Dicionário da Gestão Democrática - Conceitos para a ação política de cidadãos, militantes soc

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LIDERANÇA LIXO RECICLÁVEL

PARA A CIDADANIA

ISBN 978-85-7526-276-4

Gestor Público

MARCO LEGAL DO TERCEIRO SETOR MINISTÉRIO PÚBLICO MOVIMENTOS SOCIAIS

9 788575 262764

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO CRIANÇA ORÇAMENTO PÚBLICO PARTICIPATIVO OUVIDORIA POPULAR DOS SERVIÇOS PÚBLICOS PLANEJAMENTO PÚBLICO E DESENVOLVIMENTO

PESSOA COM DEFICIÊNCIA PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO PROCON E DEFESA DO CONSUMIDOR PROCURADORIA GERAL DO ESTADO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA PUBLICIZAÇÃO DAS POLÍTICAS E SERVIÇOS PÚBLICOS

RECALL REDE DE INFORMAÇÕES NAS POLÍTICAS PÚBLICAS

REFERENDO, PLEBISCITO E INICIATIVA POPULAR REGIMES POLÍTICOS E FORMAS

EDUCAÇÃO

Tratados gerais sobre o Estado e as dinâmicas governamentais encontramos hoje em quantidade em todas as livrarias e bibliotecas. O presente volume tem um interesse particular, o de tratar de maneira sintética as questões práticas que temos de enfrentar para nos governarmos melhor. Problemas como inclusão digital, marco legal do terceiro setor, democracia participativa, redes de informação, programa de saúde da família, defesa do consumidor e outros são apresentados em verbetes independentes, traçando em poucas páginas o essencial do assunto. De certa forma, é uma caixinha de ferramentas sobre como fazer a democracia funcionar. Ladislau Dowbor http://dowbor.org

DE GOVERNO

RENDA BÁSICA DE CIDADANIA SOCIEDADE CIVIL SUS – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Dicionário da Gestão Democrática Conceitos para a ação política de cidadãos, militantes sociais e gestores participativos

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AGENDA 21 ASSOCIATIVISMO CIDADE SAUDÁVEL COMUNICAÇÃO SOCIAL CONSELHOS GESTORES CONSTITUIÇÃO CONTROLE SOCIAL

Instituto Cultiva e Escola de Governo de São Paulo

COSTURA SOCIAL DEFENSORIA PÚBLICA DEMOCRACIA DIRETA DEMOCRACIA ELETRÔNICA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

Gestor Público

31/10/2007

Dicionário da Gestão Democrática

capa_dicionario_gestor2.qxp

DESCENTRALIZAÇÃO E PLANEJAMENTO DIREITOS DIREITOS HUMANOS DÍVIDA INTERNA BRASILEIRA EDUCAÇÃO FISCAL EQUIPAMENTOS URBANOS ESCOLA DA CIDADANIA ESCOLA DE GOVERNO ESTATUTO DA CIDADE ESTATUTO DO IDOSO ÉTICA GESTÃO PARTICIPATIVA, GESTÃO TRADICIONAL E GESTÃO BUROCRÁTICA GESTÃO REPUBLICANA IGUALDADE RACIAL

SUS E EMENDA CONSTITUCIONAL NÚMERO 29

IINCLUSÃO DIGITAL INFORMAÇÃO

TERCEIRO SETOR

INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL www.autenticaeditora.com.br 0800 2831322

LEI DE RESPONSABILIDADE SOCIAL


Gestor Público

01

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FORMAÇÃO DE GOVERNANTES ESCOLA DE GOVERNO DE SÃO PAULO ESCOLAS CONVENIADAS ESCOLA DE GOVERNO E CIDADANIA DE FLORIANÓPOLIS ESCOLA DE FORMAÇÃO DE GOVERNANTES DE FORTALEZA ESCOLA DE GOVERNO DO TRIÂNGULO – UBERABA ESCOLA DE FORMAÇÃO DE DIRIGENTES E GOVERNANTES DE ARACAJÚ ESCOLA DE GOVERNO E CIDADANIA DE JOINVILLE ESCOLA DE GOVERNO E CIDADANIA DA AMVALI-JARAGUÁ DO SUL ESCOLA DE FORMAÇÃO DE GOVERNANTES E DIRIGENTES DE SALVADOR ESCOLA DE FORMAÇÃO DE GOVERNANTES – MARANHÃO ESCOLA DE GOVERNO E CIDADANIA DO PARÁ ESCOLA DE GOVERNO E CIDADANIA DA SERRA CATARINENSE ESCOLA DE GOVERNO DE GUARULHOS

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Dicionário da Gestão Democrática Conceitos para a ação política de cidadãos, militantes sociais e gestores participativos Instituto Cultiva Escola de Governo de São Paulo

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Copyright © 2007 by Os autores DIRETORIA DA ESCOLA DE GOVERNO

Maria Victoria Benevides, Fábio Konder Comparato, Claudineu de Melo, Eduardo Emílio Lang di Pietro, Maurício Jorge Piragino COORDENAÇÃO EDITORIAL DA ESCOLA DE GOVERNO NESTA PUBLICAÇÃO

Maurício Jorge Piragino/Xixo EQUIPE DE REVISORES DA EGSP

Maurício Jorge Piragino, Pedro Aguerre, José Monção da Silva, Paula Bosi Pregnaca, Arnaldo Marcolino da Silva CAPA

Patrícia De Michelis sobre imagem de Phuong Tran (http://www.sxc.hu/gallery/phung) EDITORAÇÃO ELETRÔNICA

Conrado Esteves

AUTÊNTICA

Diretor geral: Rudá Ricci Diretora executiva: Rosana Bitterman Rua Capelinha, 393 . Serra 30220-300 . Belo Horizonte . MG Tel: 55 (31) 3324 1711 . Fax: 55 (31) 3324 1712 www.cultiva.org.br | contato@cultiva.org.br

ESCOLA DE GOVERNO – SP

Rua Aimorés, 981, 8º andar . Funcionários 30140-071 . Belo Horizonte . MG Tel: 55 (31) 3222 68 19 TELEVENDAS : 0800 283 13 22 www.autenticaeditora.com.br e-mail: autentica@autenticaeditora.com.br

INST. CULTIVA

Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica sem a autorização prévia da editora.

Escola de Governo de São Paulo Associação Brasileira de Formação de Governantes Rua Maria Antonia, 294 . 1º andar . sala 101 . Vila Buarque . Centro 01222-010 . São Paulo . SP Tel: 55 (11) 3256 6338 . Fax: 55 (11) 3257 9618 www.escoladegovernosp.gov.br | escoladegoverno@uol.com.br

I59d

Instituto Cultiva. Escola de Governo de São Paulo. Dicionário de gestão democrática: conceitos para a ação política de cidadãos, militantes sociais e gestores participativos / Instituto Cultiva, Escola de Governo de São Paulo, — Belo Horizonte : Autêntica , 2007. 312 p. —(Gestor público, 1) ISBN 978-85-7526-276-4 1.Política. 2.Gestão democrática. I.Título. CDU 32 321.1 Ficha catalográfica elaborada por Rinaldo de Moura Faria – CRB6-1006

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Agradecimentos

Aos fundadores e diretores da Associação Brasileira de Formação de Governantes (Escola de Governo de São Paulo), Profa. Maria Victoria Benevides, Claudineu de Melo e Fábio Konder Comparato. Aos autores vinculados à Escola de Governo de São Paulo que se dispuseram a embarcar em mais um projeto de construção democrática, cedendo gentilmente seus direitos autorais para ela. A todos os ex-alunos da Escola de Governo comprometidos com o desenvolvimento nacional sustentado, que multiplicam em suas diversas atuações a luta pela radicalização da democracia, os valores republicanos, a ética e a defesa incondicional dos Direitos Humanos. Ao mestre Ladislau Dowbor em nome de todos os professores convidados do Curso de Formação de Governantes. Aos ex-alunos que se empenham no curso Formação Cidadã(IPESG), importante braço da educação política da Escola de Governo. Aos parceiros de todas Escolas de Governo do Brasil, que formam esta rede que objetiva qualificar melhor os atores políticos por toda nação. Rudá Ricci e todos os amigos do Instituto Cultiva que nos incluíram e estimularam nesta publicação. Ivani Benedette Piccablotto Regina Célia Trevisani Adolpho Camargo Edma Alves Borges Macida Joachim Fabio Risi Massutti Francisco Whitaker Ferreira

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Pedro Aguerre Simona Tesini Rosa Wasem Renata Malheiros José Monção da Silva Maria Lúcia Fattorelli À assistente social e conselheira do Conselho Municipal do Idoso, Marília Anselmo Viana Berzins pela sua disponibilidade. Paula Bosi Pregnaca Marília Alves Barbour Carla Mauch Marcela Moraes Márcia Golfieri

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Sumário Prefácio .........................................................................

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Apresentação............................................................... 13 Agenda 21.................................................................... 21 Associativismo.............................................................. 27 Cidade Saudável............................................................ 33 Comunicação Social....................................................... 39 Conselhos Gestores........................................................ 45 Constituição.................................................................... 50 Controle Social............................................................... 57 Costura Social............................................................... 62 Defensoria Pública.......................................................... 69 Democracia Direta.......................................................... 74 Democracia Eletrônica..................................................... 79 Democracia Representativa.............................................. 81 Descentralização e Planejamento................................... 87 Direitos......................................................................... 93 Direitos Humanos............................................................ 104 Dívida Interna Brasileira................................................ 108 Educação Fiscal............................................................... 115 Equipamentos Urbanos................................................... 120 Escola da Cidadania........................................................ 125 Escola de Governo......................................................... 129 Estatuto da Cidade.......................................................... 134 Estatuto do Idoso............................................................ 138 Ética............................................................................. 144

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Gestão Participativa, Gestão Tradicional e Gestão Burocrática...................................

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Gestão Republicana........................................................

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Igualdade Racial..............................................................

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Inclusão Digital...............................................................

166

Informação....................................................................

172

Instrumentos Urbanísticos................................................

175

Lei de Responsabilidade Fiscal.........................................

183

Lei de Responsabilidade Social.........................................

188

Liderança.......................................................................

196

Lixo Reciclável.................................................................

200

Marco Legal do Terceiro Setor..........................................

205

Ministério Público............................................................

211

Movimentos Sociais........................................................

214

Orçamento Participativo Criança......................................

219

Orçamento Público Participativo......................................

223

Ouvidoria Popular dos Serviços Públicos..........................

227

Planejamento Público e Desenvolvimento.........................

233

Pessoa com Deficiência..................................................

238

Plano Diretor Participativo................................................

244

Procon e Defesa do Consumidor.......................................

248

Procuradoria Geral do Estado...........................................

254

Programa de Saúde da Família.........................................

257

Publicização das Políticas e Serviços Públicos.....................

263

Recall.............................................................................

267

Rede de Informações nas Políticas Públicas.....................

269

Referendo, Plebiscito e Iniciativa Popular.........................

273

Regimes políticos e Formas de Governo..........................

278

Renda Básica de Cidadania............................................

282

Sociedade Civil..............................................................

289

SUS – Sistema Único de Saúde..........................................

293

SUS e Emenda Constitucional Número 29..........................

298

Terceito Setor..................................................................

303

Os autores autores....................................................................

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Prefácio

Vem crescendo, no Brasil, nos últimos tempos, o número de pessoas e organizações que procuram acompanhar mais de perto o que fazem e desfazem os “políticos” eleitos para cuidar dos interesses coletivos. Mas temos ainda muito caminho a andar para que as políticas públicas sejam efetiva e eficazmente controladas pela sociedade. A impunidade ainda é a regra, e o modo de decidir dos responsáveis políticos ainda é basicamente autoritário, como se a função pública não fosse um serviço mas um meio de satisfação de interesses pessoais. Por isso toda iniciativa que nos possa ajudar a que caminhemos mais rapidamente é mais do que bem-vinda, como é o caso deste Dicionário. O eixo explicitado ou não do seu conteúdo é a participação, como exercício de cidadania. Por isso talvez valha a pena refletir um pouco em torno desse conceito, para preparar o uso do dicionário, como cabe a todo prefácio. Primeiro é possível dizer que, quanto a participar, participamos sempre. Ao realizar o que decidimos fazer ou nos mandam executar, estamos “participando” de uma ação relacionada a um determinado objetivo. Mas mesmo inertes, sem mexer um dedo, estamos “participando”, pelas diferentes formas com que respiramos, da composição do ar que nos envolve. É como na política: não fazermos nada é a pior forma de fazermos política, como já disse o Cardeal Arns, na abertura da Campanha da Fraternidade de 1996, sobre Política. Porque não fazer nada é optar por deixar as coisas como estão, ou seja, engrossar o partido dos que não querem que as coisas mudem. O problema não é portanto o de participar ou não, mas o de quê participar. Podemos participar das decisões sobre o que fazer, 9

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participar da execução das ações necessárias, participar dos resultados dessas ações. O público a quem se destina este dicionário é o das pessoas que decidiram participar das decisões sobre o que fazer, porque querem ser sujeitos de seu tempo e de seus destinos; da execução das ações necessárias porque não querem somente “mandar”; dos resultados dessas ações, porque consideram que o trabalho é sempre coletivo (direta ou indiretamente) e seus frutos devem atender às necessidades de todos e não serem açambarcados por alguns. Seu objetivo é o de fornecer informações na luta contínua em que temos que nos empenhar para que exista efetivamente essa plena participação de todos os membros de nossa sociedade. Ele nos esclarece sobre palavras, conceitos e normas, muitas das quais podemos não saber muito bem o que significam, e sobre mecanismos que podemos não estar entendendo. Necessitamos dessas informações porque nem sempre tivemos a oportunidade de lidar com essas palavras, conceitos, normas e mecanismos, ou porque os que dominam os complicam, para que sejam compreensíveis somente por especialistas e os cidadãos em geral não possam questionar o que não está servindo para o bem de todos. Em segundo lugar temos que considerar que podemos pensar em participação como algo que nos é proposto de cima para baixo ou vê-la de baixo para cima. Na verdade essa palavra começou a ser usada, na dinâmica social, pelos que dominam. O sentido é o mesmo da expressão “entregar os anéis para não perder os dedos”. Quando a contestação a quem domina começa a ficar perigosa, convém obter a adesão dos dominados. Para isso se inventou a participação nos lucros das empresas, para melhorar a participação nos resultados. Os sindicatos se tornaram então necessários para que os donos do capital pudessem ter um interlocutor com quem negociar o nível em que podem manter a exploração do trabalho. Assim também surgiram as urnas para recolher sugestões dos trabalhadores, que são os que “fazem” e sabem como as coisas acontecem, não na teoria mas de fato. Eles passam a participar da melhoria das formas de execução, sentindo-se co-responsáveis pelos resultados. E por isso muitas vezes se usa a palavra “envolver”, quando se quer obter, de cima para baixo, a participação. No mundo da política até os conselhos, pelos quais tanto lutamos, podem ser um simples “envolvimento”, para que não se diga que os governos decidem sem consultar ninguém. 10

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Lutar pela participação de baixo para cima corresponde mais propriamente a “conquistar” o poder de decidir sobre o que fazer e sobre como repartir os resultados. Obviamente isto não é fácil, porque passa pela conquista tanto do poder político como do econômico. E, para os que lutavam por esse tipo de mudança nas estruturas sociais, o século passado terminou com muitas frustrações, depois de lutas enormes travadas com esse objetivo. E se continua neste século com muitas decepções depois de “conquistas” que se fizeram segundo regras eleitorais. A conseqüência dessa dificuldade é que hoje em dia quase se poderia dizer que estamos condenados a sermos reformistas. Mudar coisa por coisa. Montar pedaço por pedaço o mundo novo que queremos. E para isso poderemos usar tanto a “participação” que nos seja concedida como a que conquistarmos. Mas numa dinâmica reformista desse tipo poderemos ser manipulados – o que nos levaria a manter indefinidamente os absurdos da lógica econômica e política que hoje domina o mundo. Para que isso não aconteça nosso reformismo tem que ser radical. Temos que tensionar ao máximo os mecanismos da “participação” e avançar sempre mais. Proclamando com coragem nossos objetivos de igualdade e de respeito à natureza, e denunciando com vigor tudo que seja simples meio de contornar problemas e manter a dominação malsã que hoje põe em risco o próprio planeta Terra. Um tal reformismo radical implica no entanto em se dispor a uma enorme e profunda revisão de conceitos, de práticas e de instituições. Não podemos nos satisfazer com uma democracia funcionando com nossas atuais instituições políticas, com todas as suas distorções. Temos que nos organizarmos articulando-nos horizontalmente e no respeito à nossa diversidade, “desaprendendo” práticas políticas que nos enfraquecem porque nos iludem e nos dividem. Temos que assumir que cidadania começa com todos tendo consciência dos seus direitos e deveres, mas ultrapassa a postura passiva de quem espera que tudo caia do céu, para chegar à postura ativa de quem luta pelos seus direitos, e que segue adiante até a postura solidária de quem luta pelos seus direitos e pelos direitos de todos os outros. Este dicionário nos dá muitas pistas por onde caminhar. Esclarecer conceitos, normas e mecanismos é no entanto uma tarefa sem fim. Nenhuma luta pode se restringir ao pedaço da realidade em que 11

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ela se trava, tantos são os entrelaçamentos que existem no conjunto de interesses e instituições com que a sociedade se organiza. Há sempre algo mais que é preciso entender, quando se está participando de toda e qualquer luta. Assim como há sempre algo novo que surge, criado pela dinâmica da vida social. Cada verbete deste dicionário tem portanto indicações de como “saber mais”. Mas ele supõe que se continue procurando, mais alem de suas páginas, sem parar. O importante é manter a vista atenta mirando o horizonte, os ouvidos e o coração abertos para tantas novas experiências e reflexões que humanidade vai nos oferecendo. Na permanente insatisfação de quem sabe que a caminhada é longa. Lá longe estará a utopia, que - como já escreveu Eduardo Galeano - se afastará sempre mais para nos obrigar a caminhar. Chico Whitaker Fórum Social Mundial 11 de setembro de 2007

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Apresentação

Há tempos se discute o aggiornamento da educação popular no Brasil. Nascida nos anos 1960, sob a genialidade e compromisso de Paulo Freire e seus seguidores, a educação popular se embrenhou nas organizações populares e por muito tempo foi símbolo de resistência às várias facetas do autoritarismo. Autoritarismos seria o termo mais correto, tanto de Estado como de comportamentos individuais e até mesmo das tentações que sempre bateram à porta das próprias organizações populares do País. Por muito tempo, a educação popular foi uma escuta da voz de quem se sentia vencido pelo poder oficial, excluído da possibilidade de vôos sociais, econômicos e políticos. Incapaz de se sentir um cidadão por inteiro. Das cartilhas rodadas em mimeógrafos ou gráficas improvisadas, dos cursos realizados em salões paroquiais ou espaços dos mais espartanos, metodologias e instrumentos de educação popular invadiram sindicatos, partidos políticos, grandes organizações nãogovernamentais, políticas governamentais. Cresceu, apareceu e foi ser gauche na vida. Mas, aí, topamos com a realidade sempre complexa e contraditória. Nem sempre a energia moral da educação popular acompanhou as diversas e múltiplas tentativas que foram surgindo ao longo dos anos 1980 e 1990. A metodologia se esvaziou, de tempos em tempos, de conteúdo libertário e emancipatório. A autonomia, palavra carregada de sentido para educadores sociais do Brasil, foi se transfigurando em diversas modalidades de parceria. Movimentos sociais tangenciaram se transformar em organizações e iniciar uma disputa no mercado de recursos e investimentos na área social. 13

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Enfim, várias metodologias, que antes se voltavam para o tempo e dilemas da base social em busca da cidadania ativa, foram se fechando na formação dos quadros das próprias instituições mediadoras, que representavam um segmento social. Daí o aggionarmento. Não como uma etapa absolutamente nova da educação popular, mas como um looping, retornando às origens e confrontando os seus princípios às conquistas sociais e nova dinâmica das organizações populares e dos segmentos sociais que ainda buscam a cidadania ativa, protagonista. Cidadania ativa que vai sendo compreendida, a cada dia, como o controle social sobre o Estado e as políticas públicas do País. Por esse motivo, este Dicionário tem como título completo “da Gestão Democrática”. Não é um título escolhido ao leu. Ao contrário, procura refletir uma das tendências das lutas sociais do Brasil e do novo rumo da educação popular. Não nega a institucionalidade pública, mas, antes, procura contribuir para criar uma nova lógica de Estado, mais porosa à demanda social, menos burocratizada, menos clandestina aos olhos do cidadão. O Estado passou a ser tema central das lutas sociais. Não como máquina administrativa da classe dominante, mas como aparelho público, a serviço do interesse social. Passa a ser compreendido como espaço de disputa, de dissenso e de formulação coletiva de acordos negociados. Este Estado, obviamente, não é o que as organizações populares do Brasil desejam. Raimundo Faoro, em seu clássico Os donos do poder, nos ofereceu uma visão panorâmica sobre o legado da Coroa Portuguesa. Segundo o autor, ainda no século XVI, a Coroa Portuguesa iniciou a instalação de vários mecanismos e instrumentos de controle sobre os próprios delegados que a monarquia lusitana instalou para comandar o amplo território anexado como colônia de exploração. Toda estrutura burocrática, apoiada no governador-geral, no ouvidor-mor e nas câmaras municipais, freqüentemente se chocava entre competências não muito bem definidas. No século XVIII, os juízes ordinários eram magistrados eleitos anualmente para integrar as câmaras municipais, exercendo a presidência e aplicação da lei no âmbito do município (estavam excluídos do processo operários, mecânicos, degredados, judeus e estrangeiros). As câmaras municipais (ou Senados da Câmara, como eram denominadas) figuram como um detalhe interessante desta estrutura de controle políticoadministrativo do território. Eram compostas pelos proprietários e 14

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burocratas que dominavam a terra, assim como seus descendentes, incorporada à Coroa por meio do que Faoro denomina de “aristocracia por semelhança”, definida principalmente pelo estilo de vida. Forma-se, assim, um estamento burocrático, que procura dirigir a vida econômica. Obviamente a soberania popular é absolutamente abolida nesse sistema. Por esse motivo, Faoro sugere que as câmaras municipais eram obra de centralização política, órgãos inferiores da administração das capitanias, órgãos inferiores e subordinados verticalmente. Era o que denominou de “Estado Patrimonial de Estamento”. A figura do governador-geral é a obra máxima do controle externo sobre a vida social. Pela Carta de Nomeação, o governador geral passa a ter domínio sobre as vilas (inclusive, a normatização dos municípios ocorre antes de eles efetivamente existirem no Brasil), conduzindo e limitando as atividades econômicas pela burocracia estatal. O espaço das localidades é todo determinado e castrado por decretos, alvarás e ordens régias. A vereança, nesse caso, tinha como objetivo integrar as lideranças locais ao sistema administrativo de controle burocrático sobre a vida social das vilas. A síntese apressada exposta acima situa a origem de nosso Estado excludente, elitista, controlador, desajustado à lógica da sociedade civil. Então, ao retornarmos aos princípios da educação popular, criamos um diálogo complexo e instigante com os desafios do momento. Sejamos mais explícitos. Em 1982, Carlos Rodrigues Brandão publicou o livro A questão política da educação popular. O prefácio do livro foi uma inovação instigante. Publicou a entrevista que tinha realizado com Ciço, um agricultor familiar do sul de Minas Gerais. Era a voz dele impregnando as páginas de um livro a ser lido por intelectuais e educadores populares. Ciço, logo de início dizia: ...agora, o senhor chega e pergunta: “Ciço, o que que é educação?” Tá certo. Tá bom. O que que eu penso, eu digo. Então veja, o senhor fala: “Educação”; daí eu falo: “educação”. A palavra é a mesma, não é? A pronúncia, eu quero dizer. É uma só: “Educação”. Mas então eu pergunto pro senhor: É a mesma coisa? É do mesmo que a gente fala quando diz essa palavra?” Aí eu digo: “Não”. Eu digo pro senhor desse jeito: “Não, não é”. Eu penso que não. Educação... quando o senhor chega e diz “educação”, vem do seu 15

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mundo, o mesmo, um outro. Quando eu sou quem fala vem dum outro lugar, de um outro mundo. Vem dum fundo de oco que é o lugar da vida dum pobre, como tem gente que diz. Comparação, no seu essa palavra vem junto com quê? Com escola, não vem? Com aquele professor fino, de roupa boa, estudado; livro novo, bom, caderno, caneta, tudo muito separado, cada coisa do seu jeito, como deve ser. Um estudo que cresce e que vai muito longe de um saberzinho só de alfabeto, uma conta aqui e outra ali. Do seu mundo vem um estudo de escola que muda gente em doutor. É fato? Penso que é, mas eu penso de longe, porque eu nunca vi isso por aqui. Então, quando o senhor vem e fala a pronúncia “educação”, na sua educação tem disso. Quando o senhor fala a palavra conforme eu sei pronunciar também, ela vem misturada no pensamento com isso tudo; recursos que no seu mundo tem. Uma coisa assim como aquilo que a gente conversava outro dia, lembra? Dos evangelhos: “Semente que caiu na terra boa e deu fruto bom”. [...]Quando eu falo o pensamento vem dum outro mundo. Um que pode até ser vizinho do seu, vizinho assim, de confrontante, mas não é o mesmo. A escolinha cai-não-cai ali num canto da roça, a professorinha dali mesmo, os recursos tudo como é o resto da regra de pobre. Estudo? Um ano, dois nem três. Comigo não foi nem três. Então eu digo “educação” e penso “enxada”, o que foi pra mim.

As duas educações, que parecem ser a mesma, são desveladas pela leitura crua e afiada de Ciço. A educação de um o fez e a mesma educação formal, para o outro, o jogou no ostracismo. Não qualquer ostracismo. A educação que Brandão recebeu, no olhar de Ciço, o tinha projetado como alguém importante para a própria educação brasileira. Mas a educação que Ciço recebeu não o fez um personagem importante para a educação nacional. Pelo contrário, foi a educação não formal e o olhar atento de Brandão que o trouxe para o mundo dos que refletem e pensam a educação do nosso país. A fala de Ciço revela um ressentimento fino, calculado, trabalhado em cada palavra. Uma crítica é acompanhada de uma explicação didática, justificando e embasando o ressentimento. Esse foi o mote dos anos 1980 para os educadores sociais. A necessidade de construir uma educação popular à margem da oficial, evidentemente excludente. 16

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Mas na mesma entrevista, Ciço indicava um caminho que somente agora parece retomado. Voltemos ao seu discurso crítico: Inda ontem o senhor me perguntava da Folia de Santos Reis que a gente vimos em Caldas: “Ciço, como é que um menino aprende o cantorio? As respostas?” Pois o senhor mesmo viu o costume. Eu precisei lhe ensinar? Menino tão ali, vai vendo um, outro, acompanha o pai, um tio. Olha, aprende. Tem inclinação prum cantorio? Prum instrumento? Canta, tá aprendendo; pega, toca, tá aprendendo. Toca uma caixa (tambor da Folia de Reis), tá aprendendo a caixa; faz um tipe (tipo de voz do cantorio), tá aprendendo cantar. Vai assim, no ato, no seguir do acontecido. Agora, nisso tudo tem uma educação dentro, não tem? Pode não ter um estudo. Um tipo dum estudo pode ser que não tenha. Mas se ele não sabia e ficou sabendo é porque no acontecido tinha uma lição escondida. Não é uma escola; não tem um professor assim na frente, com o nome “professor”. Não tem... Você vai juntando, vai juntando e no fim dá o saber do roceiro, que é um tudo que a gente precisa pra viver a vida conforme Deus é servido. Quem que vai chamar isso aí de uma educação? Um tipo dum ensino esparramado, coisa de sertão. Mas tem, não tem? Não sei. Podia ser que tivesse mais, por exemplo, na hora que um mais velho chama um menino, um filho. Chama num canto, fala, dá um conselho, fala sério um assunto: assim, assim. Aí pode. Ele é um pai, um padrinho, um mais velho. Na hora ele representa como de um professor, até como um padre. Tem um saber que é falado ali naquela hora. Não tem um estudo, mas tem um saber. O menino baixa a cabeça, daí ele escuta; aprendeu, às vezes não esquece mais nunca. Agora, o senhor chega e diz: “Ciço, e uma educação dum outro jeito? Um saber pro povo do mundo como ele é?” Esse eu queria ver explicado. O senhor fala: “Eu tô falando duma educação pro povo mesmo, um tipo duma educação dele, assim, assim.”. Essa eu queria saber como é. Tem? Aí o senhor diz que isso bem podia ser feito; tudo junto: gente daqui, de lá, professor, peão, tudo. Daí eu pergunto: “Pode? Pode ser dum jeito assim? Pra quê? Pra quem? [...] se um tipo desse duma educação assim pudesse ter aqui, como a gente estamos conversando, com adultos, os velhos, até mulheres, conforme foi dito, assim num acordo, num outro tipo de união, com o povo todo daí desses cantos sentindo deles, coisa 17

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deles, como uma coisa que é nossa também, que então juntasse idéia de todos, professor, nós, num assunto assim, assim, então o senhor havia de ver que o povo daqui tem mais de muita coisa do que a gente pensa.

Existiria, enfim, uma outra educação, voltada para a inclusão e para a valorização da cultura. Mais ainda: Ciço indica uma metodologia emancipatória, e não paralela à oficial. Uma educação fundada na prosa, na troca de saberes. Voltar à fala de Ciço nos obriga a pensar os desafios da educação popular nos dias de hoje. Desafios postos por situações muito mais ousadas e possibilidades de mudança do Estado brasileiro mais desenhadas no cenário político que àquelas do início dos anos 1980. Hoje, temos mais de 30 mil conselhos de gestão pública no Brasil. São, em média, cinco por município, segundo o IBGE. A pesquisadora da UFRGS, Céli Pinto, constatou que nos últimos cinco anos dobramos o número de conferências municipais sobre políticas públicas. As conferências existem desde a década de 1940, mas nunca foram tantas e tão presentes na política nacional. Os conselhos de gestão pública, por sua vez, não são da sociedade civil ou dos governos. São instrumentos de Estado, permanentes. Em muitos casos, são deliberativos e paritários, o que lhes confere um poder acima da própria secretaria em que estão instalados fisicamente. É, de fato, uma nova institucionalidade pública, ainda pouco percebida pelos brasileiros. Mas aí há o outro lado, da cultura política nacional. Uma cultura desconfiada, ressentida como aquela revelada no discurso de Ciço. Segundo o PNUD, quase metade dos brasileiros não sabem se são favoráveis ou não a democracia. Não sabem porque não percebem grandes benefícios em seu cotidiano. Não sabem porque não compreendem o que difere a trama da política oficial na democracia ou em outro regime. Portanto, o Estado brasileiro abre uma janela com os conselhos de gestão pública, mas permanece distante da grande maioria dos cidadãos de nosso país. Há um evidente canal de comunicação entre o Estado autocrático e altamente burocratizado e a desconfiança e o ressentimento político da maioria da população brasileira. Um se alimenta do outro e cria 18

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um círculo vicioso que produz crises de representação permanentes, cada vez mais banalizadas. Acreditamos, por tudo o que descrevemos até aqui, que a educação para a cidadania ativa é o caminho que se interpõe a esse canal de comunicação entre a desconfiança social e a autocracia estatal. Acreditamos ainda que a educação para a cidadania deve se alastrar pelo País como uma convicção democrática. As Escolas da Cidadania, sonhadas e construídas por Myles Horton ao longo do sul racista norte-americano, são uma boa lembrança que pode sugerir uma rede de iniciativas similares. O Dicionário da Gestão Democrática que ora publicamos com o engajamento de primeira hora da Editora Autêntica faz parte deste projeto. Pensamos num dicionário por vários motivos. Primeiro porque composto por verbetes, de rápida leitura, que apresenta o tema e constrói uma lógica de interpretação e uso. O verbete produz uma leitura mais próxima do calor da hora, da busca do leitor. É um instrumento de trabalho e, portanto, tem essa clara intenção de estar a serviço. E o conjunto de verbetes, que podem ser lidos em seguida ou alternados, compõe uma leitura sobre a gestão democrática, em seus vários temas e facetas. Não se trata de uma cartilha, com início, meio e fim e uma intencionalidade política que procura arrebatar o leitor. O dicionário é mais um instrumento, cujo uso é determinado pelo interesse imediato do leitor. Por esse motivo, o dicionário se presta a um programa de formação, é um material de apoio, como se denomina comumente nas práticas de educação popular. E foi escrito por várias mãos, o que confere uma pluralidade de referências e inserções sociais. São educadores, sociólogos, advogados, um senador, que se identificam com os princípios do Instituto Cultiva e Escola de Governo de São Paulo, mas nem sempre os autores são militantes dessas duas entidades. Em suma, a pluralidade de opiniões, enfeixada por princípios comuns, mas que garante a liberdade de opinião e de referenciais de análise, está garantida nesta publicação. O leitor logo perceberá que não tivemos a pretensão de esgotar todas as possibilidades de verbetes nesta edição, inclusive porque sendo a Democracia além de um princípio uma construção, esperamos as sugestões dos leitores de outros verbetes para desenvolvermos em futuras edições. 19

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