implacável, com ironias mortíferas. Hélio amava música, ia a muitos shows e a festivais de rock em Londres no início dos 1970, quando morou lá, adorava Gal Costa e Janis Joplin, tinha intensa convivência com músicos como Caetano, Gil, Jorge Mautner e Jards Macalé, inspirou-lhes muitas ideias, era frequentador assíduo das rodas de samba na Mangueira, tinha vasta cultura da música urbana do Rio de Janeiro.
No verão de 1970, quem me ligou excitadíssimo do Copacabana Palace, quase aos gritos, foi Hélio Oiticica, para contar que Janis Joplin, que ele adorava, estava lá, mais em osso do que em carne, tentando se livrar da heroína com uma temporada ao sol tropical.Hélio estava maravilhado,
dizendo que Janis era lindíssima, que eu fosse correndo para a piscina do Copa, onde ela estava bebendo e trocando ideias e baseados com qualquer um, sem dar bola para os fotógrafos. Penso em Hélio Oiticica e Janis Joplin, dois jovens talentos, 40 anos depois, que dupla do barulho, hein? Diz a lenda que os dois se divertiram muito nas noites cariocas. Hélio Oiticica era como a sua arte. Sempre em movimento, criando novas formas, cores e espaços, estabelecendo novas relações entre a obra e o espectador, e inspirando novos movimentos artísticos. Trinta anos depois de sua morte, Hélio tornou-se o artista brasileiro moderno de maior prestígio no mundo das artes plásticas e tem suas obras disputadas por museus e colecionadores internacionais. Influenciado por artistas modernos como Paul Klee, Mondrian, Malevitch e Marcel Duchamp, Hélio começou geométrico e rigoroso, buscando o equilíbrio entre as formas, as cores e o espaço em seus Metaesquemas e aparecendo como o artista mais promissor de sua geração. Inquieto e inventivo, Hélio saiu do papel e das telas para o espaço, sem perder o rigor e o amor à geometria. Os seus Relevos Espaciais convidavam o espectador a ver por múltiplos ângulos, que mostravam os objetos sempre diferentes, e sempre os mesmos. Sempre na vanguarda, Hélio radicalizou a relação do espectador com a obra de arte com os seus Penetráveis. Labirintos feitos de diversos materiais e texturas, eles deviam ser percorridos pisando-se em areia, asfalto e terra, e tocando-se em tecidos, cordas e plantas, numa experiência multissensorial que provocou escândalo e polêmica nos anos 1960, quando o conceito de instalação só era usado para gás, luz e telefone. O seu penetrável mais famoso é o Tropicália, que inspirou Caetano Veloso e Gilberto Gil na criação do tropicalismo e hoje está no acervo da Tate Modern de Londres, que em 2007 fez uma grande exposição comemorativa dos 70 anos de Oiticica, que o consagrou internacionalmente. Mas Hélio estava sempre em movimento. Não lhe bastava o espectador ver, tocar e sentir a obra por dentro.
Integrante da ala de passistas da Mangueira e respeitado no mundo do samba, Hélio desfilava todo ano pela escola e, baseado no mundo do samba, criou os Parangolés,
que eram capas multicoloridas vestidas por sambistas que, com sua dança, criavam a ilusão da cor em movimento. Hélio morreu com 42 anos e deixou uma obra sem paralelo entre os artistas brasileiros do nosso tempo, que o coloca entre os grandes inovadores da arte moderna. Entre a cor e a forma, o espaço e o movimento, Hélio definia a sua arte: “O que eu faço é música.” Nelson Motta é jornalista, compositor, escritor e produtor musical. É autor, entre outros, de Noites Tropicais (Objetiva, 2000) e Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia (Objetiva, 2007).
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