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Super Mário O Patrão que escapou à crise
Os pilotos pediram e a organização deu… em dobro! Para calar algumas críticas de ‘excessiva facilidade e muita velocidade’ nos últimos anos, a A.S.O. desenhou um Dakar mais longo, mais difícil e mais técnico. Que acabou por se revelar, também, mais castigador. Os portugueses que o digam! Apenas um Patrão sem assistência resistiu aos 8899,51 quilómetros de muita areia na Arábia Saudita.
POR PAULO RIBEIRO/MOTOX.PT FOTOS: EQUIPAS
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As novidades anunciadas eram muitas, mas poucos poderiam imaginar o que tinha para ‘oferecer’ a 45.ª edição do Rali Dakar. Aos que criticavam o modelo da prova mais dura do Mundo, David Castera, o diretor desportivo, respondeu com novas regras e um trajeto mais exigente e ainda menos permissivo a erros. Aquele que era o mais longo trajeto em termos competitivos, com 4313 km de setores seletivos,
Foi preciso chegar ao último quilómetro para Kevin Benavides assegurar a vitória Kevin Benavides apresentava 70% de pistas novas, sendo 36% em solos desérticos e mais 22% de dunas. Incluindo uma etapa-maratona no temido Empty Quarter, a parte saudita do deserto arábico Rub’al-Khali, cuja área total que é quase oito vezes superior ao território de Portugal Continental! E bem maior do que a Península Ibérica apenas com areia e muitas dunas…

Dificuldades acrescidas pela inusitada chuva intensa que acompanhou a caravana, que foi dizimando a caravana motociclística que viu chegar a Damman apenas 90 dos 136 pilotos que arrancaram para o prólogo junto ao Mar Vermelho. Entre os abandonos, quase metade dos 21 pilotos de fábrica à partida, a começar por Sam Sunderland logo no primeiro dia, mas também Ricky Brabec, Harith Veettil, Joaquim Rodrigues, Rui Gonçalves, Alex Salvini, Joan Barreda, Matthias Walkner ou Daniel Nosiglia.
Os que resistiram, porém, deram um excelente espetáculo, com indefinição mesmo até final. O argentino Kevin Benavides repetiu o feito de 2021 e, depois de ganhar com a Honda tornou-se no primeiro piloto argentino a vencer o Dakar com duas marcas diferentes. E que no final não se esqueceu de enviar “um beijo para o meu amigo Paulo ‘for ever’, que sei que me segue sempre”. No regresso da KTM aos triunfos – com o 19.º na prova e 1.º em solo árabe – a dobradinha foi assegurada por Toby Price. Que, à partida para o últi- mo dia, liderava com 13 segundos e terminou os 3980 km contra a cronómetro (a etapa 7 foi anulada por questões de segurança) a 43 s, naquela que foi a mais curta distância de sempre entre os dois primeiros: cerca de um quilómetro pela média final de 89,53 km/h. Duelo acompanhado de perto pelo consistente Skyler Howes (Husqvarna) que completou o pódio, depois dos marcantes triunfos no Rali de Marrocos e no Sonora Rally, provas do Mundial onde bateu os mais fortes pilotos da especialidade. E que, neste Dakar, foi o que mais partido tirou da nova regra das compensações de 1,5 s, 1 s e 0,5 segundo por quilómetro que valorizavam os três primeiros em pista durante os primeiros 200 quilómetros do dia.



Um Patr O De Mala S Costas
A aposta era clara e passava por manter a calma e serenidade ao longo de 15 dias para terminar no pódio da Original by Motul, a ‘classe dos realmente duros’. Sem equipa de assistência mecânica e com peças e ferramentas limitadas a uma mala de 80 litros de capacidade, Mário Patrão ‘prometeu e cumpriu’, levando a KTM até ao 3.º lugar dos ‘malle moto’ e a bem positivo 34.º lugar na geral.
Resultado conseguido com muito sangue(-frio), suor e até algumas lágrimas. De dor após “umas quantas quedas feias que além de deixar marcas no corpo, aconselharam calma para poupar o material”, mas também de alegria. O triunfo na 11.ª tirada teve importância redobrada pelo dia em que foi conquistado, 12 de janeiro, e deixou o senense “su- per feliz e com sentimento de dever cumprido, dedicando esta vitória à minha inspiração, amigo de todas as horas, o nosso Paulo Gonçalves”.
Momentos de júbilo para o campeão do Mundo Cross Country Rallies Veteranos, numa fase decisiva da prova, em contraste com o sofrimento “da forte queda, logo na 1.ª etapa, causada por alguma desconcentração numa zona de pedra”. Problemática foi também a situação vivida ao 5.º dia, com “problemas na gasolina que obrigou a parar por duas vezes para passar combustível do depósito traseiro para os da frente, além de apanhar água na gasolina”.
Contente com a prestação e com o facto de ter sobrevivido a “um rali extremamente duro, com muito poucas horas de descanso”, Patrão não evitou ainda um grande susto no último dia, quando “a embraiagem acusou o desgaste de 14 dias de corrida, quase cedendo ao tentar sair de um atascanço provocado pela muita água e barro acumulado no per- curso. Numa zona onde estavam vários pilotos enterrados, a moto ficou cheia de lama a ponto de as rodas começarem a prender. Sabia que tinha de forçar o motor para conseguir terminar e acabei por queimar a embraiagem. Depois foi necessário muito cuidado, quando acelerava a moto patinava. Foi um desafio exigente e fisicamente desgastante”.


1001 Dunas De Pesadelo
Mas nem todos os portugueses tiveram motivos para sorrir, sofrendo problemas que terminaram a aventura demasiado cedo. Foi o que aconteceu a Rui Gonçalves que “apesar dos pouco rali-raids feitos e da curta experiência nesta modalidade, estava bem preparado em termos físicos e psicológicos”. Preparação que ficou patente “em parciais muito bons e algumas etapas com resultados positivos” e que, por isso mesmo, “aumentou a frustração pelo abandono, após todo um ano de muito treino específico e muitos sacrifícios”.
A desistência tornou-se inevitável ao 6.º dia, quando tinha já recuperado até top-20 depois de conseguir na véspera o primeiro top-10 numa tirada. “Foram dias muito estranhos porque logo na 1.ª etapa, um problema com a embraiagem obrigou a gastar mais energia do que numa semana inteira de Dakar. A moto ficou sem embraiagem e numa trialeira com pedras enormes perdi muito tempo e energia para conseguir sair dali com a máquina inteira. Foi preciso arrastar com cuidado atá uma zona mais plana para conseguir arrancar sem embraiagem, metendo as velocidades de forma direta”. Problemas que ditaram cautelas acrescidas nos dias seguintes porque “poderia ser perigoso tentar recuperar tudo num só dia, além de ter de ultrapassar muitos concorrentes”. E “quando parecia estar a entrar de novo na corrida”, a Sherco FE 450 Rally calou-se a 5 quilómetros do final da 4.ª etapa, obrigando a empurrar a moto até à meta.
Curiosamente, no dia seguinte Gonçalves rubricou excelente 10.º lugar, acreditando que os problemas tinham ficado para trás. Ilusão que durou pouco, quando “no meio das dunas, muito longe do final da 6.ª etapa e com uma enorme ligação pela frente, o motor calou-se e foi impossível recolocar a moto em andamento. Foi um sentimento muito estranho, de impotência e grande frustração depois de um ano de preparação. Mas há que levantar a cabeça, analisar e identificar e resolver o problema para melhorar a máquina e pensar no futuro”. Que vai passar por algumas provas do mundial de Rali Raids, num calendário que espera mais definições após o diagnóstico definitivo dos problemas surgidos no Dakar.
Reflexos De Dureza
Azarado esteve também António Maio naquele que seria “um Dakar muito bom em termos pessoais, com percurso bastante durinho”. De- pois de começar de forma positiva, colocando-se no top-20 quando em prova estavam ainda todos os pilotos de fábrica, o Major da GNR perdeu bastante tempo “ao ficar sem gasolina devido à chuva que tornou a areia mais pesada, aumentando o consumo. E, tal como vários outros pilotos, tive problemas com a água que apareceu na gasolina…”
Mas o pior estava para vir. Na 4.ª etapa ficou sem travão traseiro quando “uma pedra partiu a bomba e, provavelmente, bateu forte na corrente” da Yamaha WR 450 Rally assistida pela Franco Sport. Incidente que acabaria por motivar o abandono no dia seguinte. “Cinquenta metros após o arranque, a corrente partiu e soltou-se, acertando no cárter, mesmo junto ao pinhão de ataque, com tal violência que partiu o cárter”. As palavras do heptacampeão nacional de Todo-o-Terreno saem de forma pausada, tentando minimizar a tristeza da saída inglória de um “rali que era à minha imagem. É frustrante ficar ali depois de um ano de trabalho intenso e tantos sacrifícios. Foi um grande amargo de boca que deixou ainda mais vontade de voltar e para 2024 vou contar com uma moto oficial para correr e outra WR para treinar, tendo já agendado o Rali de Marrocos e o Dakar”.

Mas a frustração, essa levará mais tempo a desaparecer. É que, sublinha, “estava bem, física e mentalmente, e como já se adivinhava depois do ano passado, este estava a ser um Dakar ‘à séria’, bastante duro levando a muitas desistências. É certo que estava um pouco mais perigoso do que em anos anteriores, com muita pedra no início além de que a chuva criou muitos perigos não assinalados. A organização ia avisando nos briefings das situações potencialmente mais complicadas e perigosas, mas não era suficiente”.




A questão da segurança foi também abordada por Joaquim Rodrigues Jr., forçado a abandonar após queda na 4.ª etapa quando estava já no top-10. O piloto da Hero, “confiante que podia fazer uma boa prova, até porque a moto estava muito boa e tanto o físico como a cabeça estavam a corresponder muito bem”, acabaria, porém, a aventura ao km 90 da tirada com partida e chegada a Ha’il. “Estava com bom ritmo e já seguia em 3.º, mas sem forçar em demasia para evitar riscos, sendo atraiçoado no início da subida para uma grande duna, talvez por um tufo de ‘erva de camelo’. A queda, a grande ve- locidade, valeu a fratura do fémur esquerdo e 4 a 6 meses de paragem forçada. “Se faltou sorte? São corridas”, respondeu o barcelense recordando que “houve muitas outras quedas na fase inicial da prova, uma verdadeira roleta russa. E basta ver que dos mais de 20 pilotos ‘oficiais’ à partida, acabaram menos de metade”.
Reconhecendo os perigos inerentes a qualquer corrida, JRod diz que “quiseram fazer uma corrida difícil e o que conseguiram foi fazer uma prova perigosa, onde não faltaram muitas zonas com pedras enormes como foi o caso de vários rios secos”. Uma situação que poderia ser evitada, ou pelo menos minimizada “através de um ‘road-book’ bem feito, que antecipe os perigos e desvie os pilotos desses locais de maior risco, criando, por exemplo, ‘waypoints’ de segurança, obrigando a desvios para zonas potencialmente menos perigosas.
Uma sugestão a ser levada em conta pela organização em 2024 onde se esperam, pelo menos, estes quatro mosqueteiros lusitanos.