Primeira Mão abril 2018

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nº 148 abril/2018

VIOLÊNCIA SILENCIADA Medo impede registro de agressões em ambiente escolar Medicina integrativa, saúde para corpo, mente e alma

ES é destaque em ranking de casos de feminicídio


PRIMEIRA EDITORIAL MÃO Saúde, política, educação, segurança, cultura, tecnologia, esportes. A ordem não altera

os fatores quando se pensa na importância de cada assunto para a sociedade. E qual seria a relevância deles para nós, futuros jornalistas? Aprender. Apurar. Investigar. E, informar! São assuntos que permeiam o dia a dia de todos. E que faz de cada um, ser cidadão. E com a revista experimental da Universidade Federal do Espírito Santo “Primeira Mão”, pudemos vivenciar de perto o que tanto aprendemos na sala de aula: o jornalismo como prestação de serviço. Para isso, a “Primeira Mão”, cujo objetivo é trazer informações assim como o próprio nome diz, em primeira mão, com exclusividade, a cada edição deste primeiro período de 2018 apresentará uma tríade temática. Cada qual com seu valor e sua importância. Com reportagens mais completas e seus desdobramentos, a Primeira Mão vai além do comum. Não ficar apenas na notícia é um grande desafio. Como temos um certo tempo para pensar em nossas pautas e realizar as matérias, nosso ideal é ir atrás de temas que não são noticiados diariamente de um jeito mais amplo. Nesta primeira edição a saúde, a educação e a segurança são a bola da vez. Reportagens que trarão questionamentos, como a questão do Desarmamento, a do fim da Polícia Militar e da Medicina Integrativa. Reportagens que irão mostrar a triste realidade da violência na Grande Vitória, como a que aborda a temática do Feminicídio e também a reportagem sobre Violência dentro das escolas. Além, é claro, de reportagens que permitirá evidenciar problemas de nossa sociedade e que são pouco debatidos, tais como a evasão de estudantes no ensino superior, o tema da vigilância na Internet e sobre o consumo de pornografias. Tudo isso e mais um pouco, com exclusividade, na Primeira Mão. Turma do 6º período de Comunicação Social - Jornalismo

fb.com/primeiramao jornal1mao@gmail.com

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SEGURANÇA Insegurança nas escolas da grande Vitória

p. 03-07

Arma de fogo: seria a solução de um problema?

p. 08-16

SAÚDE Como o hábito de consumir pornografia pode causar danos à saúde das pessoas

p. 26-28

Homens, não partes

Abra sua mente: policial militar também é gente

p. 29-32

EDUCAÇÃO Evasão no Ensino Superior

p. 33-34

EaD, do patinho feio ao crescimento

p. 35-37

Caminhos e desafios do EaD no Brasil

p. 38-39

p. 17-19

Ensino Médio EaD: ampliando a precarização

Feminicídio, um desafio brasileiro

p. 40-41

p. 20-22

Cuidado, você está sendo observado!

p. 23-25

Foto: Matheus Andreatta

Primeira Mão é uma revista laboratório, produzida pelos alunos do 6º período do curso de Comunicação Social/ Jornalismo, da Universidade Federal do Espírito Santo. Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras | Vitória - ES CEP 29075-910 jornal1mao@gmail.com. Ano XXVII, número 148. Semestre 2018/1 Reportagem e edição: Ana Luisa Monteiro Angelo Parrela Bernardo Barbosa Bruna Pereira Camila Nascimento Carolina Moreira

Danielle Gonçalves Eliza Frizzera Gessica Lopes Henrique Andreão Izabela Bellumat Matheus Andreatta Marcos Frederici

Olga Samara Paulo Marcos Richele Ribeiro Silvia Fonseca Thais Marchesi Thaisa Côrtes

Professor Orientador: Rafael Bellan Diagramação: Bruna Pereira, Carolina Moreira, Eliza Frizzera, Henrique Andreão, Richele Ribeiro

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SEGURANÇA

que resiste

!

“O professor ameaçado ou agredido nunca registra a ocorrência com medo de represália por parte dos agressores, prefere pedir transferência para outra unidade de ensino”

Eliza Frizzera e Paulo Marcos

“Te Pego Lá Fora”. Quem já ouviu essa frase nunca mais esqueceu, uma expressão que remete à violência e que ficou conhecida no filme norte-americano ThreeO’Clock High (Te Pego Lá Fora), onde um jovem estudante do ensino médio chamado Jerry Mitchell acaba sendo desafiado pelo mais novo valentão da escola para uma briga às 15 horas no estacionamento. Mas Mitchell passa o dia inteiro tentando fugir de tal peleja. Diferente da ficção, no entanto, no Brasil esse e vários outros tipos de afrontamentos fazem parte do cotidiano de milhares estudantes e gestores de educação. A equipe de reportagem da Revista Primeira Mão rodou por escolas da Grande Vitória, onde pôde constatar com diretores, professores, pedagogos e alunos esta realidade. Além disso, foi descoberto que muitos sabem o que ocasiona tais atitudes, mas mesmo assim o poder de mudança da realidade pa-

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rece distante. O bullying, termo que deriva do Inglês bully (“valentão”) é um dos atos mais conhecidos dentro das escolas. Mesmo recorrendo a propagandas e incentivos contras, a presença desse fenômeno tão agressivo ainda existe com frequência entre os alunos. São apelidos ofensivos, brincadeiras sem graça, misturados com a baixa auto estima de muitas crianças, adolescentes e jovens, que se veem em situações humilhantes, provocadas pelos próprios colegas de sala. Heloísa de Carvalho é Coordenadora da Comissão de Educação em Direitos Humanos da Secretaria Municipal de Educação de Vitória, a SEME, e segundo ela, um dos fatos que mais levam a tais atos dentro do ambiente escolar é o desleixo de muitas famílias e a incompreensão de alguns gestores, que parecem negar a entender o aluno. “Muitos não são escutados, ou levados a sério dentro de casa. A falta de atenção

por parte da família é o que mais afeta o sentimental de muitos deles, que buscam nas amizades um conforto, porém, tal conforto às vezes os levam a outros caminhos”, conta a coordenadora. Heloísa ressalta ainda que todos devem entender que a escola reflete o que a sociedade é, e que o aluno leva para dentro da sala de aula é o que vê fora dela. A pedagoga S. N. L se dedica há mais de 22 à educação. Atualmente trabalha em uma escola municipal na capital capixaba com a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que é destinada a dar continuidade de estudos para aqueles que não tiveram acesso ao ensino fundamental ou médio na idade apropriada. Foi nessa modalidade de ensino que a reportagem encontrou a maior número de casos de violência. Por se tratar de alunos maiores de idade e de bairros cuja violência é presente, os confrontos lá existentes por conta de gangues rivais,


SEGURANÇA “Na primeira semana de trabalho eu quase desisti. Mas percebi que estava sendo testada, pois por viverem em um ambiente hostil, acham que as coisas têm que ser resolvidos no grito e na força. Se você mostrar firmeza e a escola é um lugar neutro, onde a educação é a oportunidade de mudança de vida, acaba adquirindo o respeito e a confiança dos alunos.”, conta a pedagoga. S. lembra de uma situação que passou no último ano, em um dos casos mais complicados. “Tinha uma

aluna que era esposa de um chefe do tráfico. Ele acabou preso e ela teve que assumir e administrar os negócios do ‘movimento’. Chegava tarde e pedia para ser liberada sempre mais cedo. Tentei convencê-la de que aquela situação era prejudicial, mas não quis dar ouvidos e abandonou a escola”, lembra. Este ano, segundo S. a aluna em questão retornou os estudos e pediu desculpas. “Mas esse tipo de situação é rotineira na nossa realidade dentro da escola”, diz.

Foto: Pixabay

acabam sendo cotidianas no local que deveria ser de aprendizagem. Segundo a pedagoga, a escola acaba virando um campo de batalha. “É um campo de batalha e a violência não se resume somente entre os alunos, pois os professores, pedagogos, coordenadores, e colaboradores da educação também se tornam vítimas dessa violência”. A pedagoga S. acabou indo para esta escola para substituir um outro profissional que estava sendo ameaçado de morte pelos alunos.

Alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Um outro caso de violência aconteceu na Escola Estadual Jones José do Nascimento, em Central Carapina, no município de Serra. A professora que não quis se identificar disse à reportagem que um colega de trabalho, na época o professor de educação física da escola tentou repreender um aluno de apenas 14 anos que tentou pular o muro da escola para fazer uso de drogas.

“O adolescente era envolvido com o tráfico local e além de sair para usar drogas, o adolescente segundo ficamos sabendo, também iria trabalhar para o tráfico. O professor tentou impedir e isso chegou aos ouvidos do chefe, que não gostou e cercou a escola na intenção de acertar as contas com esse professor”, revela. De acordo com a professora, o chefe do tráfico foi à escola para ma-

tar o seu colega de trabalho. “O professor saiu escondido dentro de uma viatura e nunca mais voltou. Relatos de que ele está afastado da profissão e fazendo tratamentos psicológicos, mas não sabemos se tem relação com o ocorrido”, lembra. Em pouco mais de cinco ano atuando na EEEF Jones José do Nascimento, a professora recorda que mais de 15 profissionais pediram PRI MEI RA

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SEGURANÇA tas presentes no dia a dia da Escola Estadual Hildebrando Lucas, em Vitória. A escola que também recebe a modalidade de EJA foi uma das visitadas pela reportagem. Lá, muitas histórias referentes ao abuso de autoridade por parte dos professores, sendo causas principais para os confrontos. Para as alunas Ana Clara e Amanda, além do abuso por parte dos pro-

fessores, elas também acreditam que os alunos têm sua parcela de culpa “Tem brigas que acontecem aqui na escola até por causa de merenda”. Procurada pela reportagem, a diretora da EEEF Hidelbrando Lucas informou que não poderia comentar as acusações e que só falaria com a autorização da Secretaria Estadual de Educação, a Sedu.

Foto: Paulo Marcos

transferência por conta da violência e constantes ameaças. A profissional critica o sindicato por omissão. “O nosso sindicato é omisso, não luta para garantir nossos direitos básicos e condições seguras de trabalho. Muito de nós já pedimos a desfiliação do Sindiupes, o nosso sindicato”. Violência, agressões e ameaças também são condu-

Alunas da Escola Estadual Hildebrando Lucas

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Dimitri Barreto, diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo, o Sindiupes, informa que a maioria dos professores ameaçados ou agredidos não registram ocorrência por medo de represália e que optaram pela transferência de unidades de ensino. “Temos poucos casos registrados no sindicato e os que temos são tratados com sigilo pelo nosso setor jurídico”, afirma. Casos de violência não acontecem apenas na rede PRI MEI RA

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pública de ensino. Nas escolas particulares, embora com menor ocorrência, os casos também são existentes e a “lei do silêncio” impera no ambiente educacional. “Todos sabem que existe, mas a orientação é de que não saia da escola. Reina a lei do Silêncio, mas sempre ouvimos boatos de brigas entre alunos e até mesmo sobre uso de drogas. Mas são casos abafados pela direção”, explica o empresário Carlos Eduardo Carvalho, cujo filho estudo em uma tradicional

escola particular da capital. Mãe de uma aluna de 12 anos, Geisa Gotarde conta que na escola da filha, um instituição particular na Grande Vitória, os pais souberam que havia tráfico de lança perfume no colégio. “Ficamos sabendo por outros pais e a direção optou pela expulsão desse alunos, tentando evitar que a história se espalhasse”. A escola e seu corpo docente foram orientados a não se manifestar sobre o ocorrido. A direção nega a história.


SEGURANÇA

“Não falo, não vejo, só escuto falar”, é o que dizem pais de alunos de instituições particulares sobre violência escolar.

Foto: Paulo Marcos

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SEGURANÇA um aluno por causa de drogas. “Uma vez colega de sala foi expulso por portar drogas dentro da escola”. O ambiente tranquilo é, segundo os alunos, em razão do diálogo dos professores e diretoria com os pais e as regras que todos devem seguir, ajudando a diminuir os casos de violência e intolerância. Rubia Tonini, diretora da escola municipal Suzet Cuendet, em Maruípe, Vitória, acredita que é preciso lidar com a violência dentro da escola de maneira séria. “Se eu disser que na minha escola não existe violência, estaria mentindo, mas o que eu posso afirmar para vocês é que essa realidade tem mudado”, conta Rubia. Segundo a diretora é preciso realizar um trabalho conjunto de conscientização que englobe todos os professores e equipe educacional e os alunos que causaram algum tipo de problema rela-

cionado à violência. “Temos feito um trabalho de conscientização com os alunos infratores, tentando mostrar a eles que estamos ao seu lado e que se for preciso, subimos até o morro para falar com o ‘movimento’ que comanda o bairro, como já fizemos algumas vezes”, revela. Respeitar a realidade de seus alunos e buscar o respeito aos professores, é uma das alternativas de trabalho de Rubia. “Tento mostrar para eles que a escola é um caminho de transformação. E temos conseguido isso. Recebemos a informação de que os traficantes proibiram a venda e o consumo nas dependências e arredores da escola. Ou seja, tudo se trata de respeito. Quando entendemos a realidade deles e o respeitamos, eles também acabam fazendo o mesmo, e assim todo mundo acaba com um bom convívio dentro da escola”, afirma a diretora.

Foto: Paulo Marcos

Ainda há esperança A violência está presente no dia a dia de todos. Seja vivida nas ruas, seja assistida pela televisão, nos telejornais. Em muitas escolas, os casos de violência não cessam, gerando problemas ao corpo docente e, principalmente, atrapalhando o desenvolvimento dos alunos. Porém, na Grande Vitória, há escolas que tentam por meio de inúmeras medidas modificar essa realidade tão triste de nossa sociedade. É o caso da Escola Estadual Maria Ortiz, localizada no centro de Vitória. Lá, os alunos seguem regras rígidas. É o que relata os alunos Aressa Martins e Mateus Teófilo. “O colégio tem regras bem rígidas. Não há tolerância para atrasos, uniformes são obrigatórios e eles mantém um bom diálogo com os nossos pais, e conosco também”, informa Mateus e lembra de um caso recente, a expulsão de

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Rubia Tonini, diretora da escola municipal Suzet Cuendet, conta que a realidade de violência da escola tem mudado graças ao respeito. PRI MEI RA

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SEGURANÇA

Arma de fogo: seria a solução de um problema? Com a segurança pública se tornando uma pauta forte no ano de eleições presidenciais, cidadãos e políticos discutem se as armas de fogo seriam uma solução viável para redução da violência no Brasil. Henrique Andreão e Bruna Pereira

ta das discussões da população brasileira, principalmente em ano de eleição. Enquanto uns defendem a revogação ou o abrandamento da Lei 10.826/2003, conhecido como Estatuto do Desarmamento, outros acreditam na eficácia do Estatuto e preferem que ele continue a vigorar como é atualmente. Segundo dados do Paraná Pesquisas de 2017, 66,6% dos brasileiros acreditam que as restrições ao acesso às armas de fogo deveriam ser menores ou sequer existir. Em uma consulta pública do Senado Federal, 338 mil brasileiros mostraram-se favoráveis ao Projeto de Decreto Legislativo nº 175/2017, que propõe a realização de um plebiscito durante as eleições

deste ano sobre a questão do porte e posse de armas de fogo, enquanto apenas 15 mil votaram contra. Dados da Superintendência Regional da Polícia Federal do Espírito Santo mostram que a demanda pela aquisição e porte de fogo no Estado aumentou drasticamente nos últimos anos: em 2016, 436 pessoas foram autorizadas a possuir uma arma no domicílio ou no trabalho. Já em 2017, o número mais que triplicou: 1441 pessoas conseguiram a autorização. Quanto ao porte em vias públicas, 38 pessoas conseguiram a licença em 2016. Em 2017, porém, 227 obtiveram a permissão, o que representa um aumento de quase 500%. Os números mostram que

PERFIL DAS VÍTIMAS (ATLAS DA VIOLÊNCIA 2015)

92%

SÃO HOMENS

54,1%

TEM ENTRE 15 E 29 ANOS

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No dia 4 de novembro de 2017, Jeovane Alves dos Santos, garçom de 24 anos, casado e pai de dois filhos, saiu do serviço após uma noite de trabalho; por volta de 0h chegou ao ponto de ônibus para voltar para casa; pouco tempo depois, um desconhecido o abordou e anunciou o assalto; Jeovane reagiu, segurando o assaltante pela camisa, e levou dois tiros no abdômen.O garçom não resistiu aos ferimentos e morreu no hospital. Jeovane faz parte de uma estatística crescente no Brasil, a de mortes por armas de fogo. Segundo o Atlas da Violência, 59 mil brasileiros foram mortos em 2015, sendo 71,9% por esse tipo de armamento. Mas e se Jeovane pudesse portar uma arma? Os bandidos correriam o risco de assaltar um cidadão que poderia estar armado? Jeovane teria a chance de reagir ao assalto? Essa é um questionamento comum que é levantado e toma con-

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SEGURANÇA POSSE

PORTE

Condição em que o indivíduo mantém sob guarda uma arma de fogo em casa ou no local de trabalho.

Condição em que o cidadão pode carregar a arma consigo em vias públicas para pronto uso.

Foto: Paulo Marcos

essa tendência vai continuar em 2018: até o mês de março, 344 capixabas conseguiram autorização para posse e 88 para porte.

O revólver costuma ser a arma de fogo mais apreendida no Brasil. A Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás (SSP-GO) revelou que 52,8% das apreensões, entre julho de 2016 e agosto de 2017, foram de revólveres.

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Entre os motivos para a busca do armamento, a principal alegação é referente à falta de segurança. O empresário Lucas Diogo conseguiu a autorização para possuir arma de fogo em domicílio há cerca de quatro meses como atirador esportivo. Além de ser amante da modalidade, Lucas buscou a autorização para adquirir uma arma de fogo por causa da segurança pública. “O cidadão que procura uma arma legal é o cidadão que tem família, que raciocina e quer proteger os seus bens. E o bem maior é a vida. Num país que a impunidade é vista em todo lugar, o cidadão procura uma forma PRI MEI RA

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de se proteger. Acredito que por essa falta de proteção e segurança é que tem aumentado a busca do porte e posse de arma”, alega. Apesar de não ter a licença para portar em vias públicas, o empresário conta que a sensação de seguridade aumentou com a presença da arma de fogo em casa. “Hoje eu não posso me deslocar com minha arma. Ela fica em casa no cofre, mas já me gera um conforto e um benefício maior porque você acaba tendo um pouco mais de segurança. É totalmente diferente. Você consegue ter um controle maior e uma percepção diferente”, relata.

Lucas Diogo, empresário. Foto do arquivo pessoal

Sobre a diferença entre um cidadão que tem uma arma ilegal e outro que passou pelo preparo técnico e psicológico para obter a arma de fogo por via legal, Lucas ressalta: “Quem tem a posse de uma arma legal dentro


SEGURANÇA da residência não faz uso da arma como quem tem posse de uma ilegal. Aquele que porta uma arma ilegal acaba fazendo uso sem pensar. O indivíduo que legalmente tem a posse ou o porte sabe o que pode fazer, o dano que pode causar, e como usar a arma em determinadas situações”. Para o empresário, o Estatuto do Desarmamento aumentou os gastos para se obter uma arma de fogo. “Uma arma que antes do Estatuto você conseguia comprar legalmente por três mil reais, está seis mil nos dias de hoje. Pra quem quer ter uma arma em casa já vai ciente de que vai ter que gastar uma boa grana. A documentação e despachante você gasta em torno de 1800 reais; tem exames e cursos... Fica em torno de 10 mil reais para regularizar a arma e deixá-la em casa”, critica. Lucas conta que nunca precisou utilizar a arma de fogo, mas passou por uma situação no condomínio onde reside em que cogitou intervir caso acontecesse algo mais grave. “Houve uma festa e ocorreu uma discussão entre vizinhos meus na rua. A confusão estava piorando, ao ponto dos caras quererem pular o portão. Peguei minha arma, municiei e fiquei preparado para caso acontecesse alguma coisa. Graças a Deus não aconteceu nada. Fiquei só mesmo em alerta, em guarda observando”, relata o empresário. Daniella Bomfim Gujanwsky, de 20 anos, nunca

passou por uma situação de perigo com criminosos, mas pretende entrar com o pedido de autorização na Polícia Federal para possuir arma de fogo assim que tiver a idade mínima estabelecida por lei, que é de 25 anos. A escolha de Daniela se dá devido à violência. “A segurança está indo de mal a pior no país, principalmente entre os anos de 2016 e 2018. Tem pessoas que são assaltadas quase todos os dias, então não faz sentido que ela simplesmente tenha que entregar o fruto do seu trabalho porque não pode se defender de um assaltante que está armado”, afirma a estudante. Ela também acrescenta que com o treinamento exigido pela lei, teria capacidade de reagir a um crime e salienta que essa pode ser uma maneira da população civil lutar contra a violência. “Se tratando de mulher, então, a questão é muito mais específica. Quando você fala que é uma mulher querendo tirar posse de arma, muita gente ri, porque acham que mulher não sabe lidar com essas coisas. Como feminista acredito que tenho tanta capacidade quanto um homem de fazer qualquer coisa”, conclui a jovem. Estatuto do Desarmamento A lei 10.826/2003, sancionada pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, regulamenta sobre a posse, porte, registro e comercialização de armas de fogo e munição no Brasil. O Estatuto do Desarmamen-

Daniella Gujanwsky, estudante. Foto: Henrique Andreão

to tornou o acesso à arma de fogo mais rigoroso e ainda estabeleceu a Campanha do Desarmamento, convocando todos brasileiros a entregarem as armas de fogo que possuíam à Polícia Federal em troca de uma indenização. Em 2005, foi realizado um referendo perguntando se o comércio de armas e munições deveria ser proibido no país: o “não” à proibição ganhou com 64% dos votos. Desde a entrada em vigor do Estatuto, muitos críticos alegam que a lei praticamente torna nula a possibilidade de se possuir uma arma de fogo, e que o Estatuto não resolveu o problema dos homicídios por arma de fogo no Brasil. Em 2012, o então deputado federal Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) propôs o Projeto de Lei 3722 (PL 3722/2012), que pretende a revogar do Estatuto do Desarmamento e criar uma nova lei que regulamente a questão das armas de fogo no Brasil de forma mais branda. Em 2015, o deputado Laudívio Carvalho (PMDB-MG), como relator deste mesmo PL, propôs um PRI MEI RA

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SEGURANÇA ainda este ano. Nos dois quadros a seguir você poderá ver a linha do tempo da questão da aquisição de armas de fogo no Brasil e uma comparação entre o Estatuto do Desar-

mamento (lei 10.826/2003) e o Estatuto de Controle de Armas de Fogo (substitutivo ao PL 3722/2012).

LINHA DO TEMPO 1997 - Criação do Sistema Nacional de Armas (Sinarm), pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. O Sinarm é um órgão, no âmbito da Polícia Federal, responsável pelo controle das armas de fogo da população.

2015 - O deputado Laudívio Carvalho propôs um substituto ao PL 3722: além de reduzir a idade mínima para a compra de armas, de 25 para 21 anos, o substitutivo também estende o porte a deputado, senadores, e assegura a todos os cidadãos que cumprirem os requisitos mínimos exigidos em lei o direito de possuir e portar armas de fogo para legítima defesa ou proteção do próprio patrimônio.

2016 - O deputado federal Afonso Hamm (PP-RS) propôs o PL 6717, que permite a concessão de licença para o porte de arma de fogo a proprietários e trabalhadores rurais maiores de 21 anos. O presidente Michel Temer, através do decreto 8935, de dezembro, alterou a periodicidade da renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo de três para cinco anos. O atestado de capacidade técnica, que antes deveria ser apresentado a cada renovação, passou a ser exigido a cada duas renovações (10 anos).

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2003 - Em dezembro de 2003, o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a lei 10.826, conhecida como Estatuto do Desarmamento. O Estatuto, ainda vigente, legisla as questões sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. O objetivo era diminuir o índice de violência causado pelas armas.

2012 - O deputado federal Rogério Peninha apresentou o Projeto de Lei 3722, que estabelece uma nova regulamentação para a aquisição, posse, circulação e porte de armas no país. O PL revoga a lei 10826/03. Entre a mudanças previstas, está a abolição da necessidade de se apresentar uma declaração de efetiva necessidade para obtenção da arma de fogo, prevista no atual Estatuto.

2017 - O senador Wilder Morais (PP-GO) apresentou o Projeto de Decreto Legislativo 175 (PDS 175/2017), que propõe a convocação de um plebiscito sobre o Estatuto do Desarmamento, durante as eleições de 2018. Os votantes deverão responder três questões: “Deve ser assegurado o porte de armas a cidadãos da área rural com bons antecedentes, sem restrições?”; “O Estatuto deve ser revogado e substituído por uma nova lei que

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substitutivo ao PL 3722, estabelecendo algumas mudanças em relação ao projeto de lei. O substitutivo, conhecido como Estatuto de Controle de Armas de Fogo, será votado na Câmara dos Deputados

2004 - O Ministério da Justiça realizou a primeira Campanha do Desarmamento, na qual os proprietários ou possuidores de armas de fogo, ao entregarem suas armas à Polícia Federal, são indenizados. Segundo dados do Ministério da Justiça, até 2014 já foram entregues mais de 650 mil armas de fogo. Como acontece hoje, o valor da indenização fica dependendo do tipo de arma.

2005 - Em outubro deste ano, foi realizado um referendo sobre a proibição e comercialização de armas de fogo e munições por civis. Os eleitores respondem a seguinte pergunta: “Você é a favor da proibição do comércio de armas e munição no Brasil?”. Mais de 64% dos votos foi para o “não”.

assegure o porte aos cidadãos que preencham os requisitos desta lei?”; “O Estatuto deve ser revogado e substituído por uma nova lei que assegure a posse aos cidadãos que preencham os requisitos desta lei?” A portaria nº 28 do Comando Logístico do Exército passou a permitir que atiradores esportivos levem a arma de fogo municiada no trajeto para os locais de competição e/ou treinamento.


SEGURANÇA LEI 10826/2003 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO) Idade mínima de 25 anos; ocupação lícita; residência fixa; declaração de não estar respondendo a processo criminal ou inquérito policial; certidão negativa de antecedentes criminais; comprovação de aptidão psicológica; comprovação de capacidade técnica para manusear arma de fogo; declaração escrita de efetiva necessidade.

SUBSTITUTIVO DO PL 3722/2012

Requisitos para posse de arma de fogo

Apenas a profissionais que trabalham com segurança pública ou defesa nacional, políticos e outras classes.

Permissão para porte Seis (2 armas curtas, 2 armas longas de alma raiada e 2 armas longas de alma lisa).

Idade mínima de 21 anos; ocupação lícita; residência fixa; não ser condenado por crime doloso (quando há intenção de praticar o crime por vontade própria); comprovação de aptidão psicológica; comprovação de capacidade técnica para manusear arma de fogo.

Maiores de 25 anos, além do cumprimento de todos os requisitos para se ter a posse de arma. É necessário renová-lo a cada dez anos. O texto da lei também proíbe o porte de forma ostensiva, e em locais públicos ou privados com grandes aglomerações de pessoas (escolas, estádios, clubes, comício, etc).

Seis (2 armas curtas, 2 armas longas de alma raiada e 2 armas longas de alma lisa).

Quantidade de armas permitidas por cidadão Não expira.

Validade de 5 anos, de acordo com o decreto presidencial 8935. Anteriormente, o Estatuto estabelecia o prazo de 3 anos.

Registro (vinculação da arma de fogo ao proprietário)

Permitida a compra de 100 munições anuais para cada arma que o indivíduo possuir.

Permitida a compra de 50 munições por ano.

Munições Vetores: FlatIcon

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SEGURANÇA

Foto: Arquivo pessoal

O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS?

Helvécio de Jesus Junior é professor da Universidade Vila Velha (UVV), mestre em Relações Internacionais pela PUC-RJ e doutor em História pela Ufes. Estuda a questão das armas de fogo no Brasil, e é favorável à revogação do Estatuto do Desarmamento.

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O Estatuto “O Estatuto todo é errado. Ele desrespeita o referendo de 2005 porque contém uma cláusula subjetiva que dá a palavra final para um delegado de Polícia Federal dizer se aceita ou não a compra de arma de fogo, mesmo que você cumpra os requisitos objetivos. Existe esta cláusula feita para desarmar a população, que é o que torna o Estatuto ilegal e imoral. É a discricionariedade dada a um agente do Estado, que é orientado de cima para baixo a dizer ‘não gostei desse indivíduo, não gosto de arma na mão da população, então vou indeferir’. A lei colocou essa brecha desarmamentista, chamada de declaração de efetiva necessidade: você tem que escrever porque você precisa da arma de fogo, e, se o delegado for desarmamenPRI MEI RA

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tista ele nega. Se pegar o dados do Mapa da Violência e você comparar o antes e o depois do Estatuto você percebe que os homicídios por arma de fogo aumentaram. Nesse último ano batemos o recorde histórico de número de homicídios, o que mostra que o Estatuto não tem eficácia nenhuma. Ao contrário, ele piora a situação porque retira o elemento psicológico da dissuasão. Essa lei só atinge pessoas cumpridoras da lei e nem sequer toca nos bandidos. Porque o bandido, quando quer uma arma de fogo, não passa por um processo legal de reunir documentos e gastar um dinheirão. Ele vai pra qualquer favela e consegue comprar um revólver barato, ilegal. O problema sempre foi a arma ilegal. O indivíduo que compra uma arma de fogo legal, que passa por esses trâmites, que gasta muito dinheiro, não compra a arma para cometer crime. Pelo contrário, ele quer se defender do crime”. Elitização das armas “Um outro problema é que o Desarmamento elitizou o acesso à arma de fogo. Somente pessoas mais ricas vão passar por aquele trabalho todo e gastar dinheiro para comprar uma arma para poder se defender. O curso de tiro básico para posse custa, no mínimo, 500 reais. Você gasta mais uns 1500 reais, pelo menos, com despachan-

te na Polícia Federal, mais a arma de fogo que é repleta de impostos. Com o valor que você compra um revólver simples de cinco tiros aqui, você consegue comprar uma pistola Glock nos Estados Unidos, que é uma das mais famosas e eficientes”. Estados Unidos e atentados “Os EUA tem mais ou menos 310 milhões de habitantes, mais de 100 milhões que o Brasil e com uma taxa de homicídio abaixo de 10 mil. Enquanto nós temos uma taxa de homicídio que passa de 60 mil com uma população bem menor. Os desarmamentistas esquecem que esses mass-shootings (ataques à escola ou lugares com aglomeração de pessoas) ocorrem em lugares com gun free zone (zonas em que não se pode portar armas de fogo). Quase sempre você vê uma plaquinha com “proibido arma de fogo”. O psicopata é louco mas não é burro. Ele escolhe lugares onde sabe que não vai ter uma reação armada. A única coisa que pode parar um maluco com arma de fogo é uma outra pessoa com arma de fogo. Não adianta mostrar o Estatuto do Desarmamento ou a lei. O problema nos EUA é relativo a problemas psiquiátricos. Tanto lá quanto aqui. Em Realengo aconteceu um problema desses com arma ilegal (ou seja, o Estatuto não fez diferença nenhuma) e foi um


SEGURANÇA indivíduo com problemas psiquiátricos. Também não é falado que nas escolas que tem segurança armada, e até professores treinados com porte de arma, não acontece isso. Por que será? Porque tem um meio de dissuadir, de se proteger. Basicamente, a mídia defende uma tese desarmamentista em cima do cadáver de pessoas. Vão usar a tragédia humana para defender uma pauta ideológica”.

tão que eu acredito que com a revogação do Estatuto nós estaremos enfim respeitando a democracia do referendo e um direito básico O desarmamento é estúpido, ilegal e imoral porque o direito de você ter uma arma de fogo para defender sua família, propriedade, ou sua própria vida não é uma questão de debate. É um direito natural que vem acima de qualquer coisa porque é sua própria sobrevivência que está em jogo. Mas por que o mecanismo arma de fogo enquanto objeto? É bem simples: o que possibilita uma mulher de 50 ou 60 kg de se defender de um estuprador de 100 kg não é uma pomba da paz ou um textão de Facebook. É um calibre 38 no peito dele. A arma, enquanto instrumento de defesa, iguala o poder de indivíduo agressor e defensor. Não é um debate somente sobre arma de fogo, é um debate sobre liberdade”.

Foto: Pixabay

Conclusão “Leis que propõem desarmar a população são comprovadamente ineficazes, elas não têm efeito sob o controle da violência. Um dos maiores estudos feito sobre essa correlação, do professor John Lott, “More guns, less crimes” (“Mais armas, menos crimes”) prova que, com uma população armada (obviamente, com um treinamento e um grau de capacidade psicológica mínima) você tem uma redução do índice de

criminalidade, por conta do efeito de dissuasão. O bandido não quer confronto: se ele sabe que está num ambiente em que a população tem o direito da legítima defesa, se ele sabe que em uma casa ou um comércio vai ter, provavelmente, uma reação armada, ele prefere ir para outro lugar. É fundamental que se tenha na população civil a primeira linha de defesa de segurança pública. O Estado não pode e nunca estará presente na sua vida pra te defender. Muitas vezes a gente sabe que é o oposto. Você tem sua casa invadida ou está acontecendo um crime e liga pra polícia mas não tem uma viatura próxima. Vai demorar muito numa questão de vida ou morte. Em países que têm essa noção de liberdade, de entender que o cidadão é uma força auxiliar da polícia, eles respeitam. Respeitam porque sabem que o cidadão é aliado deles. É uma ques-

Clubes de tiro oferecem treinamento com instrutores credenciados pela Polícia Federal. De acordo com a listagem da PF, existem 27 instrutores credenciados no Espírito Santo.

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Foto: Arquivo pessoal

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Suicídio “Em uma situação como essa a arma em casa pode facilitar um problema grave que a sociedade contemporânea vem apresentando, que é o suicídio. A disponibilidade de uma arma em casa pode facilitar que esse indivíduo, com problemas psicológicos, possa vir a atender essa deFrancisco Albernaz é Cientis- manda interna simplesmente ta Social, professor titular da porque a arma está ali”. Universidade Federal do Es- Muito além do seu umbigo pírito Santo, mestre em Ciên“Um outro ponto imporcias Políticas e pesquisador tante é que devemos lutar por na área de Comportamento políticas de segurança coletiSocial.Francisco é a favor do vas, e não por soluções indiEstatuto do Desarmamen- viduais de um problema que to e contra o Projeto de Lei é de política pública. Não é 3722/12. facilitando armas para a população que vamos acabar Problematização “O desejo de armas irá com esse problema e sim se colocar na mão de milhões mobilizando e pressionando de pessoas um instrumen- o poder estabelecido para to perigoso que poderá ser que ele efetivamente forneça usado em situações de defe- a segurança que precisamos, sa, mas quando esse usuá- que é o controle do crime orrio não tem experiência, não ganizado. A política pública tem formação, essa arma é muita mais importante do poderá causar problemas que essas soluções individutão graves como os tiroteios ais com relação ao combate que vemos por aí. Com a po- desses assassinatos que vepulação armada pode acon- mos todos os dias na mídia”. tecer dessas armas serem Por que o aumento da procutomadas, desviadas, o que ra de armas “Os números e os evenimplicaria a disponibilidade de armas na mão de crimino- tos que são reportados pela sos, esse é o primeiro ponto. mídia via televisão e redes Segundo ponto: a gente sabe são causadores desse auque em sociedades que têm mento. A gente vê aquelas um potencial conflitivo mui- cenas e nos coloca naquela to grande, como é o caso do situação. Com o fracasso das Brasil, em crimes comuns políticas de segurança públiessa arma pode ser utilizada ca e com militantes que deem um momento de perda de fendem a maior liberalização racionalidade, em um confli- do uso de arma, os cidadãos to comum e o problema da misturam essas duas coisas morte e assassinatos pode- e procuram a posse de arma. As pesquisas da psicologia rão se agravar”. PRI MEI RA

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social nos dariam informações mais precisas sobre esse estado da população mental que vai procurar se armar. São esses eventos das mídias e os discursos na rede que dizem que, se a população estiver armada, os efeitos da criminalidade serão menores. Provavelmente essa hipótese não irá acontecer com essa disponibilização das armas e os efeitos colaterais serão bastantes nocivos para a população”. Ideologia e consequências “Esses dois fatores juntos (o efetivo aumento dos eventos de criminalidade com implicações sobre a vida humana e a crescente ideologia pela necessidade do armamento da população) podem levar uma parte importante da população brasileira (pelo menos grupos organizados que têm uma capacidade de militância maior) a se juntar a determinados parlamentares que vêem nesse tipo de política ganhos eleitorais, já que enxergam a possibilidade da aprovação de medidas que venham a criar políticas públicas facilitadoras em relação ao uso e posse da arma. Ao meu ver seria um problema com grandes efeitos negativos. Caso uma legislação nova apareça e seja aprovada no Congresso, aumentando a possibilidade de uso da arma de fogo, nós teremos resultados provavelmente bem negativos nos próximos anos, como suicídio, aumento de crimes através de conflitos comuns, onde não há o uso bilateral de armas, como no trânsito e entre vizinhos, por


SEGURANÇA para nos defender. O assaltante faz cálculos para te assaltar em condições que você não tenha possibilidade de usar a arma. Efeitos inesperaGatilho “O suicídio diminui dos, negativos e perversos da quando você colocou os liberalização da posse ou de comprimidos em cartelas, uso podem ser desencadeaao invés do vidro. Quando o dos pela ação individual” comprimido está dentro de Saúde um vidro é muito fácil para o “O mais grave é que se suicida tomar aquilo de uma o acesso às armas aumentar, gole só. Quando ele tem que as mortes por tiro de arma de tirar comprimido por compri- fogo aumentarão os gastos mido fica mais difícil. A arma, enormes por parte do Estacomo o vidro com comprimi- do na saúde. Os gastos serão do, facilita esse momento de usados nesses problemas e perda de racionalidade. Esse não em outras áreas necessáé um ponto importante, por rias pela sociedade”. isso que eu insisto que o problema de segurança é proble- Interesse político “Os eventos relativos ma de política pública. Ela tem que estar presente e evi- aos efeitos da criminalidade, tar que o crime organizado, ou como o enorme número de simplesmente o assalto com mortes, podem, em um priarma de fogo, se instale nas meiro momento, vir a reforruas; isso é uma função da çar esse discurso ideológico polícia. Nós não temos essa que está presente nas redes formação, essa capacitação de defesa da posse do uso de

arma e da mudança de legislação. Nesse ponto é que as campanhas eleitorais podem ser usada por indivíduos que querem se apropriar desse discurso, na tentativa de conseguir votos para as sua candidaturas” Conclusão “Algumas pessoas, preocupadas com situações como a segurança, podem até pensar na arma como autodefesa, mas há uma grande parte da população que não acredita nessa defesa. A população brasileira teve por bastante tempo a imagem de que a arma era um objeto perigoso, e essa sensação aumentou muito no pós guerra, e, com isso a posse diminuiu. Porém, as coisas têm mudado. Essa mudança pode ser gerada por um discurso ideológico de que a arma irá resolver o problema, o que pode não acontecer”.

Foto: Pixabay

exemplo. Você ter arma em casa significa que você pode executar uma ação que você não faria se não tivesse”

Antes do Estatuto do Desarmamento, lojas de armas de fogo eram facilmente encontradas em ruas e shoppings das cidades brasileiras.

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SEGURANÇA

Abra a sua mente: policial também é gente

Você já ouviu o popular grito “Eu quero o fim da polícia militar” e se perguntou o que esse grito realmente significava?

Thais Marchesi

FALA PM O que você entende por desmilitarização? Você concorda? Não entendo muita coisa por desmilitarização, mas com certeza mudaria para melhor o nosso trabalho no dia a dia. Tanto como trabalho como vivência no serviço da PM.

O que você entende por desmilitarização? Quase nada, imagino que ao pé da letra seja tirar a hierarquia que existe hoje na polícia. E a partir disso, você se considera a favor? Sim… é ”muito chefe pra pouco índio”.

(Policial Militar há 3 anos)

(Policial Militar há 4 anos)

Foto: Thais Marchesi

O apelo pelo fim da Polícia Militar está relacionado ao debate da desmilitarização, e ao fim dela nos parâmetros que conhecemos. Entretanto, apesar de ecoado por milhares de vozes, muitas dessas pessoas, e até mesmo os próprios policiais, não sabem exatamente o que a desmilitarização quer dizer.

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Durante ato, jovens pedem o fim da Polícia Militar. PRI MEI RA

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SEGURANÇA A desmilitarização consiste em romper tal vínculo com o Exército, tornando-a um órgão civil para melhorar a qualidade de vida e do trabalho dos policiais. A partir desse rompimento, o treinamento do exército não seria mais aplicado aos policiais, levando ao desenvolvimento de uma força policial menos agressiva em suas ações para com o cidadão. O advogado e mestre em Sociologia Política Élcio Cardozo Miguel, pontua que desmilitarizar não quer dizer que a polícia não será arma-

da para o combate ao crime. “A desmilitarização significará o fim da estrutura militar. A questão é que há uma falha muito grande no repasse deste tipo de informação à população”, diz. Élcio lembra também que existe uma recomendação da ONU a todos os países que ainda possuem polícias militarizadas de proporcionar outro tipo de formação aos policiais, mais voltada para o serviço comunitário: “Mas para isso, é necessário que o governo invista em cursos para tal tipo de formação”, explica.

Vetor: FlatIcon

A Polícia Militar é uma força auxiliar e reserva do Exército Brasileiro, e por isso, o seu treinamento é de guerra, a partir dos padrões do exército. Por esse motivo os policiais militares são considerados soldados, ou seja, não estão resguardados por direitos trabalhistas. Entretanto, tal força auxiliar é responsável, em todos os estados do Brasil, pelo policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, o que gera a necessidade de um treinamento mais humanizado do que o vigente.

dos policiais são favoráveis ao fim da justiça mi-

65,5% litar para PMs 73,7%

dos policiais apoiam a desvinculação do exército

86,7%

dos policiais querem o direito à sindicalização e de greve dos policiais militares

87,3%

acreditam que o foco de trabalho das PMs deveria ser orientado para a proteção dos direitos de cidadania

Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública “Opiniões dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Modernização da Segurança Pública”, 2014.

Em outubro de 2017, o Movimento dos Policiais Antifascismo, formado por trabalhadoras e trabalhadores do sistema de Segurança Pública de todo o país que se reuniram em Seminário no Rio de Janeiro, lançou o manifesto político, em que defende que o único caminho pelo qual os policiais possam vir a se identificar na luta dos demais trabalhadores é com o reconhecimento do direito de greve, de livre associação, de livre filiação partidária, bem como

o fim das prisões administrativas, sendo esses, marcos na luta contra a condição de subcidadania à qual muitos policiais estão submetidos. A preocupação em relação às reformas e à modernização da segurança pública não é somente das categorias diretamente afetadas, ela é pauta também dos movimentos sociais. Para o João Victor Santos, membro do Coletivo Negrada uma organização de estudantes, professores e

servidores Negros, e Cotistas que lutam pelo acesso e permanência na universidade e contra o Racismo, o debate da desmilitarização não é somente sobre segurança pública, e sim sobre segurança humana. “É necessário destruir essa polícia para reconstruir uma outra. Pois temos observado números que na verdade nos mostram que com essa polícia não há diálogo. Com essa estrutura da polícia que temos não , não é possível ter algum diálogo”, afirma. PRI MEI RA

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SEGURANÇA as PECs necessitam de três quintos dos votos dos parlamentares de cada uma das casas legislativas em dois turnos. Atualmente, existem pelo menos seis propostas em andamento no Congresso Nacional que tratam da

HOJE

PROPOSTAS

Carreiras distintas: Praças e Oficiais

Carreira única

Subordinada ao Exército

Resguardada por direitos trabalhistas

Punições administrativas e disciplinares

Formação democrática e cidadã

Julgamentos pela Justiça Militar

Concessão de Direitos Civis

A hierarquia nas polícias e demais forças de segurança provocam desrespeito e injustiças profissionais

Regulamentação do direito à sindicalização e à greve

Há muito rigor em questões internas às corporações policiais e pouco rigor em questões que afetam a segurança pública

Foco de trabalho para proteção dos direitos de cidadania

A especialista em sociologia da violência e pensamento político brasileiro a Professora. Dra. Marcia Barros Rodrigues, assinala que a desmilitarização não é a única solução necessária para o problema da segurança pública do Brasil. “É sim uma medida importantíssima que implica

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desmilitarização da Polícia Militar. Em todas, há preocupação em unificar a carreira policial e a estrutura duplicada das corporações, de modo a diminuir gastos, sobreposição de tarefas e evitar conflitos entre policiais civis e militares. Vetores: FlatIcon

A alteração de tal estrutura depende da aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que modifique o artigo 144 da Constituição Federal, o qual cria as polícias militares e civis e define as suas competências. Para serem aprovadas,

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numa ampla discussão sobre a democracia brasileira e a garantia dos direitos políticos e civis, mas não a única”. A sociedade civil brasileira ainda carece de debates mais amplos a respeito da desmilitarização da Polícia Militar. Uma vez que, ter conhecimentos das causas e consequ-

ências dessa ação, ampliará o leque de informações sobre as possíveis reformas, assim como a modernização necessária para as polícias, mostrando que há oportunidades de melhorias não só no ofício dos policiais, mas também na confiança na segurança pública por parte da população.


SEGURANÇA

Feminicídio: um desafio do Brasil Em 2016, uma mulher foi assassinada a cada 2 horas. Brasil carece de políticas que lutem contra essas mortes. Ana Luisa Monteiro e Carolina Moreira

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m 2017, o assassinato da advogada Gabriela Silva, de 24 anos, ganhou destaque no Espírito Santo. Gabriela foi sequestrada pelo ex-noivo Rogério Costa de Almeida e mantida refém em um carro. Ela foi estrangulada, agredida e assassinada. Para disfarçar sua morte, foi atropelada. Segundo a polícia, o ex-noivo cometeu o crime por não aceitar o término do namoro. Para a infelicidade do Brasil, não é difícil encontrar mulheres que foram mortas simplesmente por serem mulheres. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou em 2016 que uma mulher foi assassinada a cada 2 horas no Brasil. Em 2015, segundo dados do Atlas da Violência 2017, 4.621 mulheres foram assassinadas, o que corresponde a uma taxa de 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres. A desigualdade de gênero quando combinada com o racismo apareceu agravada, enquanto a taxa de mortalidade das mulheres brancas, entre 2005 e 2015, diminuiu 7,4%, às mulheres negras atingiram uma taxa de mortalidade maior que a média nacional, com um aumento de 22%. Nesse período, a taxa mais alta de mortalidade de mulheres negras foi no Espírito Santo que, por sua vez, ficou em 5º lugar no ranking nacional de crimes praticados contra vida de mulheres. Diante da gravidade da situação, o Governo do Estado do Espírito Santo lançou em outubro do ano passado (2017) uma campanha de combate à violência contra a mulher. O projeto teve como objetivo mudar o comportamento da sociedade em relação às mulheres e incentivar às pessoas a denunciarem as agres-

sões. Durante a campanha, foram realizadas ações de conscientização sobre a importância do respeito à mulher nos terminais e também nos ônibus da Grande Vitória. O secretário estadual de Direitos Humanos Júlio César Pompeu afirmou durante a campanha que não basta realizar ações de repressão à violência contra mulher. “Precisamos mudar a cultura machista, uma cultura que mata mulheres, que as destrói psicologicamente”, ressaltou. A pesquisa “Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, realizada em 2016 pelo Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelou que em 43% dos casos em que houve violência contra mulher, a agressão mais grave foi em domicílio. A violência dentro de casa é um assunto silenciado na maioria das vezes, principalmente quando ela não se manifesta no corpo. Atuante em pesquisas sobre processos de criação como enfrentamento e problematização da violência, a professora Rosely Maria da Silva Pires participa de de um projeto no bairro São Pedro, em Vitória, que conta com atividades culturais para mulheres e crianças em vulnerabilidade social que sofrem ou sofreram violência. Rosely conta que a violência quando se manifesta fisicamente, ela choca mais a mulher, desperta para o fato de estar sendo violentada. Mas a violência exercida pelo parceiro, podemos chamá-la de simbólica, tem como característica o cuidado, o que dificulta ainda mais o processo de libertação. “Essa é a maior dificuldade de enfrentamento, porque não há um auto-reconhecimento de se estar sofrendo violência”, revelou a professora. PRI MEI RA

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Fotografia: Carolina Moreira

SEGURANÇA

NÃO SILENCIE! A Secretaria de Política para Mulheres tem um disque-denúncia que funciona 24 horas por dia. Basta discar o número 180.

Para discutir o processo de violência contra mulher é preciso compreender que a violência não é um sintoma social atual, e sim um fenômeno profundamente consolidado nas raízes da cultura brasileira. De acordo com Rosely, são esses fatores que vão ser determinantes na legitimação das atitudes do agressor. “Quando os pais batem nos filhos para educar, estão legitimando a violência como forma de amor. Consequentemente, quando um marido bate na esposa, em sua mente, ele a ama e por amá-la ele tem o direito de violentá-la”, constatou ela. Especialista em Sociologia Política com experiência na área de Sociologia da Violência e penswamento político brasileiro, Márcia Barros Ferreira Rodrigues aponta que a violência doméstica não é um fator externo a unidade familiar. Muito pelo contrário, a intimidade, a confiança e a dependência podem ser mecanismos que proporcionam esse tipo de violência. “Isso é cultural, histórico e com elemento religioso fortíssimo, de quem bate está fazendo o bem. Até 1930 existia palmatória nas escolas, então era legítimo a professora bater. Se era legítimo na escola, imagina na família”.

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longo caminho pela frente. A Lei foi sancionada em 2006 e vista como uma iniciativa promissora, reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra a mulher. Apesar disso, é no processo da denúncia que aparecem os maiores obstáculos no combate à violência. O caso relatado por Amanda.L* esclarece bem o problema. Depois de dois anos sofrendo agressões físicas e psicológicas do namorado, resolveu denunciá-lo, mas o que ela ouviu durante o processo de denúncia a desanimou. “Passei meia hora contando ao escrivão sobre a briga que eu e meu namorado tivemos, mostrei as marcas pelo meu corpo, mas depois ele passou a meia hora seguinte me questionando se eu realmente queria prestar queixa”. No caso dela, o silêncio permaneceu. Experiências como a de Amanda e relatos de outras mulheres vítimas mostra como é difícil a denúncia se concretizar e por isso elas permanecem caladas. A problemática citada pela especialista Pires é a falta de capacitação dos agentes públicos que atendem as vítimas. “Os pontos de saúde, as enfermeiras e a própria polícia trata a violência sofrida pela muA Lei Maria da Penha precisa ser melhorada lher como uma falta de vergonha”, afirmou. A Lei Maria da Penha foi uma conquisO Instituto DataSenado, em parceria com ta na vida das brasileiras. No entanto, apesar o Observatório da Mulher contra a Violência dos avanços na legislação, ela ainda tem um (OMV), realizou pesquisa em Delegacias EspePRI MEI RA

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*Amanda.L (Nome fictício)


SEGURANÇA cializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) de todo o Brasil em novembro de 2016, revelando que em 66% das DEAMs pesquisadas, não há serviço de apoio psicológico para as vítimas. A Lei precisa de reformulação, principalmente na prevenção, com políticas de educação e uma rede de apoio às vítimas. A professora Rosely enfatiza que não basta apenas a denúncia, é essencial que a mulher tenha acompanhamento. “Quando a mulher volta para casa, se ela está sozinha, se ela não tem um centro de apoio para acompanhá-la, para abraçá-la, emocionalmente ela não se sustenta”, relatou. Uma iniciativa interessante foi a do Ministério Público do Estado do Mato Grosso (MPMT) que, com a coordenação da promotora de Justiça Lindinalva Rodrigues Dalla Costa, criou o projeto “Na minha casa quem manda é o respeito”. De caráter educativo e preventivo, o projeto visou evitar a reincidência dos acusados de violência doméstica que estão em centros de ressocialização, presídios e cadeias, promovendo rodas de conversas com o objeti-

Quando questionadas sobre a Lei Maria da Penh a, a totalidade das entrevistadas pelo Instituto de Pesquisa DataSenado afirmou já ter ouvido falar sobre a lei. Apesar disso, 77% dizem conhecêla pouco, enquanto 18% a conhecem muit o. A pesquisa avaliou também a percepção das entrevistadas sobre o quanto a Lei Maria da Penh a protege as mulheres contra violência doméstic a e familiar. Para 26%, a lei protege as mulheres, 53% disseram que ela protege apenas em parte , enquanto 20% responderam que não prote ge.

Fotografia: Bernardo Barbosa

vo de informar, ouvir e discutir o significado e as consequências da violência contra a mulher. O Brasil precisa falar sobre feminicídio O Brasil ainda permanece no ranking como um dos países mais violentos para as mulheres. Diante de um cenário desmotivador, é preciso união e padronização dos diversos órgãos públicos para promover políticas de diálogo sobre a violência. Após a denúncia das vítimas, é fundamental que essas mulheres possam ser acolhidas, tratadas e respeitadas. É necessário, mais que punir, dialogar com os agressores, levá-los a pensar na dimensão do crime que cometeram. A sociedade precisa parar de enxergar a situação a partir de lados certos e errados, de que existe apenas uma vítima. Rodrigues explicou que o processo de violência, quanto mais for omitido, deixado de lado, mais ele tende a se repetir, porque é um sintoma social. “As mulheres devem falar e os homens também, colocar o Brasil no divã, fazer do Brasil um paciente”, completou ela. O diálogo deve ser o ponto de partida para a construção de um país mais igualitário.

A sua denúncia pode salvar vidas. Não se cale! Saiba como denunciar: A denúncia de violência doméstica pode ser feita em qualquer delegacia, com o registro de um boletim de ocorrência, ou pela Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), serviço da Secretaria de Políticas para as Mulheres. A denúncia é anônima e gratuita, disponível 24 horas, em todo o país. Fotografia: Carolina Moreira

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Cuidado, você está sendo observado! Acredite, tudo o que você faz na internet fica guardado. Saiba como isso funciona e como se proteger da Vigilância em Massa.

Foto: Isabela Bellumati

Isabela Bellumat

Google, um dos sites que está em destaque na chamada “Vigilância em Massa”.

Você já fez alguma pesquisa de preços na internet e de repente foi bombardeado por anúncios do mesmo produto nas redes sociais?Jáconversou com alguém sobre produtos de cozinha, por exemplo, e quando foi procuraralgo na internet a primeira sugestão de pesquisa foi exatamente sobre o assunto que estava falando anteriormente?

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Esses exemplos são situações cada vez mais comuns no mundo virtual nos dias atuais. E tem nome, o fenômeno chama é nomeado como“Vigilância em Massa” e acontece devido aos rastros de navegação que deixamos ao usar o computador e os smartphones. História que parece até Teoria da Conspiração, ou mote de algum filme

Hollywoodiano sobre tecnologia, mas é bastante real e está acontecendo agora, enquanto você troca mensagens no seu celular ou quando você opta por deixar a câmera do seu notebook destampada.Deu medo? Pois este assunto foi um dos temas do famoso caso de Edward Snowden, ex-técnico da CIA acusado de vazar informações sigilosas de segurança


SEGURANÇA

PARA REFRESCAR A MEMÓRIA: O cientista da computação Edward Snowden revelou dados confidenciais para jornalistas comprovando que os Agentes de Segurança Nacional (NSA) e a Agencia de Inteligência (CIA) dos EUA espionavam os cidadãos americanos através de redes, como Apple, Microsoft, Google e Facebook, além dos seus registros telefônicos. Snowden foi acusado de espionagem, roubo e transferência de propriedades do governoO vazamento foi feito fora do território Norte Americano. Ele enviou pedido de asilo para 21 países, conseguindo na Rússia. Vetores: Freepik

dos Estados Unidos em 2013. A segurança dos dados na internet pode não ser um assunto muito comum nas conversas diárias, mas pode se tornar um problema caso você use as redes para transações bancárias, por exemplo, e também para quem compra via internet. Isso porque nesses sites suas informações ficam arquivadas em um banco de dados, e se, por ventura, esse banco for hackeado ou invadido, seus números de cartões, telefones e até endereços serão roubados. Yuri Lozorio é pesquisador do tema e aconselha a todos prestarem atenção no tipo de protocolo que o site oferece. “Ao lado do link no navegador é possível reparar se o protocolo do site é HTTP ou HTTPS. Este último é o único que fornece segurança para suas compras”, ensina o pesquisador. Lozorio ainda afirma que tudo o que você faz nos navegadores, como o Firefox e o Google Chrome, fica armazenado em forma de dados de navegação, chamados de Cookies, e os sites on-line, inclusive as redes sociais, utilizam esses dados para entregar anúncios de acordo com os seus rastros de navegação. “Este artifício não tem apenas malefícios, e serve para oferecer uma navegação dinamizada e personalizada”, diz.

COMO SE PROTEGER NA REDE? Navegação Anônima: Yuri explica que as abas anônimas não nos protegem tanto quanto pensamos. Isso porque essa função só impede que os links que você acessa apareçam no seu histórico de navegação. A função que realmente impede que o navegador guarde seus Cookies é a utilização de navegadores em rede de anonimato. Alguns exemplos são o Tor e o Chromium, que possuem diversas barreiras que impedem a armazenagem dos Cookies. Mas ele alerta: “É exatamente por isso que a navegação vai ficando mais lenta que o habitual”. VPN:Outra alternativa é a utilização de VPNs, ou seja, é uma rede virtual privada que não fornece seus dados de localização. O problema aqui é a lentidão. Já no Facebook é possível definir quais serviços e aplicativosados nessa rede social. Basta entrar nas Configurações da sua conta e em seguida clicar na opção “Aplicativos e Sites”.

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É por esse motivo que quando você pesquisa algum produto ou serviço no Google, por exemplo, ele começa a aparecer em outros sites que frequenta, como o Facebook, Instagram e em Blogs. Os seus dados de pesquisa ficam guardados nos navegadores em forma de Cookies e são usados em outros sitesem forma de advertisement, ou anúncios. Ou seja, quando você aceita utilizar um navegador de internet, aceita também que seus dados sejam comercializados, você se torna um produto e é por isso que a vigilância em massa pode ferir os diretos à priva-

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Willian Lopes é Programador no Laboratório de Imagem e Cibercultura da Ufes, o Labic e conta que há uma dificuldade em se definir o que são os “dados sensíveis” na internet. “São dados comuns aos usuários e aos provedores dos sites, como o tempo que eu permaneço em um blog ou a qual segmentação eu pertenço no Facebook”, explica . Willian complementa: “Com isso é mais difícil definir qual dado é só meu, como por exemplo o meu endereço”. Para o programador, a sociedade precisa cobrar mais transparência dessas empresas e principalmente dos “Termos e Condições de Uso”. Sendo assim, é possível dizer que a parceria entre os aplicativos mais comuns usados nos smartphones podem dar maior sensação de que esPRI MEI RA

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cidade. Em respostas às acusações em torno da privacidade, o Google respondeu aos jornalistas da BBC Inglesa que, apesar de parecer o contrário, não permite a captação de dados para fins comerciais, e os aplicativos disponibilizados em sua loja on-line que não estão de acordo com essas diretrizes são retirados da plataforma. Já o Facebook também não permite que as empresas utilizem dados obtidos por meio de microfone sem o consentimento do usuário, e acrescentou que as propagandas direcionadas são frutos de hábitos de na-

vegação. Uma controvérsia: Apesar de negar que use o microfone dos celulares para fins comerciais, o próprio aplicativo do Facebook capta o áudio ambiente para definir a localidade de onde se digita, ou para dizer o que se escuta e assiste enquanto escreve uma publicação. Sugerindo que a captação de áudio acontece o tempo todo. Segue o vídeo da empresa demonstrando essa nova “facilidade”, no QR Code abaixo.

tamos sendo “vigiados”, ou seguidos, pois os aplicativos Facebook, Instagram, WhatsApp e Messenger, por exemplo, são todos do mesmo dono. Apesar dos “Termos e Condições de Uso” nos passar alguma segurança e privacidade, há empresas que utilizam esse recurso para confundir as ideias e vender as intimidades de seus usuários contra a vontade deles. Esse foi o caso da empresa de televisão americana Vizio, que foi processada pelo Estado de Nova Jersey em 2,2 milhões de dólares por distribuir dados de seus consumidores em relatórios ilegais e detalhados entre os anos de 2014 e 2016. Recentemente o próprio Facebook está sendo denunciado. A empresa é acusada de fornecer ilegalmente dados de mais de 50 milhões de

usurários para oferecer propagandas que, supostamente contribuíram para eleger o atual presidente dos EUA, Donald Trump. O Facebook alega que a empresa CambridgeAnalytica, responsável pela armazenagem desses dados, violou os termos de uso da rede social. No último dia 10 de abril, Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook, prestou depoimento de 5 horas ao Senado Americano. Os casos que mostram a ação da Vigilância em Massa estão por todos os lados, a sensação de estarmos sendo vigiados na internet é eminente, mas ainda não há nada que comprove realmente o que está acontecendo. Na teoria estamos todos protegidos, mas nunca é tarde para começar a prestar mais atenção nos nossos hábitos on-line.

Vetores: Freepik

SEGURANÇA

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SAÚDE

Como o hábito de consumir pornografia pode causar danos à saúde das pessoas Muitas pessoas não sabem, mas o consumo de pornografia está ligado a muitas doenças, tais como depressão, ansiedade, déficit de atenção e fobia social. Angelo Parrela

Com a maior facilidade de acessar con- depressão, ansiedade, déficit de atenção, teúdos pornográficos, muitos jovens, em sua fobia social, diminuição da memória, entre maioria homens, têm sua vida sexual inicia- outros problemas como a dificuldade em se da através da pornografia, o que pode causar relacionar com o próximo, não somente de um impacto muito forte no amadurecimento forma amorosa, mas até mesmo na hora de sexual dessas pessoas. Parao psicólogo e te- arrumar um emprego, como explica o doutor rapeuta sexual Carlos Boechat, não há proble- Carlos Boechat. “Esse vício em vídeos pornôs mas em um jovem se masturbar, o perigo está leva o indivíduo a ter cada vez menos relaem outra situação: “De fato não existe pro- ções interpessoais, levando a pessoas a ser blema em um jovem se masturbar assistindo mais tímida, retraída, se tornando anti social à pornografias, porém o perigo está na cren- e, generalizando, causar até mesmo dificuldaça de que o que está sendo visto é normal e de em se inserir no mercado de trabalho.” natural, quando na verdade é produzido em A dependência desse tipo de conteúdo é estúdio”, revela.Além disso, devido ao modo similar com o vício em drogas, álcool ou jogos, como os filmes pore atinge o corpo tão “Não existe problema em um jovem se nôs retratam a fiforte quanto. Um gura da mulher, o masturbar assistindo pornografia, porém o estudo feito pelo machismo é mais perigo está na crença de que o que está sendo Instituto Max Planuma vez afirmado visto é normal e natural, quando na verdade ck Institute for Hudentro desse am- é produzido em estúdio”, explica o psicólogo manDevelopment e terapeuta sexual Carlos Boechat. biente virtual. em 2014 mostrou Segundo esque homens que tudo da Associação Americana de Urologia passam muito tempo vendo pornografia mos(AUA), os homens estão sujeitos a impotência tram ter menos matéria cinzenta, importante sexual quando consomem pornografia. Isso componente do sistema nervoso central, em acontece porque o consumo frequente deixa certas partes do cérebro e sofrem redução de os homens tolerantes aos estímulos sexuais, sua atividade cerebral. impedindo a excitação. Impactos assim poUm levantamento feito pelo Instituto dem gerar na pessoa uma falsa expectativa Kinsey, nos Estados Unidos, incluído em um do que é o sexo, falta de apetite sexual, levar artigo de 2014 da Associação Psicológica Ameo indivíduo a cometer erros durante o ato e ricana (APA), mostrou que 9% dos consumidoaté mesmo a dependência. res de pornografia entrevistados disseram ter O vício em pornografia pode levar a pes- sentido vontade de parar e não conseguiram. soadesenvolver problemas de concentração, Por conta do consumo exacerbado e da PRI MEI RA

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Foto: GettyImages/Thinkstock

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Jovem consumindo pornografia.

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dependência da pornografia, as pessoas começam a não se contentar mais com filmes convencionais e procuraram vídeos em que as práticas fogem do ato sexual normal, como vídeos de sexo com animais, necrofilia, paródias pornôs de filmes infantis e até mesmo a própria pedofilia. O Pornhub, um dos maiores sites de compartilhamento de pornografia do mundo, tem o costume de divulgar suas estatísticas para o público. Segundo dados referentes a 2017, o portal teve em um único dia 75 milhões de visitantes, porém o que mais chama a atenção não é o número de acessos e sim o que as pessoas buscam assistir. Entre os termos mais procurados em todo o mundo, estão “Overwatch” (jogo de videogame), “Rick andMorty” (desenho animado) e “FidgetSpinners” (brinquedo), mostrando que os consumidores de pornografia estão desenvolvendo uma demanda atípica e o mercado está oferecendo o mesmo. Já nos dados referentes às palavras buscadas por brasileiros, estão Overwatch, Hentai (desenhos japoneses de cunho pornográfico), Teen (adolescente em inglês), Mom (mãe em inglês). Outro gênero que se destaca no Brasil é o de Realidade Virtual ou VR que, segundo Pornhub, teve aumento de procura em 24%, colocando o país como o 14º maior consumidor de vídeos pornô em realidade virtual. PRI MEI RA

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Segundo a doutora em história social, especialista em sociologia política e professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Márcia Barros Ferreira Rodrigues, a pornografia sempre existiu, porém a indústria pornográfica não, e é justamente a indústria que potencializa o acesso a esses tipos de conteúdos.“A questão que vemos na indústria por-

Dados do site Pornhub referente ao Brasil. Fonte: Pornhub


SAÚDE as denúncias de nográfica é que “A questão que vemos na indústria ela potencializa pornográfica é que ela potncializa o desejo sexual crime na internet o desejo sexual e e gera dependência, mas não se pode afirmar que feitas no Brasil. Só em 2016, gera dependên- isso é errado ou certo”, conta a doutora em história social Márcia Barros Ferreira Rodrigues o Disque 100 (sercia, mas não se viço do Governo pode afirmar que isso é errado ou certo, partindo do princi- Federal que recebe denúncias contra violação pio que isso é uma questão moral.”, explica. dos direitos humanos) recebeu 17,5 mil alerA pornografia e seus ma- tas de violência contra crianças e adolescenlefícios para a sociedade tes. A maioria das denúncias sobre crimes de Segundo o Estatuto da Criança e do Adoles- abuso sexual (72%) e exploração sexual (20%). cente no Art. 241-B, “Considera-se ato infracio- Os outros 8% são de ligações relacionadas a nal a conduta descrita como crime ou contra- outras violações, como pornografia infantil, venção penal adquirir, possuir ou armazenar, sexting (divulgação de conteúdo sexualmente por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra explícito na internet), grooming (tentativa de forma de registro que contenha cena de sexo adulto em conquistar a confiança da vítima), explícito ou pornográfica envolvendo criança exploração sexual no turismo e estupro. O anseio por sexo que a virtualidade traz ou adolescente”. Porém, dados de pesquisa é tão grande que abriu mais caminhos para a divulgados pelo PornHub referentes a 2017, a palavra Teen ficou em nono lugar entre as pa- indústria do sexo, proporcionando a criação de sites de prostituição em que o usuário enlavras mais procuradas em todo o Brasil. tra e escolhe o perfil da pessoa, a fantasia que Basta pesquisar a palavra “novinha” no deseja realizar. E ele só precisa pagar uma Google que vemos como a pornografia exploquantia para ter acesso a isso. Não é nada dira a sexualidade infantil em seu conteúdo, ferente de fazer uma compra em sites como sempre colocando a mulher de forma infanti- Mercado Livre. lizada, frágil, inocente e receptiva ao sexo. Por É possível consumir pornografia sem se outro lado, quando a mulher adulta não é in- viciar, mas é impossível ser isento dos efeitos fantilizada, há conteúdos de crianças, que são sociais que ela causa. Milhões de pessoas gravados enquanto elas são submetidas a al- são afetadas diretamente ou indiretamente gum tipo de violência sexual, como estupros. pela pornografia, seja pelo vício e as patoloA ONG Safernet, instituição que luta contra gias que ele traz ou até mesmo pelo incentivo crime virtuais, divulgou dados que apontam ao abuso de crianças devido à infantilização que os casos de pornografia infantil dominam de mulheres durante o ato sexual encenado. É fato que a forma em que as pessoas se relacionam está mudando, não existe nada que possa mudar isso, porém é necessário o alerta sobre os efeitos destrutivos que a pornografia causa. Existem diversas páginas no Facebook e até mesmo sites voltados para ajudar quem se tornou dependente de pornografia. “É possível superar esse vício, basta a pessoa querer e seguir com acompanhamento médico”, conclui BoeGráfico mostra os tipos de violência praticada contra crianças e chat. adolescentes. Fonte: Governo Federal, 2016 PRI MEI RA

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SAÚDE

Homens, não partes

Utilizada atualmente por mais de 5 milhões de brasileiros, a medicina integrativa mostra que é possível tratar não só o corpo, mas a alma e mente.

Silvia Fonseca

e Saúde Pública, totalizando atualmente quase 30 procedimentos, que vão da acupuntura à arteterapia. Com o aumento da oferta de modalidades, o Brasil passa a liderar a lista de países que oferecem esses serviços na rede pública de saúde. O país conta atualmente com mais de 5 milhões de usuários em 3.173 municípios. Segundo o ministro, a adoção dessas práticas tem como objetivo o tratamento preventivo das doenças, assim como o não agravamento de pro-

blemas de saúde, evitando a necessidade de um número elevado de procedimentos, cirurgias e medicamentos. "Somos, agora, o país que oferece o maior número de práticas integrativas disponíveis na atenção básica. O SUS financia esse trabalho com a transferência para os municípios, e nós passamos então a caminhar um pouco na direção do fazer e não cuidar da doença", disse Barros em discurso de abertura do Primeiro Congresso Internacional de PICs.

Foto: PicsHype

Desde a criação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PICs) em 2006, tratamentos integrativos passaram a ser parte dos serviços oferecidos pelo SUS. O número de procedimentos oferecidos só vem aumentando, e, neste ano, cerca de 10 novas práticas foram incorporadas ao Sistema pelo então ministro da Saúde, Ricardo Barros, ação sancionada durante a abertura do Primeiro Congresso Internacional de Práticas Integrativas e Complementares

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Medicina Integrativa e Medicina Convencional PRI MEI RA

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SAÚDE

Meditação

é importante que utilizar a interdisciplinaridade da saúde. A médica Ana Rita Vieira, homeopata há 30 anos e Coordenadora Estadual das Práticas Integrativas e Complementares, nos conta que diversas categorias de profissionais são responsáveis pelos tratamentos. Médicos, educadores físicos, fisioterapeutas e muitos outros profissionais da saúde fazem parte da construção desse tratamento holístico. Mas não pense que os hospitais e clínicas convencionais se encontram vazios e abandonados, longe disso. A biomedicina ainda tem o seu espaço e um grande protagonismo nos tratamentos de saúde, mas ela vem aprendendo a coexistir com a medicina integrativa, que aos poucos se faz presente no ambiente médico convencional. Ao contrário do conhecimento popular, técnicas como acupuntura, homeopatia e Do-in não são necessariamente alternativas para os

Foto: Asscom/SESA

O termo integrativas é abordam os mais diversos asutilizado para descrever uma pectos da vida do indivíduo grande quantidade de tra- buscando assim as respostamentos médicos não con- tas médicas necessárias. As vencionais - acupuntura, ho- entrevistas acabam por criar meopatia, do-in, reiki, entre também um vínculo entre outros - que são incorporados o profissional e o paciente, às práticas ferramenta de medicina importante O que se propõe então convenciopara a eficánal. O nome com a medicina integrativa é cia do tratapor si só já essa parceria entre médico e mento. Um diz bastante paciente, visando o cuidado dos princisobre a pro- com a saúde. Com essa abor- pais comdagem, o paciente é colocaposta dessa ponentes área médica, do como ator principal em base dessa é uma mo- seu processo de cura. Des- relação é a dalidade de trói-se então a figura desse capacidade medicina que indivíduo como agente pas- de ouvir do busca inte- sivo e passa-se então a ter profissional, grar os aspec- uma abordagem mais ativa, r e s u l t a n d o tos físicos, empoderadora e responsabi- numa posiemocionais lizadora. tiva de cone mentais do fiança múpaciente, de modo que seja tua, que atrai cada vez mais possível tratar diversas do- adeptos à essa prática. enças a partir de uma análiEssa parceria não se ense que considera o indivíduo cerra na dicotomia paciente como um todo, não só suas e médico, ela reúne também partes isoladas. profissionais de diversas áreA forma holística de cui- as e formações, pois para tradar da saúde vem ganhando tar o corpo em sua totalidade cada vez mais adeptos. Essa medicina, que vê o homem como um todo indivisível, e não como coleções de peças e sistemas independentes, aparece então, como a antítese da medicina convencional ocidental, o chamado modelo biomédico, que tem seu foco na partição do ser humano, dessa forma, ela possui a liberdade de analisar de forma muito mais ampla a condição do ser humano. Esse diagnóstico acontece por meio de uma interação profunda com o paciente, por meio das entrevistas, que

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SAÚDE métodos biomédicos, muitas vezes elas atuam como ótimas aliadas no tratamento de doenças. Segundo a Dr. Ana Rita Vieira, “em algumas situações ela (medicina integrativa) pode substituir os tratamentos convencionais, mas ela costuma trabalhar junto. Muitas vezes você precisa do diagnóstico, exames e medicamentos para auxiliar as práticas integrativas. Essas práticas funcionam para estar lado a lado, não para competir”. Eficácia comprovada? Os benefícios - ou a possível falta deles - de terapias integrativas são muito contestados. Carlos Vital, presidente do CFM, em entrevista para o Estadão, defende que não há evidências científicas suficientes que possam comprovar a eficácia dos tratamentos. Segundo Vital,

essas práticas não têm base em evidências, portanto, oneram o sistema público e não deveriam ser incorporadas, afirmou. Porém, objeções tais como essa não bloquearam a onda de interesse e crença na eficácia de métodos interativos. Embora essa batalha continue, é perceptível que uma nova geração de provedores de serviços de saúde está adotando uma abordagem integrativa e valorizando a integração com o paciente. Os primórdios da medicina alternativa O termo medicina integrativa, criado em meados dos anos 90 nos Estados Unidos pelos médicos americanos Andrew Weil e David Einsenberg dá nome a uma ideia que permeia a medicina desde a época de Hipócrates. Considerado o pai dessa ciência, já pregava so-

bre a necessidade o conhecimento do homem como um todo para que se possa conhecer o corpo humano. O conceito contemporâneo se apropria dessa ideia e surge com a observação das alterações na vida cotidiana do ser humano em seus múltiplos aspectos. Além disso, esse tipo de medicina também incorpora tratamentos tradicionais, tendo um repertório que abarca múltiplas técnicas milenares orientais, e também da medicina ayurvédica, originária da Índia, que tem ligação com taoísmo e hinduísmo. Mas ela não se restringe aos tratamentos orientais, outra parte integrante de grande importância na medicina integrativa é a homeopatia, que foi criada pelo médico alemão Samuel Hahnemann no século XVIII.

PRINCÍPIOS DA MEDICINA ALTERNATIVA Embora as terapias da medicina alternativa variem muito, elas convergem em uma série de princípios básicos sendo eles:

• •

O paciente e o praticante são parceiros no processo de cura. Todos os fatores que influenciam a saúde, o bem-estar e a doença são levados em consideração, incluindo corpo, mente, espírito e comunidade.

Os provedores usam todas as ciências da cura para facilitar a resposta de cura inata do corpo.

Intervenções efetivas que são naturais e menos invasivas são usadas sempre que possível.

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O bom remédio é baseado em boa ciência. É uma investigação dirigida e aberta a novos paradigmas.

Juntamente com o conceito de tratamento, os conceitos mais amplos de promoção da saúde e prevenção de doenças são primordiais.

O atendimento é personalizado para melhor atender às condições, necessidades e circunstâncias específicas do indivíduo. Praticantes da medicina integrativa exemplificam seus princípios e se comprometem com a auto-exploração e o autodesenvolvimento.


SAÚDE CONHEÇA ALGUMAS DAS PRÁTICAS INTEGRATIVAS OFERECIDAS PELO SUS

Fonte: Ministério da Saúde

Acupuntura

Meditação

Termalismo/crenoterapia

A acupuntura é uma prática que compõe a Medicina Tradicional Chinesa. Criada há mais de dois milênios, é um dos tratamentos mais antigos do mundo. Diferentes abordagens para o diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças são realizadas, entretanto o procedimento mais adotado no mundo atualmente é o estímulo da pele por agulhas metálicas muito finas e sólidas, manipuladas manualmente ou por meio de estímulos elétricos.

A meditação tem como finalidade facilitar o processo de autoconhecimento, autocuidado e autotransformação e aprimorar as interrelações – pessoal, social, ambiental – incorporando à sua eficiência a promoção da saúde. Amplia a capacidade de observação, atenção, concentração e a regulação do corpo-mente-emoções.

O termalismo é um método natural de tratamento que recorre às águas minerais e/ou termais para fazer as curas. A variedade de componentes químicos e propriedades físicas da água e o seu equilíbrio permite obter propriedades que ajudam a recuperação da saúde. O termalismo engloba também todo um conjunto de tratamentos à base de produtos naturais retirados da nascente, como vapores, gases e lamas.

Ligue diretamente para o Centro de Referência em Homeopatia e Acupuntura, nos telefones (27) 3636-2698 / (27) 3636-2699, para se inscrever na palestra de acolhimento, onde você receberá informações sobre a Homeopatia ou Acupuntura, esclarecendo suas dúvidas. Após a Palestra de acolhimento sua consulta será agendada. Rod. BR 262 Km 0 Jardim América – Cariacica Anexo CRE – Metropolitano Ed. Cristiano Tavares Colins. Horário de funcionamento 7h às 18h.

Homeopatia A fitoterapia é um tratamento terapêutico caracterizado pelo uso de plantas medicinais em suas diferentes formas farmacêuticas, sem a utilização de substâncias ativas isoladas, ainda que de origem vegetal. A fitoterapia constitui uma forma de terapia que vem crescendo notadamente neste começo do século XXI.

A homeopatia é um sistema terapêutico que envolve o tratamento do indivíduo com substâncias altamente diluídas, principalmente na forma de comprimidos, com o objectivo de desencadear o sistema natural do corpo de cura.

Foto: Asscom/SESA

AGENDE UMA CONSULTA

Fitoterapia

Palestra de acolhimento

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EDUCAÇÃO

Busca por emprego motiva a desistência do ensino superior

A maioria dos estudantes moram com a família ou algum parente e ajudam em casa, então existe a necessidade de trabalhar

Foto: Géssica Lopes

Por Danielle Gonçalves e Géssica Lopes

Entrada da Ufes

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A evasão escolar é quando um aluno deixa de frequentar a escola, seja ela de nível de médio, técnico ou superior. Entretanto, a evasão não é um problema isolado, ele interfere na economia e desenvolvimento social do país, que passa a não gerar mão de obra qualificada e consequentemente aumenta o índice de subempregos e até mesmo desemprego. A dificuldade em manter o aluno nas escolas e universidades tem despertado a ideia de que a causa principal seja a inconsistência da educação no ensino médio, porém é ainda mais grave, porque o problema já está relacionado aos primeiros anos da criança na escola, ou seja, no processo de alfabetização. Os anos iniciais da criança na escola são fundamentais para o desenvolvimento intelectual e disciplinar. Mas, no Brasil essa necessidade não é vista com prioridade. A carência da educação nos anos iniciais de estudo, e a permanência dela nos níveis seguintes, intensifica a desistência do aluno que consegue PRI MEI RA

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chegar à faculdade, seja ela pública ou privada, porque o estudante pisa na universidade despreparado, não consegue acompanhar o ritmo de estudos da instituição. Além da incerteza em relação ao curso. Isso tudo gera na sociedade brasileira uma perda significante de pessoas qualificadas para o mercado de trabalho e consequentemente o empobrecimento da população uma vez que sem a qualificação que o mercado exige, esse jovem caí no subemprego. Portanto, a evasão está ligada a um outro ponto muito importante que é o fato do jovem que chega na universidade e encontra um universo à parte, e junto com ele está o início da vida adulta, arcar com responsabilidades e despesas. Principal motivo da desistência da faculdade é a necessidade de trabalho A técnica administrativa do colegiado de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo e que teve como objeto de pesquisa para o seu TCC a retenção, Esther


Foto: Géssica Lopes

EDUCAÇÃO

Com a evasão, os espaços estudantis ficam cada vez mais vazios

Nunes, contasobre os motivos que causam a evasão. “O principal motivo para o aluno parar de frequentar o curso é a necessidade de trabalhar, a maioria mora com a família ou algum familiar e ajuda em casa, então tem a necessidade de trabalhar, outro ponto é a estrutura do curso, no centro de artes – da Ufes - a maioria dos cursos são diurnos, ou seja, as aulas são de manhã ou de tarde e isso atrapalha o aluno a trabalhar, uma coisa acaba sendo ligada a outra”. Ela ainda explica quais iniciativas o estudante pode tomar para facilitar sua permanência na universidade. “O aluno pode trancar o curso por duas vezes, dois semestres letivos. Mas muitos não trancam oficialmente, eles não fazem matrícula ou não vem, o que leva em conta no desligamento”. Atualmente a universidade tem atuado de forma mais rígida para o prosseguimento do curso do acadêmico e Estherexplica como. “Agora estamos fazendo um acompanhamento mais próximo do aluno, e esse plano de estudo é semestral.A ideia da Prograd – Pro-Reitoria de Graduação da Ufes - ao instituir esse programa é diminuir o índice de retenção e evasão. No planejamento a gente oferece ao aluno a oportunidade de cursar a Universidade de forma acessível, procurando disciplina em outros centros, caso seja a necessidade do horário de aulae até mesmo de buscar assistência estudantil, onde são oferecidas ajudas financeiras e psicológicas. Muitos alunos não a conhecem até chegarem aqui e conversarem”. O diretor de arte e aluno de Publicidade

da Ufes Rodrigo Stein, encontrou dificuldades em permanecer e concluir seu curso. “Eu sempre busquei uma questão mais mercadológica, sempre fui muito ligado ao Photoshop e na Ufes não tinha na época disciplinas que ensinassem isso. Eu também tive problemas para fazer o TCC e isso me desestimulou bastante,por não encontrar uma área específica dentro da publicidade para seguir com o projeto”. A educação na mudança social A educação gera transformação social, dessa forma podemos entender que quanto maior é o investimento de um país na qualidade e desenvolvimento da educação melhor é a expectativa de vida da população em relação a trabalho e renda. Hoje, no Brasil cerca de 13,1 milhões de pessoas estão desempregadas, isso de acordo com os dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que observou um crescimento no número de pessoas desempregadas no trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, atingindo um percentual de 12,6. Em um total são cerca de 550 mil pessoas buscando emprego de um trimestre para o outro, totalizando 13,1 milhões sem emprego. Isso está diretamente relacionado a falta de qualidade na educação pública no país e ainda a mudanças significativas no mercado de trabalho que passou a exigir cada vez mais qualificações e evoluiu muito no que se refere ao surgimento de novas profissões e de tecnologia empregadas na construção do trabalho. E a evasão se torna um problema urgente, uma vez que, acentua a desigualdade social no país. PRI MEI RA

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EDUCAÇÃO

EaD, do patinho feio ao crescimento

O crescimento da Educação a Distância no país é cada vez mais relevante, mas ainda encontra certas barreiras.

Thaísa Côrtes

Recém-formado em Licencia-tura no curso de História pelo EaD da Universidade Federal do Espírito Santo, a Ufes, João José Barbosa Sana não se imaginava como aluno da Educação a distância. Formado em Filosofia e Pedagogia em módulo presencial e mestre em educação, João tinha uma visão diferente sobre a modalidade. “Eu mesmo vislumbrava certo preconceito quanto à educação a distância, pois na visão de alguns professores, seria um ensino menos qualificado”, conta. Hoje com o diploma de História, João sentiu na pele a realidade ao se aventurar nessa nova oportunidade e deixou no passado a visão e

Cursando atualmente Licenciatura em Letras Português-Inglês em EaD, na Unices- umar, Allan Pagung acabou optando pela educação a distância depois de não ter se adaptado ao curso presencial. Feliz com o curso que escolheu e o módulo de ensino, o jovem vê vantagens por conseguir ter mais tempo para estudar para as provas, por exemplo. Além disso, conta que ficou impressionado com a metodologia e a qualidade: “As aulas transcorrem de forma interativa e dinâmica. Até eu que era cético quanto à educação a distância, fiquei bem impressionado, porque as aulas duram cerca de uma hora e meia e tem exemplos interativos”.

Foto: Thaísa Côrtes

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o “pré-conceito”. “Nesses três anos e meio de curso nunca fiquei de prova final, mas não é fácil. Consegui com muita luta e determinação”. O Secretário de Avaliação Institucional da Ufes e também Avaliador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o Inep, professor Edebrande Cavalieri, endossa que o termo certo a se usar é o de Educação a Distância e não ensino a distância. “É interessante fazer essa distinção, uma vez que a educação vem ser um conjunto de elementos que visam a formação da pessoa de maneira integral, não se tratando apenas de conteúdos. E quando se fala em ensino,

reporta-se estritamente aos conteúdos, no sentido de capacitação e não a de formação”, explica o secretário. Desconfiança na modalidade O preconceito e a resistência a EaD ainda é existente, deixando muitos alunos desconfiados quanto a sua escolha. Edebrande Cavalieri, porém, assegura que, como Avaliador Educacional, tem percebido maior organização e preocupação com prazos e cronologia em relação aos cursos presenciais. “Não arrisco minha mão achando que o ensino presencial é melhor, mas ainda encontramos sim muito preconceito com a EaD. Mas, o que encontramos por esse Brasil afora enquanto avaliadores é uma organização e compromisso cronológica superior”. Leonardo Silva é o exemplo de aluno que tinha suas preocupações quanto à Educação a Distância. Leonardo cursava o quinto período de Engenharia Mecânica em uma universidade de Vila Velha, na Grande Vitória. Tecnólogo em Mecânica e atuando na área de Processos, via na graduação de Engenharia uma possibilidade de ampliar

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EDUCAÇÃO seu currículo. Mas a falta de tempo e junto aos altos custos do curso fizeram com que, depois de muito pensar, escolhesse a EaD como forma de manter seus sonhos acadêmicos. “Eu estudei para saber quais seriam as minhas opções até chegar a EaD, pois eu mesmo tinha certo preconceito”, conta. Leonardo acreditava que era uma proposta de ensino para pessoas, segundo ele, “relaxadas”, mas sua visão mudou: EaD em dados Nos últimos cinco anos a Educação a Distância tem demonstrado um avanço diferenciado, quando comparado ao avanço do ensino presencial. Quem garante é o Conselheiro da Associação Brasileira de Educação a Distância, o professor Enilton Rocha. “Em 2016 existiam 7,1 mil polos de apoio ao presencial (exigência do Ministério da Educação), passando para 13,2 mil em 2017, apresentando um crescimento de 85%”. O Relatório Analítico de Aprendizagem a Distância no Brasil, o Censo EaD Brasil 2016, traz os dados atualizados quanto a modalidade. Nele as matrículas somam 364.901 nas 340 instituições participantes. E nos últimos dois anos, as matrículas em cursos totalmente a distância foram mais de 700 mil. Edebrande lembra que há duas motivações importantes que impulsionam o crescimento desta educação no país. A primeira referente ao público da faixa etária dos 17 aos 24 anos, que, segundo o avaliador, é a idade mais adequada para iniciar a

Demorei a aceitar e tomar coragem para me matricular, mas vi que seria a melhor forma e que atenderia as minhas necessidades e ao que o mercado de trabalho exige. Estava desacreditado que não ia dar certo, mas hoje tenho certeza de que vale a pena” revela Leonardo, que hoje cursa Tecnólogo de Processos Gerenciais pela Estácio. graduação, e que não estão matriculados em quaisquer instituições de ensino superior. A segunda motivação é o preço reduzido que elas oferecem. “Entendemos que há no Brasil uma população da faixa etária dos 17 aos 24 anos que não estão matriculados, ou perderam o tempo ou já entraram no mercado de trabalho e acabaram não fazendo ou desistindo”, explica. Segundo Edebrande, essa população faz parte também da porcentagem de evasão do ensino superior presencial: “Temos hoje uma evasão acima dos 50%, principalmente na rede privadatem preços reduzidos, o que atrai muito”, diz Edebrande. Atrativos da EaD Enquanto exerce o atrativo, a modalidade de educação a distância também tem seus desafios. A tendência de desistir no meio do caminho ou até mesmo no início é grande, uma vez que o aluno se en-

contra sozinho para conduzir o processo de ensino e aprendizagem. André Tardin cursa Administração a distância no polo da Estácio em Vila Velha. Aos 24 anos, o estudante considera como desvantagem do ensino a falta de convivência: “Acredito que a falta de convivência diária com os colegas de classe e os professores seja a grande desvantagem”. Mas garante que o fato de poder ter um campus online 24 horas por dia onde possa ter acesso a todas as aulas e a flexibilidade em poder conciliar o trabalho com a faculdade, não precisando estar em um lugar por 5 ou 6 vezes por semana o ajuda e muito, sendo melhores vantagens de se cursar a EaD. As dificuldades, segundo Enilton Rocha, encontram-se entre à formação de professores deficitária para acompanhar o avanço da EaD e, em relação ao aluno, a sua disciplina. A disciplina é a palavra central na educação e no ensino a distância. Ela precisa estar presente em todos os atores principais da EaD: alunos, professores, tutores e coordenadores. “O professor precisa dar o feedback em tempo mais rápido, pois o aluno está no processo de aprendizagem, e precisa ter este retorno. Exige muita disciplina do tutor a distância, pois deve estar sempre à disposição. Do tutor presencial, que precisa assistir os alunos”, garante Edebrande Cavalieri. PRI MEI RA

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EDUCAÇÃO O lado do mercado: crescimento das empresas privadas Para além da questão das vantagens que a EaD traz para o debate educacional brasileiro, o seu crescimento também está atrelado a um outro propósito: a necessidade das instituições de ensino privado. Neste caso, um fator econômico auxilia a expansão cada vez maior dos polos pelo território nacional.

“Esse é um fator importante para o crescimento das EaD no Brasil, pois se tornam a galinha dos ovos de ouro para estas instituições que acabam entrando em crise devido ao alto número de evasão nos cursos presenciais”, explica Edebrande. A lógica consiste em pouco investimento para ob-

ter um retorno muito maior: “A EaD tem garantido a sustentabilidade financeira de muitas instituições. Ela envolve menos custos e mais lucros. Mesmo com mensalidades mais baixas se comparada ao presencial, a modalidade acaba tendo mais volume nas matrículas, gerando mais renda”, esclarece.

Sempre faltará o importante, a vivência universitária Não sou completamente contra, ainda porque existem modelos distintos de educação a distância e esse país é imenso, e em muitos cantos dele a gente poderia ter a educação a distância como uma alternativa. Porém há algo importante que acaba faltando: a necessidade do aluno se constituir como tal e compreender o que isso significa. Essa compreensão

e constituição só serão possíveis com a vivência universitária. A exemplo de um aluno de uma universidade pública, compreender que a Universidade tem problemas com o restaurante universitário, que a Universidade tem problemas com a biblioteca, etc. Você só consegue sentir os efeitos desses problemas se estiver dentro do espaço da universidade.

E se faz importante, pois, querendo ou não, acaba afetando. Não só na sua atuação, mas na compreensão e na defesa da instituição onde estuda. Professora Doutora Ana Carolina Marsiglia, do Departamento de Teorias do Ensino e Práticas Educacionais (Dtepe), da Universidade Federal do Espírito Santo.

A educação e o ensino a distância exigem algo muito importante, chamado disciplina. E os alunos do EAD que se mantém, tem se mostrado um crescimento em termo de capacidade muito elevado”. Edebrande Cavalieri, Secretário de Avaliação Institucional da Ufes e também Avaliador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o Inep.

Não creio que haja a possibilidade do EaD acabar com o ensino presencial. Há uma tendência mundial em acabar com essa pseudo distinção. Nos próximos 5 anos, a tendência será a oferta de educação híbrida mediada e a distância, independente do modo operacional”. Enilton Rocha, Conselheiro da Associação Brasileira de Educação a Distância.

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EDUCAÇÃO

Conversamos com uma doutora em educação a distância (EaD) para saber as vantagens e desvantagens deste processo de aprendizagem por intermédio de uma plataforma virtual.

Professora do departamento de Letras Italiano da Ufes, Mariza Moraes, pós-doutora pela Universidade Federal do Ceará na área da Educação a Distância (EaD), fala sobre esse modelo de ensino que cresce cada vez mais no país. Ela ministra o curso de licenciatura em italiano e resume as expectativas e os desafios de quem adquire conhecimento por meio de uma tela de computador.

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Caminhos e desafios da EaD no Brasil Camila Nascimento

que EaD é fácil, engana-se. Seja pelo ponto de vista do aluno, tanto quanto dos gestores e professores. Os alunos devem ser autônomos, diligentes, disciplinados, os professores devem primar as aulas pela organização baseada em cronograma e mapas de atividades. Os gestores, ou seja, a coordenação do curso, deve operacionalizar diferentes atores em diferentes funções: tutoria, secretaria, professores, alunos, coordenadores de polo, designer instrucional.

Em sua opinião, quais são as vantagens da EaD? O ensino-aprendizagem em EaD possibilita flexibilidade E as desvantagens? de horário, tendo em vista O preconceito que há obrigatoriedade A qualidade deve contra a EaD afastava de um encontro semanal, potenciais ser tão boa quanto o muitos além de outro para as alunos. A ideia vendida provas. Além disso, O presencial. Depende do de que EaD é mais fácil processo seletivo é mais conceito ideológico do de ingressar, cursar e flexível, visto que o MEC curso, da gestão, dos se formar é desfeita não permite que seja ao perceberem o discentes, dos professores. utilizado o Enem. quanto é complexo, A EaD gera É uma correlação de forças” o quanto se exige de emprego e renda, responsabilidade e visto que oportuniza cumprimento de prazos. emprego para tutores locais, os chamados A EaD não serve a qualquer saber. Aqueles tutores presenciais, ou seja, moradores muitos específicos, que exigem laboratórios próximos dos polos e dá chance de pessoas especiais, por exemplo. Educação a Distância empregadas, que habitam na Grande Vitória, é muito difícil para os gestores: muito controle desenvolverem atividades de tutoria porque de conteúdos, de postagens. Devemos a forma de remuneração em EaD estatal é orquestrar todos os atores. bolsa de estudos. Os tutores a distância/ Outra desvantagem é que a “Educação a presenciais trabalham 20 horas por semana. Distância é mal paga. A maioria dos cursos em Para os tutores a distância é uma forma EaD não oferece, salvo melhor juízo, formação interessante de teletrabalho. Quem imagina continuada para os egressos, como acontece

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EDUCAÇÃO no ensino presencial. Os cursos ofertados têm que garantir campos de estágio e estes devem assegurar a supervisão. Os cursos em EaD devem seguir à risca o que determina o MEC. Não podem ser aligeirados. O meu curso foi feito a partir de uma pesquisa sobre empregabilidade. Ou seja, tenho em mente que os egressos devam atuar na área de formação. Para isso tenho estabelecido diálogos com as secretárias de educação dos municípios que ofertam o curso.

presencial. Depende do conceito ideológico do curso, da gestão, dos discentes, dos professores. É uma correlação de forças.

É possível o aluno “burlar” o sistema educacional das plataformas digitais? Na internet tudo é possível. No ensino presencial temos cola, desculpas mentirosas, protelação de entrega de material. O aluno é cadastrado para ter acesso à plataforma. Se alguém quiser fazer exercícios por ele é possível, mas as provas são presenciais. A qualidade de ensino é equivalente ao Além disso, temos seminários, eventos, ensino presencial? Por quê? atividades de extensão. Depende. Creio que deve variar de curso para curso, mas todas as graduações A senhora acredita que em um futuro a EaD devem resolver algumas questões: retenção, poderá extinguir o ensino presencial? Por quando o aluno não se forma no tempo previsto, reprova muito; Evasão, quando quê? Não. O que vai acontecer é que o o aluno abandona o curso ou é desligado pela instituição; Empregabilidade, quando presencial vai adotar as ferramentas da o egresso não consegue lugar no mercado EaD. Exemplos: sou docente de literatura de trabalho. A graduação não é suficiente. italiana. Redijo minha disciplina e peço Carência de campo de estágio; Formação a um laboratório de designer instrucional curricular deficiente: currículo alheio à para diagramá-lo, ele pode ser até um PDF interativo. Utilizo áudios, gravo vídeos, realidade do mercado de trabalho. A qualidade deve ser tão boa quanto o coloco música. Posso gameficá-lo.

Foto: arquivo pessoal

A Educação a “ Distância é mal paga. A maioria dos cursos em EaD não oferece, salvo melhor juízo, formação continuada para os egressos, como acontece no ensino presencial”, afirma Mariza.

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milhões de matrículas no ensino médio público e em torno de

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de 15 a 17 anos (14,6% do total) já abandonaram os estudos.

Ensino médio a distância, uma possibilidade Após reforma no texto da base curricular comum, Conselho Nacional de Educação propõe maior investimento EaD no ensino médio brasileiro Richele Ribeiro

Freepik

Com fama de flexível e com baixo custo, o ensino a distância (EaD) é uma opção de muitos jovens para ingressar no ensino superior. De acordo com o “Censo da Educação Superior 2016”, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC), enquanto as matrículas para cursos presenciais diminuíram 1,2% entre os anos 2015/2016, na Segundo dados do IBGE modalidade a distância houve um aumento de 7,2% no (Instituto Brasileiro de mesmo período. Geografia e Estatística), De olho nesta tendência e batendo na tecla da inoem 2016, vação, o relator da Comissão do Ensino Médio do Conselho Nacional de Educação dos lares brasileiros tinham acesso à internet. (CNE), Rafael Esmeraldo Lucchesi Ramacciotti, apresentou uma proposta que permitiria até 40% da carga horária a distância. Assim, pelo menos dois dias na semana as aulas seriam fora da sala. A comissão é responsável pela revisão das diretrizes curriculares após a aprovação da nova legislação. Caso seja

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aprovada, a medida estabelece uma certa autonomia para as instituições na definição de modelos e ferramentas. O texto ainda precisa ser discutido e votado através de audiência pública e até dentro do próprio Conselho antes de chegar ao MEC. Privatização A sugestão só foi possível por uma brecha na reforma do ensino médio. O conteúdo aprovado em fevereiro de 2017, prevê a utilização de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) para realização de parcerias com o setor privado. Com isso, empresas de educação a distância são autorizadas a ofertarem cursos que serão usados para a integralização dos currículos dos estudantes. Segundo dados do Plano Nacional de Educação (PNE), o Brasil tem 6,9 miPRI MEI RA

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EDUCAÇÃO lhões de matrículas no ensino médio público e em torno de 1,5 milhão dos jovens de 15 a 17 anos (14,6% do total) já abandonaram os estudos. Para a professora do Departamento de Teorias do Ensino e Práticas Educacionais da Universidade Federal do Espírito Santo, Sandra Kretli, a possibilidade de parte do ensino médio ser realizado a distância não seria eficaz. “A proposta abre caminho para a privatização da oferta pública do ensino médio. Não a considero nada inovadora, para mim é sinônimo de barateamento e precarização”, afirma. Ela acredita ainda que a proposta, se aprovada, abre um grande mercado para a produção e venda de material educacional on-line.

da Educação (ANFOPE), Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) se posicionaram contra a nova legislação, principalmente a possibilidade do ensino ser pela modalidade virtual. Para eles, a reforma aprofunda uma precariedade já existente, primeiro reduzindo o currículo, e agora, induzindo ao ensino a distância. Além também de ampliar as desigualdades educacionais e sociais, ameaça a democratização do ensino público e distância a juventude do direito inalienável à educação com qualidade social. Ainda segundo as entidades, é urgente que o CNE

escrita do Espírito Santo (Nepales), Cleonara Schwartz, acredita que a medida diminuirá de maneira significativa o número de professores nas instituições. Ela considera que o ensino a distância necessita de uma estrutura tecnológica avançada, o que inclui internet acessível e profissionais bem treinados para mediarem o processo. “A modalidade não deveria ser utilizada de forma alguma sem as garantias necessárias”, concluiu.

Desvalorização A professora Sandra Kretli defende que escola é local, além de tudo, de interação. “Para muitos jovens é o único espaço de encontros e de convivências. E nesses encontros Manifesto criamos vínculos, Assim que exercitamos a sofoi apresentada, a lidariedade, colePara muitos jovens a escola é proposta recebeu tividade.” o único espaço de encontros e críticas de moviE não são mentos e assoapenas os alunos convivência. E nesses encontros ciações ligadas à que seriam precriamos vínculos, exercitamos a educação. Para exjudicados pela solidariedade, coletividade.” pressar o desconproposta. Para a tentamento, um ela, profissionais manifesto intitude ensino perdelado “O desmonte riam autonomia da escola pública e possibilidade e os efeitos da reforma de criação, além de uma abra o diálogo com a sociedado ensino médio: exclusão, de, as instituições formadoras, terceirização da profissão. precarização, privatização, as entidades representativas “Precisamos fortalecer a esdesresponsabilização do es- de pesquisadores, professo- cola, melhorar as condições tado” foi divulgado. res e estudantes e não apenas de trabalho, valorizar e fazer O documento, assina- com o empresariado. valer as metas que tratam da do por entidades como, Mogarantia à valorização dos Estrutura vimento Nacional em Defesa professores por meio de inA coordenadora do vestimento na carreira dodo Ensino Médio (MNDEM), Associação Nacional pela Núcleo de estudos e pesqui- cente e na gestão democrátiFormação dos Profissionais sas de alfabetização, leitura e ca da escola”, defende.

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