Cinema do IMS Poços, abril de 2024

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cinema abr.2024
La Chimera (La Chimera), de Alice Rohrwacher (Itália, França, Suíça | 2023, 130’, DCP)

destaques de abril de 2024

Um detetive com medo de altura investiga a vida conjugal de uma mulher enquanto se apaixona por outra muito parecida. Um corpo que cai, um dos clássicos de Alfred Hitchcock já foi apontado pela revista britânica Sight and Sound como um dos melhores filmes de todos os tempos e será exibido em cópia DCP 2K.

Ao decidir entrevistar os moradores de um grande prédio de apartamentos conjugados em Copacabana, no Rio de Janeiro, Eduardo Coutinho achou que não teria filme. O que essas pessoas terão para contar? Desse processo é feito Edifício Master, uma de suas mais aclamadas obras. Misto de humor, drama e retrato de uma parte específica da classe média carioca, o filme poderá ser visto junto ao documentário Apartamento 608, de Beth Formaggini, que acompanha o processo de filmagem e de crises do cineasta.

Ainda este mês: vencedor do Oscar de Melhor Documentário deste ano, 20 dias em Mariupol acompanha a equipe de jornalistas que trouxe ao mundo as imagens da invasão russa à cidade ucraniana. Em As linhas da minha mão, a artista Viviane de Cássia Ferreira aborda sua vida e a experiência com a assim chamada loucura. Aclamado em Cannes e com a brasileira Carol Duarte no elenco, La Chimera mistura passado e presente em uma Itália que convive com as ruínas arqueológicas de povos antigos. Premiado com Melhor Roteiro no Festival de Berlim em 2023, Music revisita o mito de Édipo na Europa contemporânea.

Um corpo que cai (Vertigo), de Alfred Hitchcock (EUA | 1958, 128’, DCP)

[imagem da capa]

Nada será como antes, de Ana Rieper (Brasil | 2023, 79’, DCP )

20 dias em Mariupol (20 dniv u Mariupoli), de Mstyslav Chernov (Ucrânia | 2023, 95’, DCP)

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Edifício Master, de Eduardo Coutinho (Brasil | 2002, 110’, Arquivo digital)

filmes em exibição

Filmes em cartaz

Coutinho 90

Sight and sound: os maiores filmes de todos os tempos

20 dias em Mariupol (20 dniv u Mariupoli)

Mstyslav Chernov | DCP

As linhas da minha mão

João Dumans | DCP

La Chimera

Alice Rohrwacher | DCP

Music (Musik)

Angela Schanelec | DCP

Nada será como antes

Ana Rieper | DCP

Coutinho.Doc – Apartamento 608

Beth Formaggini | Arquivo digital

Edifício Master

Eduardo Coutinho | Arquivo digital

Eu fui assistente do Eduardo Coutinho

Allan Ribeiro | DCP

Um corpo que cai (Vertigo)

Alfred Hitchcock | DCP

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3 sexta sábado domingo 7 16:00 20 dias em Mariupol (95') 19:00 Nada será como antes (79') 14 16:00 Edifício Master (110') 19:00 20 dias em Mariupol (95') 21 16:00 Coutinho.Doc – Apartamento 608 + Eu fui assistente do Eduardo Coutinho (68') 19:00 As linhas da minha mão (80') 28 16:00 20 dias em Mariupol (95') 19:00 La Chimera (130') 5 19:00 Music (108') 12 19:00 Nada será como antes (79') 19 19:00 As linhas da minha mão (80') 26 19:00 La Chimera (130') 6 16:00 Nada será como antes (79') 19:00 Music (108') 13 16:00 As linhas da minha mão (80') 19:00 Music (108') 20 16:00 20 dias em Mariupol (95') 19:00 Um corpo que cai (128') 27 16:00 As linhas da minha mão (80') 19:00 La Chimera (130') Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em ims.com.br

A palavra e a fala

São 10 anos sem a presença física do Coutinho. Anos ácidos, que dariam uma irritação eletrizante no documentarista. Ou, talvez, um outro tipo de perturbação, menos produtiva, diante de nós, pessoas tomadas pelo efeito hashtag. Falamos de um jeito que ficou e fica cada dia mais pasteurizado, embalado a vácuo, sem a centelha do que é espontâneo ou legítimo. Não dá para saber como ele reagiria a isso e a todo o resto. Fato é que, do Coutinho, com quem eu conversava frequentemente, ainda ouço, de 2014 para cá, resmungos e o seu punhado de palavrões prediletos.

A palavra era uma das motivações principais dos seus filmes – dos que conhecemos, mas também dos que ele não fez. Não a palavra pura, dicionarizada, mas a palavra curada na boca de quem diz. “Sobejo”, por exemplo, de raro uso neste século, é (ou era?) falada rotineiramente em uma região de Minas Gerais, segundo Coutinho contou. Certos usos da língua portuguesa em porções economicamente isoladas do Brasil o fascinavam. E, se olharmos bem de perto para a obra, podemos pinçar falas ornamentais desde os seus programas para o Globo Repórter. Em Seis dias em Ouricuri, um dos personagens se refere à escassez de alimento no sertão assim: “Panela com dois, três dias que não ferve…”.

E, em seguida: “Nós tem que procurar é no pé da conversa mesmo”. Nesses exemplos, não temos a palavra erudita, mas a expressão popular que se forja e se instala espontaneamente. O mesmo personagem dirá que “nós fiquemo sem nada, fiquemo com a boca aberta, que nem passarinho novo”. As figuras de linguagem fazem a festa na fala do brasileiro.

Comecei a trabalhar como assistente do Coutinho em 2009, quando ele preparava o que veio a se tornar As canções. Naquele momento de pesquisa e concepção do projeto, a ideia era completamente diferente. Coutinho, embalado pela exploração que começou em Jogo de cena, pensava em fazer um filme arriscado, totalmente ancorado na força da palavra – e da fala, é claro. A ideia era compilar textos de naturezas diversas – de bulas de remédio a peças de Shakespeare, de guias de comportamento feminino do início do século XX a transcrições de programas vespertinos da televisão aberta. Esses textos seriam lidos e interpretados por atores – escolhidos com muito rigor –, de forma a, nas palavras do diretor, “sublimar o banal e cotidiano assim como o contrário: os textos sublimes podem assumir uma interpretação absolutamente trivial, revestindo-se de linguagem cartorial”.

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Foram meses garimpando livros velhos e esquecidos nos camelôs da estação Carioca, no Rio de Janeiro. Todo tipo de texto, como avisos protocolares em aeronaves comerciais, poderia se tornar material para os atores. O fato duro de que os assentos do avião são flutuantes poderia ser lido como um poema lírico. Ou um poema lírico poderia ser declamado como uma promoção de supermercado. A imaginação do Coutinho não suportava limites, ao

contrário da vida prática. Quem o conheceu com alguma profundidade certamente já presenciou algum momento em que ele disparou a emendar ideias absurdas, como se fosse alguém sob o efeito delirante de uma anestesia geral, momentos antes de apagar. E, a quem não teve a sorte de conhecê-lo de perto, basta conferir o seu primeiro curta de ficção, Le Téléphone, produzido enquanto estudava no IDHEC, em Paris. O nonsense provocado pela palavra – o

mal-entendido, o equívoco, o erro de interpretação – era um deleite para Coutinho. Voltando ao filme não feito, penso que a ideia parecia boa, mas transformá-la em filme… aí era outra história. Devo confessar que fui uma das pessoas que o desencorajou a ir adiante, mesmo depois de ter feito os primeiros contatos com alguns atores formidáveis. Peço desculpas, mas me defendo com o que resultou dessa desistência: Um dia na vida, o filme que não era filme, mas

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Edifício Master, de Eduardo Coutinho

material de pesquisa para um filme futuro (aquele, que não houve); e As canções, cujo dispositivo o próprio autor acusava de estúpido, destituído de qualquer originalidade, mas que ele adoraria fazer. E fez.

Creio que, com Um dia na vida, Coutinho conseguiu alcançar o que pretendia com Grades (título provisório do filme não feito). A colagem de programas e comerciais de televisão daquele longínquo ano de 2009, uma era pré-streaming, gravadas e posteriormente editadas a partir de um conjunto de 24 horas de emissão, deixou evidente o absurdo que transborda da televisão brasileira. Porém, era um absurdo normalizado e desproposital. Sem precisar de quem interpretasse aqueles mesmos textos, o material de origem cumpria a missão de devolver às palavras o seu frescor e elasticidade. Elas espantam e fazem rir, sobretudo quando são ditas de forma sóbria: o absurdo se produzia ao submeter aquele material a um desvio de finalidade, que se dava em função do contexto em que era apresentado. Isto é, editado e exibido em uma sala de cinema, e não a televisão vista na televisão.

Enfim, depois de assumir o fracasso ma non troppo de Grades, Coutinho teve a ideia (ou a coragem) de produzir o tal filme sem originalidade, As canções. A ideia já chegou modificada. Ele tinha o sonho de fazer um

filme só com músicas de Roberto Carlos, mas sabia que os direitos autorais tornariam a produção caríssima. Portanto, sequer tentou viabilizar o filme, e expandiu o recorte para qualquer canção. E eu era a pessoa encarregada de encontrar personagens para o filme.

Foi minha primeira experiência como assistente de direção e pesquisadora, frente a frente com o diretor não só de filmes antológicos, mas que sobretudo nos presenteou com personagens inesquecíveis. Corri para a rua com um cartaz na mão e uma câmera, que era operada pelo João Maia Peixoto. Para meu espanto, não eram poucas as pessoas que paravam para contar as histórias de suas vidas. E, para a surpresa de ninguém, as músicas que mais ouvimos foram as de Roberto Carlos. E hinos evangélicos.

Coutinho fez um filme em que pessoas desconhecidas do público cantavam, à capela, a música que havia marcado suas vidas. E contavam a história que envolvia a canção. Sem dúvida, é um dispositivo simples para quem vinha de filmes inventivos como Jogo de cena, Moscou e Um dia na vida. Mas ele também sabia que a simplicidade é o caminho mais acessível para o coração das coisas. E, ao mesmo tempo, que nenhuma história de vida é tão simples

– ou fácil – assim. A forma como a emoção tomava o corpo inteiro daquelas pessoas se revelava como uma fagulha mágica no set de filmagem. Choros, pequenas alegrias, confissões duras, alguns constrangimentos e muito alívio. Falar, afinal, também é uma forma de escuta.

Contudo, Coutinho sempre deixou claro que não queria salvar a vida de ninguém. Não porque não quisesse, mas porque era impossível. Nascemos, vivemos, sofremos, sorrimos às vezes e morremos. É simples. E o filme dava conta desses ciclos cheios de expectativa e quase sempre seguidos de uma boa dose de frustração. Ainda assim, havia algo na música, na lembrança que ela evocava, que ultrapassava as contingências e tocava um ponto sensível do espírito. Como uma acupuntura, que espeta, mas cura.

Era dentro dessa mesma lógica que eu ouvia os palavrões de Coutinho. Ele me chamava por nomes de baixo calão com frequência, mas, quanto mais aviltante o xingamento, maior era o carinho. Eu não sei como isso soaria hoje. É certo que nunca foi agressivo ou violento. Supor algo assim seria uma grave falta de entendimento. As palavras têm sempre mais alguma coisa para dizer. São infinitas, como espero que sejam nossas conversas.

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20 dias em Mariupol

20 dniv u Mariupoli

Mstyslav Chernov | Ucrânia | 2023, 95’, DCP (Synapse)

À medida que a invasão russa começa, uma equipe de jornalistas ucranianos presos na cidade sitiada de Mariupol luta para continuar o seu trabalho de documentação das atrocidades da guerra. Como os únicos repórteres internacionais que ficaram na cidade, eles capturam algumas das imagens que definiram a guerra: crianças morrendo, covas coletivas, o bombardeio de uma maternidade.

Mstyslav Chernov é um cineasta e fotojornalista vencedor do prêmio Pulitzer pelo trabalho de cobertura do ataque retratado no filme. Já cobriu conflitos no Iraque, Afeganistão e em Kiev, capital da Ucrânia. Para compor o documentário, ele e seus companheiros de equipe – correspondentes da Associated Press, também produtora do longa – estiveram presentes desde o início da invasão russa. Também foram os últimos jornalistas a permanecer na cidade. Enquanto filmavam a

situação local, fugiam dos soldados russos para não serem capturados.

“Uma bomba de cada vez, os russos cortaram a eletricidade, a água, os suprimentos de alimentos e, por fim, o que era crucial, as torres de telefonia celular, rádio e televisão”, relata Chernov em artigo escrito para a Associated Press. “Os poucos jornalistas que estavam na cidade conseguiram sair antes que as últimas conexões fossem eliminadas e um bloqueio total se estabelecesse. A ausência de informações em um bloqueio atinge dois objetivos. O primeiro é o caos. As pessoas não sabem o que está acontecendo e entram em pânico. No início, eu não conseguia entender por que Mariupol desmoronou tão rapidamente. Agora sei que foi por causa da falta de comunicação. A impunidade é o segundo objetivo. Sem nenhuma informação vinda de uma cidade, sem fotos de prédios demolidos e crianças morrendo, as forças russas poderiam fazer o que quisessem. Se não fosse por nós, não haveria nada. É por isso que corremos tantos riscos para poder enviar ao mundo o que vimos, e foi isso que deixou a Rússia irritada o suficiente para nos perseguir.”

20 dias em Mariupol foi vencedor do Oscar de Melhor Documentário em 2024.

[Íntegra do artigo de Chernov, em inglês: bit.ly/ mariupolims]

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

As linhas da minha mão

João Dumans | Brasil | 2023, 80’, DCP (Embaúba Filmes)

Por meio de uma série de encontros imprevisíveis, Viviane de Cássia Ferreira, uma artista brasileira nos seus 50 anos, fala sobre a sua vida e sobre sua própria experiência com a loucura. Dividido em sete atos, o filme é um retrato prismático composto por fragmentos de músicas, conversas, performances e poemas. Juntos, eles discutem o papel político da imaginação e da arte, assim como os estereótipos que conformam a ideia de loucura no mundo atual.

“Como observar atentamente um corpo desenvolvendo um pensamento muito agudo e preciso sobre a vida, um pensamento que está se construindo ali na sua frente?”, diz João Dumans em depoimento à pesquisadora Lorenna Rocha disponibilizado no material de imprensa do filme. “O que me seduz na Viviane é justamente a forma muito autêntica e despreocupada com que ela fala de si mesma, o que me dá a sensação de uma pessoa que já não organiza mais os seus

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Em cartaz

desejos e pensamentos em relação à expectativa do outro, mas que consegue fazer uma reflexão sobre si mesma para tentar sobreviver e atravessar estados emocionais, dificuldades e sofrimentos relacionados à loucura. Dessa imersão, ela trouxe coisas muito valiosas. O filme era um espaço para que ela compartilhasse isso.”

As linhas da minha mão recebeu o prêmio de Melhor Filme na Mostra Aurora da 26a Mostra de Tiradentes.

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

La Chimera

Alice Rohrwacher | Itália, França, Suíça | 2023, 130’, DCP (Filmes da Mostra)

Todos têm sua própria Quimera, algo que buscam, mas nunca conseguem encontrar. Para uma gangue de ladrões de antigos objetos funerários e maravilhas arqueológicas, a Quimera significa o desejo pelo dinheiro fácil. Para Arthur, a Quimera se parece com a mulher que ele perdeu, Beniamina. Para encontrá-la, ele desafia o invisível e procura por toda parte em busca de um caminho para a vida após a morte. Numa jornada entre florestas e cidades, celebrações e solidão, desenrolam-se os destinos entrelaçados desses personagens, todos à procura da Quimera.

Em 2023, La Chimera foi exibido no Festival de Cannes. No mesmo ano, recebeu o prêmio do público de Melhor Longa-Metragem Estrangeiro de Ficção. O filme tem em seu elenco as atrizes Isabella Rossellini e Carol Duarte (protagonista de A vida invisível e Missão Perséfone, ambos de Karim Aïnouz, este último produzido no contexto do programa IMS Convida).

Diretora de La Chimera, As maravilhas, Feliz como Lázaro, entre outros, Rohrwacher nasceu na cidade de Fiesole, na Itália, que preserva até os dias de hoje estruturas que datam dos povos etruscos e romanos. Em depoimento disponibilizado no material de imprensa do filme, ela relata: “Onde eu cresci, era comum ouvir histórias de descobertas secretas, escavações clandestinas e aventuras misteriosas. Bastava ficar no bar até tarde da noite ou parar em uma pousada do interior para ouvir falar de fulano de tal, que havia descoberto uma tumba vilanovense com seu trator, ou de outra pessoa que, cavando na necrópole certa noite, havia descoberto um colar de ouro tão longo que poderia dar a volta completa em uma casa. Ou outra pessoa que ficou rica na Suíça com a venda de um vaso etrusco que encontrou em seu jardim.”

“A vida ao meu redor era composta de diferentes partes: uma solar, contemporânea e movimentada, outra noturna, misteriosa e secreta. Havia muitas camadas, e todos nós as experimentávamos: bastava cavar alguns centímetros do solo, e o fragmento de um artefato feito pelas mãos de outra pessoa aparecia entre os seixos. De que época ele estava olhando para mim? Bastava entrar nos celeiros e nas adegas ao redor, para perceber que eles já haviam sido outra coisa: tumbas etruscas, talvez, ou abrigos de eras passadas, ou locais sagrados. A proximidade entre o sagrado e o profano, entre a morte e a vida, que caracterizou os anos em que cresci, sempre me fascinou e deu uma medida à minha maneira de ver. É por isso que finalmente decidi fazer um filme que conta essa história em camadas, essa relação entre dois mundos, a última parte de um

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tríptico sobre uma área local cuja atenção está concentrada em uma questão central: o que ela deve fazer com seu passado? Como dizem alguns ladrões de túmulos, em nosso caminho são os mortos que dão a vida.”

[Íntegra do depoimento da cineasta, em inglês: bit.ly/chimeraims. Filme Missão Perséfone, de Karim Aïnouz, para o programa IMS Convida: bit.ly/ convida-ka]

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

Music Musik

Angela Schanelec | Alemanha, França, Sérvia | 2023, 108’, DCP (Zeta Filmes)

Após uma noite de tempestade nas montanhas gregas, um jovem é encontrado ferido, e um recém-nascido é achado abandonado em um abrigo de pedras. A criança é acolhida e criada por uma família local. Jon cresce sem conhecer a mãe e o pai. Anos depois, após um trágico incidente, Jon é preso e conhece Iro. Os dois formam uma família e mantêm uma conexão imediata, principalmente através da música, que irá ao mesmo tempo assombrá-los e sustentá-los. Livremente inspirado no mito de Édipo, o filme de Schanelec foi vencedor do Urso de Ouro de Melhor Roteiro no Festival de Berlim em 2023. Em depoimento veiculado pela distribuidora do filme, a cineasta comenta: “Certamente parti de Sófocles, mas os personagens que ganharam vida enquanto escrevia o roteiro são, como em meus outros filmes, seres humanos, não figuras míticas.

O mito de Édipo me interessa menos por sua singularidade do que pelo que a história pode nos dizer hoje. Eu tiro dela o que posso compartilhar com todos, a normalidade, o que está ao alcance de todos. Todo o resto é fruto do inconsciente do personagem. É daí que vem a música de Jon.”

“A história se desenvolve através do que não foi dito, que surge porque não há palavras para expressá-las. Tive que encontrar imagens para processos para os quais não há palavras. É como na vida. Fazemos coisas que não nomeamos. É perfeitamente humano. A fala é uma tentativa de quebrar o silêncio, mas é apenas uma tentativa. Nossas vidas estão repletas de falhas mútuas de compreensão.”

[Depoimentos extraídos de: bit.ly/musicims]

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

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Nada será como antes

Ana Rieper | Brasil | 2023, 79’, DCP (Vitrine Filmes)

O álbum Clube da esquina é considerado por muitos críticos musicais como um dos melhores de todos os tempos. Milton Nascimento, Lô Borges – então com 16 anos – e músicos do porte de Nivaldo Ornelas, Toninho Horta, Beto Guedes, Robertinho Silva, Wagner Tiso criaram uma sonoridade única, que ajudou a transformar a música brasileira e mundial. O documentário de Ana Rieper traz depoimentos de boa parte desse time de artistas e mergulha em sua musicalidade para entender como referências musicais diversas e influências de paisagens, histórias e poesia refletiram em cada um deles e na música que criaram.

“A gente chegou à conclusão desde muito cedo de que esse seria um filme sobre música. Sobre música e sobre músicos”, comenta a diretora Ana Rieper, em entrevista ao programa Arte Clube, da EBC. “Claro que as histórias dos encontros e a trajetória de cada um e como tudo aconteceu e onde que ficava a esquina e como era a vida na família Borges, tudo isso está presente nesse nosso filme. Mas o que carrega a narrativa, o que leva o espectador por esse mundo é a música. É entender como eram feitos os arranjos. Quais eram as referências musicais, como eram feitas as composições, de onde vinha essa inspiração, o que eles liam, o que eles ouviam, a trajetória musical de cada um, quem eram os instrumentistas.”

“Não tem como falar sobre o Clube da Esquina sem falar sobre a amizade. A amizade que nasce entre eles. O Lô Borges conheceu o Beto Guedes quando eles tinham 10 anos de idade, e, com 12,

eles já estavam fazendo música. Então é uma música de uma turma de amigos. Tanto que é isso: eles se reuniam numa esquina, numa calçada, sentados pra tocar violão.”

“Esse é um filme que fala sobre algo do passado, mas é um filme do tempo presente. A gente acompanha todos os músicos, todos os compositores em encontros que acontecem no momento da filmagem. E esses encontros, no meu entendimento, eles mantêm a energia daquele encontro de jovens. Mantêm esse vínculo de afeto muito forte que existe até hoje entre eles. Tem uma irmandade que é muito bonita, e isso transparece nessa música. e foi bom demais presenciar durante a filmagem.”

[Íntegra do depoimento de Ana Rieper: bit.ly/ clubeesquinaims]

Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).

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Em 1984, Eduardo Coutinho marcou a história do cinema de não ficção com o lançamento de Cabra marcado para morrer. Por onde passou, tensionou os limites da representação e do assim chamado “documentário”: dirigindo episódios históricos do Globo Repórter, na produção em vídeo junto ao CECIP e na formulação de um “cinema do encontro” bastante único a partir de Santo forte. Em 11 de maio de 2023, Coutinho completaria 90 anos. Como homenagem, o Cinema do IMS Poços exibe uma seleção de obras do cineasta ao longo do ano.

Em abril, apresentamos Edifício Master, um dos mais famosos “filmes de conversa” de Coutinho, que une humor, drama e performance, junto ao documentário de Beth Formaggini que acompanha as filmagens de Master e do curta de Allan Ribeiro: um fã de Coutinho que, ao que tudo indica, conseguiu ser assistente do diretor.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Edifício Master

Eduardo Coutinho | Brasil | 2002, 110’, Arquivo digital (VideoFilmes)

Durante uma semana, Eduardo Coutinho e sua equipe conversaram com 27 moradores de um enorme edifício de apartamentos em Copacabana. Entre eles, um casal de meia-idade que se conheceu pelos classificados de um jornal, uma garota de programa que sustenta a filha e a irmã, um ator aposentado, um ex-jogador de futebol e um porteiro desconfiado de que o pai adotivo, com quem sonha toda noite, é seu pai verdadeiro.

Uma oportunidade de assistir a um dos grandes documentários da carreira de Eduardo Coutinho. Em 2002, o filme recebeu o Kikito de Ouro de Melhor Documentário no Festival de Gramado e o Prêmio de Melhor Documentário pela crítica da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Em entrevista a Ruy Gardnier, Eduardo Valente e Cleber Eduardo para a revista Contracampo, Coutinho relata:

“O filme nasceu da ideia da Consuelo Lins, que trabalha comigo, de fazer um filme sobre um prédio em Copacabana. Eu então roubei a ideia, com o consentimento dela, porque me interessava filmar em um universo com limites claros. Não queria fazer filme sobre a classe média, mas sobre um universo que não se conhece. Tinha de ser em prédio grande, de apartamentos conjugados e com perfil familiar, caso contrário inviabilizaria a filmagem. O desafio seria extrair um material interessante de pessoas normais. É muito mais fácil fazer um filme sobre marginais que sobre pessoas de classe média.”

“No caso do Master, achei que ia me lascar. As experiências de vida eram menos fortes, as pessoas eram mais fechadas, a narrativa das experiências era menos rica. Eu precisaria de muitos personagens para dar um filme. Não haveria relatos extraordinários. A diversidade de experiências é que seria essencial naquele universo. Tinha de ser um filme longo, de quase duas horas, com 27 apartamentos. Cortamos 10. Também não podia ter eixo temático, ao contrário de Santo forte e Babilônia 2000. O prédio é apenas uma pista falsa. Isso era um complicador dramatúrgico. Como eu ordenaria esse material se havia todos os temas possíveis? Decidi pela montagem caótica. Procurei conservar a ordem da filmagem, que não tinha um padrão. Isso não leva ninguém a ter certeza do que virá depois de cada personagem. Não há uma regra.”

“Talvez pelas histórias de vida do Edifício Master serem menos extraordinárias que as de Santo forte e Babilônia 2000, fica mais evidente que o importante é como os personagens falam

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de si, e não o que eles estão falando. A garota de programa sintetiza essa ideia ao dizer que precisa acreditar em suas mentiras para contá-las. Não interessa, então, nem se o relato é verdadeiro. Interessa a narrativa em si.”

[Íntegra da entrevista em: bit.ly/ecedmaster]

Coutinho.Doc – Apartamento 608

Beth Formaggini | Brasil | 2009, 51’, Arquivo digital (Acervo da artista)

O processo de criação do cineasta Eduardo Coutinho e sua equipe desde a fase da pesquisa até o fim das filmagens de Edifício Master (2002). Durante uma semana, Eduardo Coutinho e sua equipe conversaram com 27 moradores de um grande edifício em Copacabana.

Beth Formaggini, diretora de produção do Master, que também trabalhou em outros filmes do diretor (Babilônia 2000, Peões), apresenta os bastidores dessa produção. Desanimado com os personagens e com receio de que não teria histórias fortes e interessantes o suficiente para um filme, Eduardo Coutinho chegou a cogitar não rodar o título ao receber os primeiros resultados da observação. Convencido pela equipe, ele decidiu levar o projeto adiante.

O filme de Beth Formaggini será exibido junto ao curta-metragem Eu fui assistente do Eduardo Coutinho, de Allan Ribeiro.

Eu fui assistente do Eduardo Coutinho

Allan Ribeiro | Brasil | 2023, 17’, DCP (Acervo do artista)

No dia 28 de janeiro de 2008, uma equipe de filmagem entrava em um prédio para rodar um documentário. Neste dia, eu fui assistente do Eduardo Coutinho.

O curta de Allan Ribeiro será exibido junto a Coutinho.Doc - Apartamento 608, de Beth Formaggini.

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Sight and sound: os maiores filmes de todos os tempos

Em 1952, a equipe da revista britânica dedicada a cinema Sight and Sound teve a iniciativa de pedir a um grande conjunto de críticos que apontassem quais seriam para eles os melhores filmes de todos os tempos. A cada dez anos, a revista retoma a pesquisa e revê a base de pessoas convidadas.

Mais do que um interesse em qual seria “o melhor” – afinal, isso existe? Com quais critérios avaliar? E a que exatamente serve essa pergunta? –, a pesquisa funciona como uma espécie de termômetro da opinião crítica ao redor do mundo e da forma como ela se modula através dos tempos. O primeiro vencedor, na pesquisa de 1952, foi Ladrões de bicicleta, de Vittorio de Sica. Nas quatro edições seguintes, de 1962 a 2002, Cidadão Kane, de Orson Welles, ficou no topo, desbancado em 2012 por Um corpo que cai, de Alfred Hitchcock. Em 2022, pela primeira vez em 70 anos, um filme dirigido por uma mulher alçou essa posição: Jeanne Dielman, de Chantal Akerman. Em abril, após já ter exibido Jeanne Dielman, o Cinema do IMS Poços apresenta Um corpo que cai em uma bela cópia DCP.

[Mais informações sobre a pesquisa da revista Sight and Sound, também em inglês: bit.ly/bfi-ims]

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Um corpo que cai Vertigo

Alfred Hitchcock | EUA | 1958, 128’, DCP (Park Circus)

Na trama, James Stewart é um detetive aposentado que tem medo de altura. Ele aceita o pedido de um amigo para vigiar sua mulher, interpretada por Kim Novak, para saber se ela o está traindo. O detetive, no entanto, desenvolve por ela uma obsessão e revisita traumas passados.

Em uma longa entrevista ao cineasta Peter Bogdanovich, Hitchcock comenta o seu processo de trabalho com atores e atrizes: “Eu não os dirijo. Falo com eles e explico o que a cena representa, qual é o objetivo, por que eles estão fazendo certas coisas – porque eles se ligam ao argumento, e não à cena. A cena se relaciona com a história, e aquele momento faz isto ou aquilo pela história. Como tentei explicar a Kim Novak em Um corpo que cai: ‘Você está mostrando um monte de emoções no rosto. Não quero nada disso. Quero que o seu

rosto mostre apenas aquilo que queremos contar ao público – aquilo em que você está pensando.’ Disse-lhe: ‘Deixe-me explicar. Se você mostrar muitas emoções redundantes no rosto, é como pegar uma folha de papel e escrever em toda ela – encher o papel com coisas escritas. Mas você quer escrever uma frase para que alguém leia. Se há muitas coisas escritas, o público não consegue ler. É muito mais fácil ler se a folha de papel estiver vazia. É assim que o seu rosto deve estar quando precisarmos mostrar uma expressão.’”

[Depoimento extraído do catálogo da mostra Alfred Hitchcock, do CCBB, disponível em: bit.ly/ hitchcockims]

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Criada em 2012 pelo então coordenador de cinema José Carlos Avellar (1936-2016), a coleção DVD | IMS já lançou diversos filmes, entre produções brasileiras e estrangeiras.

Cabra marcado para morrer

Eduardo Coutinho | Brasil | 1962-1984 | 119min

Em matéria de 1985 para o Jornal do Brasil, Roberto Mello escreveu: “As filmagens começaram em fevereiro de 1964. Coutinho pretendia contar a história de João Pedro Teixeira, líder da liga camponesa de Sapé, na Paraíba, assassinado em 1962. Não queria atores profissionais: que os personagens fossem interpretados pelos próprios camponeses. Dezessete anos depois, Coutinho volta à região, consegue encontrar Elizabeth e, através do filho mais velho, Abraão, investiga o destino dos outros dez filhos e de todos os envolvidos no projeto. Ele exibe os originais filmados há tanto tempo, os camponeses se alegram com seus rostos, mais jovens, vivem a emoção do reconhecimento e o jogo de identificações. Vinte anos depois, Coutinho conclui seu filme, um épico contado com clareza, paciência e perseverança, por alguém que confia no trabalho e nos dias. Uma experiência original na cinematografia brasileira.”

Extras:

- A família de Elizabeth Teixeira [65 min. aprox.] e Sobreviventes de Galileia [27 min. aprox.] de Eduardo Coutinho

- Faixa comentada com Carlos Alberto Mattos, Eduardo Escorel e Eduardo Coutinho

- Livreto com textos de Walter Lima Jr., Eduardo Coutinho, Sylvie Pierre, José Carlos Avellar e outros.

O futebol, de Sergio Oksman

O botão de pérola e Nostalgia da luz, de Patricio Guzmán

Photo: Os grandes movimentos fotográficos

Homem comum, de Carlos Nader

Vinicius de Moraes, um rapaz de família, de Susana Moraes

Últimas conversas e Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho

A viagem dos comediantes, de Theo Angelopoulos

Imagens do inconsciente e São Bernardo, de Leon Hirszman

Os dias com ele, de Maria Clara Escobar

A tristeza e a piedade, de Marcel Ophüls

Os três volumes da série Contatos: A grande tradição do fotojornalismo; A renovação da fotografia contemporânea; A fotografia conceitual

La Luna, de Bernardo Bertolucci

Cerimônia de casamento, de Robert Altman

Conterrâneos velhos de guerra, de Vladimir Carvalho

Vidas secas e Memórias do cárcere, de Nelson Pereira dos Santos

O emprego, de Ermanno Olmi

Iracema, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna

Cerimônia secreta, de Joseph Losey

As praias de Agnès, de Agnès Varda

A pirâmide humana e Cocorico! Mr. Poulet, de Jean Rouch

Diário 1973-1983 e Diário revisitado 1990-1999, de David Perlov

Elena, de Petra Costa

A batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo

Libertários, de Lauro Escorel, e Chapeleiros, de Adrian Cooper

Seis lições de desenho com William Kentridge

Sudoeste, de Eduardo Nunes

Shoah, de Claude Lanzmann

Memórias do subdesenvolvimento, de Tomás Gutiérrez Alea

E três edições voltadas à poesia: Poema sujo, dedicado a Ferreira Gullar; Vida e verso e Consideração do poema, dedicados a Carlos Drummond de Andrade

Os DVDs podem ser adquiridos nas livrarias especializadas, nas lojas dos nossos centros culturais e na loja online do IMS: bit.ly/imsdvd.

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coleção DVD | IMS

Instituto Moreira Salles

Cinema

Curador

Kleber Mendonça Filho

Programadora

Marcia Vaz

Programador adjunto

Thiago Gallego

Produtora de programação

Quesia do Carmo

Assistente de programação

Lucas Gonçalves de Souza

Projeção

Fagner Andrades e Gilmar Tavares

Revista de Cinema IMS

Produção de textos e edição

Thiago Gallego e Marcia Vaz

Diagramação

Marcela Souza e Taiane Brito

Revisão

Flávio Cintra do Amaral

Os filmes de abril

O programa do mês tem o apoio das distribuidoras Embaúba Filmes, Filmes da Mostra, Park Circus, Synapse, VideoFilmes, Vitrine Filmes, Zeta Filmes e do projeto Sessão Vitrine Petrobras.

Agradecemos a Allan Ribeiro, Beth Formaggini, Camila Leal Ferreira, Jack Bell e Sandra Escribano Orpez.

Venda de ingressos

Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês.

Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala.

Coutinho 90

apoio

Capacidade da sala: 85 lugares.

Meia-entrada

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública e privada, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).

Devolução de ingressos

Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site. Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Confira as classificações indicativas no site do IMS.

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As linhas da minha mão, de João Dumans (Brasil | 2023, 80’, DCP)

Visitação: terça a sexta, das 13h às 19h. Sábados e domingos, das 9h às 19h. Entrada gratuita.

Sessões de cinema: Sextas, a partir das 19h. Sábados e domingos, a partir das 16h.

A bilheteria encerra às 19h.

Um corpo que cai (Vertigo), de Alfred Hitchcock (EUA | 1958, 128’, DCP)

Rua Teresópolis, 90 CEP 37701-058

Cristiano OsórioPoços de Caldas ims.pc@ims.com.br

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