

VERSÃO INTEGRAL SEM ADAPTAÇÃO
Tradução: Ângela Miranda Cardoso e Maria João da Rocha Afonso
1775 ❦ 2025
Copyright © 2013 Editorial Presença, Lisboa
Copyright desta edição © 2025 Autêntica Editora
Título original: Pride and Prejudice
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editora responsável
Sonia Junqueira
assistente editorial
Julia Sousa
revisão
Lorrany Silva
Julia Sousa
capa
Vito Quintans
adaptação da capa
Diogo Droschi
diagramação
Waldênia Alvarenga
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Austen, Jane, 1775-1817
Orgulho e preconceito / Jane Austen ; tradução Ângela Miranda Cardoso e Maria João da Rocha Afonso. -- 1. ed. -- Belo Horizonte : Autêntica, 2025. -- (Clássicos Autêntica)
Título original: Pride and Prejudice
ISBN 978-65-5928-111-4
1. Ficção inglesa I. Cardoso, Ângela Miranda. II. Afonso, Maria João da Rocha. III. Título. IV. Série.
21-79370
CDD-823
Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura inglesa 823
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É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro e rico necessita de uma esposa.
Por pouco que se conheça das inclinações e dos sentimentos de tal ho mem quando ele chega a uma vizinhança, essa verdade é tão enraizada nos espíritos das famílias ali estabelecidas que ele logo é considerado como legítima propriedade de alguma de suas filhas.
– Meu caro Sr. Bennet – disse‑lhe um dia a esposa –, já sabe que Netherfield Park foi finalmente alugada?
O Sr. Bennet respondeu que não sabia de nada.
– Mas a verdade é que foi – retorquiu ela. – A Sra. Long acabou de sair daqui e contou‑me tudo.
O Sr. Bennet não respondeu.
– Não quer saber quem é que a alugou? – perguntou a mulher, impa ciente.
– A senhora quer me contar, e eu não tenho nenhuma objeção a ouvir. Isso bastou como incentivo.
– Pois bem, meu caro, saiba que a Sra. Long me contou que Netherfield foi alugada a um rapaz de grande fortuna do norte da Inglaterra; ele veio na segunda‑feira, em uma carruagem de quatro cavalos, para visitar a propriedade, e ficou tão encantado com o que viu que chegou logo a um acordo com o Sr. Morris; e, mais ainda, soube que ele vai se instalar na casa antes do dia de São Miguel Arcanjo* e que no final da próxima semana já devem chegar alguns criados.
– Qual é o nome dele?
– Bingley.
* No original, Michaelmas: dia 29 de setembro, uma das quatro datas que dividiam o ano na Inglaterra na época em que as rendas eram devidas. (N.T.)
– E é solteiro ou casado?
– Solteiro, meu caro, é evidente! Solteiro e com uma enorme fortuna: quatro ou cinco mil libras de renda por ano. Que oportunidade para as nossas meninas!
– Como assim? Não vejo em que isso possa afetá las.
– Meu querido Sr. Bennet – respondeu a esposa –, às vezes é tão enfado nho! Já devia ter percebido que eu estou pensando em casá‑lo com uma delas.
– É esse o plano dele ao instalar‑se aqui?
– Plano?! Ora, não diga tolices! No entanto, é, sim, muito provável que ele se apaixone por uma delas e, por isso, o senhor deve visitá‑lo assim que ele chegar.
– Não vejo razão para fazer isso. A senhora pode ir com as meninas, ou então enviá‑las sozinhas, o que provavelmente será ainda melhor, já que, sendo tão bonita quanto qualquer uma delas, o Sr. Bingley poderia preferir a senhora.
– Sinto me lisonjeada, meu caro. É verdade que já tive os meus dias de beldade, mas hoje não alimento essas ilusões. Quando uma mulher é mãe de cinco filhas crescidas, deve abster‑se de pensar na própria beleza.
– Em tais casos, ela não costuma ter muita beleza sobre a qual pensar.
– Seja como for, meu caro, é imprescindível que faça uma visita ao Sr. Bingley assim que ele estiver instalado.
– Asseguro‑lhe que não farei tal promessa.
– Lembre‑se de suas filhas... Pense só em como uma delas poderia ficar bem estabelecida na sociedade. Sir William e Lady Lucas estão decididos a ir, e apenas por essa razão, pois o senhor bem sabe que eles não têm o costume de visitar recém‑chegados. É absolutamente necessário que vá, insisto, caso contrário nós ficaremos impedidas de fazê lo.
– Seguramente, a senhora exagera em seus escrúpulos. Ouso dizer que o Sr. Bingley ficará encantado com a sua visita, e eu mesmo lhe enviarei umas breves linhas por seu intermédio, garantindo lhe que tem desde já o meu pleno consentimento para desposar aquela de nossas filhas que ele bem entender. Terei, no entanto, de incluir algumas palavras em favor da minha Lizzy.
– Espero que não faça uma coisa dessas. Lizzy não é nem um pouco melhor que as irmãs. Mais ainda: não chega aos pés de Jane em beleza e não é nem de longe tão bem humorada quanto Lydia. Mas o senhor está sempre a favorecendo.
– Nenhuma delas tem muito que as recomende – respondeu o marido. – São tolas e ignorantes como qualquer outra moça. Mas Lizzy parece‑me um tanto mais esperta que as irmãs.
– Sr. Bennet, como pode falar assim de suas próprias filhas? O senhor tem prazer em aborrecer‑me. Não tem a menor compaixão pelos meus pobres nervos.
– Engana‑se, minha cara. Tenho o maior respeito pelos seus nervos. Somos velhos amigos. Nesses últimos vinte anos, tem sido sempre com a maior consideração que a tenho ouvido falar sobre eles.
– Ah, o senhor não sabe o quanto eu sofro!
– Mas faço votos para que se restabeleça e viva o suficiente para ver muitos rapazes com quatro mil libras anuais instalarem‑se na vizinhança.
– Mesmo que venham vinte deles, de nada nos servirá, já que o senhor se recusa a visitá‑los.
– Nesse caso, minha cara, quando aqui estiverem os vinte pretendentes, visitarei a todos.
O Sr. Bennet era uma mistura muito curiosa de vivacidade e sarcasmo, de reserva e obstinação, e uma experiência de vinte e três anos de vida em comum não fora suficiente para que a esposa lhe decifrasse o caráter. Já a natureza da Sra. Bennet era bem menos difícil de compreender. Tratava‑se de uma mulher de escassa inteligência, pouca cultura e temperamento inconstante. Quando se sentia contrariada, imaginava‑se vítima dos nervos. O principal objetivo de sua vida era casar as filhas; seu consolo, visitas e mexericos.
O Sr. Bennet foi um dos primeiros a dar as boas‑vindas ao Sr. Bingley. Sempre tivera a intenção de visitá lo, embora até o último momento tivesse assegurado à mulher que não iria. Na verdade, só nessa noite, depois de de sempenhada a missão, a esposa teve conhecimento dela, e eis como lhe foi revelada. Observando a segunda filha ocupada com o bordado de um chapéu, o Sr. Bennet interpelou‑a de repente, dizendo:
– Espero que o Sr. Bingley o aprecie, Lizzy.
– Não temos como saber aquilo que o Sr. Bingley aprecia ou deixa de apreciar – disse a mãe em um tom ressentido –, já que não o visitaremos.
– A senhora está se esquecendo, mamãe – disse Elizabeth –, de que o encontraremos nos saraus e que a Sra. Long nos prometeu apresentá‑lo.
– Não acredito que a Sra. Long faça tal coisa. Ela própria tem duas so‑ brinhas. É uma mulher hipócrita e egoísta, não confio no que diz.
– Eu tampouco – concordou o Sr. Bennet –, e sinto me aliviado em saber que não conta com a ajuda dela.
A Sra. Bennet não se dignou a responder. Incapaz, porém, de se conter, começou a implicar com uma das filhas:
– Não tussa dessa maneira, Kitty, pelo amor de Deus! Tenha piedade dos meus nervos. Está deixando os em farrapos.
– Kitty não é capaz de tossir com discrição – disse o pai. – Não sabe escolher o momento oportuno.
– Não tusso por prazer – retorquiu Kitty, aborrecida.
– Quando será seu próximo baile, Lizzy?
– Daqui a duas semanas.
– Pois é! Verdade! – exclamou a mãe. – E a Sra. Long só regressa no dia anterior. O que quer dizer que não poderá apresentá‑lo, já que ainda não terá conhecido o Sr. Bingley.
– Então, minha cara, será a senhora quem gozará dessa vantagem sobre a sua amiga, apresentando‑o a ela.
– É impossível, Sr. Bennet, impossível, visto que eu mesma não o co nheço. Como é que pode ser tão enervante?
– Respeito sua relutância. Um laço de duas semanas é decerto insuficien te. Não é possível conhecer alguém verdadeiramente ao fim de apenas quinze dias. Mas se não formos nós a assumir esse risco, outra pessoa o fará. E a Sra. Long e as sobrinhas não deixarão de tentar a sorte. Como tal, e visto que ela considerará um ato de generosidade se a senhora renunciar ao seu dever, eu próprio me verei obrigado a cumpri‑lo.
As moças ficaram olhando para o pai. A Sra. Bennet limitou‑se a dizer:
– Disparates, só disparates!
– Qual poderia ser o significado de tão enfática exclamação? – perguntou ele. – Acaso considera as formas de apresentação, e tudo o que elas implicam, um disparate? Nesse ponto, não posso, de forma alguma, concordar com a senhora. O que me diz, Mary? Você que, eu sei, é uma moça tão ponderada, sempre mergulhada em calhamaços e declamando citações?
Mary procurou a todo custo encontrar algo sensato para dizer, mas não conseguiu.
– Enquanto Mary ajusta as ideias – o pai prosseguiu –, voltemos ao Sr. Bingley.
– Já estou farta do Sr. Bingley! – exclamou a esposa.
– Lamento ouvir isso. Por que é que não me disse antes? Se soubesse de manhã,* decerto não o teria visitado. Foi, de fato, uma infelicidade. Mas visto que a visita já foi feita, não podemos agora nos furtar ao seu convívio.
O ar de estupefação no rosto das jovens correspondeu exatamente ao que o Sr. Bennet pretendia, e no da Sra. Bennet mais ainda, embora, esgotadas as primeiras efusões de alegria, ela tenha declarado que nunca duvidara de que ele assim o faria:
– Que bondade a sua, meu querido Sr. Bennet! Eu tinha certeza de que acabaria por persuadi‑lo. Sabia que o amor que nutre por suas filhas não o deixaria desprezar uma relação como essa. Não imagina como fico satisfeita! E que peça o senhor nos pregou, ter feito a visita esta manhã e não nos ter dito uma palavra sequer até agora...
* A manhã, no contexto inglês da época, era o período compreendido entre o princípio do dia e a hora do jantar (que era servido por volta das quatro ou cinco da tarde). (N.T.)
– Bom, Kitty, já pode tossir tanto quanto te apetecer – declarou o Sr. Bennet enquanto saía da sala, cansado dos arroubos da esposa.
– Que excelente pai o de vocês, meninas – disse ela, assim que a porta se fechou. – Não sei como, algum dia, poderão retribuir tamanha bondade. Aliás, eu também, no caso. Acreditem, a esta altura de nossas vidas, não é nada agradável ficar em busca de novas relações todos os dias... Mas, por vocês, faríamos qualquer coisa. Lydia, meu amor, embora seja a mais nova, é bem possível que o Sr. Bingley te convide para dançar no próximo baile.
– Oh, não tenho receio – disse Lydia com ar resoluto. – Posso ser a mais nova, mas sou também a mais alta.
O resto da tarde foi passado em conjeturas sobre quanto tempo o Sr. Bingley levaria para retribuir a visita do Sr. Bennet e decidindo quando de veriam convidá‑lo para jantar.
Por mais que a Sra. Bennet, com a ajuda das cinco filhas, o tivesse interrogado, não foi possível arrancar do marido uma descrição satisfatória do Sr. Bingley. Atacaram‑no por diversos meios: com perguntas indiscretas, engenhosas hipóteses e vagas suposições. Mas ele se esquivou de todas essas armadilhas. Por fim, viram‑se obrigadas a aceitar as informações em segunda mão da vizinha, Lady Lucas. O relatório era altamente favorável; Sir William tinha ficado encantado. Ele era bastante jovem, excepcionalmente bonito, muito amável e, para coroar todo o resto, tinha intenção de comparecer ao próximo sarau na companhia de um numeroso grupo. O que mais se poderia querer? Do gosto pela dança ao despertar do amor era apenas um pequeno passo, e, assim, era muito viva a esperança de que o coração do Sr. Bingley pudesse ser conquistado.
– Se ao menos eu visse uma de minhas filhas instalada em Netherfield – disse a Sra. Bennet ao marido –, e todas as outras tão bem casadas quanto ela, nada mais teria a desejar.
Passados poucos dias, o Sr. Bingley retribuiu a visita ao Sr. Bennet, sendo recebido por ele na biblioteca durante cerca de dez minutos. Tinha acalentado a esperança de que lhe fosse permitido ver as filhas, de cuja beleza tanto ouvira falar, mas só conseguiu ver o pai. As senhoritas tiveram um pouco mais de sorte, já que, através de uma janela no primeiro andar, puderam verificar que ele vestia um casaco azul e montava um cavalo negro.
Logo em seguida, foi enviado um convite para jantar; e a Sra. Bennet já tinha planejado os pratos que fariam jus aos seus dotes de dona de casa, quando chegou uma resposta que adiou tudo. O Sr. Bingley tinha que estar em Londres no dia seguinte e via‑se, por essa razão, obrigado a declinar da honra do convite etc. A Sra. Bennet ficou profundamente desconcertada. Não conseguia imaginar que negócios ele pudesse ter a tratar na cidade tão pouco tempo depois da sua chegada a Hertfordshire. Começou a temer que
ele passasse a vida perambulando de um lugar a outro, sem nunca se assentar em Netherfield como deveria. Lady Lucas serenou um pouco seus receios, sugerindo que ele poderia ter ido a Londres apenas para reunir uma larga comitiva para o baile, e logo se seguiram rumores de que o Sr. Bingley iria ao sarau acompanhado de doze damas e sete cavalheiros. As moças ficaram desgostosas diante da ideia de um número tão grande de mulheres; mas logo sossegaram quando, na véspera do baile, ficaram sabendo que, em vez de doze, ele trouxera consigo de Londres apenas seis: suas cinco irmãs e uma prima. Quando, por fim, o grupo entrou no salão, contava com apenas cinco pessoas no total: o Sr. Bingley, suas duas irmãs, o marido da mais velha e um amigo.
O Sr. Bingley era um homem bonito, de ar distinto, semblante agradável e maneiras desenvoltas. As irmãs eram damas de grande elegância e indubitável requinte. O cunhado, Sr. Hurst, nada tinha que o distinguisse de outros cava lheiros. Mas o amigo, o Sr. Darcy, logo atraiu a atenção de todos os presentes pela figura alta e elegante, feições harmoniosas e porte aristocrático, bem como pelo rumor, que cinco minutos depois da sua entrada já circulava por toda a sala, de que a sua renda era de dez mil libras por ano.
Os senhores o consideraram uma bela figura masculina, as damas declararam no muito mais bonito do que o Sr. Bingley, e o Sr. Darcy foi apreciado com grande admiração durante a primeira metade do baile, até que suas maneiras provocaram tal desagrado que o curso da sua popularidade se inverteu. Descobriu‑se que era orgulhoso, que se considerava acima dos demais e que nada conseguia contentá lo – nem a sua enorme propriedade em Derbyshire foi capaz de salvá lo de ter o mais arrogante e antipático sem blante que se poderia imaginar ou de ser indigno de qualquer comparação com o seu amigo.
O Sr. Bingley havia rapidamente se familiarizado com todas as pessoas mais importantes no salão. Tinha um modo de ser expansivo e jovial, não perdera uma única dança e mostrara‑se aborrecido pelo baile ter terminado tão cedo, afirmando a possibilidade de ele próprio oferecer um em Netherfield. Qualidades tão estimáveis falam por si. Que contraste entre os dois amigos!
O Sr. Darcy dançara apenas uma vez com a Sra. Hurst e outra com a Srta. Bingley,* declinara ser apresentado a qualquer outra dama e tinha passado
* No original, Miss Bingley: o título de Miss, seguido do sobrenome de família, referia‑se sempre à filha mais velha ou, se esta já fosse casada, à mais velha das que ainda perma necessem solteiras. No caso das irmãs mais novas, o sobrenome vinha acompanhado do nome próprio, exceto quando, em uma ocasião social, fora do círculo mais íntimo, uma delas se encontrasse sozinha ou fosse a mais velha das presentes. (N.T.)
o resto da noite a vaguear pela sala, conversando ocasionalmente com alguém de seu grupo. Não restavam dúvidas quanto ao seu caráter. Era o homem mais orgulhoso e mais desagradável da face da Terra, e todos estavam de pleno acordo ao desejar que não tornasse a aparecer. Entre os críticos mais ferrenhos encontrava‑se a Sra. Bennet, cuja desaprovação de sua conduta, aguçada pela afronta feita a uma de suas filhas, acabara por se transformar em despeito. Elizabeth Bennet viu‑se obrigada, dada a escassez de cavalheiros, a ficar sentada durante duas danças. Nesse ínterim, o Sr. Darcy estivera perto o su ficiente para que ela conseguisse ouvir uma conversa entre ele e o Sr. Bingley, o qual, em um intervalo de minutos entre as danças, tinha vindo incitar o amigo a juntar‑se a eles.
– Vamos, Darcy – disse‑lhe –, insisto que venha dançar. Odeio ver você aí parado, sozinho e com ar de tédio. Seria melhor se dançasse.
– Definitivamente não. Sabe como detesto dançar, a não ser quando co nheço muito bem o meu par. Em uma reunião como esta, seria absolutamente insuportável. Suas irmãs já estão comprometidas, e não há além delas uma única mulher nesta sala cuja companhia não seria, para mim, um suplício.
– Eu não seria tão esnobe assim nem por um reino inteiro! – repreendeu o Sr. Bingley. – Palavra de honra que nunca em minha vida, como nesta noite, tinha encontrado moças tão encantadoras. Há de convir que algumas delas são extraordinariamente formosas.
– Você, Bingley, está dançando com a única jovem bonita nesta sala –disse o Sr. Darcy, olhando para a mais velha das irmãs Bennet.
– Oh, ela é a mais bela criatura que já vi! Mas sentada logo atrás de você está uma das irmãs dela que é, não apenas muito bonita, como também, assim creio, bastante simpática. Deixe‑me pedir ao meu par que a apresente.
– De quem é que está falando? – E, virando‑se para trás, ficou durante um breve instante observando Elizabeth até que, encontrando os seus olhos, desviou se deles para friamente acrescentar:
– Ela é tolerável, mas não bonita o bastante para me tentar. De resto, não me sinto com disposição no momento para dar atenção a moças menospreza das por outros homens. É melhor regressar para junto do seu par e desfrutar dos seus sorrisos, pois só perde o seu tempo comigo.
O Sr. Bingley seguiu o conselho. O Sr. Darcy se afastou, deixando Elizabeth com sentimentos não muito cordiais a seu respeito. No entanto, relatou com muita espirituosidade o episódio às amigas. Era, de fato, dotada de um temperamento alegre e jocoso, encontrando sempre prazer em descobrir o lado ridículo das situações.
A noite transcorreu de forma agradável para toda a família. A Sra. Bennet tinha visto a filha mais velha despertar admiração entre os habitantes de Netherfield. O Sr. Bingley dançara com ela duas vezes, e as irmãs dele tinham‑lhe dedicado especial atenção. Jane sentia‑se tão satisfeita quanto a mãe, mas de um modo muito mais discreto. Elizabeth partilhava a alegria da irmã. Mary ouvira alguém falar à Srta. Bingley que era a menina mais prendada de toda a região. E Catherine e Lydia tiveram a felicidade de nunca ficarem sem par, o que era tudo o que tinham aprendido ser importante em um baile. Regressaram em ótima disposição, portanto, a Longbourn, o vilarejo onde moravam e do qual eram os habitantes mais ilustres.
Encontraram o Sr. Bennet ainda acordado. Quando lia um livro, ele perdia por completo a noção do tempo; além disso, dessa vez era grande a curiosidade em saber o resultado de uma noite que havia suscitado tantas expectativas. Teria preferido que as esperanças da esposa em relação ao fo rasteiro tivessem sido frustradas; mas logo descobriu que ouviria uma versão bem diferente.
– Oh, meu caro Sr. Bennet – disse‑lhe a mulher ao entrar na sala –, que noite tão agradável, que baile magnífico! Gostaria que também tivesse ido... Jane não poderia ter sido mais admirada. Todos comentaram como estava bonita. O Sr. Bingley, sobretudo, achou‑a lindíssima e dançou com ela duas vezes! Repare bem, meu caro: dançou com ela duas vezes! Jane foi a única pessoa em todo salão a quem ele tornou a convidar. Primeiro, convidou a Srta. Lucas. Fiquei tão irritada quando os vi dançar... No entanto, não manifestou qualquer admiração por ela, o que, aliás, seria inconcebível. Mas, quando cruzou com Jane durante a dança, pareceu ter ficado impressionadíssimo. Então perguntou quem era ela, pediu que os apresentasse e a convidou para as duas danças seguintes. As duas terceiras dançou com a Srta. King, as duas quartas com Maria Lucas, as duas quintas de novo com Jane, as duas sextas com Lizzy, e o boulanger* ...
– Se ele tivesse um pouco de compaixão por mim – exclamou o marido exasperado –, não teria dançado nem metade delas! Pelo amor de Deus, não continue falando sobre os pares do Sr. Bingley. Ah, que pena ele não ter torcido o tornozelo logo na primeira dança!
– Oh, meu caro – prosseguiu a Sra. Bennet –, fiquei absolutamente mara vilhada com ele. É um rapaz tão bem‑apessoado! E as irmãs são encantadoras.
* Tipo de dança circular que, dada sua simplicidade, normalmente era dançada no final do baile. (N.T.)
Nunca na vida vi trajes tão elegantes. A renda do vestido da Sra. Hurst era simplesmente...
Nesse ponto, foi de novo interrompida. O Sr. Bennet opunha‑se a ouvir uma palavra mais que fosse sobre trajes, e a esposa viu‑se, por isso, obrigada a procurar outro tema, passando a relatar, com muita amargura e algum exagero, a ultrajante descortesia do Sr. Darcy.
–Posso, contudo, garantir – acrescentou ela – que Lizzy não perde grande coisa em não ser do gosto dele, visto que é o homem mais horrível e antipático que há, ao qual definitivamente não vale a pena agradar. De uma arrogância e uma presunção que não havia quem o pudesse aturar! Ficou se pavoneando de um lado para o outro, com ares de grande importância! Não é bonita o bastante para dançar com ele! Quem dera, meu caro, que lá estivesse para colocá‑lo no lugar com um dos seus comentários. Como eu detesto aquele homem!
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