COZINH A D O S LIVROS


TRADUÇÃO: Juliane Ferreira da Silva Santos
Copyright © 2022 Sam & Parkers Co. Ltd.
Copyright desta edição © 2025 Editora Gutenberg
Título original:
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editora responsável
Flavia Lago
editoras assistentes
Samira Vilela
Natália Chagas Máximo
preparação de texto
Luara França revisão
Samira Vilela
capa
Yulia Nikitina
adaptação de capa Alberto Bittencourt diagramação Guilherme Fagundes
Os personagens e as situações desta obra são reais apenas no universo da ficção; não se referem a pessoas e fatos concretos e não emitem opinião sobre eles.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Jee-Hye, Kim
A Extraordinária Cozinha dos Livros / Kim Jee-Hye ; tradução Juliane Ferreira da Silva Santos. -- São Paulo : Gutenberg, 2025.
Título original:
ISBN 978-85-8235-782-8
1. Ficção sul-coreana I. Título.
24-237693
Índices para catálogo sistemático:
1. Ficção : Literatura sul-coreana 895.73
Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427
CDD-895.73
São Paulo
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– Sonho de uma noite de verão
5 – Segunda sexta-feira de outubro, seis da manhã
Epílogo 1 – Tempo onde a luz das estrelas
Epílogo 2 – Hoje, há 1 ano
Prólogo
A Extraordinária
Cozinha dos Livros
O orvalho que se acumulara nos galhos do pé de umê durante a madrugada desaparecera, deixando um rastro úmido. Apesar do sol fraco, assim que a luz de primavera recaía sobre a árvore, todo o entorno se tornava mais ameno, pois era como se o ar de primavera soprasse no meio da face seca e dura do inverno.
Eram duas da tarde. Yujin conferia o acabamento do piso de cerâmica quando, de repente, ergueu a cabeça. Deixara a janela completamente aberta para dispersar o cheiro de reforma, mas agora o vento trazia um doce e distinto aroma. Do lado de fora, o pé de umê sacudia levemente suas folhas verde-claras, como se dissesse “olá”. Botões prestes a florescer concentravam-se nos galhos do lado sombreado, e do lado ensolarado, pequenas flores cobertas de orvalho erguiam suas pétalas brancas como um bebê acordando de uma soneca.
Yujin se aproximou da janela e abriu a tela de proteção contra insetos. A superfície, sem nenhuma partícula de poeira, deslizou suavemente. Como se estivesse à espera, o vento que soprava do pé da montanha entrou com uma lufada. Ao mesmo tempo, o leve perfume de umê preencheu o quarto. Enquanto examinava as pétalas semelhantes a flocos de neve, ela se deu conta de que era a primeira vez que via um pé de umê assim, tão de perto. As pétalas brancas
lembravam a cor do piso da Cozinha dos Livros, às vésperas da inauguração. Além das flores de umê, colchas brancas recém-lavadas tremulavam ao vento, esperando os primeiros hóspedes. Yujin não sabia se o doce e peculiar aroma que a arrebatara há pouco era das flores ou do amaciante, mas ela se sentia radiante como um botão de flor.
Virando as costas para a janela, Yujin passou os olhos mais uma vez pelo interior do café: estava cercada por estantes de livros que iam até o teto, a maioria ainda vazia, sem nenhum livro. Parecia um mostruário de móveis. No lugar onde os livros seriam colocados, a iluminação indireta brilhava suavemente, como se estivesse iluminando um palco vazio.
Em breve este espaço será invadido pelo cheiro de livros, pensou ela.
Nesse momento, uma folha grande colada com fita na parede chamou sua atenção. Era a planta baixa, concluída após infinitas ponderações e ajustes. Havia marcações feitas a lápis e caneta aqui e ali, e também notas sobre pequenas alterações. O desenho, meio amassado e desgastado, parecia destoar do restante da construção, nova e impecável. Yujin passou gentilmente o dedo sobre a marca de uma anotação.
Ainda era difícil acreditar que aquilo que vira apenas em desenho havia se tornado realidade.
A Cozinha dos Livros era um conjunto de quatro edificações que combinavam um café, onde livros seriam vendidos e diversos eventos seriam realizados, e uma pousada literária, onde as pessoas poderiam ler e descansar.
A pousada consistia em três construções separadas, cada uma sendo um alojamento de dois andares. A edificação restante foi planejada para ser um café e uma livraria no térreo, além de um espaço para funcionários no primeiro andar. Esses quatro blocos eram interligados por um jardim central, coberto por uma cúpula de vidro. Em outras
palavras, os quatro prédios ficavam em torno do jardim, dispostos em forma de cruz.
O café tinha o pé-direito alto e sua fachada era de vidro, proporcionando uma vista panorâmica da região de Soyang, que parecia uma pintura. Através do vidro, podia-se ver as sinuosas montanhas estendendo-se por detrás do pé de umê. Observando essas curvas enormes e suaves, Yujin se perguntou se não estaria sonhando acordada. Sua cidade natal, Seul – repleta de arranha-céus, lojas de conveniência 24 horas, franquias de café, linhas de metrô densamente conectadas e grandes complexos de apartamentos – parecia muito mais real do que Soyang.
– Yujin nuna, venha ver se isso está certo! – chamou Shiwoo, do lado de fora.
– Está bem, só um minuto! Com a mão direita, Yujin fechou a tela de proteção e, com a esquerda, guardou a trena no bolso do avental antes de sair correndo. Shiwoo e Hyeongjun estavam ajustando uma placa de dois metros que seria pendurada no pequeno café.
A placa exibia em letras grandes: “A Extraordinária Cozinha dos Livros se prepara para abrir. Faça sua reserva a partir de 1º de abril!”. Abaixo, o número de telefone e a conta do Instagram foram escritos lado a lado.
– É, acho que está bom. Esperem aí, vou tirar uma foto. Yujin sacou o celular do bolso do avental e tirou uma foto sem ajustar o foco. Era só para verificar se o banner estava devidamente na horizontal, então não pensou muito a respeito. Neste momento, ela não tinha ideia de quão nostálgica se sentiria ao ver essa foto por acaso, alguns meses depois. Na imagem, Shiwoo exibia um largo sorriso enquanto o vento bagunçava seu cabelo, e Hyeongjun mantinha sua expressão indiferente de sempre.
O primo mais novo, Shiwoo, e o funcionário Hyeongjun, natural de Soyang-ri, eram como água e vinho. Shiwoo, de
temperamento agitado, extrovertido e sociável, e Hyeongjun, reservado, introvertido e, ao mesmo tempo, independente, pareciam estar cada um de um lado do espectro das emoções. Observando Shiwoo, que vinha correndo para ver a foto, e Hyeongjun, que andava como quem não quer nada, Yujin pensou como seria bom se houvesse alguém que fosse a mistura dos dois.
– Shiwoo, você não acha que o lado esquerdo está um pouco mais levantado?
Shiwoo inclinou a cabeça e olhou demoradamente para a tela do celular antes de responder:
– Não sei, não. Acho que só dá essa impressão porque a fundação daqui, onde era o depósito, é um pouco inclinada.
– O que você acha, Hyeongjun?
– Bem, para mim… parece bom.
– Não falei?
Shiwoo e Hyeongjun entreolharam-se e, sorrindo ao mesmo tempo, fizeram um “bate aqui”. Nessas horas, eles pareciam gêmeos que compartilhavam a mesma alma.
Vendo os dois de costas, Yujin deu uma risadinha e olhou ao redor da Cozinha dos Livros, situada bem ao pé das sinuosas montanhas. As quatro construções modernas erguiam-se como itens surgindo de uma realidade paralela. Ela não conseguia dizer quanto tempo havia se passado, em que ano ou dia da semana estava. A jornada dos últimos dez meses parecia um sonho que ela esqueceria assim que acordasse. Se lhe perguntassem por que estava abrindo uma livraria no interior, não conseguiria responder de imediato. Yujin sempre dizia que, se um dia se aposentasse, gostaria de viver rodeada por livros, em meio a um bosque tranquilo, mas nunca imaginou que, aos trinta e dois anos, estaria administrando um café e uma pousada literária em Soyang-ri. No entanto, a partir do momento em que decidiu comprar aquele terreno, uma rotina turbulenta a engoliu
como um furacão. Ela solicitou o registro como empreendedora e devolveu às pressas o apartamento onde morava, num prédio misto de residências e comércio, para usar o dinheiro do depósito como entrada na compra do terreno. Aguardou ansiosamente pelo resultado da análise de empréstimo para o financiamento do terreno e, para custear as taxas de homologação e a construção, vendeu quase todos seus investimentos. Estudou os procedimentos para a obtenção da licença de funcionamento e fez um curso de barista para aprender o básico sobre café. Ficou até de madrugada investigando a fundo a planta baixa feita pelo arquiteto apresentado por Shiwoo. Escolher os livros para a livraria, negociar e produzir produtos da marca como canecas, blocos de notas e ecobags também demandaram muito trabalho. Yujin escolheu a mobília, a decoração, a iluminação e os eletrônicos com muito cuidado, consultando inúmeras referências e revistas de design de interiores. Além disso, levou mais de duas semanas para decidir o nome “A Extraordinária Cozinha dos Livros”. Enquanto refletia sobre qual seria o nome adequado para um espaço repleto de livros, pensou que cada livro carrega um sabor único em suas páginas, e que esse sabor pode ser percebido de maneira diferente, dependendo do gosto de cada pessoa. Do desejo de criar um espaço onde os livros são recomendados de acordo com o paladar de cada um, assim como pratos em um restaurante, e onde a leitura proporciona um descanso para a mente, da mesma forma que uma refeição apetitosa tem um efeito curativo, veio o nome “A Extraordinária Cozinha dos Livros”. Yujin esperava que, atraídas pelo cheiro delicioso dos exemplares, as pessoas pudessem se reunir, abrir seus corações, ser consoladas e encorajadas naquele espaço. Por fim, quando o furacão de emoções de Yujin se acalmara, ela percebeu que havia adentrado um mundo desconhecido.
Naquele momento, contudo, estava com fome. Só havia comido um donut duro e meia maçã pela manhã. O plano era sair para almoçar depois de receber os livros que encomendara para o café, já que a entrega estava prevista para antes do meio-dia, mas já passava das duas e não havia sinal deles. Era comum os entregadores se perderem no caminho, já que o endereço exato ainda não estava registrado nos sistemas de navegação, e acabavam atrasando. Yujin olhou para Shiwoo e Hyeongjun, que discutiam enquanto observavam algo no tablet.
– Meninos, não sei quando os livros vão chegar. E se a gente for ao centro almoçar e passar no mercado? Você pode ir de lá direto para casa, Hyeongjun.
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