INSIDE OUT

Page 1

1º edição

junho/22


EXPEDIENTE REVISTA INSIDE OUT FASHION PUBLICAÇÃO UAM Editora IMPRESSÃO Gráfica Caex COORDENAÇÃO GERAL Helen Emi Nochi Suzuki PROJETO GRÁFICO Victória Ketlyn EDITOR RESPONSÁVEL Maria Cristina Brito Barbosa JORNALISTAS Ana Clara Godoi Victória Ketlyn FOTÓGRAFO Vitor Lacerda TRATAMENTO DE IMAGEM Gabriel Santana TIRAGEM 20.000 REDAÇÃO Rua Casa do Ator nº 275 – Vila Olímpia, São Paulo – SP, 04546-001 CONTATOS (11) 4002-8922 contato@uameditora.com.br

2


Sumário 5. Moda e sociedade: o ciclo da influência

10. Gyka By Gkay: estratégia de lançamento ofusca má qualidade da coleção

12. O garimpo da moda sustentável: um novo jeito de se vestir

14. Moda inclusiva: a moda pensada para os corpos excluídos da indústria



Por: Ana Clara Godoi

MODA E SOCIEDADE: O CICLO DE INFLUÊNCIA Os humanos começaram a usar roupas a partir da segunda Era do Gelo, há cerca de 170 mil anos. Desde então, as peças de roupa nunca mais abandonaram nossa rotina. Embora tenha sido criado todo um universo que engloba os costumes de vestuário, a moda não é apenas a combinação de uma peça com outra. Moda é uma extensão da nossa cultura e identidade, é uma forma de expressão e até mesmo um ato político. É comum que cada pessoa se vista da maneira que acha adequada, de acordo com seus gostos e preferências. No entanto, é extremamente comum a criação de tendências que acabam sendo seguidas por milhares de pessoas. Essas tendências podem ser macro, que atingem grande alcance na sociedade, influenciando-as por um longo período de tempo, ou micro, consideradas uma febre momentânea. Independente de qual seja, todas as tendências têm algo em comum: a influência no comportamento da sociedade. Essa influência pode ser considerada um ciclo, visto que a criação de uma tendência é resultado da influência da sociedade sob a moda. e por outro lado, o consumo das tendências também influencia a sociedade. Esse quadro pode ser visto com intensidade na moda atual e a internet tem grande papel no processo. As mídias sociais têm o poder de decidir o que é consumido de forma extremamente rápida. Se uma peça de roupa ou acessório “viraliza” em uma rede social, é muito provável que na próxima semana muitas pessoas estarão vestindo-as. Uma das plataformas consideradas como revolucionárias no mundo da moda, e um dos maiores exemplos da influência da sociedade na moda nos dias de hoje, é o TikTok. Com o diferencial do algoritmo que entrega aos usuários conteúdo específicos de acordo com o interesse de cada um, a plataforma não somente é utilizada para criar micro tendências e fazê-las atingirem milhões de pessoas, mas também abriu espaço e deu força para estratégias de marketing de grandes marcas.

Se cada pessoa com um smartphone e acesso à internet pode utilizar a plataforma e, portanto, produzir conteúdo para qualquer pessoa do mundo assistir, temas como a moda se tornam mais democratizados. Por outro lado, qualquer pessoa – incluindo aquelas que são mais leigas sobre determinado assunto – pode publicar um vídeo com desinformações disfarçadas de opinião.O fato é que o mundo paralelo da internet faz cada vez mais parte da sociedade. Marcas de luxo que costumavam majoritariamente ditar e guiar as tendências da moda, hoje precisam se adaptar aos produtos que “viralizam” no TikTok ou no Instagram para manter altos números de vendas. Pessoas comuns podem criar uma tendência a partir do seu gosto pessoal ou até mesmo denunciar a falta de acessibilidade e impactos que a moda tem sob a economia e meio ambiente.

5


É importante que haja espaço na mídia para conversarmos sobre esse ciclo de influência que envolve a moda e a sociedade. É importante que seja mostrado todos os pontos de vista sobre o assunto, e que histórias sejam contadas. A moda não deve ser vista como algo superficial ou inofensivo, as pessoas devem conhecer o que está por trás dela.





Por: Ana Clara Godoi e Victória Ketlyn

GYKA BY GKAY Estratégia de lançamento ofusca má qualidade da coleção Gessica Kayane, mais conhecida como Gkay, é uma humorista, atriz, youtuber e influenciadora digital brasileira. Recentemente, Gkay anunciou o lançamento de sua primeira marca de roupas chamada Gyka by Gkay, que promete trazer o street style que grande parte do público jovem procura. O lançamento da marca aconteceu no dia 14 de março, em um evento mega produzido, com desfile inspirado nos famosos desfiles da marca de lingeries norte-americana Victoria’s Secret. Ao som de Pedro Sampaio, a humorista desfilou e trouxe para a passarela nomes como Vanessa Lopes, Rafa Uccman e Pequena Lo. Embora a produção do desfile tenha sido gigantesca, o lançamento da Gyka tornou Gkay alvo de uma chuva de críticas na internet, por parte de estudantes e profissionais de moda. Para grande parcela desses que entendem do assunto, a marca foi muito insuficiente nos quesitos qualidade e representatividade.

Reprodução: Instagram

10


Durante o desfile, andaram pela passarela um grupo repleto de diversidades: pessoas de todas as cores e gêneros, corpos magros e gordos, pessoas com deficiência. Para o público, tal acontecimento foi uma promessa de mais um passo em rumo à inclusão. No entanto, ao acessar o site da marca encontramos somente corpos magros nas imagens. Gkay colocou todos os corpos na passarela, mas a única representatividade em seu site é um banner com a imagem de uma modelo gorda. Além da falsa representatividade, peças extremamente similares às apresentadas tanto no desfile de lançamento quanto no site da marca podem ser facilmente encontradas em outras lojas de varejo, como Shein, Renner e C&A. A humorista apenas produziu modelos que já existiam, aplicou mudanças quase imperceptíveis, e disponibilizou no seu site, com sua etiqueta. Além da falta de criatividade, o valor das peças pode ser considerado um exagero, visto que elas custam muito menos nas lojas de varejo citadas acima. Os produtos não entregam qualidade, muito menos originalidade. Não há nada de novo, nada criativo – somente o que as pessoas já usam em opções de cores e estampas diferentes. Não há criação de moda ou identidade visual. No entanto, o evento muito bem arquitetado, com muita produção, música e pessoas famosas, fizeram as roupas “sem graça” parecerem interessantes por um momento.

11

Enquanto isso, centenas de estilistas se formam todo ano e não tem a oportunidade de chegar nem perto de um desfile tão grande. Estilistas que produzem peças criativas, com conceito e bons materiais, mesmo não tendo nem metade do poder aquisitivo de Gkay. O que nos chama atenção é a produção do evento, e não as roupas, o que indica que Gkay e sua equipe não estão aptas para ingressar nesse ramo. Pelo menos não por enquanto. Gessica Kayane é uma blogueira que acha que pode ser estilista porque tem milhões de seguidores – e milhões de reais – utilizou da oportunidade para manter seu nome na boca do povo.

Reprodução: Instagram


Por: Victória Ketlyn

O garimpo da moda sustentável Peças particulares, com histórias e bem selecionadas, é o começo para me atrair nessa loja brechó. E, em cada peça olho e penso: de onde será que essa roupa veio? Quem será que usou e por que ela veio parar aqui? Certa vez estava me desfazendo de algumas peças e decidi doar para um brechó da minha cidade, e entre elas havia um vestido rodado florido, de alça que ganhei do meu falecido esposo entre meus vinte e poucos anos de idade. Fiquei um pouco receosa, pois já havia colecionado bastante histórias com aquele vestido, mas entendi que chegou a hora dele ganhar um novo destino e que comigo ele já havia sido suficiente, além disso nem combinava mais com a minha personalidade. Dias depois vejo um jovem casal e a moça estava com um vestido parecido com aquele que decidi doar e no mesmo instante em que vi me emocionei e veio à tona várias lembranças. Não tenho certeza se é o mesmo, mas espero que sim e espero também que aquele vestido traga novos sentimentos e lembranças boas para sua nova dona, assim como trouxe para mim. É isso que eu busco quando vou garimpar peças novas para o meu guarda-roupa, ressignificar é o é o conceito, e trazer um novo estilo e vida para essa peça é fundamental. O resgate dessas roupas é lindo e incentiva o consumo consciente, outro ponto que me atrai para compras em brechós. Consumir com consciência vai além de usar roupas de origem sustentável, mesmo o planeta sendo extremamente importante não é só com isso que

12

devemos nos preocupar,mas também começar a refletir nas seguintes questões: o que fazer com todas essas roupas já existentes? Onde colocar esses lixos não degradáveis? Quando vou consumir conscientemente, sempre customizo as minhas roupas já que constantemente gosto de estar diversificando o meu guarda-roupa, quando ela “não serve” mais para uso, geralmente faço de retalhos ou utilizo como algum pano de limpeza, e claro, sempre venho explorar, garimpar e selecionar as minhas peças que poderiam estar em um descarte indevido, poluindo o mundo ou só fazendo volume no guarda-roupa de alguém. Então conjuntamente além de comprar roupas já usadas, faço doações do que não uso mais para alguém que esteja precisando e isso é um fato super importante que nos faz ver que moda sustentável além de fazer bem para o meio-ambiente, também ajuda na economia do nosso bolso visto que vivemos em um país subdesenvolvido e que a


maioria da população não tem acesso a moda por não apresentar poder aquisitivo suficiente para estar diversificando sua coleção de roupas. Muitas vezes não é por opção ou para ajudar o planeta que pessoas adquirem roupas já usadas e sim por necessidade. É preciso doar roupas já usadas ao invés de simplesmente jogar fora, isso pode fazer muita diferença na vida de alguém. Devemos repensar na minoria e respeitar nosso meioambiente, e doando roupas é possível fazer as duas coisas. Amo a exclusividade e o brechó proporciona isso para mim, quando o brechó é um brechó boutique então além de exclusividade consigo achar peças que já estão na moda com mais facilidade. existe muito trabalho duro antes dessas peças chegarem até nós, é preciso que as pessoas que selecionem essas roupas já usadas tenham uma visão muito ampla e consigam ver potencial em cada peça, sendo necessário sempre irem atrás do gosto do seu público. E como a moda é algo bem versátil é sempre possível achar roupas retrô, vintage ou atual. Conseguimos resgatar coisas usadas no passado que estão voltando á tona ou porque você simplesmente decidiu querer usar mesmo estando fora da moda. Há infinitas possibilidades, basta você explorar e deixar seu coração encontrar a peça ideal. A moda é isso e fazer parte dela com consciência é melhor ainda.

Reprodução: Adobe Stock)

13


(reportagem)

Por: Ana Clara Godoi

MODA INCLUSIVA: A moda pensada para os corpos excluídos da indústria Padrões estéticos impostos pela sociedade influenciam a produção de roupas e dificultam o processo de vestir e adquirir peças daqueles que estão excluídos dessa indústria

Reprodução: Marília Camelo - Penteadeira Amarela

Diante do aumento do consumo das peças de roupas fast-fashion vendidas online, cresce a necessidade de falarmos sobre a moda inclusiva. Que dificuldades pessoas gordas ou pessoas com deficiência física encontram no mercado da moda? Segundo o Censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), mais de 45 milhões de pessoas no Brasil possuem algum tipo de deficiência. Já o Atlas Mundial da Obesidade 2022, publicado pela Federação Mundial de Obesidade, estima que a obesidade deve atingir quase 30% da população adulta do Brasil em 2030.

14


(reportagem) “Quando falamos de moda inclusiva, pensamos logo no consumidor com deficiência, mas na realidade a moda inclusiva é toda aquela moda que inclui o corpo que majoritariamente está excluído dessa indústria”, explica Heloísa Rocha, jornalista e portadora de osteogênese imperfeita, uma condição rara de fragilidade óssea. “E quando falamos da moda para pessoa com deficiência, se trata de uma moda pensada, projetada e confeccionada para atender as necessidades daquele corpo, independente da deficiência que ele tenha. Para facilitar o ato de vestir e despir daquele consumidor, promovendo conforto, segurança, autonomia e também autoestima e identidade”, acrescenta. É improvável que uma peça de roupa atenda todo tipo de corpo, portanto uma marca nunca vai conseguir atender toda a população, seja de uma cidade, região ou país. Para Heloísa, o processo para encontrar roupas não é fácil, mas também não é um grande desafio. “As vezes tenho que adaptar algumas peças que encontro no varejo. Tenho que fazer ajustes da manga, da barra da calça, da cintura. E há situações que tenho que mandar fazer sob medida”. A jornalista utiliza tamanho 8 e 10 da tabela de medidas. Grande parte das roupas adquiridas por ela são do setor infantil, devido à baixa estatura.

Já peças como lingeries, biquínis e calçados – peças mais específicas que não são vendidas para o público infantil – são encomendadas. Heloísa conta que a adolescência foi a pior fase para encontrar roupas que atendessem suas necessidades, visto que quase todas as peças tinham características muito infantis. O que facilitou esse processo para a jornalista foi a amplitude do mercado da moda, que hoje conta com roupas não tão infantis para o setor, e o aumento de lojas que trabalham sob medida. Além de lojas que trabalham por encomenda, de acordo com as medidas dos clientes, existem marcas que produzem roupas adaptadas para pessoas com deficiência física que, diferente de Heloísa, enfrentam a questão dos tecidos e formatos de roupas que machucam a pele, ou fazem com que o ato de vestir e despir seja um problema. Uma delas é a EQUAL. A marca produz peças convencionais e direciona a versão adaptada dela para um determinado tipo de deficiência, atendendo amputados e biamputados, superiores e inferiores, deficientes visuais, cadeirantes, pessoas com paralisia cerebral e mobilidade reduzida. Para a CEO da EQUAL, Silvana Louro, o mais importante é saber ouvir e buscar soluções para cada especificidade. “Para dar um exemplo, como um amputado inferior vai colocar a prótese firme no seu coto usando calça comprida? Abrindo as laterais das

15


pernas das calças, óbvio! Mas aí vem os detalhes: manter as costuras laterais duplas mantendo o design da calça comprida convencional. A roupa adaptada não pode ter ‘cara’ de amadora”, explica. A estilista conta que a ideia de criar uma marca de moda acessível veio de um processo natural. “Quando pela primeira vez na vida conheci pessoas com deficiência entendi que não era possível alguém sentir dores e desconfortos diários, não tendo opção de escolha para se vestir”. O mercado do fornecimento, no entanto, está repleto de desafios. Segundo Silvana, a produção têxtil não existe para trabalhar em escala. “As facções não sabem fazer as peças porque todas são diferentes das convencionais. Você precisa dominar a modelagem e estar do lado, sempre atenta”, comenta. O mesmo problema faz parte da vida de Ivadalva Fonseca, vendedora de roupas há cerca de 20 anos. A empreendedora tem duas lojas em São Paulo, uma no Capão Redondo e outra no Jardim Macedônia, e está começando a introduzir peças de roupas que atendam um público mais amplo. Um dos principais obstáculos para alcançar esse objetivo é a dificuldade em encontrar fornecedores de roupas para pessoas gordas. “É difícil encontrar nos fornecedores e, quando encontro, as roupas são ‘feias’. É o que as clientes têm em mente. Por que roupa de gorda tem que ser mais feia e não pode ser moderna? Por que não pode ser atualizado?”, questiona. “Forneço roupa para padrão mais tradicional, um padrão entre um M, podendo chegar até um plus size. Clientes em potencial que não se encaixam nesse padrão já vêm com o pensamento ‘aqui não tem roupa para o meu corpo’ ou ‘você só tem roupa pra quem é magro?”, conta. “Estamos começando a incluir outro padrão, que antes, pelo menos no bairro, não tinha”, explica.

16

MELHORIAS QUE PODEM – E DEVEM – SER APLICADAS NO MERCADO DA MODA O crime de capacitismo está previsto na Lei Brasileira da Inclusão (Lei 13.146/2015) e propõe pena de 1 a 3 anos de reclusão e multa, para quem excluir ou oprimir pessoas com deficiência. Embora exista há alguns anos, a Lei não previne os casos de capacitismo de acontecerem. No mercado da moda, é comum que os vendedores se dirijam para o acompanhante da pessoa com deficiência, como se ela não tivesse o poder de escolha e a capacidade de comprar.


“O mais comum é do vendedor se dirigir para o meu acompanhante e não para mim, como se eu não tivesse o poder de escolha, não tivesse a capacidade de comprar aquele produto. Isso já aconteceu algumas vezes” Além disso, outro problema que acontece com frequência é o uso dos provadores para PcD como depósito. Heloísa conta que muitas vezes teve que esperar os vendedores esvaziarem o espaço para ela usar, espaço que deveria ser reservado para ela e outras pessoas com deficiência ou idosos com pouca mobilidade.

Reprodução: Lethicia Galo

“A pessoa com deficiência não é vista como um consumidor em potencial, ela é vista em ambientes hospitalares e assistencialistas” Para a jornalista, isso acontece devido a falta de treinamento adequado. Como solução, ela sugere que a população com deficiência se conscientize sobre uma moda pensada e projetada para ela. “A pessoa com deficiência ainda está num momento em que ela se habitada a adaptar as roupas para ela e não que as roupas se adaptem aos seus corpos. O mercado só vai mudar quando esse consumidor exigir, denunciar ou dizer ‘comprem dessa marca porque essa marca é inclusiva”.

17




Acesse o making-of do nosso editorial:


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.