Estrela escura em brasas, neve caindo em cinzas

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A LENDA DO ÚLTIMO REINO – VOLUME 2

TRADUÇÃO: Lígia Azevedo 燃星落烬

Copyright © 2024 Amélie Wen Zhao

Copyright desta edição © 2025 Editora Gutenberg

Título original: Dark Star Burning, Ash Falls White

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editoras assistentes

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Natália Chagas Máximo

preparação de texto

Yonghui Qio Pan

revisão

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projeto gráfico da capa

HarperCollins Publishers Ltd

ilustração da capa

Dong Qiu/Caper Illustration

adaptação da capa

Alberto Bittencourt

diagramação

Guilherme Fagundes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil

Zhao, Amélie Wen

Estrela escura em brasas, neve caindo em cinzas / Amélie Wen Zhao ; tradução Lígia Azevedo. -- 1. ed. -- São Paulo : Gutenberg, 2025. -- (A Lenda do Último Reino ; 2)

Título original: Dark Star Burning, Ash Falls White. ISBN 978-85-8235-807-8

1. Ficção chinesa I. Título. II. Série.

25-268155

CDD-895.13

Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura chinesa 895.13

Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380

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Àqueles que a história deixou para trás

O ÚLTIMO

PALÁCIO DA PAZ ETERNA ONDE AS CHAMAS SE ERGUEM E AS ESTRELAS CAEM ESTEPES AO NORTE

SHAKLAHIRA

DESERTO DE EMARÃ

PLANÍCIES CENTRAIS

RIO DRAGÃO SINUOSO

LAGO PÉROLA NEGRA

ESCOLA DOS PINHEIROS BRANCOS

PARA ONDE

OS RIOS FLUEM E O CÉU TERMINA

PARAOREINODEMASÍRIA

PARAOREINODEENDIRA

TRILHADEJADE

MONTANHAS YUÈLÙ

ESCOLA DOS PUNHOS PROTEGIDOS

MONTANHA PROTEGIDA

VILAREJO DAS NUVENS CAÍDAS

VILAREJO DA LAGOA DA LUA BRILHANTE

FLORESTA DE JADE

ALESSÂNDRIA (CAPITAL CELESTIAL)

POSTO AVANÇADO ELANTIANO AO SUL (HAAK’GONG)

BAÍA DO VENTO SUL

MAR DO ESPLENDOR CELESTIAL

BACIA SHŬ
SOLAR SÒNG

CRONOLOGIA

Era dos Clãs Combatentes

CERCA DE 500 CICLOS

Os 99 clãs lutam uns contra os outros para defender suas terras. Variados clãs dominantes sobrevivem (mais notavelmente os mansorianos das Estepes ao Norte e os sòng dos Vales ao Sul) e se tornam hegemônicos transformando os outros membros de outros clãs em seus vassalos.

Primeiro Reino

CICLOS 0-591

Os clãs hegemônicos estabelecem cortes poderosas e seus governantes assumem o título de “rei” em uma tentativa de consolidar o poder. Ocorrem disputas territoriais. Os clãs hegemônicos passam a maior parte desse período em um impasse.

Perto do fim dessa era, o general Zhào Jùng, do poderoso reino de Hin Central, dá início a uma guerra com o intuito de absorver os outros clãs hegemônicos e formar um único reino de Hin. O clã mansoriano – e seus vassalos – oferece uma brava resistência, porém sofre duras perdas. O clã sòng se rende e seus membros se tornam conselheiros do imperador. O general Zhào se torna o primeiro imperador da dinastia Jīn.

Reino do Meio

CICLOS 591-1344

A unificação dos clãs outrora fragmentados dá início a uma era de estabilidade, com o Primeiro Imperador J īn e seus sucessores implementando

políticas para incentivar o desenvolvimento econômico do reino recémformado. Mais notadamente, eles delineiam o Caminho para padronizar toda a prática no Reino do Meio como maneira de limitar o poder dos clãs conquistados. Confrontos e levantes por parte dos clãs rebeldes são logo reprimidos pelo Exército Imperial.

Ao fim da era, o imperador Yán’lóng – o Imperador Dragão – se mostra obcecado pela possibilidade de uma revolta mansoriana. Ele acredita que a política do imperador Jīn de permitir que os 99 clãs mantivessem suas terras, sua cultura e sua identidade só pode terminar em uma revolução. Fraco e ganancioso, com medo de perder seu poder, o imperador invoca a Fênix Escarlate, o deus-demônio que permanecia dormente sob o controle de sua família, e dá início a uma campanha militar que ficou conhecida como o Massacre dos Noventa e Nove Líderes.

O general mansoriano Xan Tolürigin, aliado ao deus-demônio Tartaruga Preta do Norte, lidera o contra-ataque e recebe o apoio de antigos clãs aliados. Eles perdem, no entanto, e em um acesso de fúria Xan Tolürigin foge para o norte, destruindo cidades e massacrando civis ao longo do caminho. Até hoje, não está claro onde seu espírito descansa – se é que descansa.

Último Reino

CICLOS 1344-1424

Os 99 clãs estão quase erradicados. Dispersos, foram forçados a se assimilar à identidade hin. O Último Reino dura apenas oitenta ciclos. Então, no trigésimo segundo da dinastia Qīng, sob o governo do imperador Shuò’lóng, o Dragão Luminoso, os elantianos invadem.

Era Elantiana

ANO 1 (CICLO 1424)-DIAS DE HOJE

PRÓLOGO

Equandooprimeiromembrodahumanidade contemploualuzdoCriadoreseusanjos,sentiudespertar emseusangueamagiadometal:umpoderaserusado paratrazerluzaummundoqueviaapenasescuridão.

OlivrosagradodaCriação, primeira escritura, versículo treze

Ciclo 12 da Era Elantiana

Para Onde os Rios Fluem e o Céu Termina

Neve caía sobre o templo nas montanhas. Cobria os pinheiros brancos de cinzas e congelava os rios outrora borbulhantes. Tapeçarias de seda pendiam imóveis entre os beirais com ornamentação vazada de um corredor cuja cascata não corria mais. No silêncio de um inverno entre jacarandá e pedra, céu e gelo, ouviu-se o som cortante de botas de metal. – Alto general Erascius, trago notícias de nossos batedores. Erascius pousou o volume hin ao lado da tradução elantiana em que vinha trabalhando. Os braceletes de metal em seus punhos cintilavam à luz cinza do sol quando ele levantou a cabeça, seu cabelo branco como neve, a pele clara como leite, marcada por cicatrizes de feridas que ainda não haviam se curado por completo.

– Fale – ele ordenou, a palavra saindo como uma baforada brusca no frio.

O anjo branco, um soldado atribuído ao exército elantiano na nova base naquela montanha, curvou a cabeça coberta por um elmo.

– Nossos batedores revistaram a Escola dos Punhos Protegidos e seus arredores. Não há nenhum vestígio de mapa estelar, de instrumento musical ou do Tigre Azul.

Erascius notou que se concentrava no brilho irritante da armadura do anjo enquanto ele lhe comunicava aquilo. Sua respiração acelerou, com sua fúria se elevando tal qual chamas ardentes.

Um mês. Um mês inteiro investido na busca do Tigre Azul – um dos quatro deuses-demônios que concediam poder imenso aos hins –, e não haviam obtido nada. Eles, os elantianos, haviam atravessado o Mar do Esplendor Celestial para levar luz àquele reino arrasado, para colocá-lo, com seus recursos, sob a asa do grande Império Elantiano. Tinham derrubado o imperador do Último Reino e eliminado os praticantes de magia daquela terra – a não ser por alguns poucos. No entanto, durante o ataque à última escola de prática, no mês anterior, haviam deixado escapar um rapaz e uma moça, cada um deles canalizando um deus-demônio: a Tartaruga Preta e o Dragão Prateado.

Sozinhos, os dois haviam chegado perto de derrotar todo o exército elantiano. E talvez tivessem sido bem-sucedidos se soubessem como usar plenamente o poder dos deuses-demônios.

Aquilo havia deixado os elantianos em uma posição complicada e levado Erascius a concentrar seus esforços em encontrar ele mesmo o deus-demônio que restava. Tinham conseguido rastrear o Tigre Azul até a Escola dos Pinheiros Brancos, porém os mestres hins o haviam libertado antes que os elantianos o capturassem.

A morte desses homens não chegava a servir de consolo pela perda do deus-demônio.

– Nenhum sinal do rapaz? – Erascius perguntou.

– Ainda não, alto general.

– E a moça? – Sua voz soou perigosamente suave. – O que aconteceu com ela?

– Foi vista pela última vez perto da base ocidental. Desapareceu no deserto de Emarã, com dois companheiros.

– Quando foi isso?

– Muitos dias atrás, alto general.

Seus braceletes brilharam quando Erascius invocou a magia do metal. Magia esta que outrora havia penetrado as fracas defesas do Exército Imperial hin e de seus praticantes tal qual flechas penetrariam um pergaminho. Magia esta que em questão de semanas havia expandido o Império Elantiano por aquele reino vasto e rico em recursos.

Era ela que diferenciava os feiticeiros da grande maioria do exército, e era por conta dela que os eles comandavam e os outros obedeciam. Os feiticeiros reais haviam sido escolhidos por intervenção divina para canalizar o poder de seu deus. E o mais poderoso dentre eles era Erascius. Através de seus braceletes de diferentes cores, o mais forte dos outros ligas talvez conseguisse dominar a magia de dois ou três metais. Erascius, no entanto, dominava a de treze.

Aquilo lhe dava o poder de comandar o universo. No entanto, não o alçava à altura de dois deuses-demônios.

Aproveitando-se da armadura de aço do anjo branco, Erascius o ergueu no ar. Devagar, começou a apertá-la como se fosse uma lata. O soldado perdeu o ar, seus olhos saltaram, sua boca se abriu. Erascius pensou no peixinho que o governador de seu reino mantinha em seu palácio confortável na Capital Celestial.

– Muitos dias – Erascius repetiu, com toda a calma. – Minha prioridade é justamente aquilo que pode ameaçar nosso domínio nesta terra, e você leva muitos dias para me informar? Você, um anjo branco, suposto membro de elite do Império Elantiano?

O anjo chutava o ar; seus lábios, já azuis, moviam-se em uma tentativa de responder.

– O… governador…

Mais um segundo e Erascius teria arrancado o coração do homem do peito, apelando ao metal presente em seu sangue. No entanto, aquelas palavras fizeram com que se detivesse.

– O governador tem uma mensagem para mim? – Erascius perguntou, então mandou o soldado para o chão com um movimento lento e deliberado do dedo. O sangue do homem salpicou a ardósia cinza polida por milhares de pés hins ao longo do tempo.

Tremendo, o anjo conseguiu se apoiar em um joelho. A armadura amassada ainda apertava as costelas e os pulmões. Erascius conseguia sentir o sangue escorrendo e os ossos quebrados de onde se encontrava, porém o homem recitou com valentia a mensagem, parando apenas para respirar.

– O governador… pediu… uma atualização… da repressão… da rebelião hin…

Àquela altura, a irritação de Erascius havia diminuído. Tinha tanta consideração pelo governador quanto pelo verme diante de si, porém o político fora apontado pelo rei elantiano, do outro lado do Mar do Esplendor Celestial, que por sua vez fora coroado pelo Criador. Erascius havia vindo à terra para servir ao Criador através do rei, por isso precisava acreditar que o governador também desempenhava um papel naquele sentido.

Rebelião, o governador chamara, e a palavra ressoara por aquele salão dos conquistados, em meio a volumes, histórias e dinastias do conhecimento da prática hin. Erascius não gostava de como aquilo soava e diminuiu sua importância com um aceno.

– Diga ao governador para dar continuidade a seus joguinhos políticos e econômicos, enquanto eu me concentro em vencer a guerra por nós.

E mande buscar a tenente Lishabeth. Partiremos para o deserto de Emarã ao pôr do sol. Quero que todas as bases a oeste daqui se mantenham alertas à possível presença daquela hin. Se a encontrarmos, encontraremos os mapas estelares e os deuses-demônios restantes.

Erascius retornou ao livro hin, mal reconhecendo a saída do mensageiro, que deixou um rastro de sangue em seu encalço. Anais de inverno, ele havia traduzido, a língua elantiana seguindo da esquerda para a direita à sua frente, direta e reta como uma espada, em oposição à cascata confusa dos caracteres hins. O livro contava a história dos clãs, portanto havia sido banido das livrarias de todo o Último Reino pela Corte Imperial. Erascius se concentrara em uma única página, que continha todas as informações de que precisava.

Ele se debruçou, a tinta dourada da caneta-tinteiro brilhando enquanto concluía o capítulo, depois se afastou para avaliar seu trabalho.

A canalização dos deuses-demônios. Metade da chave para adentrar esse novo universo que ele viria a conquistar.

E a outra metade… Erascius olhou para o leste, para além das cortinas de seda e do céu de inverno sem cor, emoldurado pela janela ornamentada de jacarandá do templo.

A outra metade estava com aquela garota hin. Ela detinha os mapas estelares que conduziam aos quatro deuses-demônios. Era ela que precisavam encontrar para conquistar aquela terra.

– Corra, minha pequena cantora – Erascius sussurrou, e o vento levou as palavras de seus lábios. – E seja rápida, porque estou chegando…

Encontrarei você, Sòng Lián.

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