A consciência do impacto nas obras de Cruz e Sousa e de Lima Barreto

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A proposta da aproximação das obras de Cruz e Sousa e Lima Barreto, tão diversificadas e complexas, serviu para a elaboração deste livro, como meio para trilhar o caminho inverso que costumeiramente busca a diferença entre a experiência subjetiva do negro e do mulato no campo da criação literária, bem como para manter afastados os gêneros. O que se pretende elucidar nas páginas deste livro é que, considerando não terem as obras trafegado à margem do campo minado pela escravidão e pelo racismo, o sujeito étnico percorre seus textos criando uma tensão com o discurso racial dominante, numa oposição direta ou indireta. Essa tensão, caro leitor, caracteriza um momento importante da evolução de uma negrobrasilidade literária. O estudo aqui apresentado aponta para as semelhanças da funcionalidade do sujeito étnico nas obras dos dois autores. E mais: destaca os trechos de maior relevância para o debate racial, refletindo como a ausência aparente deste não exclui sua presença metaforizada, mas latente.

• Racismo em livros didáticos – Estudo sobre negros e brancos em livros de Língua Portuguesa – Paulo Vinicius Baptista da Silva • Rediscutindo a mestiçagem no Brasil –  Identidade nacional VERSUS Identidade negra – Kabengele Munanga • Sem perder a raiz –  Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra – Nilma Lino Gomes • Um olhar além das fronteiras – Educação e relações raciais – Nilma Lino Gomes (Org.)

Capa Consciencia.indd 1

ISBN 978-85-7526-416-4

www.autenticaeditora.com.br 0800 2831322

A consciência do impacto nas obras de Cruz e Sousa e de Lima Barreto

• Comunidades quilombolas de Minas Gerais no séc. XXI – História e resistência – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES)

Cuti

• Bantos, malês e identidade negra – Nei Lopes

A consciência do impacto nas obras de Cruz e Sousa e de Lima Barreto Cuti

9 788575 26416 4

Com este livro, o autor, Cuti, buscou elucidar a importância do sujeito étnico negro-brasileiro para a evolução da literatura brasileira, de forma a lançar o olhar para a realização de um diálogo estético e ideológico com as concepções predominantes, em especial com aquela concernente à formação étnica da população e a suas relações com o desenvolvimento do Brasil. Aqui, as obras de Cruz e Sousa e Lima Barreto são analisadas de maneira a situá-las em face dos valores cristalizados em nossa sociedade. Os traços fundamentais das obras são vistos de forma a vislumbrar as vivências e as conquistas que os povos escravizados e sua descendência realizaram no contexto social brasileiro, por meio de um processo de organização e luta que, a partir da ação de seus próprios agentes, resultou na ressemantização ou na ressignificação do termo “negro”, agregador do mais substancial conteúdo histórico, social, político e cultural que qualquer outro termo congênere. Mesmo que a academia reaja a ele. Cuti dedica-se, ainda, a explorar as resultantes formais das duas obras e o debate estético que elas colocam como manifestação de posicionamentos fronteiriços na cultura brasileira e no que eles implicaram e implicam. A postura torna-se reveladora, uma vez que, desde os primeiros estudos em torno de raça e literatura no Brasil, a tônica sociológica negligencia a abordagem estética das obras, como se as questões temática e biográfica pudessem dar conta do fenômeno literário. Busca-se, ainda, vislumbrar a importância do sujeito étnico negrobrasileiro para a literatura brasileira. Este livro é resultado da tese de doutoramento defendida no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.

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Coleção Cultura Negra e Identidades

Cuti

A consciência do impacto nas obras de Cruz e Sousa e de Lima Barreto


Para Esmeralda Ribeiro e Mรกrcio Barbosa, companheiros de Quilombhoje



Este livro é resultado da tese de doutoramento defendida no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, em 9/6/2005, em cuja banca estiveram presentes os professores Francisco Foot Hardman (orientador), Maria Nazareth Fonseca, Kabengele Munanga, Rita de Cássia Natal Chaves e Jonas de Araújo Romualdo, aos quais consigno meus agradecimentos, e em especial ao meu orientador, pelo quanto me permitiu ousar. Meus agradecimentos também aos professores Antonio Arnoni Prado, que, com muita generosidade, supriu uma lacuna importante no momento da qualificação; Vilma Sant’Anna Areas e Maria Betânia Amoroso, que se dispuseram a permanecer na retaguarda como suplentes por ocasião da defesa. Agradeço à Ayodele Floriano Silva, Marinete Floriano Silva e Eliane Maria Severo Gonçalves, pela paciência com que suportaram minhas reclusões necessárias para estudar. À Eliane agradeço ainda pela orientação e correção da normatização bibliográfica. Estendo meu agradecimento aos amigos Nilton Naoto Okamoto, que, com exaustiva dedicação, se empenhou na revisão dos originais, e Maria das Dores Fernandes, pela contribuição efetiva para que eu pudesse imprimir e distribuir exemplares da tese. Do texto inicial para o livro houve uma alteração terminológica do conceito de sujeito étnico, de afro-brasileiro para negro-brasileiro, por ser este último um neologismo adjetivo que não afasta a manifestação existencial geradora do texto literário da postura assumida (a consciência do “impacto”) pelos autores estudados, bem como por melhor caracterizar a aproximação dos traços fundamentais de suas obras com as vivências e conquistas que os povos escravizados e sua descendência realizaram no contexto social brasileiro por meio de um processo de organização e luta que, a partir da ação de seus próprios agentes, resultou na ressemantização ou ressignificação do termo “negro”, por isso agregador de maior e mais substancial conteúdo histórico, social, político e cultural que qualquer outro termo congênere, ainda que a academia reaja a ele por considerar ser a sua rica polissemia um dado prejudicial à reflexão crítica, matéria que este estudo também aborda, em especial no tópico do embranquecimento.



[...] mas há essa dor de outros tempos e corpos essa rosa dos ventos sem norte na memória sitiada da noite embora o gesto possa ser no mais todo ternura o poema continua um quilombo no coração

Paulo Colina – “Forja”, A noite não pede licença

o angoleiro se tira pelo tombo do ombro do jongo da ginga ...e não houve atlântico que apagasse tais pegadas...

Lande Onawale – O vento


Lista de abreviaturas utilizadas

BR – Broquéis

IL – Impressões de Leitura

BZ – Os Bruzundangas

LD – O Livro Derradeiro

CA – Clara dos Anjos

MA – Marginália

COap2 – Correspondência Ativa e Passiva 2° Tomo

MC – O Subterrâneo do Morro do Castelo

CV – O Cemitério dos Vivos

MI – Missal

DI – Diário Íntimo

NN – Numa e a Ninfa

DIs – Dispersos

OE – Outras Evocações

EV – Evocações FA – Faróis

PQ – Triste Fim de Policarpo Quaresma

GS – Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá

RJ – Coisas do Reino do Jambon TF – Tropos e Fantasias

HSi – Histórias Simples

US – Últimos Sonetos (US)

HSo – Histórias e Sonhos

VU – Vida Urbana

IC – Recordações do Escrivão Isaías Caminha


Sumário

Introdução ................................................................................. 13 Exclusão Histórica ................................................................... 17 Eventos, ideias e violência ................................................................. 21 O racismo e seus métodos ................................................................. 27 O estreito corredor das letras .................................................................... 53 O prestígio desde que romântico ........................................................ 56 Pele, escrita e enfrentamento .............................................................. 62 Pretensões de realidade .............................................................. 65 Brasilidade exclusiva de brancos ................................................. 67 Autor para que te quero ..................................................................... 73 Gosto e desgosto do leitor .................................................... 76 O sujeito étnico ................................................................................. 85 O ventre livre das obras ........................................................ 96 A ficção e a poesia ................................................................................ 103 Considerações sobre os paralelos ........................................... 104 Uma polarização possível .................................................................... 109 Com a vara curta .......................................................................... 113 Tangenciando ....................................................................... 119 Convite para o “eu” desconhecido ..................................................... 124 Loucura e cura .......................................................................... 130 A morte adversária ....................................................................... 141 Literatura e literatos ....................................................................... 154 O desejo e a censura ................................................................... 160 A encenação da memória ........................................................................ 187 Ventura ................................................................................ 210 Desventura .......................................................................... 215 Enlace memorial negro-brasileiro ................................................. 224


Impacto e forma .......................................................................... 235 Poema em prosa. .................................................................................. 242 Sátira ...................................................................................... 251 O beco e a saída .......................................................................... 265 Identidade despojada ..................................................................... 271 Consciência racial possível contra o recalque ............................................ 279 Conclusão .................................................................................... 281 Referências .................................................................................... 287 O autor ....................................................................................... 294


Introdução

Quando os parâmetros da interpretação textual encontram-se tão questionados e em situação visivelmente cambiante, levantar hipóteses sobre obras literárias é uma tarefa temerária que, habitualmente, vai buscar o seu consolo na adoção declarada de uma vertente como se fosse uma armadura cujos dados de sua resistência constituíssem a priori uma salvaguarda contra a amplitude dos limites. Que a Literatura e a Realidade tenham se dissociado e, consequentemente, a busca do significado secreto de uma determinada obra tenha perdido o sentido dado pela “caça ao tesouro”, que tanto serviu de plataforma de lançamento para as investidas críticas contra os textos, tudo isso constitui matéria sabida. Se isso, entretanto, redundou em certo desânimo advindo da desilusão com a pergunta “o que o autor quis dizer?”, equivalente ao passo para a busca da verdade subjacente ao texto, por outro lado, o indivíduo, em sua singularidade, foi valorizado enquanto leitor e instância autônoma de fruição literária. Contudo, o grande desafio passou a ser o “como” tornar possível a comunicação dessa fruição, pois o caminho do discurso não literário sobre o discurso literário tornou-se bastante sinuoso e marcado por uma necessidade de questionamento de seus propósitos. O fim da literatura, propalado em vários momentos históricos, passou. O fim da crítica, entretanto, parece estar em curso. Os próprios escritores do século XX lançaram as bases para a morte da crítica, não apenas através da contracrítica, mas, sobretudo, através de obras que faziam ruir os pressupostos tradicionais de análise. 13


Comunicar, pois, uma leitura situa-se no bojo de certa falência, no qual tudo parece redundar em um exercício contínuo de tentar o caminho estreito deixado pelas diferenças de paradigmas teóricos. Por outro lado, quanto mais amplo apresenta-se o objeto da tentativa de comunicação analítico-interpretativa, mais problemática ela se torna. E ainda, caso tenhamos um objeto que implica a reunião de obras de autores diversos, tudo pareceria apontar para o caos da impossibilidade, tão recomendável é a redução especializadora nos vários campos da atividade humana, inclusive no da cultura, ainda que seja ressaltado o paradoxo de estarmos em uma época na qual a comunicação humana tem sido cada vez mais intensa, envolvendo as mais profundas diferenças. A compartimentação do saber, em face da totalidade da vida, situa-se na base desse paradoxo. A autonomia das partes (sejam elas unidades, sejam elas sistemas) diante do todo vê seu território ameaçado. Os gêneros e as formas literárias demarcaram territórios a tal ponto de a poesia ter deixado o âmbito da Literatura para, situando-se à parte, aproximar-se das artes menos palpáveis pelo discurso referencial que medeia os negócios da vida prática cotidiana. A tentativa de reaproximar poesia e prosa enfrenta, pois, a tradição de se marcar a diferença de ambas. Mas, se há certa preocupação para com o estreitamento dos objetos de análise, desde o século XIX, vem crescendo as pesquisas no campo da Literatura Comparada, cujas instituições têm, cada vez mais, traçado aproximações inusitadas no âmbito da cultura global. As demarcações não escondem mais as zonas fronteiriças a problematizar os limites. Além disso, desde os primeiros estudos em torno de raça e literatura no Brasil, a tônica sociológica tem negligenciado a abordagem estética das obras, como se tão somente as questões temática e biográfica pudessem dar conta do fenômeno literário. Ciente de tais dificuldades que envolvem o objeto deste trabalho, a obra de Cruz e Sousa e a de Lima Barreto, é necessário frisar que a delimitação de um propósito nas duas obras não restringe a abordagem de outros aspectos nelas reiterados. Enquanto tese, este trabalho se propõe comunicar uma leitura, não uma verdade (o tesouro atrás do texto), mas uma “ilação”, no sentido primitivo de transportar e trazer aproximações das duas obras. O que se pretende mostrar é que, considerando não terem as obras, dos referidos autores, trafegado à margem do campo minado pela escravidão e pelo racismo, o sujeito étnico percorre seus textos criando uma tensão com o discurso racial dominante, uma oposição direta ou indireta. Essa tensão Coleção Cultura Negra e Identidades

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caracteriza um momento importante da evolução de uma negrobrasilidade literária, implicando também uma superação significativa de padrões estéticos, constituindo dois grandes desafios ao cânone. A sociedade brasileira, sua evolução histórica e os valores predominantes, no final do século XIX e começo do século XX, constituirão a porta de entrada para as reflexões aqui desenvolvidas, na perspectiva da abordagem da exclusão social, que redundou no desenvolvimento de um profundo senso de missão artística, cujo mote principal foi buscar o “eu” autoral negro e mulato, pela constituição diferenciada de um sujeito étnico do discurso. A seguir, o vetor deste trabalho aponta para as semelhanças da funcionalidade do sujeito étnico nas obras dos dois autores, destacando trechos de maior relevância para o debate racial e refletindo como a ausência aparente deste não exclui sua presença metaforizada, mas latente. A terceira parte cuida das resultantes formais das duas obras e o debate estético que elas colocam, como manifestação de posicionamentos fronteiriços na cultura brasileira e no que eles implicaram e implicam. À guisa de conclusão, pretende-se chegar à importância do sujeito étnico negro-brasileiro para a evolução da Literatura Brasileira, no sentido da realização de um diálogo estético e ideológico com as concepções predominantes, em especial com aquela concernente à formação étnica da população e suas relações com o desenvolvimento do País.

Introdução

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