Finale (Trilogia Caraval, Vol. 3)

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Um livro da trilogia Caraval FINALE STEPHANIE GARBER

: Lavínia Fávero

TRADUÇÃO

Copyright © 2022 Stephanie Garber

Título original: Finale

Todos os direitos reservados pela Editora Gutenberg. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem autorização prévia da Editora.

editora responsável Flavia Lago

editoras assistentes Natália Chagas Máximo Samira Vilela preparação de texto Fernanda Marão

revisão final Claudia Barros Vilas Gomes

capa Erin Fitzsimmons adaptação de capa Alberto Bittencourt diagramação Waldênia Alvarenga

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil

Garber, Stephanie Finale / Stephanie Garber; tradução Lavínia Fávero. -- São Paulo: Gutenberg, 2022. -- (Trilogia Caraval; 3)

Título original: Finale ISBN 978-85-8235-671-5

1. Fantasia 2. Ficção norte-americana I. Título II. Série. 22-124020 CDD-813

Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura norte-americana 813

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

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Bairro das Especiarias Melhor caramelo de peixe de Valenda Esta casa não é o que parece ser Bairro do Cetim Túneis subterrâneos que levam à saída da cidade Entrada da Biblioteca Imortal Túneis subterrâneos que levam à morte e ao esquartejamento
Distrito dos Templos Largo da Universidade Cuidado com os piolhos Cachorro muito inteligente Aqui tem mesmo esqueletos dentro dos armários
Antro de jogatina de Jacks Ruínas do Zoológico
Mapa de Tudo

Toda história tem quatro partes: o começo, o meio, o quase-final e o verdadeiro final. Infelizmente, nem todo mundo consegue ter um gran finale para sua história. Muita gente desiste na parte em que as coisas vão de mal a pior e quando a situação parece irremediável, sem esperança. Mas é justamente aí que mais precisamos ter esperança. Só quem é perseverante consegue encontrar o verdadeiro final de sua história.

Antes do começo

Oquarto de Scarlett Dragna era um palácio de puro maravilha mento e magia de faz de conta. Se uma pessoa que perdera a capacidade de imaginar o observasse naquele momento, poderia achar que tudo aquilo era apenas uma confusão de vestidos: trajes de baile vermelho-granada espalhados pelos tapetes cor de marfim e vestidos cerúleos pendurados nas colunas da cama de dossel de ferro balançando suavemente no ritmo de uma lufada de vento salgado que entrava pelas janelas abertas. Sentadas na cama, as irmãs não perceberam a brisa nem a pessoa que entrou no quarto com ela. Esse novo personagem entrou de fininho, silencioso como um ladrão, sem fazer nenhum barulho, e se aproximou de onde as filhas brincavam distraidamente.

Scarlett, a mais velha, endireitava a anágua rosa-pétala que colocara nos ombros, como se fosse uma capa. E a irmã mais nova, Donatella, amarrava uma faixa de renda cor de creme no rosto, como se fosse um tapa-olho. Suas vozes eram alegres, agradáveis e claras como a manhã, como só as vozes das crianças conseguem ser. O som dessas vozes, por si só, era a mágica que derretia a luz dura do sol a pino em fragmentos de caramelo luminoso que se concentravam ao redor da cabeça das irmãs, como uma auréola de poeira estelar.

As meninas pareciam seres angelicais. Até que Tella declarou: – Sou pirata, não princesa.

A boca da mãe das meninas titubeava entre sorrir e desaprovar. A filha mais nova era tão parecida com ela… Tella tinha a mesma veia

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rebelde e o mesmo espírito aventureiro. Era uma dádiva de faces opostas, que sempre deixara a mãe cheia de esperança. E também medo de que Tella cometesse os mesmos erros que ela.

– Não – disse Scarlett, sendo mais voluntariosa que de costume. –Pode ir devolvendo, a coroa é minha! Não posso ser rainha sem coroa.

A desaprovação venceu quando a mãe se aproximou da cama. Normalmente, Scarlett era menos briguenta que Tella. Só que as duas meninas torciam os lábios, teimosas, e cada uma segurava uma das pontas de um colar de pérolas.

– Procure outra coroa, esse é meu tesouro de pirata! Tella deu um puxão fabuloso, e as pérolas voaram pelo quarto. Pof! Pof! Pof!

A mãe pegou uma das pérolas no ar e a segurou entre dois dedos hábeis e delicados. A esfera minúscula era rosada como as bochechas das filhas, que ficaram coradas, agora que tinham, finalmente, tirado a atenção do colar e visto que ela estava ali.

Os olhos castanhos de Scarlett já estavam embaçando: a menina sempre foi mais sensível do que a irmã.

– Ela quebrou minha coroa.

– O verdadeiro poder de uma rainha não está na coroa, meu amorzinho. Fica aqui.

A mãe colocou a mão no coração da filha. Ela então se virou para Tella, que disse:

– Você vai me dizer que não preciso de tesouro para ser pirata? Ou que meu maior tesouro está bem aqui?

A menina, então, pôs a mãozinha em cima do coração, imitando a mãe.

Se fosse Scarlett a fazer aquilo, a mãe acharia que o gesto tinha sido sincero. Mas conseguia ver a traquinagem nos olhos de Tella. A menina tinha uma faísca que poderia tanto atear fogo ao mundo inteiro quanto dar a luz de que ele tanto necessita.

– Na verdade eu ia dizer que seu maior tesouro está sentado bem na sua frente. Não há nada mais precioso do que o amor de uma irmã.

A mãe segurou a mão das filhas e as apertou.

Se houvesse um relógio no quarto, teria parado. De vez em quando, certos minutos ganham alguns segundos a mais. São momentos tão

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preciosos que o universo se expande para criar lugar para acomodá-los, e esse foi um deles. É raro as pessoas terem o privilégio de viver instantes como esse. E há quem nunca os viva.

Aquelas menininhas ainda não sabiam, porque a história delas ainda não havia começado, não de verdade. Mas, logo, logo, a história das duas alçaria voo. E, quando isso acontecesse, as irmãs precisariam de todos os instantes fortuitos de ternura possíveis.

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O COMEÇO

Aprimeira vez em que Lenda apareceu nos sonhos de Tella, parecia ter acabado de sair de uma das histórias que as pessoas contavam sobre ele. Quando era Dante, sempre se vestia em tons de cinza e preto, como a rosa que tinha tatuada no dorso da mão. E naquela noite, como Lenda, ele usava uma casaca vermelho-sedução, transpassada com abotoamento duplo e forro dourado. O visual era arrematado por um lenço também vermelho amarrado no pescoço e a cartola, que era sua marca registrada.

Cachos pretos e lustrosos apareciam por baixo da aba do chapéu, ocultando os olhos preto-carvão que brilharam quando Lenda olhou para Tella. Os olhos do Mestre do Caraval reluziam mais do que as águas iluminadas pelo crepúsculo que cercavam o bote íntimo em que os dois estavam. Não era o olhar frio e sem emoção que ele havia lan çado para a jovem há duas noites, pouco depois de tê-la libertado de uma carta de baralho e a abandonado de forma insensível. No sonho, Lenda sorria como um príncipe malvado, que havia fugido das estrelas e estava pronto para levá-la aos céus.

Donatella sentiu um frio inconveniente na barriga. Lenda continuava sendo o mais belo mentiroso que ela já vira na vida. Mas Tella não permitiria que o Mestre do Caraval a enfeitiçasse, como havia feito durante o jogo. Ela deu um tapa na cartola, derrubando-a da bela cabeça do rapaz e fazendo a minúscula embarcação em que estavam balançar.

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Donatella

Lenda pegou o chapéu com facilidade. Os dedos se moveram tão depressa que Tella poderia ter pensado que o Mestre do Caraval havia previsto sua reação, caso não estivesse sentado bem na frente dela, tão perto que a garota percebeu um músculo estremecer em seu maxilar barbeado. Os dois podiam até estar em um sonho, no qual o céu bri lhante ganhava lúgubres contornos roxos, como se houvesse pesadelos à espreita. Só que Lenda foi incisivo, feito pinceladas precisas, e vibrante como uma ferida recém-aberta.

– Achei que você ia ficar mais feliz em me ver – disse ele.

Tella lançou seu olhar mais fulminante. A mágoa que sentia desde a última vez que o vira ainda estava muito em carne viva para conseguir disfarçar.

– Você foi embora. Você me abandonou naquela escadaria, sem conseguir me mexer. Jacks me carregou no colo até o palácio.

Os lábios de Lenda se retorceram com desgosto.

– Então você não vai me perdoar?

– Você ainda não me pediu desculpas.

Se tivesse pedido, Donatella teria perdoado. Queria perdoá-lo. Queria acreditar que Lenda não era tão diferente de Dante e que ela era mais do que um mero peão que o Mestre do Caraval queria manipular no jogo. Queria acreditar que Lenda a abandonara naquela noite porque estava com medo. Mas, em vez de demonstrar remorso pelo que havia feito, parecia irritado por Tella ainda estar brava com ele.

A escuridão do céu se intensificou, porque nuvens roxas se contorceram e cortaram a lua crescente ao meio, dividindo-a em dois pedaços que ficaram flutuando no céu, feito um sorriso partido.

– Eu tinha um compromisso.

As esperanças de Tella se esvaíram com o tom de pura frieza do rapaz.

O ar ficou cheio de fuligem: fogueiras queimavam mais acima e se esfacelavam em faíscas brilhantes de um vermelho-romã, trazendo a lembrança da queima de fogos que ocorrera havia duas noites.

Donatella ergueu a cabeça e viu as faíscas formarem os contornos do palácio de Elantine – que agora era o palácio de Lenda. Na verdade, admirava o fato de o Mestre do Caraval ter convencido Valenda de que era o verdadeiro herdeiro do trono do Império Meridiano. Só que, ao mesmo tempo, a farsa a fez recordar que a vida de Lenda consistia em joguinhos e mais joguinhos. Tella não sabia se ele queria o trono pelo

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poder, se queria o prestígio de ser imperador ou se simplesmente queria fazer a apresentação mais grandiosa de que o império já tivera notícia. E talvez jamais soubesse.

– Você não precisava ter ido embora daquele jeito tão frio e cruel – ela argumentou.

Lenda respirou fundo e uma súbita investida de ondas bravias atingiu o bote. A embarcação balançou e foi se encaminhando por um canal estreito, que os levou até um mar reluzente.

– Já disse que não sou o herói da sua história, Tella.

Só que ele não se afastou. Pelo contrário: foi chegando mais perto de Donatella. A noite ficou mais quente quando Lenda olhou nos olhos de Tella como a garota gostaria que o Mestre do Caraval tivesse olhado na última vez que se despediram. O rapaz tinha cheiro de magia e de coração partido, e algo nessa combinação a fez pensar que, apesar do que dizia, Lenda queria ser o herói dela.

Ou, quem sabe, apenas quisesse que Donatella continuasse a desejá-lo.

O Caraval podia até ter terminado, mas lá estava Tella dentro de um sonho com Lenda, flutuando em águas de poeira estelar e madrugada enquanto fogos de artifício continuavam caindo das alturas como se os céus quisessem coroá-lo.

Donatella tentou desligar os fogos de artifício – aquele era o sonho era dela, afinal de contas. Mas, pelo jeito, era Lenda quem mandava ali. Quanto mais a garota resistia, mais encantado o sonho ficava. O cheiro do ar ficou mais adocicado, as cores avivaram, e sereias com tranças tropicais verde-petróleo e caudas cor-de-rosa peroladas saíram da água, saudaram Lenda e tornaram a mergulhar.

– Você é tão convencido… Nunca te pedi para ser meu herói.

Há duas noites, tanto Tella quanto Lenda fizeram sacrifícios: a jo vem optou por viver aprisionada dentro de um Baralho do Destino, em parte para garantir a segurança do Mestre do Caraval, e Lenda libertou os Arcanos para salvar a vida de Donatella. Foi a coisa mais romântica que alguém já fizera por ela. Só que Tella queria mais do que atitudes românticas. Queria o verdadeiro Lenda.

Mas nem sequer sabia se um verdadeiro Lenda existia. E, se existisse, duvidava que o Mestre do Caraval permitiria que alguém se aproximasse dele ao ponto de vê-lo.

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Lenda colocou a cartola de volta na cabeça e ficou mesmo bonito, tanto que quase doía só de olhar. Mas também ficou parecendo muito mais um Lenda idealizado do que uma pessoa de verdade ou com o Dante que Tella conheceu e pelo qual se apaixonara.

A garota sentiu um aperto no coração. Nunca quis se apaixonar por ninguém. E, naquele momento, o odiou por fazê-la sentir tantas coisas por ele.

O último dos fogos de artifício explodiu no céu, tingindo toda aquela paisagem de sonho com o tom mais brilhante de azul que Donatella já vira na vida. Parecia a cor dos desejos que se realizam e das fantasias que se tornam realidade. E, ao caírem, os fogos tocaram uma música tão doce que as sereias teriam ficado com inveja.

Lenda estava tentando deslumbrá-la. Só que o deslumbramento é bem parecido com o romance – fantástico enquanto dura, mas nunca dura para sempre. E Tella continuava querendo mais. Não queria se tornar mais uma garota sem nome das muitas histórias que as pessoas contam a respeito do Mestre do Caraval, alguém que acreditou em tudo o que ele disse só porque Lenda chegou perto dela dentro de um bote e lhe lançou um olhar repleto de estrelas.

– Não vim aqui para brigar com você. – Nessa hora, ele levantou a mão, como se quisesse encostar em Tella. Mas aí seus dedos com pridos se dirigiram à parte mais baixa do bote e ficaram mexendo a esmo naquelas águas cor de meia-noite. – Queria saber se você recebeu minha mensagem e perguntar se quer receber o prêmio por ter vencido o Caraval.

Donatella fingiu pensar, porque sabia cada palavra da carta de cor. Ao desejar feliz aniversário e oferecer o prêmio, o Mestre do Caraval fez Tella ter esperança de que Lenda ainda gostasse dela. Disse que estaria esperando quando a garota resolvesse aparecer para pegar o prêmio. Mas não disse que sentia muito por tê-la magoado de tantas maneiras.

– Eu li a mensagem. Mas não estou interessada no prêmio. Cansei de joguinhos.

Lenda deu risada, uma risada grave e dolorosamente conhecida.

– Qual foi a graça?

– Você fingir que nossos joguinhos chegaram ao fim.

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Donatella

Lenda mais parecia uma tempestade que acabara de acordar. O cabelo fora bagunçado pelo vento, os ombros retos estavam cobertos de neve, e os botões da casaca eram de gelo. Ele foi se aproximando, atravessando uma floresta de um azul gélido, que era pura geada.

Tella estava com um manto de pele azul-cobalto nos ombros. E o fechou, para se proteger do frio.

– Você está com cara de quem quer me enganar – falou.

Lenda retorceu os lábios, em um sorriso dissimulado. Na noite anterior, o Mestre do Caraval mais parecia uma ilusão. Mas, naquela noite, estava mais parecido com Dante, vestido com seus caracterís ticos tons de cinza e preto. Só que Dante costumava ser quentinho, e Donatella supôs que aquela temperatura gélida do sonho refletia o verdadeiro humor de Lenda.

– Só quero saber se você deseja receber o prêmio por ter vencido o Caraval.

Tella podia até ter passado metade do dia acordada imaginando qual seria o prêmio, mas se obrigou a segurar a curiosidade. Quando Scarlett venceu o Caraval, ganhou o direito a ter um desejo realizado. Isso até que seria útil para Tella, mas a garota tinha a sensação de que Lenda lhe reservava ainda mais do que isso. E, sendo assim, poderia ter dito que sim… caso não tivesse percebido que essa era a resposta que Lenda ansiava ouvir.

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