revista Oiticica - A Pureza É um Mito

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Em que época que você foi para o Rio de Janeiro? Logo em 1970 eu passei um mês e meio no Rio; depois, em 1975, passei seis meses. Em 1969, fiz com a Gal o show Som Livre de Gal Costa e Tom Zé, que depois veio a ser o nome da gravadora. Quando eu cheguei ao Rio, fiquei com Torquato Neto numa pensão grandona onde morava o MPB-4 e mais um monte de gente. E nesse tempo estávamos lá o Torquato e eu fazendo uma música que nunca mais terminava enquanto Caetano foi à rua e voltou. Quando fui mostrar a música a Caetano, eu comecei a cantar; quando cantei uma parte e ia começando a continuar, Caetano falou: “Aí já é outra música”. Caetano estava botando a gente no trilho do mainstream. Se você vem para aqui, saiba logo, aqui já é outra música. Aqui não é o berçário dos analfatóteles, em que uma música começa e não acaba mais. Ele sabia que eu era um incorrigível. Porque eu fui muito mais profundamente influenciado pela concepção de mundo com outra sensibilidade para o tempo. O tempo tinha outro tratamento, era mais amplo. A eternidade estava contida em cada átimo de uma maneira completamente diferente da maneira aristotélica e cartesiana.

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Como você colocaria o Hélio Oiticica no seu esquema da creche tropicalista? Oiticica é nele a única coisa que foi música, não foi o Oswald de Andrade nem o rock internacional, na minha opinião. Essas cabeças de Caetano, em Santo Amaro da Purificação, de Gil, em Ituaçu, de Capinan, em Esplanada, e de Torquato, um pouco mais para cima, em Teresina, tiveram o mesmo tipo de instrução. Quando a gente encontrou com Hélio Oiticica, disse: “Olha como a gente está com fome disso”, por causa de uma mente que estava perceptível e sugestionada por coisas de invenção. Esse era o mundo da invenção. Quando a gente encontrou com Hélio Oiticica era como encontrar o zero. Quando os árabes invadiram a Península Ibérica, no século VIII, eles estavam divulgando a invenção do zero. Ele foi o segundo zero que a gente encontrou.


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