Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Fundação Itaú | Itaú Cultural
CARACAS, Igor.
Escuta, descoberta, som e corpo / São Paulo : Itaú Cultural , 2025. (Cadernos do professor) 20 p. : il. color. ; PDF.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-7979-196-3
1. Educação musical. 2. Educação infantil. 3. Ensino de música. 4. Dança na educação. 5. Corpo e movimento. 6. Paisagem sonora. 7. Plano de aula. I. Fundação Itaú. II. Itaú Cultural. III. Enciclopédia Itaú Cultural. IV. Título.
demonstrar, experimentar, cantar, praticar (exercícios de música)
dica
discutir, conversar
ouvir, colocar (música) para tocar produzir, pesquisar ou praticar em casa registrar
título
Escuta, descoberta, som e corpo
Este caderno propõe a ativação de relações sonoras de crianças com os ambientes que lhes cercam por meio de estímulo à escuta de paisagens sonoras e de elementos musicais, como objetos cotidianos, materiais naturais, cantigas populares e o próprio corpo. A partir dessa exploração do entorno, pretendemos favorecer a criatividade, capacidade essencial para o desenvolvimento infantil.
objetivos
• Favorecer o desenvolvimento da escuta;
• Descobrir sonoridades em objetos do cotidiano;
• Estimular a expressão por meio da percussão, do canto e de movimentos corporais relacionados à música;
• Objetos do cotidiano e materiais naturais variados com potencial sonoro, como caixa de papelão, folhas secas, jornais, sacos plásticos, plástico-bolha, potes de plástico.
São Paulo, 2025
1º MOMENTO
Estimulando as escutas
Na sala de aula, proponha aos estudantes um exercício para ativar a escuta. Comece explicando que compreendemos o mundo ao nosso redor a partir de cinco sentidos diferentes: visão, audição, olfato, tato e paladar. Conte a eles que faremos um exercício para ativar a nossa escuta, que nos chega a partir dos ouvidos.
Para começar, peça à turma que feche os olhos, busque escutar e, se possível, identificar os sons que estão presentes naquele ambiente. Depois de aproximadamente um minuto, peça-lhes que abram os olhos e que contem o que escutaram
Peça para que cada criança da turma tente reproduzir os sons que ouviu. Pode ser com a voz, com o corpo ou com objetos ao seu alcance naquele momento. Anote as diferenças entre as respostas: algumas crianças percebem sons que outras não ouvem; outras conseguem identificar certos sons a partir das respostas dos colegas; e outras até inventam sons inexistentes naquele momento.
De modo geral, a visão é um dos sentidos mais priorizados nas sociedades ocidentais e, quando renunciamos a ela, os outros sentidos – audição, tato, olfato e paladar – são mais estimulados, o que abre outras possibilidades de interpretação dos eventos ao redor.
Explique para a turma que o conjunto de sons presentes em um espaço configuram uma Paisagem Sonora, com diversas fontes emitindo simultaneamente. A expressão “paisagem sonora” se dá pelo fato de ser uma paisagem, mas que não se vê, se escuta.
2º MOMENTO
Explorando a escuta do entorno e de casa
Convide a turma para visitar outro espaço da escola e verificar a paisagem sonora desse lugar. Pergunte quais sons daquele ambiente diferem daqueles ouvidos na sala de aula e por quê
Peça para a turma desenhar a paisagem sonora que ouviu. Podem ser desenhos livres, baseados nos sons escutados e não nos objetos que os geraram. Por exemplo, desenhar o som do canto do pássaro e não o animal.
Qual é a paisagem sonora da sua casa? Oriente os alunos a escutar e desenhar (com a ajuda do adulto responsável) os sons que ouve em casa. Peça que anotem aqueles de que gostaram ou não e descrevam se eram sons fortes ou fracos (relativos à intensidade), curtos ou longos (relativos à duração), agudos ou graves (relativos à altura).
3º MOMENTO
Buscando sons nas coisas
Faça uma busca por objetos do cotidiano ou materiais naturais (folhas secas, gravetos etc.) com potencial sonoro para levar à aula e apresentá-los à turma. Demonstre como certos objetos com funções específicas podem ser usados como instrumento musical, como sacos plásticos, caixa de palitos de dente, caixas de papelão etc. Considere exibir o vídeo do projeto Coisas e Sons, de Igor Caracas (1988).
Podemos extrair sonoridade ao tocar, chacoalhar, arranhar, friccionar objetos. Alguns deles possuem partes mais duras e mais moles, como caixas de papelão e potes de plástico. Essa diferença de rigidez produz sons mais agudos nas bordas do objeto, com maior aglutinação de material, e sons mais graves no centro, comumente mais maleável.
B.
Da mesma forma, alcançaremos tons mais agudos ao produzir som com partes duras das mãos; e com as partes macias, produziremos sons mais graves, a exemplo das imagens a seguir.
Igor Caracas Frame do vídeo Coisas e Sons vol. 1, 2020 Vídeo
A. Mão aberta, partes macias
Mão aberta, partes duras Fotos de Igor Caracas
Em uma caixa de papelão, demonstre como o som tocado com as partes macias da mão (aberta ou fechada) repercute de modo grave. De maneira diferente, a mesma caixa tocada com a parte dura da mão fechada (com as falanges dos dedos, como se estivesse batendo na porta) reproduz sons mais agudos.
Peça para a turma explorar o espaço em busca de objetos e materiais naturais que possam produzir som. Relembre que a forma como tocamos os objetos –com a mão inteira; só com os dedos; com as unhas; chacoalhando; raspando; soprando etc. – produz diferentes sonoridades.
Ao retornarem da atividade de busca, peça para cada criança apresentar o objeto que achou e quais sons são possíveis produzir a partir dele. Caso você imagine que consegue extrair outras sonoridades do mesmo objeto, demonstre como alcançar esses outros sons.
4º MOMENTO
Criando uma paisagem sonora de água
Demonstre para a turma como é possível reproduzir o som de água sem usá-la Podemos emitir sons de gotas tocando as palmas das mãos abertas com um, dois, três dedos ou com a outra mão inteira, dependendo da força da chuva que queremos reproduzir.
A. Mão fechada, partes macias
B. Mão fechada, partes duras
Fotos de Igor Caracas
Retrato de Naná Vasconcelos, 2016 Foto de André Seiti/ Itaú Cultural
Experimente com a turma reproduzir essa chuva. O interessante nesse exercício é a dessincronização das batidas, pois gotas de chuva não caem de modo simultâneo. Conduza as batidas das mãos dos estudantes, simulando inicialmente as gotas espaçadas de uma chuva fina até se tornar uma tempestade, com palmas completas nesse momento. Essa atividade se relaciona com uma prática que o percussionista, compositor e vocalista pernambucano Naná Vasconcelos (1944-2016) utilizava em algumas de suas apresentações
Outro exemplo são as propostas do conjunto paulista de percussão corporal Barbatuques. Esse grupo desenvolve técnicas para que o corpo soe como instrumentos de percussão a partir de batidas no peito, estalos com os dedos da mão, palmas, boca, pés, pernas, sons vocalizados, mesclando esses sons com canções e danças. Considere assistir com os alunos apresentações do grupo, como a performance de “Peixinho do Mar/Marinheiro Só” no contexto do espetáculo Barbatuquices.
Pergunte à turma quem já foi à praia e quem se lembra do som do mar. Peça para esses estudantes reproduzirem esse som como melhor lhes convier: com a voz, com objetos ou com o corpo.
Folhas secas, sacolas descartáveis, plásticos-bolhas também podem soar como o mar, com movimentos de vai e vem semelhantes às ondas. A variação de intensidade nos movimentos – mais fortes ou mais fracos – também nos remetem à distância da onda, se está chegando ou indo embora. Uma referência é a websérie Uma Companhia Miúda Gigante, dos artistas Luz Marina e Igor Caracas.
Apresentação do Grupo Barbatuques, 2015 Foto de Rogério Vieira/ Itaú Cultural
Apresentação de Uma
Companhia Miúda Gigante com Igor Caracas e Luz Marina, 2022 Foto de Marcel Nascimento
5º MOMENTO
Aliando escuta, música e movimento corporal
Proponha uma atividade em roda: peça que metade dos estudantes se sentem no centro da roda e simulem o som do mar com os objetos selecionados por você; a outra metade deve rodear o centro, cantando e caminhando na pulsação da música.
A. Primeira proposta
Convide a turma para cantar uma antiga cantiga de capoeira. Apresente a canção para que as crianças aprendam a melodia e a letra da música
A Maré Tá Cheia
Canção em domínio público
A maré tá cheia iô iô
A maré tá cheia iá iá (coro) (4x)
A maré subiu
Sobe maré (coro)
A maré desceu
Desce maré (coro) (4x)
É de maré, é de maré
Eu vou pra Ilha de Maré (2x)
Em seguida, demonstre para os estudantes em pé os movimentos corporais que devem ser executados durante a roda.
1. Levantar os braços quando cantar “A maré subiu, sobe maré”.
2. Ficar de cócoras quando cantar “A maré desceu, desce maré”.
3. Andar em círculo na pulsação da música quando cantar “É de maré, é de maré, eu vou pra Ilha de Maré”.
4. Caso a atividade transcorra bem, adicione um movimento final de caminhar ou correr livremente pela sala quando cantar “É de maré, é de maré / Eu vou pra Ilha de Maré”, repetindo a estrofe quantas vezes julgar necessário.
B. Segunda proposta
Caminhar em roda e cantar na pulsação da música “Quem Quiser Me Ver”, outra cantiga da c apoeira. Apresente a canção para que as crianças aprendam a melodia e a letra da música:
Arrodeia o Mar Três Vez
Canção em domínio público
Quem quiser me ver, arrodeia o mar sem fim
Quem quiser me ver, três vez arrodeia o mar
(Alguns grupos de capoeira cantam esse verso como “Quem (Se) quiser me ver, arrodeia o mar três vez”.)
Em seguida, demonstre para os estudantes os movimentos corporais (mais complexos que os anteriores) que devem ser executados durante a roda.
1. Para caminhar na pulsação da música, demonstre para os alunos qual o lado direito e esquerdo. Em seguida, peça que levantem a perna e o braço de cada lado e conduza a pulsação com uma contagem de dois tempos (“1, 2”) para que todos caminhem sincronizados. Esse caráter binário – que contém dois tempos por compasso, ou seja, a cada dois tempos (“1, 2”) volta-se ao início do compasso (tempo 1) – está presente em vários gêneros musicais, como o samba, a capoeira, o coco, o baião, entre outros ritmos brasileiros.
2. Conte em voz alta “1, 2” (tempos) a cada pisada, um tempo para cada pé. Depois conte também os contratempos (intervalo entre um tempo e outro) para ajudar a turma a manter a movimentação: “1, 2 | 1 e 2 e | 1, 2 | 1 e 2 e”.
3. Para auxiliar a pulsação, bata palmas e os pés.
4. Quando todos caminharem no mesmo ritmo, comece a cantar a cantiga e adicione a palma no ritmo da capoeira.
||: 1 2 e | 1 2 e :|| ||: Tá táta | Tá táta :||
5. Quando cantarem “três vez arrodeia o mar”, peça que girem em torno do próprio corpo e voltem para a roda. Enquanto a roda gira no sentido horário, o corpo gira em torno de si mesmo no sentido contrário, como no vídeo do projeto Uma Companhia Miúda-Gigante. O desenho a seguir traz os tempos exatos das pisadas com os pés direito e esquerdo. Importante notar onde
Representação rítmica em partitura escrita por Igor Caracas, 2016.
Representação esquemático do movimento
Criação de Igor Caracas
Ilustração de Fábio Sepede e Igor Caracas
os pés se encontram com a letra da música (aqui destacados com letras maiúsculas e numerados em 4 movimentos de pés):
TRÊS vez arroDEia o MAR 1 2 3 4 1
6. Peça que os estudantes se sentem em roda para finalizar a atividade com uma conversa. Pergunte a eles:
a. o que acharam e o que aprenderam com a atividade;
b. quais dificuldades ou facilidades sentiram;
c. do que gostaram ou não gostaram;
d. quais outras músicas gostariam de cantar em uma roda ou em uma atividade como esta.
reflexão final
Esta sequência didática permite refletir como os sons estão presentes em nossas vidas: por meio dos sons da natureza (sons de animais e fenômenos naturais) e daqueles produzidos pelo homem (músicas, carros, motos, aviões, helicópteros, máquinas, sinos etc.). Todos esses sons participam da paisagem sonora. Também podemos conhecer os sons das coisas e criar novos outros com os objetos à disposição, basta usarmos a criatividade. O nosso corpo também faz parte desse processo: podemos dançar e inventar movimentos para expressarmos o que quisermos, assim como para compreendermos as músicas que escutamos.
sugestões complementares
Considere pesquisar sobre a dupla Palavra Cantada, formada por Sandra Peres e Paulo Tatit há mais de 30 anos. O grupo tem em sua trajetória a marca da pesquisa musical dos ritmos e dos temas típicos das infâncias brasileiras. Os artistas, homenageados no projeto Ocupação Palavra Cantada, também se interessam pelo movimento, aliando a musicalidade de crianças e adolescentes às sugestões de uso do corpo. Acesse o site da Ocupação para conteúdo inédito sobre a trajetória do grupo e o pensamento da dupla.
Retrato de Sandra Peres e Paulo Tatit, 2025 Foto de André Seiti/ Itaú Cultural
Para as atividades com música, sugere-se ouvir “A Maré Tá Cheia”, interpretada pela Mestra Criança do Grupo Muzenza de Capoeira. De igual modo, a canção “Arrodeia o Mar Três Vez” interpretada pelo Mestre Virgilio de Ilhéus.
referências
A MARÉ tá cheia. [?]: Canal Release - Topic, 2024. (2 min 03 seg). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XsKASn2WA6w. Acesso em: 29 abr. 2025.
ARRODEIA o mar três vez. Ilhéus: Canal Mestre Virgílio de Ilhéus, 2023. (2 min 43 seg). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pVexmTtBf_E. Acesso em: 29 abr. 2025.
BARBA, Fernando; Núcleo Educacional Barbatuques. O corpo do som: experiências do Barbatuques. Música na Educação Básica, Londrina, v. 5, n. 5, pp. 38-29, 2013. Disponível em: https://revistameb.abem.mus.br/meb/article/ view/139/61. Acesso em: 29 abr. 2025.
BRITO, Maria Teresa Alencar de. Música na educação infantil. São Paulo: Peirópolis, 2003.
______. Um jogo chamado música: experiência, criação, educação. São Paulo: Peirópolis, 2019.
FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. Música e meio ambiente: a ecologia sonora. São Paulo: Irmãos Vitale, 2004. (Conexões Musicais)
MAIA, Igor Caracas de Souza. Percussão, descoberta e criação: materiais naturais e objetos do cotidiano em contexto percussivo, cultural, educativo e artístico. São Paulo, 2023. Dissertação (Mestrado em Processos de Criação Musical) – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Disponível em https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27158/tde-20122023-150516/ pt-br.php. Acesso em: 29 abr. 2025.
______. Caminhos para o ensino da percussão brasileira: os passos de Ari Colares, Caíto Marcondes, Guello, Maurício Badé e Mestre Dalua. São Paulo, 2016. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
PEIXINHO do mar. São Paulo: Canal Barbartuques, 2023. (2 min 56 seg). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qwG8CQVqZ5U. Acesso em: 29 abr. 2025.
SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente. Tradução Marisa Trench Fonterrada. 2.ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011.