36


Todo ciclo de produção causa algum tipo de impacto ambiental. Porém, as formas de reduzir esses prejuízos vêm sendo cada vez mais discutidas. Reutilização de materiais, diminuição do estoque e o uso de matéria-prima reciclável são exemplos de como isso pode ser realizado. Para se tornarem verdadeiras amigas do meio ambiente, além de selecionar melhor os materiais utilizados, as marcas devem se preocupar com todo processo de fabricação. No Espírito Santo, algumas empresas já aderiram a essa nova maneira de produzir que, além de contribuir com a preservação do meio ambiente, colabora com a criação de uma identidade positiva da marca. “Uma produção sustentável é uma produção ética”, afirma Eduarda Morandi, fundadora da Arizona, marca capixaba de biquínis que aposta numa cadeia produtiva artesanal e de pouco estoque. Segundo Morandi, a fabricação em pequena escala foi pensada como forma de não gerar um grande descarte de peças ou sobra de tecidos, evitando possíveis desperdícios, além de possibilitar uma maior flexibilidade para a marca. “Não deixamos as coisas paradas, posso ver uma tendência e já começar a fabricar a peça. Além de sempre estar em contato direto com as costureiras, participando de todo o ciclo produtivo”, explica a micro-empresária. Outra marca do estado que vem se mostrando parceira das causas ambientais é a Cajuera, que resume seus processos, da produção ao consumidor final, em uma experiência sustentável e responsável. “Procuramos usar produtos à base de materiais mais ecológicos, como os tecidos sem poliéster, feitos com água reutilizada

e livre de substâncias tóxicas para a pele. Além disso, a nossa experiência de compra é totalmente sustentável, pois não temos a presença de plástico em momento algum e até nossas etiquetas são plantáveis, ou seja, voltam para a natureza em forma de lindas plantinhas”, conta Isabela Breder, sócia e diretora criativa da marca. Numa sociedade onde o custo-benefício ainda é o que direciona o consumidor, um dos maiores impasses da sustentabilidade é o seu alto custo. “Uma produção sustentável deve ser pensada em toda sua cadeia, porém, devido os pre-

sa matéria-prima para criatividade. E em termos financeiros, é poderoso provocador colocar o descarte têxtil como fonte de renda, mas deste modo temos a vantagem de conseguir colocar o resíduo como recurso produtivo e a partir dele criar modelos de desenvolvimento social e ainda reinvestir os ganhos no próprio negócio”, apontam Ana Paula Damasio e Julia Guimarães, diretoras da marca. Elas avaliam que os benefícios do empreendimento são diretos, pois garantem a valorização da mão de obra, e ainda reaproveitam materiais que seriam completamente descartados no meio ambiente. “Em nosso ateliê, disponibilizamos espaço para trocas de conhecimento e divisão de trabalho, somos rede colaborativa, trabalhamos por uma causa. Então, entendemos que criamos um marca que é um veículo para unir pessoas com esses objetivos comuns”, acrescentam. Assim como Débora e Isabela (Arizona e Cajuera), Julia e Ana Paula também reconhecem que o trabalho artesanal vem em desvantagem quanto às grandes produções, mas avaliam que é possível fazer o ramo crescer, principalmente com o auxílio de incentivos, pois dessa forma seria possível ajudar tanto o meio ambiente, quanto os micro empresários e artesãos. “Acreditamos ser possível sim diminuir preços com aumento de incentivos, principalmente aqueles originários dos órgãos públicos, considerando que estamos investindo nosso trabalho na logística para diminuir resíduos têxteis e valorização de costureiras de baixa renda, ou seja, serviços que beneficiam estruturas públicas, ambiente e sociedade”, respaldam as empreendedoras.

Uma produção sustentável é uma produção ética” Eduarda Morandi ços elevados, infelizmente não são todos os públicos que possuem esse poder de compra” acrescenta Isabela. Além da sustentabilidade, o nicho de “moda com propósito” também se popularizou no mercado, e bate de frente com a produção em larga escala das fast-fashion. A Pence, loja online de bolsas e acessórios, utiliza os restos da indústria têxtil para realizar toda a sua produção, que é escalada de forma a definir novas linhas e campanhas para a marca. “Os resíduos são o início e o facilitador de todo o processo, é o nosso recurso produtivo e também nos-

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Canudinhos, só os recicláveis TEXTO BERNARDO BARBOSA O plástico é um dos principais vilões na luta contra a poluição. Derivado do petróleo, o material nunca se degrada por completo na natureza; se quebra em pedaços cada vez menores, num processo de decomposição que pode levar centenas de anos. Uma garrafa de plástico, por exemplo, demora cerca de 450 anos para se decompor.

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De olho na redução do lixo que chega ao mar, o uso de canudinhos de plástico está proibido em todo o Espírito Santo

O ambiente mais afetado pelo descarte do plástico é o mar, onde a variedades do material aumentam cada dia mais. Entre 60% a 90% do lixo recolhido é composto por vários tipos de plástico com tamanhos variados – grandes como redes de pesca perdidas, médio como sacolas plásticas e pequenos como microfibras de roupas

e cosméticos. As principais vítimas deste problema são os animais marinhos. Tartarugas, baleias, golfinhos, aves e outros animais morrem pela ingestão de plástico ou presas em redes de pesca descartadas, também feitas de plástico, que levam centenas de anos para se decompor. Em meio ao lixo, um dos componen-


contém plástico. “Já temos resíduos microplásticos espalhados por toda a natureza. Na água em que bebemos, na que recebemos encanada, dentro de refrigerantes. Hoje em dia, nossos organismos já estão consumindo plástico normalmente”, ressalta. Uma das diversas ações que o instituto realiza é a limpeza de praias. A última ação de limpeza aconteceu no primeiro semestre deste ano e trouxe resultados preocupantes: foram recolhidos 1014 canudos plásticos, 47 sacolas plásticas, 1731 tampinhas e 5904 bitucas de cigarro. “Em duas horas de uma manhã, com aproximadamente 280 pessoas, percorremos as praias Mole, Carapebus e Balneário de Carapebus. A coleta ocorreu Espírito Santo na luta Na Serra, o Instituto Goia- em apenas três praias e foi mum atua no combate e pre- limitada devido à agitação do servação das praias e mares mar, por isso não chegamos do município. Para o biólogo a entrar na água. Então essa e presidente da ONG, Iberê recolha foi mais do que o mar Sassi, praticamente tudo o havia depositado nas areias que ingerimos hoje em dia das praias”, explicou Iberê. mar, mangue e uma fauna que precisa ser preservada. Quando o lixo não vai para o lugar correto, é muito mais fácil na nossa cidade, ele chegar ao mar e atingir, por exemplo, as tartarugas marinhas que temos por aqui. Em uma audiência pública que realizamos neste ano sobre o assunto, a representante do Projeto Tamar, Cecília Baptistotte, nos passou um dado assustador: 90% das tartarugas marinhas necropsiadas pelo projeto têm plástico em seu interior. É um dado local, o que nos assustou e também motivou pedirmos urgência na votação do PL”, explicou Felix. Em Vitória, o projeto ainda está em tramitação para o prefeito Luciano Rezende aprovar.

Reprodução/Facebook

tes mais comuns é o canudinho de plástico, que virou vilão e mira dos legisladores. No Espírito Santo, a Assembleia Legistaiva aprovou projeto da deputada Luzia Toledo e proibiu a comercialização de canudinhos que não sejam produzidos com material biodegradável por estabelecimentos comerciais. A lei foi publicada no Diário Oficial no dia 5 de dezembro, e estabelece multa de R$ 3,6 mil a R$ 16,3 mil a quem não cumpri-la. A primeira iniciativa de eliminação dos canudos de plástico foi da Câmara Municipal de Vila Velha, que aprovou, em agosto deste ano. O autor do projeto, vereador Bruno Lorenzutti (PODE), explicou o motivo que o levou a propor a lei. “É uma tendência mundial de utilização cada vez menor do plástico. Pelo risco da degradação do meio ambiente, da vida marinha, devido à utilização excessiva do plástico, especificamente do canudo, colocamos essa proposição em Vila Velha”. Em Vila Velha havia um prazo de um ano para a lei produzir efeitos, período em que haverá campanhas educativas para todas se adequar à lei. A Câmara Municipal de Vitória foi a segunda a aprovar projeto de iniciativa do vereador Cleber Felix (PP), no início de novembro. A lei do canudinho aguarda manifestação do prefeito. “A maior motivação foi a preocupação com nossa biodiversidade, afinal, parte de Vitória é uma ilha com

Equipe do Instituto Goiamum, presidido por Iberê Sassi, que promove limpeza das praias 39


PARQUES URBANOS: refúgios naturais das cidades Os parques são excelentes opções de lazer para relaxar e se distanciar da agitação da cidade. Somente na capital capixaba são treze opções de “respiros urbanos” A preocupação com as diversas tarefas do dia a dia faz com que as pessoas fiquem cada vez mais estressadas e desgastadas. As atividades de lazer são boas alternativas de descanso, divertimento e até desenvolvimento, que trazem inúmeros benefícios não apenas para a saúde física, mas também para a saúde mental. Mas, como encontrar esses momentos? Para relaxar não é preciso sair da rotina e fazer uma viagem, por exemplo. Esses momentos podem ser encontrados facilmente no cotidiano. Os parques urbanos são excelentes espaços para esporte e lazer, onde é possível aproveitar momentos agradáveis sozinho, com amigos ou em família. Essas atividades trazem diversos benefícios, como a diminuição do sedentarismo e do estresse.

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Na capital capixaba são treze opções de “respiros urbanos”, que representam 3% da área da cidade. O parque mais antigo é o centenário Parque Moscoso, no Centro, e o mais novo é a Chácara Paraíso, no bairro Barro Vermelho. As amigas Maria de Lima, 65 anos, Diva Miranda, 63, Margarida Liger, 55, e Carmen Tonon, 59, vão todos os dias da semana ao parque Pedra da Cebola, em Mata da Praia, para realizar atividades físicas. Elas fazem alongamento, dança, yoga e ginástica no Serviço de Orientação ao Exercício da prefeitura de Vitória, que oferece aulas gratuitas à comunidade. Para a autônoma Carmen, o local é importante para as pessoas, independentemente da idade, realizarem atividades que proporcionam me-

texto ARTUR MEIRELES lhora na qualidade de vida. “A gente que está sempre aqui no parque vê muitos jovens e adultos se exercitando e relaxando todos os dias. Gente de todas as idades. E a vantagem, sem dúvidas, é a melhora na saúde e no bem estar dessas pessoas”, diz. Além de proporcionar tranquilidade, na Pedra da Cebola podem ser encontrados diversos animais que proporcionam entretenimento para quem visita o parque e reforça a proximidade dos visitantes com a natureza. O jogador de futebol Ramon Alves costuma ir ao parque quatro vezes por semana para treinar e com um amigo. O atleta capixaba jogava em um time profissional, em Santa Catarina, e está se preparando para assinar contrato com um novo clube.


Vale a pena conhecer! PARQUE MOSCOSO: Inaugurado em 1912, é o parque mais antigo da capital capixaba. Ele foi restaurado em 2012, em comemoração aos seus 100 anos. Possui uma academia popular, além da Concha Acústica, que é palco de inúmeros espetáculos. PARQUE DA FONTE GRANDE: Com localização e paisagens privilegiadas, a região tem mirantes naturais, que proporcionam espetaculares visões da capital capixaba e de seu entorno. O parque fica na Avenida Serafim Derenzi. PARQUE PEDRA DA CEBOLA: O espaço tem parquinhos, lagos e um campo de futebol. Utilizado para as atividades esportivas para momentos de lazer, o parque tem a capacidade de reunir as mais diversas tribos.

Para ele, o espaço amplo e tranquilo contribui de forma positiva para o seu desenvolvimento nos treinos. “Como o campo é grande e não há muito barulho e agitação, eu consigo me exercitar melhor e me manter mais focado no meu objetivo”, relata. De acordo com a arquiteta e urbanista Karen Silva, os parques são importantes para as pessoas por criarem uma sensação de pertencimento pela cidade. Com o passar dos anos, os moradores estão deixando de frequentar os espaços

e optando por espaços privados. “Nós estamos privatizando cada vez mais os espaços de convivência para encontro, diversão e lazer. A população está vivendo em volta de muros. São shoppings, condomínios e lugares fechados que fazem perder a noção de cidade, de

É importante o incentivo dos parques para a compreensão de que esse espaço faz parte da nossa formação e construção enquanto indivíduo”

espaço urbano, de natureza e principalmente de convivência com o outro”, analisa. A arquiteta ressalta que é fundamental incentivar o uso do espaço público para a formação do indivíduo e que as prefeituras devem preservar esses locais e fazer com que sejam utilizados pelos cidadãos. “É importante o incentivo dos parques e a marcação desse ambiente para a compreensão de que esse espaço faz parte da nossa formação e de nossa construção enquanto indivíduo”, argumenta. Além de ser um local para estudar, relaxar ou se exercitar, os parques são ambientes propícios para estabelecer o contato social com a diversidade. É um lugar de relaxamento, onde é possível se distanciar da agitação e do stress da cidade.

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Materialidades ensaio fotogrรกfico Beatriz de Paula

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