Revista Keyboard Brasil 2015 número 24

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JEAN CARLLOS O rock em louvor a DEUS no

OFICINA G3 FORTE piano digital, da Kurzweil: Detalhamento sonoro nunca antes atingido!

Música clássica & elitismo: Maestro Colarusso expõe as verdades e mentiras

Hammond Grooves: O resgate sonoro dos jazz organ trios

Mente, caráter e musicalidade: O efeito da música no humano e a definição de música sacra, por Joêzer Mendonça

Revista

Keyboard ANO 3 :: 2015 :: nº 24 ::

:: Seu canal de comunicação com a boa música!

Brasil www.keyboard.art.br




Índice

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08

DIVULGAÇÃO: CD e fita cassete de Alan Flexa

18 NOSTALGIA: A Era da Incerteza - parte 2, por Amyr Cantusio Jr.

24 LANÇAMENTO: CD Dágua, de André Perim

40 MÚSICA DOS SENTIDOS: Cada pessoa é uma música, por Patrícia Santos

MERCADO: Forte Piano, Kurzweil

28 PELO MUNDO: Ayham Ahmad, um pianista na guerra da Síria

44

32

HOMENAGEM: Chris Squire, por Amyr Cantusio Jr.

36 COMEMORANDO: Ivan Lins

CRÍTICA: Música clássica & elitismo - por maestro Osvaldo Colarusso

62

56

52

PERFIL: Hammond Grooves

Expediente

16

MATÉRIA DE CAPA: Jean Carllos, do Oficina G3

OPINIÃO: Mente, caráter e musicalidade, por Joêzer Mendonça

PONTO DE ENCONTRO: Como se mede o valor de um povo que utiliza a música a seu favor? por Luiz Bersou Revista

Julho / 2015

Keyboard www.keyboard.art.br

Brasil

Editora Musical

Revista Keyboard Brasil é uma publicação mensal digital gratuita da Keyboard Editora Musical. Diretor e Editor executivo: maestro Marcelo D. Fagundes / Chefe de Redação e Design: Heloísa C. G. Fagundes Caricaturas: André Luíz Silva da Costa / Foto da Capa: Gee Buscaratti / Marketing e Publicidade: Keyboard Editora Musical Correspondências / Envio de material: Rua Rangel Pestana, 1044 - centro - Jundiaí / S.P. CEP: 13.201-000 / Central de Atendimento da Revista Keyboard Brasil: contato@keyboard.art.br As matérias desta edição podem ser utilizadas em outras mídias ou veículos desde que citada a fonte. Matérias assinadas não expressam obrigatoriamente a opinião da Keyboard Editora Musical. 04 / Revista Keyboard Brasil


Espaço do Leitor

Editorial

Show!!! Magnífico! (Referente ao vídeo da pianista Sonia Rubinski, em matéria de capa e entrevista para a Revista Keyboard Brasil edição 23). Edson Staack – via canal YouTube. Muito legal a matéria de Elvis Presley!!! (matéria de capa especial de Elvis Presley, por Marina Ribeiro e Marcelo Fagundes, edição nº 18). Renato Moser – via G+. É uma pena ver as salas vazias! (referente à matéria de Luiz Bersou 'Sala de Espetáculos Vazias' edição nº 23). Igor Maxwel – via G+. Casa das máquinas, muito massa! É do meu tempo. Tinha até o disco deles em vinil, com aquela música 'Casa de Rock'. Show!!! (referente à matéria Rock Progressivo, a música erudita do século XX, por Amyr Cantusiy Jr, edição nº 22). Antonio Carlos Cardoso – via G+. Parabéns pelo artigo sobre as Ondas Martenot! Maestro Osvaldo Colarusso – via Facebook. A pianista Sonia Rubinsky dá um show de interpretação! Mauro G. Andrade – via e-mail. Muito bom o artigo do Amyr Cantusio sobre a música das décadas de 60 e 70! Iris Dolce – via e-mail. Excelente as técnicas para construir autoconfiança na performance musical! Andrea N. S. Cardoso – via e-mail. Muito obrigada a todos os nossos leitores! Fazemos nosso melhor, mas procuramos melhorar cada vez mais a cada edição!

Heloísa Fagundes - Publisher

Há quase 30 anos no mercado musical, a Keyboard Editora, criadora da Revista Keyboard Brasil, comemora, neste edição, dois anos de revista digital gratuita! Trazemos em cada edição, o que há de melhor para você estudante, professor, músico amador ou profissional e pessoas que almejam cultura de alto nível. Isso garante o nosso sucesso! Não desejamos nada além de divulgar trabalhos sérios, de músicos sérios, competentes. O mesmo vale para nossos exímios colaboradores. E a novidade é permanente. É fruto dessa experiência de uma equipe afinada que deseja transformar o mundo da música em algo melhor. Um comprometimento com nossa cultura, tão prejudicada em nosso país! Edições similares sempre virão e sempre serão bem vindas, principalmente porque agrega mais saber, mais cultura, mais informação! Isso demonstra claramente que estamos no caminho certo! Nosso compromisso é com você leitor fiel! Continue a curtir, compartilhar e comentar nossas matérias! E, músicos: continuem enviando seu material e sejam vistos por mais de 250 mil leitores! Excelente leitura e fiquem com Deus! Revista Keyboard Brasil / 05


Foto: Arquivo pessoal

Divulgação

Edições limitadas em CD e fita cassete. Contatos: (96) 99157 - 4963 Alanflexa80@bol.com.br

Um álbum conceitual que lida, antes de tudo, com a vida. E, a vida nos traz muitos aspectos, sejam eles positivos ou negativos: a morte e o tempo... Todos eles são abordados com uma profundidade e sensibilidade tão grandes que é impossível não se envolver pelo clima sombrio e, ao mesmo tempo, otimista. Vindo de terras tucujus, o tecladista, multiinstrumentista e produtor Alan Flexa, lança seu debut – sem título – contendo 5 faixas. Segundo Flexa, o álbum foi todo gravado de forma analógica (vintage), utilizando um gravador ADAT ALESIS, Sintetizador DX7 e KORG MICRO PRESENT 500. Em seus sintetizadores, Flexa cria uma atmosfera inigualável, que envolve o ouvinte da primeira à última faixa. É um trabalho que denota, de maneira magistral, os aspectos sonoros que consagraram o artista: som essencialmente eletrônico, futurista, inspirado por um conceito cósmico. 06 / Revista Keyboard Brasil

Alan Flexa 1-''Kapala '' – muitos foram os usos e costumes integrados no Vajrayana (Budismo Tibetano) provenientes de crenças religiosas que precederam a chegada do Dharma ao Tibete com Padmasambhava. Vários objetos utilizados nas práticas desses cultos antigos passaram a ser parte integrante dos ritos tântricos. 2-''NASZCA'' – famosa por suas linhas misteriosas que intrigam o mundo. Flexa expressou toda sua simplicidade com arranjos coesos de muito bom gosto. 3-“NEKTAR” – inspirado pela banda da qual teve uma forte influência, ALPHA III (projeto que pertence ao grande tecladista Amyr Cantusio Jr.) linhas com PADS do renomado sintetizador dx7. 4- “ Homo Sapiens” – evolução humana? Flexa retrata toda “evolução” do homem em busca de sua espiritualidade, o seu ponto de equilíbrio, utilizando aqui, o lendário sintetizador dos nos 70, micro presente 500 da korg, recriando atmosferas de puro new wage. 5- “Cunani” – fechando o debut com todo seu mistério, a música Cunani. Nesta faixa, Flexa utilizou caixa de marabaixo, instrumento típico trazido pelos escravos africanos no século XVII, aliado aos sintetizadores e flautas. Caro leitor, posso lhe afirmar com minhas sinceras audições, que este debut, misterioso e um tanto magnífico, nos fazem crer, que há boa música espalhada nos quatro cantos do nosso Brasil. Marcus Paolo – crítico



MatĂŠria de Capa

Jean Carllos O rock em louvor a DEUS no Oficina G3 08 / Revista Keyboard Brasil


A IDEIA DE QUE MÚSICA GOSPEL SE RESTRINGE AO PÚBLICO EVANGÉLICO JÁ FOI ULTRAPASSADA. NOS ÚLTIMOS ANOS, MUITOS SUCESSOS DO SEGMENTO SURGIRAM FAZENDO O MERCADO CRESCER DE FORMA ACELERADA. É O CASO DO GRUPO OFICINA G3. O OFICINA G3 NÃO SÓ FAZ PARTE DESSE MUNDO COMO É TAMBÉM RESPONSÁVEL PELAS RAÍZES DO ESTILO NO BRASIL. ATUALMENTE FORMADO POR JUNINHO AFRAN (GUITARRA), DUCA TAMBASCO (BAIXO), JEAN CARLLOS (TECLADO) E MAURO HENRRIQUE (VOCALISTA). SEMPRE ENGAJADOS EM QUESTÕES SOCIAIS, O GRUPO INVESTE TAMBÉM EM TEMAS COMO DROGAS, CORRUPÇÃO E A DEVASTAÇÃO DO MEIO AMBIENTE ALÉM, É CLARO, DE DIFUNDIR OS PRINCÍPIOS E A FÉ CRISTÃ ATRAVÉS DE SUA MÚSICA. ESTE MÊS, A REVISTA KEYBOARD BRASIL TRAZ UMA MATÉRIA DE CAPA E UMA ENTREVISTA EXCLUSIVA COM JEAN CARLLOS - AS TECLAS DO OFICINA G3, REALIZADA PELO NOSSO COLABORADOR DANIEL BAARAN ! Daniel Baaran

Revista Keyboard Brasil / 09


O

músico e compositor brasiliense Jean Carllos Lemes Miranda, 40, é tecladista e um dos vocalistas da banda de

rock gospel Oficina G3, da qual é integrante desde 1995. Desde cedo, já apresentava afinidade com a música. Aprendeu violão aos 8 anos de idade e, aos 10, formou sua primeira banda na igreja onde frequentava, chamada “Emanuel”. Aprendeu teclado e aos 15, passou a tocar em bares, festas e casamentos. Regressou à vida cristã montando, mais tarde, o “Vértice”, banda de hard rock gospel brasiliense

Jean Carllos: ‘‘Se você é um cara cristão, faça em prol do Cristianismo. A minha música é o meio que eu utilizo para falar do que eu acredito’’. 10 / Revista Keyboard Brasil

onde, por coincidência, tocou com a banda Oficina G3, na tradicional Festa dos Estados, um dos maiores eventos na agenda cultural do Distrito Federal. Isso lhe deu a oportunidade de mais tarde, aos 21 anos, ingressar para a banda, a convite do baterista Walter Lopes, por ocasião da saída do antigo tecladista, posto este que permanece até hoje. Jean Carllos tornouse conhecido por suas performances dinâmicas e extravagantes no palco. Leia, a seguir, uma entrevista exclusiva feita por nosso colaborador Daniel Baaran!


Entrevista Revista Keyboard Brasil: Como começou seu interesse pelo teclado? Jean Carllos: Na verdade, eu comecei como músico de igreja e, na igreja a gente toca o que precisar, né... Se precisar de um cara para tocar violão, a gente toca violão, se precisar de um cara para tocar baixo, a gente toca baixo, enfim... Eu comecei pequeno mesmo e tocando violão, só que eu era mais magro do que eu sou (risos) e, por isso não conseguia fazer pestana, não saia som! Meu pai queria que eu fizesse artes marciais, mas eu nunca gostei desse negócio, até fiz um tempo de Karatê, mas o que eu gostava mesmo era de música! Revista Keyboard Brasil: Quantos anos você tinha quando começou a tocar teclado? Jean Carllos: Por volta dos meus 14 ou 15 anos, foi quando eu me apaixonei pelo teclado. Revista Keyboard Brasil: Qual foi o seu primeiro teclado? Jean Carllos: Cara, o primeiro teclado que eu me lembro de tocar, tirando os que eu peguei emprestado logo depois, foi um Cássio bem pequeno. Logo depois, meu pai arrumou um Yamaha PSR250, e foi com esse tecladinho que eu toquei em um monte de igreja. Revista Keyboard Brasil: E a veia sempre foi mais para o Rock... Jean Carllos: Sempre! Para o Rock, para as

pentatônicas (risos), e o bacana que naquele tempo, por volta de 1980, a gente tocava uns corinhos legais, rock'n roll, e eu me amarrava neles (risos)... E tinha uma igreja perto de casa que não era a que meus pais frequentavam chamada Batista Filadélfia, a gente ia para lá no culto de jovens e os caras curtiam muito rock'n roll. Revista Keyboard Brasil: Quem te influenciou musicalmente independente de ser do meio gospel ou secular? Jean Carllos: Como todo mundo, eu sempre tive aquele cara que a gente fala: “Pô, aquele cara toca legal, esse cara é bacana!”. Mas, de fato, nunca me inspirei em ninguém não, porque ninguém fazia o que eu tinha vontade de fazer. Eu sempre olhei para o teclado como um instrumento muito além do que a gente imagina. Quando você observa todas as possibilidades que o teclado tem, tudo que você pode fazer com ele hoje utilizando a tecnologia, os limites são irreais. Naquela época, eu ouvia muito Rebanhão, o tecladista dele tocava muito, e teve um cara que eu fiz umas aulas e que a gente o chamava de Henrique Bolha. Ele tinha um jeito animado de tocar e aquilo me chamava a atenção. A minha coisa era ficar em pé mesmo para fazer aquele estilo meio Jerry Lewis, se deixasse eu tocar com pé, eu tocava... Entendeu? (risos). Depois, conhecendo a musica mundial, o primeiro cara que eu curti e considero um dos pais da música, é o The Purple – John Lord, mestre das pentatônicas e mestre do Blues, me chamava muito a atenção e eu falava: “É isso que eu quero para mim!” Revista Keyboard Brasil / 11


Oficina G3: A trajetória de uma das bandas mais respeitadas do cenário musical se iniciou em meados de 1990. Além de vencer os preconceitos dos mais ortodoxos e contrariar o jargão dito por Raul Seixas, no ano de 1974, em que dizia “... o diabo é o pai do rock...”, a Oficina G3 seguiu em frente para cumprir sua missão dentro da música, tornando-se uma das grandes bandas de rock do momento, conquistando o Grammy Latino de 2009 com o cd Depois da Guerra, gravado no final de 2008 e recebendo diversos discos de ouro durante os anos de sua brilhante carreira. 12 / Revista Keyboard Brasil


Revista Keyboard Brasil / 13


RKB: Como foi essa aproximação para que você viesse a fazer parte da banda, já que você é de Brasília e a maioria dos integrantes do Oficina é de São Paulo? JC: Na verdade, eu tinha uma banda em Brasília (inclusive o Mauro cantou nessa banda depois que eu vim embora para o G3), a Vértice. E meu amigo chamado Gustavo conhecia o Waltão. Toda vez que o G3 ia para Brasília, minha Banda abria o show deles e, assim criamos uma amizade. O Gustavo foi convidado pelo Waltão num show do SOS da Vida para ir à casa do Waltão e, eu fui com ele. Do nada, o Waltão me disse: “Jean a gente tá precisando de um tecladista”. E, assim, eu fiz uns testes em alguns shows. Nessa época, eu trabalhava na polícia civil em Brasília, acredite se quizer (risos)! E, eu não me esqueço do dia 06 de março de 1995, foi quando eu comecei a gravar o cd “Indiferença”. E, foi assim... No começo, eu dei uma relutada por causa da Banda em Brasília, mas Deus sabe das coisas e todos continuam sendo meus amigos e eu tenho uma família lá em Brasília! RKB: O auge do Oficina G3 foi quando fez o acústico. E quem curtia o rock do Oficina, como foi a recepção? JC: Foi muito louco, Daniel! Quando a gente gravou o acústico, ninguém tinha gravado, com exceção dos Titãs, que tinha acabado de lançar. Ai a gente falou assim: “Pô, a gente podia gravar um acústico com nossas músicas mais velhas e tal”. Foi uma coisa tão louca porque foi a porta de entrada para um monte de igreja e para um monte de gente que achava que a gente era do capeta, entendeu (risos)? 14 / Revista Keyboard Brasil

Quando viram as músicas numa roupagem mais tranquila, a gente passou a fazer show por todo o Brasil. Às vezes, duas sessões lotadas. De fato, o acústico foi um divisor de águas. RKB: Com essa quantidade de shows, eventos e workshop pelo Brasil, tem alguma igreja que você congrega fixo? JC: Eu era membro da Comunidade da Graça, igreja do Pr. Carlos Alberto, pessoa muito querida. Infelizmente, eu não estou mais porque me mudei há uns seis meses e estou procurando uma igreja perto, porque acho muito importante e faz falta. E, cara, não dá para falar de uma coisa que você não vive, você precisa experimentar para dizer, senão não vale a pena é discurso vazio. RKB: E hoje? O que você mais ouve, quais as suas referências? JC: Eu sou muito cíclico, na verdade. Tem época que eu escuto um heavy metal e, quando eu falo heavy metal, eu falo de Pantera, de Metálica, de bandas nesse perfil. Mas, faz tempo que eu não escuto. Das que eu escutei e que são do meio gospel Bride, Stripe e Petra. Hoje, eu mudei um pouco minha cabeça e curto FooFighters, Led Zepelin, ACDC. Na música instrumental, eu gosto de Oscar Peterson. E, assim cara, falando da parte espiritual da coisa, você começou a ouvir uma música que não gostou ou se sente mau, tira! Afinal de contas, o Espírito Santo que está dentro da gente, ele te diz que isso não é legal! Tem uma banda que o som deles é bem legal e a música deles é tão dark, tão pesada que eu falo “Mano, é


legal mas eu não quero ouvir não” (risos) chama Tool. RKB: Qual o seu Set atual? O que você usa no palco? JC: Cara, eu estou com a Korg há três anos! E, hoje, eu uso Kronos SV-1, que é um teclado muito legal e muito voltado para órgão e pianos digitais Holds, ele tem uma válvula, aí eu dou uma saturada e fica bem legal, fica ardido o timbre, bem legal! Uso, também, um R3 para trabalhar com alguns timbres analógicos e mais com o lance do vocoder, embora o Kronos também faça, mas é legal porque ele é pequeno e mais fácil de mexer. Uso, também, uma série da Korg chamada Kao's Pad. Uso os três: o Pro que tem timbres, o Pad que é sample e trabalha com muito efeito e o Quad que tem quatro canais que você pode juntar e mixar os efeitos dele. E, para controlar tudo isso, eu uso Man Stage e, placa de áudio eu uso amotuque tem 10 em 10 áudios, todos teclados eu ligo RL. RKB: Que dica você deixa para os tecladistas que estão começando e que são seus fãs e, de repente, querem se tornar um “Jean” no futuro? JC: Em primeiro lugar Daniel, eu acho que todo músico tem que procurar uma identidade; É legal você ter referências, se espelhar em alguém, gostar de alguém até que você defina seu próprio estilo. Eu defendo muito isso! É muito importante, é uma escola fantástica você tirar música dos outros! Quando você tira a música de um cara, você começa a observar quais as manhas e manias. No primeiro ponto, eu

acho que é isso mesmo, tirar músicas de quem você curti. Porém, não se pode esquecer que você tem uma identidade em cima daquilo que você gosta. Descubra sua linha de raciocínio, aquilo que diz, isso eu assino, isso sou eu. A segunda parte, eu deixo a dica: é muito importante que você leia! Aprenda a ler cifra, gaste um tempo dentro do seu estudo lendo música. Olhe a partitura! Olhe, pelo menos, a clave de Sol e a clave de Fá, pois as coisas mais bacanas hoje estão escritas. E, no terceiro ponto, falando da área em que vivemos sendo cristãos, é fazer o que você faz em prol de alguma coisa. Se você é um cara cristão, por exemplo, faz em prol do Cristianismo, a minha música é o meio que eu utilizo para falar do que eu acredito. Use desse talento que Deus te deu e invista seu tempo, invista seu conhecimento para um bem comum, que é falar do amor de Deus. Seja um músico talentoso. Seja um músico esforçado. Seja bom no que você faz, se destaque! Porque eu tenho certeza que isso é muito legal! Nada melhor do que você fazer as coisas e as pessoas admirarem seu trabalho. Mas, nada melhor do que, além disso, você poder oferecer alguma coisa para aqueles que te ouvem. E cara, no meu caso, eu dedico o que eu faço a Deus. Então, se essa é sua viber, se esse é o seu caminho, faça a mesma coisa! RKB: Valeu, “tamo” junto!!! Saiba mais sobre Jean Carllos. Acesse:

Revista Keyboard Brasil / 15


Mercado

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16 / Revista Keyboard Brasil

estrondoso. O Forte apresenta um novo design aerodinâmico, elegante e robusto. Display colorido e sliders iluminados com LED. Também possui equalizador e compressor global no painel frontal e seus botões são programáveis para acesso rápido aos programas favoritos. Sua biblioteca ainda conta com os aclamados timbres da linha PC3 e todo o poder da síntese V.A.S.T. Hoje a ProShows, distribuidora oficial da marca, já conta com esse produto em estoque.


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D E T A L H E S

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Nostalgia

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A ERA DA

INCERTEZA II Céu e inferno nos anos 70 - parte final OS MONSTROS DO ROCK, EM SUA MAIORIA, DESAPARECERAM MENTE

MAS,

OBVIA-

DEIXARAM

UM

LEGADO ATRAVÉS DE SUA MÚSICA, EM BANDAS QUE POSSUEM AINDA A POESIA E

BAGAGEM

MUSICAL

RELEVANTES. SAIBA O QUE REALMENTE MUDOU NO ROCK ATUAL!

* Amyr Cantusio Jr.

Formada em 1975, a banda inglesa de punk rock Sex Pistols é considerada responsável por ter começado o movimento punk no Reino Unido e ter influenciado muitos músicos de punk rock e rock alternativo. Ainda que tenha durado apenas dois anos e meio, lançando apenas quatro singles e um álbum de estúdio. Revista Keyboard Brasil / 19


P

ara os que acham que tudo era belo e maravilhoso nos anos 70, no topo da revolução cultural,

guerra do petróleo (OPEP), guerra do Vietnã, etc, digo que estão redondamente enganados. No ápice do lixo surge, em meados de 76, o movimento Punk, com seu expoente máximo, a banda Sex Pistols. O lado negro, podre e pobre do Rock, de onde inclusive Lennon saiu. Os Pistols decolaram quando o baixista original foi expulso por ouvir muito Beatles (!?) e, em seu lugar, entrou Sid Vicious, um drogado maluco que mal sabia segurar um contra-baixo. Isto foi por volta de 1977. Sid, que não sabia nada de música, assustava mesmo seus próprios amigos da banda de tão aloprado. Mas, se tornou lendário por sua irreverência, violência e por tocar “chapado” nos shows dos Pistols. Além disto, ficou notório por ser acusado do assassinato de Nancy, sua companheira de orgias paranoicas. O Sex Pistols foi um furacão e conturbou a cena do Rock até a morte de Vicious, por overdose de heroína, em 1979. Vamos dizer que o Punk resgatou a velha fórmula suja que o próprio Stones ou o The Who, no início dos anos 60, já havia trilhado, o básico e simples Rock 'N' Roll. O Progressivo, apesar de ótimos momentos e grandiosas bandas e músicos, começou a ficar decadente no final dos 70. Sid (Sex Pistols) e Syd (Pink Floyd), eram duas almas gêmeas que representavam a oposição dos movimentos (céu e inferno), ambos vítimas de

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alienação, drogas e conflitos sociais. O inconformismo geral dos jovens setentistas frente à estupidez global. Lógico que muitos se mascararam (literalmente) como Alice Cooper e Kiss, além do Genesis. Muitos abusaram do “sex appeal” e dos brilhos como David Bowie ou Gary Glitter. A androginia ganhou espaço frente ao público ávido e louco por novidades. Os Stones nunca perderam o ritmo, a simplicidade e irreverência atravessando os anos 70 até os dias de hoje, imbatíveis e com a sonoridade original praticamente intacta, o que não aconteceu com a maioria das bandas setentistas. A rebeldia e

postura antissistema foram se acomodando com a aproximação do final da década, com a idiotice da onda “disco” tomando à frente. Não que a onda “disco” seja totalmente ruim... Mas, continha o “vazio existencial” que a década anterior tanto tentou preencher. Talvez os Pistols tenham sido a última violenta resposta do Rock à breguice que chegava. Muitos músicos e bandas tentaram sobreviver se agarrando às raízes, mas já era tarde e a cabeça da galera estava mudando novamente. Alguns críticos dizem que o Rock morreu nos anos 70. Em parte, também acredito que sim. Observando de onde estou hoje, nos meus 58 anos, tudo foi para pior (visão pessoal e, porque não, realidade que está nua e crua na cara de todos). A rebeldia com justa causa, deu lugar a uma parafernália tecnológica, letras insignificantes, pobreza de criatividade, menos harmonia e


sentimento. Muito peso, rapidez e morbidez assumiram a frente das bandas. Lógico que com exceções como bandas atuais que, apesar de terem uma outra roupagem do rock, possuem ainda a poesia e bagagem musical relevantes como Moonspell, Therion, Nightwish, Samael, Metallica, etc... O Rock ainda respira. Mas, no sentido quantitativo e qualitativo, o Rock perdeu. Ainda sinto falta de uma coesão de cabeças, de líderes no movimento. Quando Lennon voltou à ativa, em finais de 70, levou um tiro. Os monstros

do Rock, em sua maioria, desapareceram... Já estavam enterrados com suas drogas, ideologias e obscurecimento. Obviamente deixaram um legado através de sua música. Cadê aquele Jerry Lee Lewis com seu piano maluco e boca do inferno? Ou shows monstruosos de um Emerson, Lake & Palmer, com sua ousadia? E a magia dos mascarados Tia Alice, Kiss e Peter Gabriel? King Crimson, Van Der Graaf Generator, Gentle Giant, Yes, Jethro Tull, Jame Gang, Johnny Winter, etc... Lógico que seria injusto esquecer o Queen, a Rainha Andrógina. Talvez, a primeira banda a unir a Ópera ao Rock. Mas, atrás de todas as estrelas que brilhavam, havia as bandas menos famosas, as ditas underground, que nem por isto eram menos competentes. Quem não conheceu Dust (Power Trio de Heavy) ou Budgie (outro Power Trio), Sugar Loaf, Ten Years After, Creedence Clearwater Revival ou, mesmo, o Grand Funk, que seriam sucessos estrondosos nos U.S.A. e

no mundo todo? Agora, há uma oportunidade para isto com a crescente informatização da internet e relançamentos de clássicos em CD. O Grand Funk, por exemplo, foi lançado remasterizado no Brasil recentemente, com toda a discografia básica dos quais recomendo (Pluribus Funk, Survival, Phoenix e We Are An American Band). Para os que amam o Rock calcado mais para o Folk europeu, existem duas opções maravilhosas dos anos 70: Steelye Span e Fairport Convetion. Ambos com uma respeitosa e bela discografia. Lembro a vocês, caros leitores, que aqui nesta humilde coluna só posso dar um panorama superficial dos movimentos, das bandas e movimentos sociológicos em si. Bem, o que realmente mudou no Rock atual? Creio que a sonoridade, o equipamento, a postura, o visual, a metafísica e qualidade poética das letras, principalmente a atitude e cabeça, entre outros. Temos uma cena mais metálica, dark, rápida, com menos qualidade harmônica, mais velocidade e textura que feeling. Bandas como Blind Guardian, Edguy, Helloween ou Labyrinth exploram o máximo da velocidade. Outras possuem um som sujo (tendência pósPunk) como o Cannibal Corpse e outras do movimento Death Metal. Também não esqueçamos a onda gótica (anos 80) feita por bandas como The Sisters Of Mercy, The Cure, The Mission ou Siouxsie And The Banshees. Lembrando bem da Siouxsie com seu visual dark/sensual que foi um marco do movimento transitório dos anos 80, como a New Wave. Aliás, Revista Keyboard Brasil / 21


A banda britânica The Cure, surgida em 1976, estabeleceu uma carreira duradoura e influente, que mesclou – talvez como nenhuma outra – essa capacidade improvável de alternar entre músicas longas, densas e soturnas com hits radiofônicos de primeira grandeza.

22 / Revista Keyboard Brasil


segundo a lenda na Irlanda, Banshee é um fantasma feminino que aparece dando lamentos tenebrosos quando uma pessoa está para morrer. Hoje, a Siouxsie faz um trabalho bem interessante com o The Creatures, deixando o clima mais esquisito para seu filho bastardo, o The Cure,

do pirado Robert Smith. De todo o movimento original, só sobraram infelizmente partes, pedaços e resgates que compõem hoje a maior parte das bandas. A verdadeira química se perdeu ao longo destas últimas décadas.

*Amyr Cantusio Jr. é músico (piano, teclados e sintetizadores) compositor, produtor, arranjador, programador de sintetizadores, teósofo, psicanalista ambiental, historiador de música formado pela extensão universitária da Unicamp e colaborador da Revista Keyboard Brasil.

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Fotos: Paulo Barreto

Lançamento

ANDRE PERIM E O EXPERIMENTALISMO DO ROCK PROGRESSIVO UNIDO AOS RITMOS DA TRADIÇÃO AFRO-BRASILEIRA.

UM TRABALHO QUE ESTÁ CHAMANDO A ATENÇÃO NACIONAL E INTERNACIONALMENTE. ESTOU FALANDO DE DÁGUA - DISCO DE ESTREIA DO TECLADISTA, PIANISTA E COMPOSITOR ANDRÉ PERIM. O DISCO TEM A PARTICIPAÇÃO DO PERCUSSIONISTA WELLINGTON SOARES E CONTA TAMBÉM COM A COLABORAÇÃO DE RODRIGO SEBASTIAN (CONTRABAIXO), PEDRO MAZZILO (GUITARRA), JOÃO PELLEGRINO (VIOLÃO) E JOÃO PEDRO DE LIMA JR (THEREMIN). AO VIVO, O MÚSICO TEM SE APRESENTADO NA COMPANHIA DOS PERCUSSIONISTAS WELLINGTON SOARES E FÁBIO GOMES. O TRABALHO UNE O EXPERIMENTALISMO DO ROCK PROGRESSIVO DOS ANOS 70 COM RITMOS DA TRADIÇÃO AFROBRASILEIRA. UM CALDEIRÃO SONORO DE CANDOMBLÉ, PSICODELISMO, AMBIENT, MÚSICA ELETRÔNICA, QUE RESULTA EM UM TRABALHO EXTREMAMENTE PESSOAL COM RAÍZES FINCADAS NO UNIVERSO PERCUSSIVO. Da Redação 24 / Revista Keyboard Brasil


Entrevista Revista Keyboard Brasil: André, você é formado em Jornalismo mas estudou música desde pequeno, certo? Andre Perim: Comecei com a música aos seis anos de idade, estudando piano. Bem mais tarde estudei no Seminário de Música Pró-Arte, no Rio de Janeiro e no Curso de MPB, no Conservatório Brasileiro de Música. Mas também me formei em Jornalismo e tentei estudar linguística. Revista Keyboard Brasil: Como descobriu o universo dos sintentizadores? Andre Perim: Lá por cerca dos meus 17 anos adotei o sintetizador como meu instrumento. Foram fundamentais para mim a descoberta de dois discos – Corações Futuristas e Academia de Danças, de Egberto Gismonti e Wish you were here, do Pink Floyd. O que mais me chamou a atenção foi a possibilidade de criar sons e timbres que não estavam relacionados diretamente a nenhum instrumento. Na época, eu não possuía um sintetizador, mas ligava pedais a um órgão. Desde então, a síntese, a criação de atmosferas sonoras e a utilização de novas possibilidades para o instrumento foi um assunto que sempre me interessou. RKB: O que o levou à criação do seu recente trabalho intitulado Dágua. AP: Participei de diversos grupos de rock nos anos oitenta, mas dificilmente me identificava com o boom dos sintetizadores na época, marcados por sequenciadores e pela linguagem technopop. Na década de noventa aderi ao movimento reggae carioca colaborando com diversas bandas, destacando o trabalho solo de Ras Bernardo (com quem trabalhei por cerca de 4 anos), recém saído do Cidade Negra.

Na década seguinte me dediquei, entre outras coisas, ao aprendizado da percussão com aulas regulares de ritmos de candomblé. Estudei durante sete anos com o Mestre Humberto Balogum (na escola de percussão Maracatu Brasil) e, simultaneamente, piano popular, arranjo e orquestração com Leandro Braga. Essa soma de experiências bem singulares misturada com minhas influências musicais, me levou sim à criação do que veio a ser Dágua, meu álbum de estreia. RKB: Então, o minimalismo, música africana, afro-cubana e a eletrônica fazem parte de seu trabalho, certo? AP: O Brasil tem uma cultura não oficial muito forte. É uma musicalidade muito presente nos cultos afro-brasileiros. Não é uma coisa que se encontra nos livros, é um conhecimento passado de mestre para discípulo, através da observação e repetição. Eu me utilizei de tudo isso como matéria prima para a composição. Apesar da eletrônica ser um elemento fundamental na minha música não há, no álbum, o uso de sequenciadores. Tudo é tocado! Também não há no disco uma banda propriamente dita, mas músicos que foram colaborando durante o processo. Ao vivo, no entanto, tenho feito uma formação bem inusitada. Eu, nos teclados (Roland Combo VR 700 e um Korg M-1) , e dois percussionistas. De um lado Wellington Soares, baiano que realizou trabalhos com Caetano Veloso (Circuladô ao Vivo) e o Rappa e, do outro, Fábio Gomes (Naná Vasconcelos). RKB: O Rock Progressivo também é uma influência musical marcante em seu trabalho. Alguns ou algum grupo em especial? AP: Entre as influências, posso citar a Revista Keyboard Brasil / 25


O músico Andre Perim teve participação atuante no movimento do reggae carioca da década de 90 (integrou a banda de Rás Bernardo), flertou com a música africana (acompanhando artistas de Angola e Cabo Verde), acompanhou diversos artistas em palco e em estúdios, como Tatiana Dauster, Liza K e o grupo Eletrosamba. Também estudou sistematicamente os ritmos de candomblé (com Mestre Humberto, a quem o disco é dedicado) e arranjo e orquestração (com Leonardo Braga, que o presenteou com uma composição inédita Outono, interpretada no piano acústico). Ao vivo, o músico tem se apresentado na companhia dos percussionistas Wellington Soares e Fábio Gomes. Ao lado, o recente trabalho Dágua.

sonoridade do rock progressivo dos anos 70 , principalmente aqueles que flertaram com o experimentalismo (Pink Floyd, Can) assim como os grupos alemães que deram início à exploração da música eletrônica na época (Tangerine Dream, Popooll Vuh, entre outros...). RKB: Tem apresentações agendadas pelo Brasil? AP: Para o segundo semestre do ano, tenho programado apresentações princi26 / Revista Keyboard Brasil

palmente no Rio e São Paulo e, provavelmente, no nordeste. Infelizmente ainda não tenho a agenda definida mas é apenas uma questão de tempo. RKB: Obrigada pela entrevista e sucesso!!! AP: Eu é que agradeço. Existe muita música boa e criativa sendo feita no Brasil e esse espaço que vocês estão abrindo é de extrema importância, tanto para os músicos quanto para o público. Obrigado!



Pelo mundo

28 / Revista Keyboard Brasil


Ayham Ahmad

Foto: Niraz Saied

O PIANISTA QUE TENTOU TRAZER ESPERANÇA ATRAVÉS DA MÚSICA EM BAIRRO DEVASTADO PELA GUERRA SÍRIA.

Revista Keyboard Brasil / 29


Foto: Divulgação

Damasco completamente destruída por bombardeiros do regime sírio.

À MEDIDA QUE A GUERRA CIVIL NA SÍRIA ENFURECIA, UM PIANISTA DE 27 ANOS DE IDADE, COMEÇOU A CHAMAR A ATENÇÃO POR SUA DETERMINAÇÃO EM TRAZER MÚSICA A UM CAMPO DE REFUGIADOS DEVASTADO PELA GUERRA NA PERIFERIA DE DAMASCO. Heloísa Godoy Fagundes

M

ais de 220 mil mortos, milhares de desaparecidos e 4 milhões de refugiados. No ais de 220 mil mortos, milhares de desaparecidos e 4 milhões de refugiados. No conflito, que completa quatro anos sem nenhuma perspectiva para o fim, destacava-se um rapaz que tentava trazer um pouco de acalanto à população que ainda sobrevive pelos escombros da cidade. 30 / Revista Keyboard Brasil

Ayham Ahmad começou a tocar o velho piano que havia resistido intacto às bombas em uma rua de Yarmouk, em janeiro de 2014. O campo de refugiados era antigamente o lar de mais de 800.000 refugiados palestinos. Atualmente, a população caiu para cerca de 18 mil devido à guerra. O jovem Ahmad destinava-se a trazer com a música,

alguma esperança ao bairro devastado. "Quero que as pessoas vejam


Foto: REUTERS/Stringer

‘ ‘

A mensagem que eu queria transmitir é que o povo de Yarmouk é composto por civis que amam e ouvem música. Eles são apenas pessoas que querem viver em paz, não em guerra

‘ ‘

Fundado em 1957 e situado na cidade de Damasco, o campo de refugiados Yarmouk é povoado por palestinos e contém hospitais e escolas. Nesta imagem, os habitantes de Damasco fazem fila para receber comida.

que aqui, através desse piano a vida ainda pode ser boa. Eu tenho esperança que essa guerra acabe ", dizia ele. Sua determinação em continuar a tocar aquele piano foi ainda maior devido às oportunidades que havia perdido quando a guerra eclodiu. Ahmad que tocava obras de seus compositores favoritos como Beethoven, Rachmaninoff e Debussy, passou a compor suas próprias músicas, com letras que descreviam o mundo ao seu redor, como a luta diária para sobreviver no campo, bem como a enorme perda sofrida pela partida de muitos moradores, além do grande número de refugiados que ainda tentam escapar em barcos inseguros sobre o Mar Mediterrâneo em direção à Europa e a infância perdida das crianças. Porém, depois de algum tempo, a proibição foi imposta e Ahmad foi obrigado a tocar o piano em sua casa.

– Ayham Ahmad

Contudo, tocar para o público passou a ser seu objetivo e, assim, surgiu a ideia de transmitir concertos através do Skype para o público no exterior. "Entrei em contato com um amigo meu em Haifa e pedilhe para reunir uma centena de pessoas em um café. Assim toquei para o público em um telão através do Skype. Meu segundo concerto foi para um público na Dinamarca e o terceiro para a Suécia", explicou Ahmad. Nos últimos meses, tocar tornou-se ainda mais difícil para Ahmad, pois seu piano, juntamente com sua casa foram destruídos em um ataque por militantes islâmicos. Desse modo, foi obrigado a se mudar com sua família de Yarmouk. Mas não ficou longe da música por muito tempo... Persistente, Ahmad passou a lecionar diariamente para os alunos de uma escola local, utilizando um teclado emprestado de um amigo. E a vida continua... Revista Keyboard Brasil / 31


CrĂ­tica

32 / Revista Keyboard Brasil

Orquestra do Concertgebow, de Amsterdam e seu maestro Maris Jansons. O preço dos ingressos cobrados no Brasil desmentem suposto elitismo.


*

MÚSICA CLÁSSICA

&

ELITISMO:

ENTENDA PORQUE, DECIDIDAMENTE, O MITO DE UMA “ELITE FINANCEIRA” CURTINDO MÚSICA CLÁSSICA É ALGO COMPLETAMENTE DESCABIDO. ** Maestro Osvaldo Colarusso

U

m mito que continua a circular em todos os lugares e meios é o de que a música clássica é elitista. No

sentido de elite financeira provo, com alguns fatos, que há mais do que um equívoco. Comparando a

diferença dos preços dos ingressos de apresentações de outros tipos de música sentimos, nós músicos ligados à música clássica, até uma certa vergonha. Exemplo gritante foi a apresentação de uma dupla sertaneja em Curitiba, tempos atrás, cujos ingressos na plateia foram vendidos a R$1000. Enquanto os concertos de música clássica em Brasília (os da Orquestra do Teatro Nacional) são gratuitos e os de

Osvaldo Colarusso: maestro premiado pela APCA, professor, blogueiro, produtor, apresentador e colunista da Revista Keyboard Brasil.

Curitiba são oferecidos por um preço bem baixo (à época, por R$20 para a Sinfônica do Paraná e por volta do mesmo preço para os concertos da Camerata Antiqua), certas estrelas da MPB cobravam em seus shows ingressos que giravam em torno dos R$250.

Decididamente o mito de uma “elite financeira” curtindo música clássica é algo completamente descabido. Mesmo os concertos de grandes orquestras internacionais no Rio e em São Paulo tem ingressos cobrados compatíveis com estas apresentações de grandes estrelas da MPB, mas não podemos nos esquecer, por exemplo, Revista Keyboard Brasil / 33

Foto: Arquivo pessoal

verdades e mentiras


que Chico Buarque (que cobrou R$295 reais, anos atrás, em Curitiba) faz um show acompanhado por apenas 5 músicos, enquanto que uma orquestra como a Concertgebow, de Amsterdã, quando se apresentou no Brasil, tinha, além de um dos mais importantes maestros (Maris Jansosns), mais de 100 músicos vindos da Holanda! Não dá para comparar o custo e o lucro. O que há de elitismo em quem faz música clássica é algo que não tem nada a ver com capacidade financeira ou classe social. Este tipo de “elitismo” vem de um tipo de determinação e paixão que é conscientemente fadada ao não reconhecimento. Vale a pena lembrar que para que um instrumentista possa participar de uma boa orquestra profissional, por exemplo, são necessários anos de estudo e prática diária de seu instrumento. Alguém ter este tipo de dedicação, um pouco sem retribuição à vista, faz com que surja um tipo de elitismo sim, até mesmo um tipo de insanidade. Ainda mais quando sabemos que músicos medíocres, que não conseguem encadear mais do que três acordes, ficam milionários em um tempo muito rápido e se tornam estrelas da noite para o dia. Está certo, todos os brasileiros de boa índole sentem-se diminuídos e desprezados quando comparam seus salários com os dos políticos ou daquele prometido para aquele famoso condenado no processo do Mensalão, mas a coisa torna-se

desafinado, mal instrumentista e mal cantor torna-se incensado na mídia, uma celebridade, enquanto um profissional altamente capacitado, permanece um desconhecido. E isto não é só no Brasil! O mesmo se passa em qualquer lugar do mundo, mas uma coisa que se agrava aqui em nosso país é a falta de respeito com o artista dedicado à música clássica. A falta de cultura e discernimento tanto da classe rica quanto da classe política (nem todo rico é político mas todo político é rico) faz com que mesmo as autoridades se estapeiem para conseguir aqueles ingressos de R$1.000 reais para uma dupla sertaneja, e passem longe de concertos de música clássica. Pela discriminação nos tornamos mesmo uma elite. Se está provado que não há uma elite financeira usufruindo da música clássica que tipo de “elite” é esta que insiste em gostar deste tipo de arte? Sim, creio que há mesmo um tipo de pessoa meio à parte que busca numa atividade artística não apenas se distrair mas, sim, se cultivar. Neste caso, não apenas a música clássica seria elitista mas, também, a literatura, o teatro (quando falo de teatro não falo de besteirol), o cinema (idem) e as artes plásticas. O problema não está em se ter uma elite mas, sim, em se comportar como uma pessoa elitista. Não ter preconceitos e, sobretudo, tentar passar algo que seja possível transmitir do seu conhecimento. Esta deveria ser a máxima de quem procura se cultivar. Nosso

especialmente difícil de engolir quando um músico limitado tecnicamente, desafinado, mal suposto conhecimento não deve 34 / Revista Keyboard Brasil


Fotos: Divulgação

As apresentações de grandes estrelas da MPB, como Chico Buarque custam bem mais mesmo sendo acompanhados por poucos músicos.

ser algo que nos torne superiores. Dividi-lo é algo saudável. No caso específico do músico “clássico”, especialmente o músico de orquestra e o cantor de um coro profissional, a falta de reconhecimento, a dificuldade com lidar com estruturas administrativas onde abunda a

estruturas administrativas onde abunda a ignorância e a desfaçatez, fazem muitas vezes com que este artista se isole. Um isolamento que tem todo aspecto de uma elite. Mais do que uma elite, este isolamento mostra sua fragilidade.

* Texto retirado do Blog Falando de Música, do Jornal paranaense Gazeta do Povo. Conheça o blog clicando em http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/ ** Osvaldo Colarusso é maestro premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). No passado, esteve à frente de grandes orquestras como a do Coral Lírico do Teatro Municipal de São Paulo e a Orquestra Sinfônica do Paraná, além de ter atuado como solista. Atualmente, desdobra-se regendo como maestro convidado nas principais orquestras do país e nos principais Festivais de Música, além de desenvolver, paralelamente, atividades como professor, produtor e apresentador de programas de Música Clássica na Emissora Estadual do Paraná. Desde 2011, é responsável por um dos blogs mais importantes de música clássica no Brasil, o Falando de Música, do jornal paranaense Gazeta do Povo e, como colaborador da Revista Keyboard Brasil, desde 2014.

Revista Keyboard Brasil / 35


Comemorando

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E os projetos para 2015 O ANO DE 2015 É MARCADO POR COMEMORAÇÕES PARA O CARIOCA I VAN LINS (UM D OS MAIORE S COMPOSITORES DA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA E UM DOS ARTISTAS BRASILEIROS MAIS GRAVADOS NO EXTERIOR) – COM A CHEGADA DE SEUS 70 ANOS DE VIDA E 45 DE CARREIRA CHEGAM, TAMBÉM, SEU NOVO CD 'AMÉRICA, BRASIL', UM DVD, UM DOCUMENTÁRIO, UMA BIOGRAFIA AUTORIZADA E ATÉ UM BALÉ! Carol Dantas

Foto: Divulgação

I

van Lins é um músico completo, conhecido pelos arranjos refinados e, ao mesmo tempo, fáceis de gostar. É um autodidata que só chegou ao piano aos

18 anos de idade, tocando um instrumento afinado meio tom acima do diapasão, o que fez dele o rei dos bemóis e sustenidos. Muito influenciado pela música que ouviu em sua infância nos Estados Unidos, pelo Jazz e Bossa Nova. É mais um integrante célebre da incrível “safra de 1945″, que deu ao mundo músicos fantásticos como Eric Clapton, Bob Marley, Pete Townshend, Gonzaguinha, Renato Teixeira, Raul Seixas e Elis Regina, só para citar alguns dos essenciais dessa geração incrível. Revista Keyboard Brasil / 37


Novo trabalho intitulado América, Brasil: um disco feito meio sem querer.

Ivan Lins é vencedor de três prêmios Grammy Latino com suas músicas cantadas por grandes intérpretes como Elis Regina, Gal Costa, Jane Duboc, Zizi Possi, Emílio Santiago, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Dianne Reeves, Quincy Jones, George Benson, Barbra Streisand e tantos outros. Com a chegada de seus 70 anos, Ivan Lins se mostra um compositor inquieto, cheio de projetos e de novas parcerias, como a do rapper português Agir, com quem gravou a canção “Talvez um dia” em seu novo disco “América, Brasil”, pela Sony. Neste novo trabalho, o músico traz regravações e canções inéditas compostas com seu parceiro de vida toda, o letrista Vitor Martins. Outro resgate promovido pelo disco (que Ivan gravou de forma

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instrumentista Marco Brito) é “Joana dos barcos” (do LP “Chama acesa”, 1975), canção que, por sinal, servirá de inspiração para um balé — o primeiro de Ivan. A obra estreia em setembro, com a Companhia de Ballet da Cidade de Niterói, no Teatro Municipal da cidade. “América, Brasil” ainda celebra o lado feminino da composição de Ivan e Martins — tema que é alvo, aliás, de um documentário a ser lançado neste ano. “Cantor da noite” (gravada por Leny Andrade), “Voar ” (por Simone) e “Enquanto a gente batuca” (samba da dupla em parceria com Nei Lopes, registrado por Beth Carvalho são algumas dessas canções . Ivan ganhará no ano de 2016, sua primeira biografia — autorizada e puramente musical — feita pela pianista e pesquisadora Thais Nicodemo. E o músico finaliza, dizendo: “Sou um privilegiado por ter aparecido num momento em que a mídia tinha espaço para a música de qualidade”. Saiba mais sobre Ivan Lins. Acesse:



MĂşsica dos sentidos

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CADA PESSOA É UMA

Música! CONHECEMOS PESSOAS DE TODOS OS TIPOS. PENSANDO NISSO, A ESTUDANTE DE MÚSICA PATRÍCIA SANTOS TRAÇA – DE UM MODO SINGELO – A RELAÇÃO ENTRE AS NOTAS MUSICAIS, POETICAMENTE DENOMINADAS VAZIAS OU BRILHANTES E AS PESSOAS. VOCÊ, LEITOR, É UMA NOTA VAZIA OU UMA NOTA BRILHANTE? LEIA E DESCUBRA EM QUAL DELAS VOCÊ SE ENCAIXA.

Imagem: Anka Zhuravleva

Texto: * Patrícia Santos Revisão: Daniela Uemura

Patrícia Santos: Estudante de Música e de uma sensibilidade sem tamanho, a Revista Keyboard Brasil apresenta a sua mais nova colaboradora!

Revista Keyboard Brasil / 41


H

oje em dia é tão fácil perceber alguém... Longe de julgamentos e

paradigmas, uma das coisas que tenho aprendido é que a música – a arte – nos isenta de qualquer preconceito, tudo se torna um experimento! Em cada um há uma intensidade, um ritmo diferente, que dependem da condução, da regência (e esse todo que há em nós, só flui com uma regência espetacular.)

E sinto em dizer, mas o regente é “você” mesmo! O universo nos presenteia com coisas belas, mas sinto que precisamos querer e tentar ver a beleza que há no mundo. Todos são capazes! A capacidade reside na pura vontade de realizar algo. Só você pode conduzir suas horas e escolher de que modo serão preenchidas. Pois, as palavras que irá dizer, jamais serão apagadas, assim como seus gestos e olhares... Sua forma e contraste diante da vida, que te observa e te recompensa de um jeito ou de outro. Algumas pessoas possuem dentro de si o que costumo chamar de ‘‘notas vazias!’’ São pessoas que, assim como essas notas, não têm sincronia; não há rotação, explosão ou qualquer frequência entre elas, entre outras coisas (infinitas páginas dariam, se eu fosse listar!). São notas que, sonoramente, não se encaixam, não soam como lindos acordes, acordes coesos ou construídos com boas energias e contemplações. Outras já possuem o que chamo de ‘‘notas brilhantes!’'. Estas são as que 42 / Revista Keyboard Brasil

iluminam tudo por onde passam, tornamse indispensáveis para qualquer um, são pessoas que se isolam de toda a maldade humana e exibem tanto amor que este, às vezes, até lhe é sugado! São pessoas que orbitam entre o céu e o inferno mantendo dentro de si um conflito diário com o que ‘‘são’’ e o que o mundo ‘‘quer que sejam!’’ São pessoas que lutam bravamente, assim como um artista de rua que anseia desesperadamente por ser ouvido com seu instrumento na mão. Ele toca para viver e por amor à música! Gosto de pensar sempre nas ‘‘notas brilhantes’’, e penso tanto que até as vejo... Sabe quando você fecha os seus olhos bem fortes e enxerga uma luz imensamente clara? Ouço tanto estas notas nas pessoas que parece até verdade, e prefiro acreditar que elas emanam estes sons iluminados, ou que ao menos buscam estes sons, com seus sorrisos, opiniões e valores. Não me

interessa quem seja, gosto de pensar que todas as pessoas têm ‘‘notas brilhantes dentro de si’’, prontas para ser ouvidas e inseridas em seu cotidiano árduo e frio, tornando quente e mais limpo o caminho... O som brilhante limpa tudo, esclarece tudo, abre todas as janelas, dissipa qualquer escuridão que possa surgir, você passa a ver que ‘‘não se deve menosprezar alguém’’ por não saber com quais notas uma pessoa pode estar tocando sua grande música da vida... Vamos ouvir o que todos têm para nos comunicar! Precisamos crescer mais os braços,


para longos apertos, abrir mais os olhos aos novos horizontes e destampar os ouvidos, para afugentar os medos. Gosto tanto de pensar nas notas brilhantes das pessoas, e em mim, como uma música em composição bem no início, sem definição ainda de intensidade, preenchimento ou espaço, apenas uma composição feita magicamente, com

toda a vivacidade e o sentimento oras coeso, oras espalhado que o artista pode usar para criar. A criação nasce da troca de olhares, dos apertos de mãos, do choro de felicidade ou tristeza, do som da natureza, das chegadas e partidas, do excêntrico e da beleza, do agora e de tudo o que há no mundo!

* Patrícia Santos é estudante de Música da Faculdade de Artes Alcântara Machado (FAAM)

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Revista Keyboard Brasil / 43


Perfil

44 / Revista Keyboard Brasil


Foto: Felipe Scappatura

Hammond Grooves O organ trio e a inspiração que vem dos grandes organistas FUNDADO PELO ORGANISTA DANIEL LATORRE, COM WAGNER VASCONCELOS NA BATERIA E FILIPE GALADRI NA GUITARRA, O HAMMOND GROOVES TRAZ AOS PALCOS, O LENDÁRIO ÓRGÃO HAMMOND B-3, MESCLANDO O JAZZ COM RITMOS BRASILEIROS, DENTRE ELES O MARACATÚ, O SAMBA E BAIÃO. USANDO A INUSITADA FORMAÇÃO CHAMADA DE “ORGAN TRIO” (ÓRGÃO, BATERIA E GUITARRA), ALÉM DE APRES E N TA R M Ú S I C A S A U T O R A I S , O HAMMOND GROOVES INTERPRETA MÚSICAS CONHECIDAS. O RESULTADO É UMA NOVA SONORIDADE E O RESGAT E D OS “JA Z Z ORGAN” T RIOS BRASILEIROS E NORTE-AMERICANOS. DESDE 2009, O TRIO REALIZA APRESENTAÇÕES EM TEATROS E SHOWS PARTICULARES POR TODO PAÍS E EXTERIOR, ALÉM DE TEMPORADAS EM DIVERSAS CASAS DE SHOWS, BARES DO GÊNERO E FESTIVAIS DE JAZZ, VIRADAS CULTURAIS E AUDITÓRIOS DA LIVRARIA CULTURA NA CIDADE DE SÃO PAULO. Heloísa Godoy Fagundes Revista Keyboard Brasil / 45


Entrevista Revista Keyboard Brasil: O nome da banda foi inspirado nos grandes organistas como Jimmy Smith, Jack McDuff, Dr. Lonnie Smith, Big John Patton, o brasileiro Walter Wanderley entre outros. Sabemos que a melhor fase do jazz organ ficou entre a década de 50 até meados dos anos 70. O que vocês proporcionam nos shows não é apenas música de qualidade, vocês contam histórias, curiosidades sobre o órgão Hammond e isso é um grande diferencial. Podem nos dizer como surgiu a ideia de aliar tudo isso nos shows? Hammond Grooves: A ideia inicial era levar o Hammond e a Caixa Leslie de verdade para os clubs, palcos e interpretar músicas que mais gostávamos, dos nossos ídolos, não só organistas mas, também, os trios com Hammond dos guitarristas como Wes Montgomery, Grant Green, Kenny Burrell, saxofonistas como Lou Donaldson, Stanley Torrentine e etc. Ou seja, as "grooves" (levadas, o balanço e etc) do Hammond. O "jazz organ trio" e seu repertório é tão atual, elegante e inovador 46 / Revista Keyboard Brasil

Hammond Grooves: ‘‘Percebemos que ficaria melhor, agradável e proveitoso assistir o show junto de breves explicações sobre o instrumento, dar referências e aproximar o público deste estilo musical’’.

quanto na década de 60 e 70. Com o tempo, fomos compondo nossos temas, grooves e adicionando no repertório. Depois dos shows, muitas pessoas perguntavam sobre a pedaleira do órgão, a caixa Leslie com falantes rodando, etc e queriam saber mais sobre o que e no que estávamos tocando. Percebemos que ficaria melhor, agradável e proveitoso assistir ao show junto de breves explicações sobre o instrumento, dar referências e aproximar o público deste estilo musical. Então, quase que naturalmente fomos inserindo curiosidades, dicas e história entre uma música e outra. Revista Keyboard Brasil: Como surgiu a parceria entre vocês (Daniel, Wagner e Filipe)? Hammond Grooves: Eu, Daniel, conheci o Wagner em 2008 tocando em um bar onde já me apresentava junto de excelentes músicos como o guitarrista Michel Leme, os bateristas Pedro Ito, Abner Paul, Paulo Zinner. Mas estava procurando um baterista fixo para desenvolver e dividir um trabalho autoral, alguém com


características como as do Wagner, excelente dinâmica, swing, bom gosto, etc. Ficamos em contato. E, na primeira oportunidade que tive, o chamei. O estilo e versatilidade dele combinou muito. O Filipe veio através de amigos em comum quando procurávamos um guitarrista que tivesse ao mesmo tempo, um estilo próprio, conseguisse acompanhar e solar na onda dos guitarristas de organ trio e também pudesse participar das músicas autorais. O mais importante é que temos uma "vibe" parecida, muito respeito, humildade, amizade e profissionalismo. RKB: Além dos shows, vocês fazem parte de um projeto muito legal chamado "Cult.Jazz", realizado na Livraria Cultura do Bourbon Shopping, em São Paulo. Podem nos dizer sobre isso? HG: Além de tocar em ótimas casas, clubs de jazz e realizar eventos fechados, sempre procuramos lugares diferentes para tocar. Em 2014, estávamos procurando um teatro para nos apresentar regularmente. Foi, então, que nos foi oferecido o auditório da Livraria Cultura com o desafio de juntar música e literatura. Tivemos a ideia de unir nosso show com algumas pequenas intervenções entre as músicas para sugerir não só livros e autores mas, também, discos, filmes e outras artes que pudessem ser relacionada com o jazz e dentro do nosso estilo musical. Nosso amigo Patrick Delfosse e Pedro Herz, da Livraria Cultura deram algumas sugestões e, assim, surgiu o Cult.Jazz. Aproveitamos o telão do auditório, ilustramos com fotos

e capas dos discos, etc. Acontece em um horário acessível, aberto ao público geral e é gratuito, uma oportunidade ótima para tocar para um público de diversas idades e estilos. Ao mesmo tempo, nos faz pesquisar mais e ficar atentos em outras artes para relacioná-las e criar novo conteúdo. A cada semana mudam o repertório, livros e histórias. RKB: Daniel, você estudou piano erudito. Como foi sua transição para o Hammond e como surgiu a ideia de criar o Hammond Grooves? HG: Estudei piano erudito desde pequeno começando com minha avó, professora de piano, Lucia Latorre. Entre idas e vindas, estudei com diversos professores como Dona Lina Pires de Campos, Maria Thereza Russo e outros. Mas, foi na adolescência que vi um video de Jimmy Smith tocando e tudo mudou. Na época, não havia informação a respeito e só consegui guardar que ele tocava um Hammond. Descobri que vários outros discos e bandas que eu curtia tinham o tal do Hammond!!! Pronto, era isso que eu precisava tocar. Eu sempre gostei do piano acústico e o piano elétrico, mas sentia que nestes instrumentos faltava algo a mais para me expressar. O Hammond me permite o "Som Infinito", o efeito de chorus mecânico que soa como poeira estelar; a versatilidade de timbres que ora podem ser doces e suaves como chantilly, ora estrondosos e impactante como a maior onda do mar se quebrando! Fiquei determinado a me aprofundar neste instrumento. Descobri que tinha um Revista Keyboard Brasil / 47


RKB: Soubemos que eventualmente, o Hammond Grooves recebe músicos convidados nos shows. Podem nos dizer sobre isso? HG: Sim, este formato com bateria, guitarra e o órgão completo, incluindo a pedaleira também fazendo os baixos, abre diversas possibilidades de participações especiais. Já fizemos algumas jams com participação internacional do guitarristas John Pizzarelli na guitarra. Mas, gostamos muito de convidar instrumentos de sopro principalmente. Leo Gandelman, de 48 / Revista Keyboard Brasil

Foto: San Cruz

Hammond B3 com Leslie na casa de shows Bourbon Street, recém inaugurada naquela época. Eu ficava atormentando os donos para deixar eu tocar um pouco antes das passagens de som dos artistas que usavam o B3. Foi aí que conheci muitos excelentes músicos e grandes organistas internacionais e comecei a aprender alguma coisa. Demorou um pouco, mas consegui comprar um Hammond e fui estudando, do zero, pois é um instrumento bem diferente de tudo que já havia tocado. Uma das lições era pesquisar e ouvir os grandes organistas de Hammond, identificar seus estilos e influências. Os sons dos discos e os organistas da Blue Note records sempre me fascinaram e era um sonho tocar ao vivo estas músicas e nesta formação de organ trio. Ao mesmo tempo, notei que não havia quem fizesse isso no Brasil. Cheguei a duvidar que fosse possível e interessante para o público, mas logo nos primeiros shows que fizemos vi que muita gente apreciava este estilo e sonoridade.


* O Hammond B3 ontem e hoje O Órgão Hammond modelo B3 talvez seja o instrumento musical “Vintage” mais cobiçado atualmente. Um aspecto é fator comum entre os músicos: o som que ele produz em conjunto com a sua caixa de som rotatória Leslie® é apaixonante e insubstituível. Foi o instrumento que inspirou toda a geração de teclados eletrônicos que fazem a cabeça dos músicos até hoje. Quem diria que, em 1935, já se falava em “presets”, envelopes e filtros relacionados a um teclado?

[...]

O Hammond foi utilizado em todo tipo de música que se imagine. Uma grande organista e difusora do Hammond foi Ethel Smith tocando principalmente músicas de um compositor brasileiro. Todos devemos lembrar dela tocando “Ticotico no Fubá”, de Zequinha de Abreu, no desenho da Disney contracenando com personagens como Zé Carioca e Pato Donald e em muitos outros filmes, musicais e discos tocando músicas de Zequinha de Abreu. Para muitos músicos e apreciadores, ter um B3 de verdade é realmente inviável. Por vários motivos: preço, peso, espaço, adquirir a técnica e o estudo do instrumento que é muito diferente da de um piano ou órgão litúrgico, e etc. Mas, a “magia” e a satisfação em tocar um Hammond B3 de verdade, controlar os drawbars, chorus, percussão, pedaleira e tudo que ele oferece, é uma sensação inigualável e, com certeza, isso reflete no som que se pode obter deste instrumento. * Parte do texto retirado do site oficial do trio: http://hammondgrooves.blogspot.com.br/p/o-orgaohammond-b-3.html

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quem somos fãs, foi nosso primeiro convidado. Ele tem um organ quartet com nada menos que Bernard Purdie na bateria, Grant Green Jr. na guitarra e Reuben Wilson no Hammond! Ronnie Cubber foi nosso primeiro convidado internacional, somos muito fãs dele e adoramos seu antológico trabalho com Dr. Lonnie Smith, Jack McDuff, George Benson e Horace Silver. Ele veio tocar conosco em uma Virada Cultural e foi bem especial. Compartilhamos do mesmo palco do grande organista Brian Auger e do Elmir Deodato. Sempre que possível chamamos eventualmente os amigos e excelentes músicos como Brad Berendes, Lucas Macedo, Renan Cacoci, Junior Galante, Josué dos Santos, Wilson Teixeira e vários outros colegas! RKB: Vocês tem músicas autorais que estão disponíveis na internet, mas não pensam em reunir tudo e lançar um trabalho? HG: Sim, com certeza. Estamos trabalhando nisso neste exato momento! Um álbum com músicas autorais, algumas tradicionais e outras misturando ritmos brasileiros na linguagem do organ trio. Inclusive já gravamos algumas faixas e esperamos

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lançar oficialmente o quanto antes. RKB: Sobre a agenda de vocês, onde serão os próximos shows? HG: Continuam às terças 19:30h no auditório da Livraria Cultura do Bourbon Shopping em SP. Dia 08/08 22h tocaremos no JazzB (Rua General Jardim 43 República - SP. 11 3257-4290). Dia 18/08 22h nos apresentaremos no Tom Jazz (Av. Angélica 2331 - Higienópolis - SP. 11 32550084). Nossa agenda está sempre a t u a l i z a d a n o w e b s i t e www.hammondgrooves.com.br e no apps bandsintown.com/hammondgrooves. RKB: Parabéns pelo excelente trabalho e obrigada pela entrevista! HG: Nós que agradecemos pela entrevista e oportunidade de mostrar nosso som para os leitores. Parabéns pela revista! Acompanhamos as edições e o conteúdo está cada vez melhor, interessante e gostoso de ler! Saiba mais sobre o Hammond Grooves:



Fotos: Divulgação

Homenagem

O baixo de Chris Squire fazia um som inconfundível, sendo ele nos primórdios, o precursor do uso de efeitos de guitarra no baixo, em uma adaptação para um som mais forte e psicodélico. O grupo fez alguns shows no Brasil, sendo que o primeiro deles na primeira edição do Rock in Rio, há 30 anos. Seu último show aqui no país foi em 2013 - um concerto em que o grupo tocou três álbuns.

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Chris Squire A sinfonia do oceano cósmico POR CAUSA DA MAESTRIA AO TOCAR O BAIXO, CHRIS SQUIRE INFLUENCIOU BAIXISTAS AO REDOR DO MUNDO, INCLUINDO OS MELHORES ARTISTAS DA ATUALIDADE. * Amyr Cantusio Jr.

F

alar sobre o Yes, é descrever o rock intelectual e espiritual dos anos 70, em sua forma mais dinâmica e abrangente. Talvez,

a maior e mais consagrada banda de rock progressivo do mundo, seguida de perto pelo Genesis e Pink Floyd. Este pequeno artigo tem a finalidade de homenagear o recente falecimento de um dos fundadores do grupo, em 1968, o baixista e vocalista Chris Squire (R.I.P.), nascido em Londres, Inglaterra, no ano de 1948. Christopher Russell Edward Squire se mostrou um dos mais virtuoses e criativos baixistas do mundo, criando uma linha melódica indo além da marcação básica comum ao instrumento. Além do mais, era um mentor, junto com o vocalista Jon Anderson, e líder fundador da ideologia do grupo. Sua

influência principal e marcante foi o baixista do THE WHO, John Entwistle (R.I.P.) Chris consagrou seu baixo com um som inconfundível (Rickenbacker 4001). O Yes tinha em sua base metafísica, a Filosofia Oriental (Hindu), juntamente com o vegetarianismo e a não apologia à ingestão de drogas. Foi uma das bandas que viveu e fez som em comunidades alternativas, em meio a campos e fazendas, assim como o Genesis, Led Zeppelin, Amon Duul II, entre inúmeras outras grandes bandas. O início do grupo se deu em 1968, com Bill Bruford na bateria, Jon Anderson nos vocais, Chris Squire no baixo e voz, Peter Banks na guitarra (R.I.P.) e Tony Kaye nos teclados. Os dois últimos dariam seus postos à maior e mais ousada formação da banda, a saber Steve Howe e Revista Keyboard Brasil / 53


Formação original do grupo britânico Yes, nos anos 60. Começando da esquerda: Tony Kaye, Bill Bruford, Jon Anderson, Chris Squire e Peter Banks

Rick Wakeman, respectivamente. O som do Yes é complexo, onde misturam rock, jazz, música erudita, folk, oriental e experimental. Não é uma música de fácil digestão para ouvidos leigos. Isto se torna muito mais enfático em seus 2 álbuns Close to the Edge e o duplo conceitual Tales from Topographic Oceans. Até o Yes Album (os 3 primeiros) apesar de já evidenciada complexidade, a banda ainda não atingia seu apogeu, que viria após angariar Howe e Wakeman que possuíam uma formação mais erudita. Também o baterista Bill Bruford deixa o posto para ingressar no fantástico King Crimson, ao lado de Robert Fripp, dando lugar ao ótimo Alan White na bateria. Daí para frente o Yes se torna uma banda sinfônica. 54 / Revista Keyboard Brasil


O Yes se manteve coeso até o álbum Relayer, onde há a saída de Rick Wakeman e a entrada do excelente tecladista Patrick Moraz. Disco maravilhoso que nos brinda com Gates of Delirium (Soon) e influencia, de vez, milhares de bandas ao redor do planeta. No Brasil, os Mutantes bebem fundo na banda em seu lindo disco “Tudo foi feito pelo Sol”. Wakeman se torna um tecladista extremamente copiado e idolatrado. A banda toda atinge ai sua plenitude para, depois, mergulhar lentamente num ostracismo e poucos momentos brilhantes, comparados à sua mítica jornada nos anos 70.

Chris Squire nunca saiu do seu posto, apesar de inúmeras outras formações como no disco (muito lindo por sinal) Drama. Podemos dizer que o capitão afunda com seu navio. Após o grande empenho, o Yes tentou se manter no posto, mas já sem o fogo de outrora. Muitas coletâneas, reuniões, releituras, remasterizações de shows ao vivo foram lançados. Mas, a obra vital estava consagrada mesmo na década de 70. E, termino aqui minha pequena homenagem a um dos mais virtuoses e criativos baixistas do mundo!

*Amyr Cantusio Jr. é músico (piano, teclados e sintetizadores) compositor, produtor, arranjador, programador de sintetizadores, teósofo, psicanalista ambiental, historiador de música formado pela extensão universitária da Unicamp e colaborador da Revista Keyboard Brasil.

SAIBA MAIS:

Revista Keyboard Brasil / 55


Ponto de Encontro

(da Música, Arte, Beleza, Educação, Cultura, Rigor, Prazer e Negócios)

Como se mede o valor de um povo que utiliza a música a seu favor? 56 / Revista Keyboard Brasil


MUITOS SÃO OS POVOS QUE FIZERAM DA MÚSICA UM ATRIBUTO PARA A SOCIEDADE IMAGINAR-SE PARTE DE UMA NAÇÃO TEM MUITA RELAÇÃO COM AS ESCUTAS COMPARTILHADAS. DE CERTA FORMA, SOMOS A MÚSICA QUE OUVIMOS

Luiz Bersou: os mais diversos e importantes assuntos com o intuito da reflexão sempre!

Foto: Arquivo pessoal

* Luiz Bersou

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Os povos da música

D

urante muito tempo os povos germânicos e, mais tarde, os eslavos fizeram da música um atributo de sociedade. Os povos da península itálica vieram quase juntos com os franceses e, bem mais tarde, os americanos, um povo que fez da música um grande espetáculo. Partimos, então, para a música feita para poucos, os denominados mestres de capela alemães, para os grandes eventos musicais que começaram nos Estados Unidos; mais tarde na Inglaterra com os Beatles e, em seguida, começaram a dar a volta ao mundo. Vemos, então, que a

música é sim, um atributo de valor de um povo. Na verdade, de muitos povos. Um atributo do bem que é universal.

Atributos de um povo e a questão qualidade

a música sempre foi do povo e para o povo. Lembro que o violino era valorizado porque podia ser ouvido à distância em praça pública. Todos podiam ouvir. Avançando nesse raciocínio, percebemos que onde houve o que podemos classificar – em primeira mão – como música de qualidade, ainda sem entrar em outros méritos, construiu-se um 58 / Revista Keyboard Brasil

Foto: Bruce McBroom

A música tem a grande característica de sua acessibilidade. Sempre existem portas abertas para os que querem seguir uma vida profissional nesse tema. Podemos dizer então que


grande patrimônio de valor. Em qualquer lugar do mundo são disponibilizados discos e arquivos de Bach, Mozart, Haydn, Chopin e tantos outros. Por outro lado, tanto a música de Elvis Presley, Beatles, como a nossa Bossa Nova com Tom Jobim, Chico Buarque, e muitos outros também, gerou um momento extraordinário pelo fato de que aquela música que era apresentada apaixonava a todos.

A qualidade como delicadeza Olhando o cenário musical em diversos países e, ao longo do tempo, sempre tivemos como atributos na música e, que chamavam a atenção do público, a harmonia, a suavidade, a chamada ao amor, aos sentimentos. As canções alemãs (lieder) falam o tempo todo de amor dentro do ambiente germânico, destacando algo que vimos muitas vezes que é a questão da pureza de alma do argumento. Tivemos a ópera italiana falando de costumes. Tivemos, de outro lado, a música majestática, registro de grandes movimentos humanos. A canção da vitória. Em todas elas entretanto, encontramos a exaltação do bem, a visão do encontro e da paixão. Em todos os casos, a delicada pureza de alma do argumento sempre se fez presente.

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Delicadeza e rigor Convivi com pianistas que tinham na emoção, a sua grande capacidade de comunicação com o público como artistas. Convivi, também, com pianistas que tinham no rigor técnico e metodológico, o seu grande poder de comunicação com o público. Alguns mais diferenciados tinham tanto a capacidade de produzir a emoção grande, como o rigor técnico de sua execução. Brilhantes. Temos, então, um conjunto de questões a analisar na tentativa de exprimir algum conceito de qualidade em música. Temos o valor da partitura e sua proposta, a exaltação da emoção que vem da partitura e a capacidade e técnica em relação à sua execução. Nesse contexto, entramos na análise da formação do músico e a sua preparação para o desempenho que encante o público. Em todos os casos, o encontro com a delicada pureza de alma do argumento. Quando isso acontece, o evento musical tem valor e isso é reconhecido por todos, sem distinção, mesmo que não seja de interesse direto e imediato.

Evoluções em curso Uma das característica que admiro no mundo da música nos Estados Unidos é o rigor e profissionalismo dos ensaios e da execução decorrentes de um padrão titânico de esforço humano. Ninguém se permite o menor descuido ou falha. 60 / Revista Keyboard Brasil

A decorrência é sempre o público encantado com o que lhe é apresentado. Há uma questão de equilíbrio: público exigente e apresentações de alto desempenho. Um ensina o outro. Mais do que isso, o encantamento leva a um processo de comunicação boca a boca, o que constrói o valor do espetáculo e o valor do povo que pratica esse tipo de música.

O que acontece no Brasil? Meu texto anterior, aquele que escrevi sobre as salas de espetáculos vazias, foi escrito no sentido de que as emoções sempre deveriam lotar salas de espetáculos. É o que acontece em outros países. Em que medida, em particular, em um momento histórico no qual o Brasil está de joelhos, a sociedade precisa do carinho que a emoção da música pode levar para cada um? Ouso responder: em grandes doses. Esta semana, minha irmã teve uma experiência interessante e que vou dividir com vocês. A dona de uma escola de música comentou, preocupada: ‘‘Com a inflação subindo, os preços aumentando e tantos problemas decorrentes da atual política, quem vai querer estudar música?’’ Minha irmã, em outros tempos, pensaria dessa mesma maneira. Mas o que ela me respondeu, me fez pensar e espero que vocês, leitores, pensem da mesma maneira. Ela disse: ‘‘Ouço de alunos adultos comentários do tipo ‘‘Quero estudar música porque é o único momento em que tenho para me esquecer dos meus problemas. Quando sento-me para tocar, esqueço-me de tudo!’’


‘ ‘

‘ ‘ A SOCIEDADE PRECISA DO CARINHO QUE A EMOCÃO DA MÚSICA LEVA PARA CADA UM EM GRANDES DOSES! - luiz Bersou.

Portanto, a música – ao meu ver – funciona como um bálsamo! É um momento mágico!’’ Fernando Lopes Graça, compositor português, escreveu certa vez: ‘‘Poderei eu falar da minha experiência subjetiva da Música; descrever os estados de emoção estética sem par que o convívio diário e íntimo com essa arte maravilhosa me tem proporcionado (...) e como ela é então para mim um bálsamo, um tônico, um estimulante e, como ao seu calor espiritual me voltam novamente a calma, a confiança e a energia para prosseguir(...)’’. Minha irmã compartilha dessa opinião. E você? Pode nos dar a sua opinião? Mande um e-mail para contato@keyboard.art.br

* Atualmente dirigindo a BCA Consultoria, Luiz Bersou possui formação em engenharia naval, marketing e finanças. É escritor, palestrante, autor de teses, além de ser pianista e esportista. Participa ativamente em inúmeros projetos de engenharia, finanças, recuperação de empresas, lançamento de produtos no mercado, implantação de tecnologias e marcas no Brasil e no exterior.

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Foto: Arquivo pessoal

Opinião Joêzer Mendonça: pesquisador incansável do universo musical.

MENTE

CARÁTER E

MUSICALIDADE ESSE TEXTO VISA RESPONDER ALGUMAS QUESTÕES QUE CIRCULAM EM IGREJAS EVANGÉLICAS, COMO O EFEITO DA MÚSICA SOBRE O SER HUMANO E A DEFINIÇÃO DE MÚSICA SACRA. OS TEMAS TRATADOS AQUI ESTÃO COMENTADOS DE FORMA RESUMIDA. * Joêzer Mendonça

A música é moralmente neutra?

N

otas, escalas, estilos e instrumentos musicais não têm moral intrínseca. De fato, são moral-

mente neutros como uma faca ou uma pedra. Somente as associações

culturais do ouvinte podem formar um juízo de valor e conferir moralidade a uma obra musical. 62 / Revista Keyboard Brasil

Aliás, estes juízos nem sempre fazem parte das intenções do compositor. Por exemplo, a Nona Sinfonia composta por Beethoven foi inicialmente considerada um apelo à fraternidade universal, mas, 110 anos depois, os nazistas utilizaram a mesma obra como objeto de propaganda de superioridade racial. E, quando a música não é instrumental, mas tem letra que fazem referências diretas ou indiretas a uma


situação não musical? Nesse caso, os versos das canções podem agradar a um e desagradar a outro, mas nem todos são afetados ou influenciados pelos mesmos versos escutados. Nem todo mundo que cantava “Quem sabe faz a hora não espera acontecer” foi lutar contra a ditadura militar no final dos anos 1960. Nem todo mundo que canta “Verás que um filho não foge à luta” está realmente convicto desse amor pela pátria. Portanto, se há algum problema em relação à música, este problema não está no que a música faz conosco, mas no que escolhemos fazer com a música. E, para fazer algo a partir da música, é necessário ENVOLVIMENTO e PREDISPOSIÇÃO. Esses dois aspectos estão ligados ao fazer cultural de um indivíduo ou grupo social. Sem envolvimento e predisposição, uma pessoa não é capaz de interagir com as situações evocadas pela música. É por isso que os apaixonados se envolvem com as canções românticas mais bonitas e bobas, enquanto o descrente do amor acha que as mesmas canções são apenas bobas. Por isso que indivíduos de religiões diferentes não mudam de crença só por ouvir o cântico de uma religião que não é a sua. Por isso só participa ativamente de um ritual com música de umbanda quem se predispõe a participar. Caso contrário, quem mora próximo a casas que abrigam cultos das religiões afro-brasileiras começaria a dançar toda vez que a música do ritual fosse tocada.

O que eu faço com a música?

Nossa reação à música depende do contexto social mas, também, é uma questão individual. Nem todos se sentem compelidos a cantar o Hino Nacional do mesmo modo que cantam o “Parabéns prá você”. Enquanto uns cantam e louvam a Deus animadamente na igreja, outros ficam entediados. O “poder da música” é superestimado quando não leva em conta a extrema variabilidade de respostas individuais à música.[1] Assim, há pessoas que se sacodem à primeira batida de um funk ou pagode e outros que fecham o ouvido e execram a música. Mais uma vez, é preciso o envolvimento com determinado elemento sociocultural e a predisposição pessoal. Esses fatores revelam que 1) não somos apenas um amontoado de células e neurônios passivamente à espera do próximo som musical que nos corrompa ou nos edifique; e 2) não somos criaturas cuja mente e coração são transformados pela audição de estilos musicais e pela sugestão de letras. O primeiro fator mencionado acima é uma ideia que está mais próxima de uma noção evolucionista que advoga que nossas células e hormônios ditam as regras e comportamentos. O fenômeno acústico e musical tem efeitos em nossa fisiologia? Sim. Mas não somos apenas resultados da ação biológica; mais que isso, somos seres culturais. Robert Lundin, estudioso da psicologia da

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[...] O poder da música é superestimado quando não leva em conta a extrema variabilidade de respostas individuais à música. – Joêzer mendonca

música, avalia que boa parte das nossas reações musicais são determinadas culturalmente.[2] Oliver Sacks, o neurologista autor de “Alucinações Musicais”, diz que ainda não é possível determinar até que ponto as reações emocionais de um indivíduo à música dependem mais da própria fisiologia ou mais da cultura (entrevista a O Globo, 29/9/07). Já o segundo fator está ligado à antiga teoria grega que atribuía à música a capacidade de modelar o caráter. Esse conceito do ethos musical deriva da ideia de que a estética e a ética possuem uma natureza e uma função comuns. Para alguns filósofos gregos (Platão e Aristóteles inclusos), haveria uma correlação entre as cadências/progressões musicais e os movimentos psíquicos capazes de efetuar mudanças na conduta moral

humana. Por exemplo, ver e ouvir o que é belo e harmonioso modelaria a alma humana segundo o equilíbrio e a justiça.[3] Nem todos os filósofos, como o pensador greco-romano Sextus Empiricus, concordavam com a relação causal entre música e natureza humana. Mas, a ideia de que os sons musicais (sem letra) têm o poder implícito, ou “oculto”, de causar mudanças no caráter e na vontade humanas cruzou a filosofia grega e se introduziu no pensamento de autores cristãos de várias épocas, de Agostinho à Calvino até os nossos dias.[4] A contemplação do belo não é capaz de modelar o bom caráter, como se viu na preferência musical nazista por obras de Beethoven e Richard Wagner. Se as pessoas fossem transformadas somente pela escuta musical e pela sugestão das letras, todo ateu se tornava crente só de ouvir uma cantata sacra de Bach e os cidadãos que só escutam música sacra seriam os mais mansos, puros e santificados da comunidade. Por isso, não pergunte o que a música faz com você. Pergunte o que você faz com a música.

[1] Ver Brown, Elizabeth; Hendee, William. “Adolescents and their music”. Journal of the American Medical Association, nº 262. [2] An objective psychology of music, p. 100. [3] Ver mais em Nasser, Najit, O ethos na música grega. Boletim do CPA (Unicamp), nº. 4. [4]McKinnon, James, Early Christian Literature, 1987. * Joêzer Mendonça é mestre e doutor em Musicologia pela UNESP. É professor do curso de Música da PUC-PR e pesquisador nas áreas de música popular e sacra. É autor do livro ‘‘Música e Religião na Era do Pop’’. 64 / Revista Keyboard Brasil




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