Cga plaquete maio 2016 5 a pensão rev1

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A PensĂŁo James Joyce (1882-1941)


Introdução Esta nova empreitada da Oficina de Tradução da Casa Guilherme de Almeida, intitulada “Contos de Humor, Ironia e Sátira”, buscou contemplar contos da língua inglesa que retratam situações humorísticas, irônicas e satíricas, sempre revelando – ou sugerindo – uma visão crítica da sociedade e das ações humanas. Trata-se de uma coletânea de contos que inclui sobretudo autores americanos, ingleses e irlandeses: Mark Twain, O. Henry, Ring Lardner, William T. Thompson, Saki, Oscar Wilde, James Joyce e Seumas O’Kelly; entretanto, aqui se encontram também respeitados autores de outros países de língua inglesa: Premchand (Índia), Thomas C. Haliburton (Canadá) e Henry Lawson (Austrália), aparentemente pouco conhecidos no Brasil. Com isso, pretendemos mostrar a variada gama de estilos, aspectos culturais e morais de diferentes regiões e a universalidade dos sentimentos e atitudes humanas. Esperamos ter contribuído para a difusão da cultura e da literatura em tradução. Com exceção de um conto, “O Funeral de Buck Fanshaw”, de Mark Twain, que foi traduzido coletivamente, os outros foram traduzidos em pares, pequenos grupos ou, em situações especiais (casos de desistência), individualmente. A elaboração desta coletânea em tradução, é importante dizer, foi uma riquíssima fonte de aprendizado e de conhecimento para todos os participantes. A troca de informações, as discussões coletivas e as interpretações compartilhadas resultaram nestes textos que agora submetemos à apreciação do leitor, que terá a oportunidade de ler (ou reler) alguns autores conhecidos e de conhecer alguns até então desconhecidos no Brasil, mas que em seus respectivos países desfrutaram de grande sucesso. Que o humor, a ironia e a sátira aqui contidos revelem um pouco mais da face humana que, apesar de diferente aqui e acolá, revela-se, no fim das contas, a mesma em qualquer rincão do universo. Alzira Allegro Coordenadora da Oficina de Tradução


A PensĂŁo James Joyce (1882-1941)


James Joyce (1882-1941) James (Augustine Aloysius) Joyce, nasceu em Dublin, Irlanda, e foi educado em colégios jesuítas. Estudou línguas modernas na University College, em Dublin. Em 1902 foi para Paris, onde viveu um ano e descobriu a obra de Dujardin, que iria influenciá-lo no uso da técnica de fluxo de consciência, que, aliada à reinvenção que ele fez da linguagem e da sintaxe, tornaramno um radical inovador da prosa literária, criando um ineditismo estético ímpar. Viveu também em Zurique e Trieste e novamente em Paris, mas é da Irlanda e da experiência que teve na infância e adolescência, em Dublin, que Joyce extrai os cenários e os temas que povoam sua obra. Em 1914 publicou Dublinenses, coletânea de contos que em linguagem simples evocam, de forma realista, o dia a dia da classe média de Dublin (e, por extensão da vida na Irlanda). Retrato do artista quando jovem foi publicado em 1916, e Ulisses, considerada uma das obras mais importantes da literatura mundial, surgiu em 1922. Em 1939, Joyce publica Finnegans Wake, que leva às últimas consequências suas experimentações estético-linguísticas.


A pensão A senhora Mooney era filha de um açougueiro. Era uma mulher determinada e relativamente capaz de resolver as coisas por ela mesma. Havia se casado com o principal ajudante de seu pai e abrira um açougue perto de Spring Gardens, mas assim que o sogro morreu, o senhor Mooney começou a desandar na vida. Passou a beber, saquear a caixa registradora e, não demorou muito, mergulhou em dívidas. De nada adiantava fazê-lo jurar que se reabilitaria; era certo que, logo em seguida, quebrava novamente a promessa. Brigando com a mulher na presença dos fregueses e comprando carne de segunda, ele acabou arruinando o negócio. Certa noite, avançou na direção da mulher brandindo o cutelo na mão, e ela teve de dormir na casa de uma vizinha. Depois disso, passaram a viver em casas separadas. Ela procurou o padre e obteve dele consentimento para se separar, ficando com a guarda dos filhos. Não dava ao ex-marido nem dinheiro, nem comida, nem acomodação; ele foi, então, obrigado a trabalhar como auxiliar do delegado. Era um beberrão baixinho, encurvado, sempre mal vestido, de rosto pálido, bigode branco, sobrancelhas brancas, demarcadas acima dos olhos miúdos, frios e pontilhados de veias rosadas; passava o dia inteiro sentado na sala do meirinho, esperando alguma tarefa. A senhora Mooney, mulher de corpo avantajado e que sabia se impor, havia usado o que sobrara do dinheiro da venda do açougue para abrir uma pensão na Hardwicke Street. O estabelecimento tinha uma população flutuante de turistas de Liverpool e da Ilha de Man e, algumas vezes, artistes do teatro de variedades; a população de residentes fixos consistia em funcionários administrativos da cidade. Ela administrava o negócio com astúcia e firmeza; sabia quando dar crédito, quando ser rigorosa e quando ser complacente. Todos os rapazes que lá moravam referiam-se a ela como A Madame.


Os rapazes da pensão da senhora Mooney pagavam quinze xelins por semana pelas refeições e pelo alojamento (sem direito a cerveja clara ou escura no jantar). Tinham os mesmos gostos e as mesmas ocupações, o que justificava a boa camaradagem existente entre eles. Discutiam entre si as chances dos favoritos e dos azarões. Jack Mooney, o filho da Madame, funcionário de um agente comercial na Fleet Street, tinha a reputação de ser um sujeito de trato difícil. Gostava de usar o vocabulário obsceno dos soldados e geralmente chegava em casa às primeiras horas da madrugada. Quando encontrava os amigos, sempre tinha uma boa história para contar e garantia ter feito uma boa descoberta – isto é, um cavalo com boas chances de vencer o páreo ou um provável artiste. Era um bom boxeador e cantava canções divertidas. Nas noites de domingo o pessoal frequentemente se reunia na sala de visitas da senhora Mooney. Os artistes do teatro de variedades faziam sua contribuição apresentando algum número; e Sheridan, além de tocar valsas e polcas, improvisava algum acompanhamento. Polly Mooney, a filha da Madame, também cantava. Ela cantava:

Sou uma... safadinha Não precisam disfarçar. Vocês sabem que sou.

Polly era uma jovem esbelta de dezenove anos; tinha cabelos claros e sedosos, e a boca pequena e carnuda. Quando falava com alguém, seus olhos, acinzentados com um leve tom de verde, reviravam-se para cima, o que lhe dava a aparência de uma pequena madona despudorada. No início, a senhora Mooney havia arranjado para a filha um emprego de datilógrafa no escritório de um atacadista de cereais, mas como certo sujeito de má reputação que trabalhava como auxiliar de delegado costumava aparecer no escritório em dias


alternados para falar com a filha, a senhora Mooney trouxera Polly de volta para casa, encarregando-a dos serviços domésticos. Como Polly era uma garota muito ativa, a intenção da mãe era incumbi-la de cuidar dos rapazes que lá residiam. Além do mais, rapazes normalmente gostam de ter uma garota por perto. Polly, é claro, flertava com eles, mas a senhora Mooney, que era uma mulher muito astuta, sabia que os rapazes só estavam lá temporariamente; nenhum deles tinha intenções mais sérias. As coisas continuaram assim por um longo tempo e a senhora Mooney já estava cogitando de mandar Polly de volta para o serviço de datilografia, quando percebeu que alguma coisa estava acontecendo entre a filha e um dos rapazes. Ela passou a observar o casal e não falou com ninguém a respeito. Polly percebeu que estava sendo observada pela mãe, cujo silêncio persistente, entretanto, não poderia ser mal interpretado. Não havia qualquer cumplicidade evidente entre mãe e filha, nenhum entendimento manifesto e, embora os hóspedes da pensão começassem a comentar o affair, a senhora Mooney não interveio. Polly começou a agir de maneira um pouco estranha e o jovem parecia visivelmente embaraçado. Por fim, quando achou que era o momento certo, a senhora Mooney interferiu. Ela lidava com problemas morais do mesmo modo como um cutelo lida com carne; e nesse caso, ela havia tomado uma decisão. Era uma linda manhã de domingo – no início do verão; o dia prometia bastante calor, mas soprava uma leve brisa. Todas as janelas da pensão estavam abertas e o vento enfunava suavemente as cortinas de renda na direção da rua sob as vidraças erguidas. O campanário da igreja de São Jorge repicava sem parar e os fiéis, individualmente ou em grupos, atravessavam o pequeno largo em frente à igreja, revelando seus propósitos na atitude contida e também nos pequemos volumes que tinham nas mãos enluvadas. Na pensão, o café já havia terminado e a mesa ainda estava cheia de pratos com marcas


amarelas de ovo e restos de gordura e pele de toucinho. Sentada na poltrona de palha, a senhora Mooney observava a criada Mary retirar a mesa do café. Fez Mary recolher as cascas e sobras de pão para usá-las no pudim da terça-feira. Quando a mesa estava limpa, as sobras de pão recolhidas, o açúcar e o café trancados no armário, ela começou a reconstruir a conversa que havia tido com Polly na noite anterior. As coisas haviam se passado realmente como ela suspeitara; ela havia sido franca em suas perguntas e Polly havia sido franca em suas respostas. Ambas haviam se sentido um pouco constrangidas, é claro: a senhora Mooney por não ter desejado receber a notícia de maneira despreocupada demais ou por ter parecido conivente; e Polly não apenas porque alusões àquele tipo de comportamento sempre a constrangiam, mas também porque, em sua sábia inocência, não queria que pensassem que ela tivesse adivinhado a intenção que se escondia atrás da atitude tolerante de sua mãe. Assim que acordou de seu devaneio e se deu conta de que o campanário da igreja havia parado de tocar, a senhora Mooney lançou instintivamente um rápido olhar para o pequeno relógio dourado na cornija. Passavam dezessete minutos das onze; ela teria tempo de sobra para conversar abertamente com o senhor Doran e ainda alcançar o culto do meio-dia na Marlborough Street. Ela tinha certeza de que venceria. Para começar, tinha a seu favor todo o peso da opinião pública: era uma mãe ultrajada. Havia permitido que o jovem fosse morar debaixo de seu teto, supondo que ele fosse um homem honrado; e ele simplesmente abusara de sua hospitalidade. Ele já tinha trinta e quatro ou trinta ou cinco anos; portanto, alegar arroubos de juventude não valia como desculpa; e alegar ignorância também não serviria de desculpa, pois ele já era um sujeito vivido. Ele simplesmente se aproveitara da juventude e inexperiência de Polly – era evidente. A questão era: que tipo de compensação ele proporia?


Em tais situações, é preciso haver alguma compensação. Para o homem, depois de ter tido seus momentos de prazer, não há qualquer problema; ele pode seguir seu caminho como se nada tivesse acontecido; mas a garota tem que aguentar as consequências. Algumas mães se dão por satisfeitas remediando a questão com determinada soma em dinheiro; ela já ouvira falar de coisas desse tipo. Mas isso ela não faria. No seu entender, somente um tipo de reparação poderia compensar a perda da honra da filha: o casamento. Antes de mandar Mary até o quarto do senhor Doran para pedir-lhe que viesse falar com ela, a senhora Mooney avaliou novamente todos os seus trunfos. Tinha certeza absoluta de que sairia vitoriosa. Ele era um rapaz sério; não era um libertino nem falava alto como os outros. Se tivesse sido o senhor Sheridan ou o senhor Meade ou Bantam Lyons, a tarefa teria sido muito mais árdua. Na opinião dela, ele não se arriscaria a expor-se publicamente. Todos os pensionistas sabiam mais ou menos do affair; alguns até mesmo inventavam detalhes. Além disso, ele já trabalhava havia treze anos em um grande estabelecimento de um comerciante católico de vinhos, e a divulgação do caso poderia custar-lhe o emprego, ao passo que, se ele concordasse, tudo acabaria bem. Ela sabia que ele tinha um bom salário e suspeitava que tinha também algum dinheiro guardado. Quase onze e meia! A senhora Mooney levantou-se e examinou-se no espelho do aparador. A expressão decidida em seu rosto largo e corado deixou-a satisfeita, e vieram-lhe à mente algumas mães que conhecia, incapazes de deixar suas filhas livres. Naquela manhã de domingo, o senhor Doran estava muito angustiado. Havia feito duas tentativas de se barbear, mas as mãos estavam tão trêmulas que ele fora obrigado a desistir. A barba avermelhada de três dias debruava seu maxilar e a cada dois ou três minutos seus óculos turvavam-se de tal forma que tinha que retirá-los e limpar as lentes com um lenço de bolso. A


lembrança da confissão da noite anterior causava-lhe enorme sofrimento; o padre extraíra dele cada detalhe ridículo do affair e, no fim, ele havia dado tal magnitude ao seu pecado que se sentia quase agradecido pela oportunidade de reparação que lhe estava sendo concedida. O mal já fora feito. O que mais poderia ele fazer agora, senão casar-se com a moça ou fugir? Era impossível fugir da situação como se nada tivesse acontecido. Sem dúvida alguma, o caso cairia na boca do povo e seu patrão com certeza ficaria sabendo. Dublin é uma cidade tão pequena! Todo mundo sabe da vida de todo mundo. Em sua imaginação exaltada, sentiu o coração saltar na garganta ao ouvir o velho senhor Leonard dizer com sua voz áspera: “Por favor, peça ao senhor Doran que venha falar comigo”. Tantos anos de serviço para nada! Toda a sua dedicação, empenho e diligência jogados pela janela! É claro que na juventude ele tinha se entregado aos prazeres; gabara-se de ser livre pensador e negara a existência de Deus aos companheiros de noitadas. Mas tudo isso eram águas passadas... quase. Ele ainda costumava comprar um exemplar do Reynold’s Newspaper toda semana, mas cumpria seus deveres religiosos e noventa por cento do ano levava uma vida normal. Tinha dinheiro suficiente para sustentar uma família; o problema não era esse. Mas a família dele iria vê-la com maus olhos; primeiro, porque havia o pai dela, homem desacreditado; e depois, porque a pensão da mãe já começava a ganhar uma reputação duvidosa. Ele suspeitava estar sendo enganado; até já imaginava os amigos falando do caso e dando risadas. Ela era um pouco vulgar; às vezes, dizia “eu vi ele” e “foi uma grande perca de tempo”. Mas que importância tinha a gramática se ele realmente a amava? Não conseguia decidir se gostava dela ou se a desprezava pelo que ela havia feito – e, claro, ele também havia feito. Seu instinto instigava-o a continuar livre, a não se casar. Uma vez casado, tudo acabado, ele lhe dizia.


Sentindo-se muito desacoroçoado, ele estava sentado na beirada da cama, vestindo camisa e calça, quando ela bateu levemente à porta, entrou e contou-lhe tudo – que abrira a alma à mãe e que esta falaria com ele ainda naquela manhã. Chorou e atirou os braços em volta do pescoço dele, dizendo: – Oh, Bob! Bob! O que é que vou fazer agora? O que é que vou fazer? Disse que iria dar cabo da vida. Ele a consolou sem muita disposição, pedindo-lhe que não chorasse, pois tudo daria certo; que não se preocupasse. Sentia contra seu peito a agitação do coração dela. O acontecido não fora culpa apenas dele. Com aquela curiosa e paciente memória do celibatário, ele lembrava-se bem das primeiras carícias que o vestido dela, a sua respiração, o seus dedos haviam lhe proporcionado. Foi então que uma noite, já tarde, quando ele se preparava para dormir, ela bateu timidamente à sua porta. Queria acender novamente sua vela usando a dele, pois uma lufada de vento a havia apagado. Era a noite de banho dela. Ela usava um peignoir de flanela, aberto e com estampas. O dorso de seu pé brilhava na abertura dos chinelos felpudos e o sangue cálido pulsava intensamente sob sua pele perfumada. Enquanto acendia novamente a vela, suas mãos e pulsos exalaram um perfume suave. Nas noites em que ele chegava tarde, era ela que aquecia seu jantar. Ele mal conseguia perceber o que estava comendo, sentindo-a tão próxima a ele, sozinha, à noite, na casa onde todos já dormiam. E como ela era zelosa! Se a noite estivesse fria, úmida ou se ventava, sempre havia lá um copo de ponche esperando por ele. Quem sabe eles poderiam ser felizes juntos... Costumavam subir juntos, na ponta dos pés, para o andar superior, cada um com sua vela e, no terceiro patamar, relutavam em desejar boa-noite um ao outro. Costumavam trocar um beijo. Ele lembrava-se bem dos olhos dela, do contato de sua mão e do êxtase que sentia... Mas o êxtase é coisa passageira. Ele repetiu a frase dela, aplicando-a a


si mesmo: “O que é que vou fazer?”. O instinto do celibatário o advertia para que se contivesse. Mas o pecado estava lá; e até mesmo seu senso de honra lhe dizia que uma reparação era necessária. Enquanto estava sentado junto dela na beirada da cama, Mary veio até a porta e disse que a patroa queria falar com ele no salão. Sentindo-se mais desamparado do que nunca, ele levantou-se para vestir o colete e o paletó. Depois que se vestiu, aproximou-se dela para consolá-la. Tudo daria certo; não havia motivo para preocupação. Deixou-a lá, chorando e lamentando-se baixinho: “Oh, meu Deus!”. Ao descer a escada, seus óculos ficaram tão embaçados que ele teve de tirá-los e enxugá-los. Sua vontade era poder subir até o telhado e voar para outro país, onde nunca mais ouvisse falar de seu infortúnio; e, no entanto, uma força empurrava-o para baixo, degrau a degrau. As faces implacáveis de seu patrão e da Madame fitavam-nos em seu desalento. No último lance de escada ele passou por Jack Mooney, que vinha da despensa abraçando com muito cuidado duas garrafas de Bass. Cumprimentaram-se friamente; e, por um segundo ou dois, os olhos do amante pousaram em uma cara estúpida de buldogue e num par de braços curtos e musculosos. Quando chegou ao pé da escada, ele olhou de relance para cima e viu Jack observando-o da porta do quartinho no mezanino. De repente, o senhor Doran se lembrou da noite em que um dos artistes do teatro de variedades, um londrino loiro e baixinho, fizera alguma alusão bastante indecorosa a Polly. A reunião quase foi interrompida por causa da atitude violenta de Jack. Todos tentaram acalmá-lo. Um pouco mais pálido do que de costume, o artiste do teatro de variedades continuou a sorrir e a dizer que não queria ofender ninguém; mas Jack continuou a esbravejar contra ele, dizendo que se alguém tentasse fazer aquele tipo de brincadeira com a sua irmã, sem dúvida alguma, ele iria arrebentar os dentes do referido; ah, iria mesmo!


Polly continuou chorando por mais algum tempo sentada na beira da cama. Depois enxugou as lágrimas e olhou-se no espelho. Mergulhou a ponta da toalha no jarro de água fria e refrescou os olhos. Examinou-se de perfil e ajeitou um grampo nos cabelos, acima da orelha. Em seguida, voltou até o pé da cama e sentou-se lá novamente. Durante um longo tempo ficou a observar os travesseiros e, então, em sua mente despertaram memórias secretas e agradáveis. Repousou a nuca no ferro frio da cama e perdeu-se em devaneios. Seu rosto já não mostrava qualquer sinal de ansiedade. Continuou esperando, pacientemente, sem rebuliço, quase com alegria, suas lembranças gradativamente cedendo lugar a expectativas e fantasias sobre o futuro. Suas expectativas e fantasias eram tão intricadas que ela já não conseguia enxergar os travesseiros brancos nos quais seu olhar havia se fixado pouco antes e nem se lembrava mais que estava à espera de alguma coisa. Por fim, ouviu sua mãe chamá-la. Levantou-se de um salto e correu para a balaustrada. – Polly! Polly! – Sim, mamãe? – Venha até aqui, querida. O senhor Doran quer falar com você. Foi então que ela se lembrou do que é que estava esperando.

Tradução: Carlos David O. Soares e Alzira Leite Vieira Allegro


criação: angela kina | carlos santana


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