Rua do Odéon

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quanto vender objetos ou mercadorias quaisquer, e com base na mesma tradição rotineira que só exige do comerciante e do comprador o gesto de troca do dinheiro contra a mercadoria, gesto que se acompanha, em geral, de algumas frases de polidez.

Pensamos, de início, que a fé que pomos na venda de livros, podemos pô-la em todos os atos quotidianos; podemos exercer não importa qual comércio, não importa qual profissão, com uma satisfação que é, em certos momentos, verdadeiro lirismo. O ser perfeitamente adaptado à sua função, e que trabalha em harmonia com os outros, experimenta uma plenitude que se torna facilmente exaltação quando está em relação com homens situados no mesmo plano de vida que ele; assim que pode comunicar e fazer sentir o que experimenta, ele se multiplica, ergue-se acima dele mesmo e se esforça para ser tão poeta quanto pode; essa elevação, essa ternura, não é o estado de graça em que tudo se ilumina de um sentido eterno? Mas se todo homem consciente pode exaltar-se quanto a seu ofício e apreender as relações admiráveis que o ligam à Sociedade, quais não serão nossos sentimentos, no nosso caso de livreiros, que, antes de qualquer pensamento de ganho e de trabalho baseado nos livros, gostamos deles com entusiasmo e acreditamos no poder infinito dos mais belos!

Adrienne Monnier

Adrienne Monnier

O tradutor: Júlio Castañon Guimarães traduziu, entre outras obras, Fragmentos do Narciso e outros poemas, de Paul Valéry (Ateliê, 2013), e, para a Autêntica, Horas italianas, de Henry James, e A parte maldita, de Georges Bataille (2013). É autor de Por que ler Manuel Bandeira (Globo, 2008) e de Entre reescritas e esboços (Topbooks, 2010).

“Vender livros parece a certas pessoas tão banal

RUA DO ODÉON

Adrienne Monnier (1892-1955), parisiense, foi livreira, editora, organizadora de encontros culturais e figura influente na cena modernista na Paris dos anos 1920 e 1930. Fundou em 1915, em Paris, na rua do Odéon, a livraria La Maison des Amis des Livres, que funcionava também como biblioteca de empréstimo, sendo frequentada por importantes intelectuais da época. Publicou livros de algumas dezenas de autores e as revistas literárias Le Navire d’Argent e La Gazette des Amis des Livres, ambas de curta duração, tendo ainda difundido algumas outras revistas, como a Littérature, publicada pelos surrealistas Breton, Aragon e Soupault.

ISBN 978-85-8217-613-9

9 788582 176139

tradução

Júlio Castañon Guimarães

A rua do Odéon, em Paris, foi endereço de duas célebres livrarias durante algumas décadas da primeira metade do século XX: Shakespeare & Company, da norte-americana Sylvia Beach, e La Maison des Amis des Livres, que pertencia a Adrienne Monnier, autora deste livro. De 1915 a 1951, a livraria de Monnier foi um importante ponto de encontro para muitos intelectuais da época, como Paul Valéry, André Gide, Jean Cocteau, André Breton, Philippe Soupault, Louis Aragon e Léon-Paul Fargue. O local funcionava também como editora, tendo lançado, sobretudo, livros de novos poetas. Mas uma de suas publicações em especial teve grande repercussão: a primeira edição em francês do romance Ulisses, de James Joyce, em 1929. Os textos que compõem Rua do Odéon constituem uma espécie de relato fragmentado da trajetória dessa livraria e de suas várias atividades, entre elas o empreendimento de tradução do Ulisses. E, além disso, discorrem, de forma vívida e afetuosa, sobre alguns de seus frequentadores, como é o caso de Walter Benjamin. Autorretrato de uma mulher apaixonada, culta e que soube reunir em torno de si um fascinante grupo de intelectuais, este livro é, acima de tudo, uma homenagem à literatura.


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