ficha de trabalho 3

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Escola Secundária D. Inês de Castro – Alcobaça Ano Letivo 2011/2011 Curso de Educação e Formação de Adultos – EFA (ReAct) – NS CULTURA, LÍNGUA e COMUNICAÇÃO [CLC] UFCD 7 - Fundamentos da Cultura Língua e Comunicação


 O texto criativo como expressão de vivências  Mecanismos de construção do Eu

reconhecimento

do

Outro

na

Competência: Intervir de forma pertinente, convocando

recursos diversificados das dimensões cultural, linguística e comunicacional.


Objetivos específicos:      

Identificar os diferentes contextos que afetaram a trajetória pessoal. Identificar caraterísticas dos textos autobiográficos. Compreender textos escritos de caráter autobiográfico. Distinguir carta formal/ carta informal. Elaborar uma carta. Selecionar uma crónica.

Conceitos - chave: contexto de vida; família; trajeto pessoal; texto literário; registo autobiográfico; interação social; mudança social.

Recursos / Materiais: Computador com acesso à Internet, textos policopiados e material de escrita.


Carta para Josefa, minha avó  Tens noventa anos, és velha, dolorida. Dizes-me que foste a rapariga mais bela do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste – sete vezes deste à luz. Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-mo tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém. Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrugada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti – e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava. Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!”. É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua. José Saramago, in Deste Mundo e do Outro (Crónicas), Lisboa, Editorial Caminho, 1971


I  Compreensão/ Interpretação 1.

Relacione o retrato físico de Josefa com o modo como viveu.

2.

Identifique o recurso expressivo presente na expressão «Trave da tua casa, lume da tua lareira» (ll.6 e 7) explicando o seu valor expressivo.

3.

A que se refere o autor quando diz «Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo.» (l.18)

4.

Por que razão se sente o autor culpado?


Resolução I 1.

A partir do excerto transcrito na atividade I, José Saramago refere-se a Josefa como uma mulher velha, dolorida e tal como verificamos na linha 1 e 2: “Tens noventa anos, és velha, dolorida. Dizes-me que foste a rapariga mais bela do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados(…)”.

1.

O recurso expressivo presente na expressão «Trave da tua casa, lume da tua lareira» é uma metáfora. Uma metáfora é aquela em que apenas existe o termo metafórico, sem a presença do termo real (subsiste o plano do evocado e desaparece o plano do real).

2.

O autor ao afirmar «Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo.» (l.18) quer explicar que são iguais em questões de laços mas completamente diferentes por serem de gerações e estilos de vida diferentes.

3.

O autor sente se culpado por não conseguir ensinar coisas da vida a avó de maneira a que ela entende-se por serem de gerações diferentes. O autor não entende como a avó tão bela que teria sido e inteligente tinha de passar por tudo o que passou.


II   O texto anterior pertence à obra Deste Mundo e do Outro, de José Saramago, e, embora J. Saramago o tenha intitulado como Carta, trata-se de uma Crónica. 1.

Como vimos, o texto não respeita fielmente a estrutura da carta. Enumere os elementos que estão em falta.

2.

Faça uma pesquisa sobre a Crónica, e apresente as principais caraterísticas deste tipo de texto.

3.

Selecione uma Crónica e explicite a razão da sua escolha.


Resolução II 

1. Os elementos que estão em falta neste texto que não respeitam fielmente a estrutura da carta são: os dados do Remetente, o destinatário, o remetente, o local e a data, o assunto (eventual, no caso de cartas oficiais), e a assinatura. 2. A crónica é um género literário que, a princípio, era um "relato cronológico dos fatos sucedidos em qualquer lugar", isto é, uma narração de episódios históricos. Era a chamada "crónica histórica" (como a medieval). Essa relação de tempo e memória está relacionada com a própria origem grega da palavra, Chronos, que significa tempo. Portanto, a crónica, desde sua origem, é um "relato em permanente relação com o tempo, de onde tira, como memória escrita, sua matéria principal, o que fica do vivido". Continua…


Continuação…

As características da crónica são: 

No discurso:           

Texto curto e inteligível (de imediata percepção); Apresenta marcas de subjetividade – discurso na 1ª e 3ª pessoa; Pode comportar diversos modos de expressão, isoladamente ou em simultâneo: narração, descrição, contemplação / efusão lírica; comentários, reflexão. Linguagem com duplos sentidos / jogos de palavras / conotações; Utiliza a ironia; Registo de língua corrente ou cuidado; Discurso que vai do oralizante ao literário; Predominância da função emotiva da linguagem sobre a informativa; Vocabulário variado e expressivo de acordo com a intenção do autor; Pontuação expressiva; Emprego de recursos estilísticos.

 Na temática: Aborda aspectos da vida social e quotidiana; Transmite os contrastes do mundo em que vivemos; Apresenta episódios reais ou fictícios. (A crónica pode ser política, desportiva, literária, humorística, económica, mundana, etc.)


 3.

“É talvez o último dia da minha vida. É talvez o último dia da minha

vida.

Saudei

o

Alberto

Caeiro

procura

o

objetivismo

absoluto, eliminando todos os vestígios da subjetividade. É o poeta que se volta para a

Sol,

fruição direta da Natureza; procura "as

levantando a mão direita, Mas

sensações das coisas tais como elas são".

não o saudei, dizendo-lhe adeus, Fiz sinal de gostar de o ver

antes: mais nada.” Alberto Caeiro

Opõe-se radicalmente ao intelectualismo, à abstração, à especulação metafísica e ao misticismo. Neste sentido, é o antípoda de

Fernando Pessoa "ele-mesmo", é a negação do mistério, do oculto. Daí a razão da minha escolha.


Trabalho realizado por:  Inês Filipa Branco Plácido


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