PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DEJUSTIÇA
PlantãoJurisdicionaldo2ºGrau
Protocolo n°: 2023/40.829-9
Mandado de Segurança
Jeferson Oliveira Fernandes Impetrante
Eduardo Figueiredo Cavalheiro Leite Coator(a)
DECISÃO
Vistos.
I - Trata-se de mandado de segurança impetrado pelos Deputados Estaduais JEFERSON OLIVEIRA FERNANDES, MIGUEL SOLDATELLI ROSSETTO e JOSÉ SIDNEY NUNES DE ALMEIDA, em face do Governador do Estado do Rio Grande Do Sul, EDUARDO FIGUEIREDO CAVALHEIRO LEITE. Narraram os impetrantes que a iminência da assinatura do contrato de alienação das ações da Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN) ora pertencentes ao Estado do Rio Grande do Sul, por parte do Governador do Estado, noticiada para ocorrer em 07.07.2023, enseja ameaça de lesão ao direito ao exercício pleno do devido processo legal, à garantia à segurança jurídica e eficiência, conforme disposto na Lei Federal nº 13.655/18, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Relatam os impetrantes que o processo de desestatização da CORSAN gerou, perante o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE/RS), o Processo de Contas Especiais nº 019728-02.00/21-7, onde é objeto de controvérsia o valor de alienação das ações, tendo sido proferida medida cautelar, em vigor desde dezembro de 2022, para fins de impedir a assinatura do contrato e liquidação do leilão. Após a juntada do parecer do Ministério Público de Contas e às vésperas da publicação
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da pauta de julgamento do referido processo, o Estado do Rio Grande do Sul e a CORSAN, requereram, em sede de Suspensão da Execução de Medida Acautelatória, que tramita perante a Corte de Contas, a suspensão da execução da medida acautelatória anteriormente concedida no Processo de Contas Especiais nº 19728-02.00/21-7. Em sua decisão, datada de 05.07.23, o Presidente do Tribunal de Contas do Estado, Conselheiro Alexandre Postal, deferiu o pedido, suspendendo a execução da medida acautelatória e indicando que “asuspensão,em decorrência, tem a finalidade de permitir a realização dos atos de assinaturadecompraevendadasaçõesdaCORSAN,comaconsequente transferênciadas ações aoadquirente,consoante objetodoEdital de Leilãonº01/2022,cujadecisãodeverásersubmetidaareferendodo Tribunal Pleno, na sessão ordinária subsequente, nos termos do que estabelece o artigo 17, inciso XXXII, do Regimento Interno deste Tribunal”.
Alegam os impetrantes que a referida decisão autoriza o Estado do Rio Grande do Sul e a CORSAN a concluírem a transferência de todas as ações daquela Companhia para a iniciativa privada, por valor reputado como insuficiente e com prejuízos para o erário público, fulminando o direito líquido e certo dos impetrantes quanto as garantias constitucionais do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV da CF/88) e do juiz natural (art. 5°, inc. LIII da CF/88), visto que subtrai o direito à apreciação conclusiva, em poucos dias, face a inclusão em pauta de julgamento, do Processo de Contas Especiais n° 019728-0200/21-7
Pugnam ainda que a decisão proferida pelo Presidente do TCE/RS viola o direito líquido e certo dos impetrantes de terem garantida a segurança jurídica prevista na Lei Federal nº 13.655/18.
Liminarmente, requereram a antecipação da tutela, para o fim de determinar-se à autoridade coatora que se abstenha de firmar o contrato de venda das ações da Companhia Riograndense de Saneamento – Corsan ou, caso consumado, interrompa imediatamente quaisquer atos subsequentes de transmissão, até que se ultime o
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julgamento do Processo de Contas Especiais nº 019728-02.00/21-7 e ao final, pediram o deferimento da ordem de segurança.
É o relatório.
II - O Mandado de Segurança é remédio constitucional previsto para proteger direito líquido e certo, não protegido por habeas corpusou habeasdata, sempre que constatada ilegalidade ou abuso de poder por parte da autoridade pública. Diante, portanto, de sua natureza, exigível prova pré-constituída para exercício do direito.
Em exame preliminar da matéria posta subjudicenão se vislumbra, contudo, presentes os requisitos autorizadores da concessão do mandamus, tendo vista não haver prova documental suficiente não só dos prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação arguidos em liminar, como também da ilegalidade ou abuso de poder do ato negocial impugnado, qual seja, o contrato de alienação das ações da CORSAN.
Em que pese, na petição inicial, os impetrantes terem indicado a formalização, em 07.07.2023, de contrato de venda das ações da CORSAN pelo Estado do Rio Grande do Sul, juntando notícias jornalísticas sobre o tema, não foi apresentado o ato administrativo, composto de manifestação de vontade da entidade privada e de decisão administrativa, que demonstre a ilegalidade que venha a acometer o ato, seja quanto à finalidade, ao sujeito, ao objeto ou à forma.
Arnold Wald, ao tratar da ampliação da utilização do mandado de segurança contra atos do Poder Executivo, explica:
”Constituição Federal e lei vigente são claras no sentido de que a impetração do mandado de segurança é cabível em se tratando de ato praticado por autoridade pública em que revele ilegal ou abusivo. Estão ao alcance do remédio constitucional, portanto, não apenas os atos administrativos em manifesta contrariedade à lei, mas também aqueles a que remete o art. 187 do Código Civil, de ilegalidade disfarçada, de abuso ou desvio de poder, quando se identifica desvio quanto aos propósitos do ato,
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a despeito de sua aparente legalidade, como bem salientadopela doutrina: “Desvio de poder é uma ilegalidade disfarçada; é uma ilicitude com aparência de legalidade. Ao vício propriamente jurídico agrega-se o vício ético; o embuste, a intenção de enganar. Pelo desvio de poder violam-se, simultaneamente, os princípios da legalidade e da moralidade administrativa. O desvio de poder nunca é confessado, somente se identifica por meio de um feixe de indícios convergentes, dado que é um ilícito caracterizado pelo disfarce, pela aparência de legalidade, para encobrir o propósito de atingir um fim contrário ao direito, exigindo um especial cuidadoporpartedoPoderJudiciário”78. Estando equiparados no art. 5º, LXIX, da Constituição, a ilegalidade em sentido estrito ao abuso de poder79, temse que não se pode negar o cabimento do remédio constitucional e a efetiva tutela jurisdicional do direito violado, conforme defendeCASSIOSCARPINELLABUENO:
“É importante ter presente que tanto os casos de ‘ilegalidade’comoosde‘abusodepoder’sãoformas de invalidades e desconformidades com o ordenamento jurídico, a serem declaradas, como tais, pelo Judiciário. Daí se submeterem, igualmente, ao mandado de segurança, no que são claras a Constituição e a lei de regência do instituto (art. 1º da Lei n. 12.016/2009). O que distingue um conceito dooutroémaisaformadainvalidadedoato.”80 Assim, havendo prova documental suficiente, sendo desnecessária dilação probatória, cabe mandado de segurança para corrigir toda sorte de ilegalidade que venha a acometer o ato administrativo, seja “quanto ao sujeito, ao objeto, ao motivo e à forma”81, conforme destacaMARIA SYLVIA ZANELLA DIPIETRO.
Abuso de poder, para todos os fins, compreende tanto os casos de excesso de poder quanto de desvio de poder, ou seja, quando o ato impugnado revele vícios de competência, ligado à autoridade que o praticou, ou de finalidade do ato. (WALD, Arnoldo.MandadodeSegurança na Prática Judiciária Rio de Janeiro: Forense, 2021. Ebook.ISBN 9788530993382)
Com efeito, ainda que se trate de mandado de segurança preventivo, o procedimento do mandado de segurança exige, como requisito indispensável, a demonstração da liquidez e certeza do direito postulado, não se mostrando suficiente a indicação da possibilidade de ofensa a direito para autorizar a segurança preventiva. Desse modo, os
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fatos pugnados devem ser demonstrados de forma inequívoca, por prova pré-constituída, o que não ocorreu no caso ora em análise.
Nesse sentido, a jurisprudência do STF:
MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO PREVENTIVO. PEDIDO DE LIMINAR. SINDICATO IMPETRANTE REPRESENTANTE DOS ADVOGADOS DO INTERIOR PAULISTA. TÍTULOS DA DÍVIDA EXTERNA. LEI 6.019/1943. REQUERIMENTO A TODOS OS CREDORES INDISTINTAMENTE. ILEGITIMIDADE ATIVA. INDEVIDO MANEJO DA IMPETRAÇÃO. PRECEDENTES. ALEGADO “CALOTE”.AUSÊNCIA DECOMPROVAÇÃODOS TÍTULOS DA DÍVIDA. INEXISTÊNCIA DE ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO MÍNIMO. MERA ESPECULAÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INVIABILIDADE EM SEDE MANDAMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA NÃO CONHECIDO. 1. Conforme dispõe o art. 21 da Lei 12.016/2009, a admissibilidade do mandado de segurança coletivo está condicionada à alegação de que direito líquido e certo titularizado pela totalidade ou parcela de seus membros ou associados está sendo violado (ou se encontra ameaçado) por ato comissivo ou omissivo imputável à autoridade apontada como coatora, sendo necessário ainda que o objeto da impetração guarde consonância com seu estatuto e pertinência às suas finalidades. Nesse sentido, descabe vocacionar a ação mandamental coletiva à proteção de interesses da coletividade em geral, ou ao resguardo da ordem jurídica abstratamente considerada. Precedentes.
2. In casu, o sindicato impetrante sequer representa a totalidade dos advogados de seu estado-membro. Entretanto, postula que o mandamus “tem finalidade específica de preservar direito líquido e certo de garantir a ordem pública, bem como evitar o calote público frente aosinvestidores-credores-portadoresdos empréstimos dos retrorreferidos títulos abrangidos pelo DL 6019/43, que são direitos fundamentais do homem”. Ademais, fundamenta sua legitimidade no sentido de que “por ter sua classe de advogados tem interesse na defesa de todos os cidadãos brasileiros que outrora promoveram os empréstimos aos Estados e Municípios”. Consectariamente, inexiste razão apta a qualificar o sindicato impetrante para a propositura desta demanda. Atuando na defesa de interesses da coletividade, é de ser declarada a sua ilegitimidade ativa para a presente ação mandamental. 3. Deveras, em se tratando de mandamus preventivo, descabe a invocação genérica de uma remota possibilidade de ofensa a direito para autorizar a segurança ‘preventiva’, razão pela qual exige-se prova da existência de atos ou situações atuais que evidenciem a ameaça temida. Doutrina. Precedentes. No caso sub examine, todavia, o acervo fático-probatório colacionado é
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absolutamente insuficiente para comprovação de possível “calote” nos diversos “credores-portadores” desses títulos da dívida externa espalhados pelo território nacional, inviabilizando o prosseguimento do feito. 4. Ex positis, nos termos do art. 10, caput, da Lei 12.016/2009, NÃO CONHEÇO do presente mandamus, restando prejudicada a análisedo pleitocautelar.
(MS 36897, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-172 DIVULG 07-07-2020 PUBLIC08-07-2020) (grifou-se)
MANDADO DE SEGURANÇA - PETIÇÃO INICIAL DESACOMPANHADA DOS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS À COMPROVAÇÃO LIMINAR DOS FATOS ALEGADOSINDISPENSABILIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDACONCEITO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO - FATOS INCONTROVERSOS E INCONTESTÁVEIS - PRETENDIDA INTERVENÇÃO DE TERCEIRO, NA CONDIÇÃO DE ‘AMICUS CURIAE’, NO PROCESSO MANDAMENTALINADMISSIBILIDADE - RECURSOS DE AGRAVO IMPROVIDOS. Refoge, aos estreitos limites da ação mandamental, o exame de fatos despojados da necessária liquidez, não se revelando possível a instauração, no âmbito do processo de mandado de segurança, de fase incidental de dilação probatória. Precedentes. A noção de direito líquido e certo ajusta-se, em seu específico sentido jurídico-processual, ao conceito de situação decorrente de fato incontestável e inequívoco, suscetível de imediata demonstração mediante prova literal pré-constituída Precedentes. (MS 26.553-AgR-AgR, Rel. Min. Celso de Mello,Pleno,DJede16/10/2009)
Assim sendo, nessa linha, tenho por não presentes os requisitos legais ensejadores do deferimento da medida, nos termos do art. 10 da Lei 12.016/2009
Diante disso, não conheço do mandado de segurança por não preencher os requisitos legais.
Intime-se.
Porto Alegre, 07 de julho de 2023.
Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira,
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