
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
MINISTÉRIO PÚBLICO
Comarca de Porto Alegre
Promotoria de Justiça de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística
Inquérito Civil nº 01202.000.595/2024
Arquivamento
1. O presente feito foi iniciado por provocação do Sr. Mathias Elter que, em email inicialmente encaminhado para a Ouvidoria do Ministério Público por ocasião das graves enchentes de maio de 2024, apontou “o absoluto colapso e disfuncionalidade dos sistemas de proteção contra cheias/inundações dos municípios de Porto Alegre e Canoas”, solicitando “que o MP do RS, o TCE/RS e o CREA instaurem processos/procedimentos investigatórios das causas e responsabilidades” (Evento 0002, p. 3).
A representação em questão foi redirecionada para esta Promotoria de Justiça.
Posteriormente, veio aos autos nova representação, deste feita formulada pelo Deputado Estadual Matheus Gomes, referindo falhas e inadequações nas Casas de Bombas (CBs) 17 e 18 que já haviam sido constatadas por engenheiros e entendendonecessáriosesclarecimentosacerca dasmedidastomadase dasconsequências resultantes. A nova provocação veio instruída com despachos da SMSUrb, SMIM e DMAE (Evento 0012).
Com a representação, postulou o Deputado Matheus Gomes o agendamentode reuniãocom omembrodesignado,reunião esta realizada com a presença dos signatários (Evento 0024).

Juntou-se reportagem acerca dos fatos referidos (Evento 0016, p. 3).
A partir do despacho constante no Evento 0029, foi expedido ofício solicitando à PGM a remessa dos seguintes documentos: 1) cópia integral do expediente SEI nº 18.0.000087475-9; 2) projeto completo do sistema de contenção de cheias de Porto Alegre, desde que foi concebido até as últimas alterações promovidas; 3) registros de manutenções nomuro do CaísMauá e nas respectivas comportas; 4) registros de manutenções e/ou atualizações nas respectivas casas de bombas; 5) descritivo dos investimentos da PMPA em drenagem nos últimos 5 anos; 6) esclarecimentos sobre as razões das falhas do sistema de contenção de cheias de Porto Alegre na enchente de maio de 2024, notadamente no que diz respeito ao eventual extravasamento do dique, rompimento também do dique e da comporta 14. 7) outros esclarecimentos considerados pertinentes em torno dos eventos decorrentes das enchentes de maio do corrente ano.
Os signatários, juntamente com o colega com atuação na Promotoria de Defesa do Meio Ambiente, Dr. Felipe Teixeira Neto, realizaram vistoria no denominado Dique do Sarandi, tendo o respectivo Relatório, acompanhado de fotografias, sido juntado no Evento 0032.
Foi juntado, no Evento 0038, Relatório acompanhado de fotografias acerca de outra vistoria realizada pelos titulares da PJHDOU, desta feita acompanhados dos Analistas do GAT - Gabinete de Assessoramento Técnico/MP Márcio José Oliveira Frangipani (Engenheiro Sanitarista), Sérgio Alfredo Buffon (Geólogo),Léo JaimeZandonai(EngenheiroCivil)eLuizFernandodeSouza(Biólogo),alémdoservidor Paulo Godoy Júnior, Oficial do Ministério Público. Naquela oportunidade, foram vistoriadas as Casas de Bombas da área central de Porto Alegre e Muro da Mauá, notadamente a EBAP 17, Usina do Gasômetro, Comportas 1 (um), 12 (doze) e 14 (catorze), EBABs Moinhos de Vento e São João. A diligência foi também acompanhada peloentãoDiretor-Geraldo DMAE, Engenheiro.MaurícioLoss,peloEngenheiroMarcus Vinicius Caberlon/PMPA e pelo Dr. Roberto Motta, Procurador do Município.
Determinou-se a expedição de novo ofício à PGM solicitando a remessa do Expediente SEI nº 18.0.000087475-9 e cópia do projeto original e eventuais

alterações efetuadas na área de acessibilidade situada imediatamente ao lado da Usina do Gasômetro (Evento 0039).
Foi juntado o SEI nº 18.0.000087475-9 (Eventos 0042 e 0052).
Com a presença e auxílio de integrantes da Unidade de Assessoramento Técnico/GAT, foram ouvidos pelos signatários o Eng. Marcos Goulart Machado (Evento 0058) e o Eng. Augusto Renato Ribeiro Damiani (Evento 0059).
No Evento 0061, foi juntada planta relativa a uma das comportas do Muro da Mauá e despacho lançado pelo Eng. Marcos Goulart Machado, datado de 04 de julho de 2023, apontando a necessidade de medidas corretivas na contenção.
Foram juntadas Revistas Técnicas no Evento 0064, conforme segue: Estudos de Concepção e Anteprojetos de Engenharia de Proteção Contra Cheias do Rio Gravataí e Afluentes em Alvorada e Porto Alegre; Estudo de Alternativas e Projetos para Minimização do Efeito de Cheias e Estiagens na Bacia do Rio dos Sinos; Estudo de Alternativas e Projetos para Minimização do Efeito de Cheias e Estiagens na Bacia do Rio Gravataí; Estudos e Projeto conceitual de Proteção Contra Cheiasdo Delta do Jacuí emEldoradodo Sul e Estudosde Alternativaspara Minimização do Efeito das Cheias do Trecho Baixo do Rio Caí.
Laudo Meteorológico sobre os eventos de abril e maio de 2024, elaborado pela empresa Metsul, restou juntado no Evento 0065.
Estudo de Viabilidade Técnico Econômica das Obras de Defesa de Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo contra Inundações, datado do ano de 1968, foi encaminhado para esta promotoria e juntado no Evento 0066.
Dissertação denominada Avaliação do Custo do Risco de Inundações Urbanas - Estudo de Caso dos Danos de Inundação em Porto Alegre - RS, apresentado pela Arquiteta Valéria BorgesVaz noano de 2015 juntoao Programa dePósGraduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do RS para obtenção do título de Mestre em Planejamento Urbano e Regional e aprovado pela respectiva banca examinadora, consta no Evento 0067.
Por determinação dos signatários, foi realizada nova vistoria na Usina do Gasômetro e em seu entorno com o objetivo de verificar 1) eventuais dispositivos e/ou receptáculos nas portas e janelas da usina, para fins de fixação de

comportas; 2) registros fotográficos acerca da área situada no lado da usina, destinada à acessibilidade da orla e que ensejou rebaixamento da cota do dique naquele ponto. Tais registros constam no Evento 0070.
Email datado de 02 de janeiro de 2017 e referindo a questão do muro junto à Usina do Gasômetro acabou anexado no Evento 0071.
Foi realizada reunião junto à Procuradoria-Geral de Justiça, com a participação, dentre outros, dos signatários e do Dr. Alexandre Saltz, Procurador-Geral de Justiça, oportunidade em que os dirigentes do DMAE apresentaram as intervenções até aquele momento realizadas diante das cheias de 2024 e as medidas tomadas em torno do sistema de contenção (Evento 0073).
CópiasdosExpedientesSEInºs29769736,29769628e29769494 foram juntadas no Evento 0074.
Na esteira de reunião mantida pelo signatário com o Dr. Procurador-Geral doMinistérioPúblico deContasdoRS,foram encaminhadasejuntadas cópias do SEI nº 20100000062443 e referentes ao contrato do DMAE para manutenção de bombas de drenagem (Evento 0077).
Foram também juntadas auditoria e decisão do TCE, Relatório de Inspeção e Relatório de Vistoria no antigo DEP (Evento 0078, pp. 01/275.
Denúncia oferecida pelo Ministério Público contra servidores do DEP e a respectiva decisão que autorizou seu compartilhamento foram anexados no Evento 0078, pp. 276/383.
No dia 18 de setembro de 2024, no âmbito desta PJHDOU, foi realizada reunião com a presença dos signatários, do Diretor-Geral do DMAE, Eng. Maurício Loss, do Dr. Jezoni Luis Dias Almeida/Gabinete/DMAE, do Eng. Darcy Santos/DMAE e do Eng. Marcus Caberlon, oportunidade em que foram apresentadas atualizações em torno dos diagnósticos sobre os eventos passados e as projeções para o incremento do sistema de contenção de cheias (Evento 0082).
Em atendimento a ofícios expedidos neste Inquérito Civil, o DMAE remeteu farta documentação, que passou a constar nos Eventos 0091 e 0092.
Nova reunião nesta PJHDOU acabou realizada no dia 14 de abril de 2025 envolvendo o Ministério Público e o DMAE, oportunidade em que foram

atualizadas as providências tendentes às correções no sistema de contenção (Evento 0103).
Foram colhidas as declarações dos Engenheiros Marco Antonio Gil Faccin (Eventos 0113 e 0120), Darcy Nunes dos Santos (Evento 0114) e Maurício Loss (Eventos 0116).
O Engenheiro Marco Antonio Gil Faccinencaminhoudocumento ao MinistérioPúblicocontendoapresentação PowerPoint sobre osproblemasconstatados no SPCC, juntado no Evento 0121.
Conforme consta nos Eventos 0123 a 0125, o Ministério Público notificou a Procuradoria-Geral do Município para que, querendo, apresentasse manifestação e/ou juntasse documentos pertinentes ao objeto do presente Expediente.
Juntou-se, no Evento 0126, documento extraído do Expediente nº 01304.005.578/2023, já arquivado e cujo objeto consistiu em analisar “eventual falta de manutenção dos motores, trilhos e comportas que compões o sistema de contenção de cheias localizadas ao longo da Av. Mauá”.
Relatório da Defesa Civil contendo a lista de óbitos na Enchente de 2024 foi juntada no Evento 0129.
Registro aerofotogramétrico de Porto Alegre realizado na década de 80 passou a constar no Evento 0130.
Documento elaborado pela empresa Infravix Engenharia S.A. para prestação de serviços ao DMAE no que tange aos condutos forçados foram juntados no Evento 0131.
O prazo para manifestação do Município de Porto Alegre transcorreu inalbis (consoantecertidãodoEvento0128),tendoeste postuladosua dilação em 15 dias (Evento 0134,p. 4), o que foi deferido (Evento 0136), permanecendo a inércia do ente municipal.
É o Relatório.

2.1. BREVE HISTÓRICO DO SISTEMA DE PROTEÇÃO
CONTRA DE CHEIAS DE PORTO ALEGRE.
As obras do SPCC - Sistema de Proteção Contra Cheias foram projetadas, executadas e mantidas pelo antigo DNOS - Departamento Nacional de Obras de Saneamento entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70 do século passado Afora tratar-se de fato amplamente conhecido, tem-se nos autos os Estudos que remontam ao ano de 1968 e constam no Evento 0066, além de farta documentação no mesmo sentido.
A extinção daquele órgão federal ocorreu com o advento da Lei Federal nº 8.029, de 12 de abril de 1990.
A partir de então, os serviços em torno do sistema foram assumidos pelo DEP - Departamento de Esgotos Pluviais de Porto Alegre, até a extinção também daquele departamento, o que ocorreu por força da Lei Complementar nº 817, de 30 de agosto de 2017, do Município de Porto Alegre:
Art. 14. Fica extinto o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), criado pela Lei nº 3.780, de 17 de julho de 1973, e ficam transferidassuascompetênciasrelativasàsobrase aosprojetosde engenharia para a SMIM e as demais, relativas à execução e à conservação de esgotos pluviais, para a SMSUrb.
Posteriormente, com a entrada em vigor da Lei Municipal nº 12.504, de 24 de janeiro de 2019, o DMAE - Departamento Municipal de Água e Esgotos passou a atuar na manutenção, na conservação, na contratação e na execução de obras e serviços, expansão, desenvolvimento e operação do Sistema de Esgotos Pluviais, de Drenagem e de Proteção contra Cheias do Município de Porto Alegre.
Finalmente, com o advento da Lei Complementar Municipal nº 897, de 15 de janeiro de 2021, o DMAE absorveu também a execução de projetos em torno do controle de cheias, a teor do disposto no dispositivo a seguir transcrito:

Art.14.Aformulação,coordenação,articulaçãoe execução de projetos de obras públicas municipais de ampliação das estruturas existentes do manejo de águas pluviais urbanas e controle de cheias, bem como a sua manutenção e conservação, nos termos da Lei nº 12.504, de 24 de janeiro de 2019, ficam sob a coordenação do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) até que o Executivo Municipal, mediante encaminhamento de projeto de lei, estruture a incorporação definitiva destas competências pelo DMAE.
Acerca da incorporação do DEP, o Engenheiro Augusto Renato
Ribeiro Damiani, que atuou como Diretor-Geral daquele departamento e também como engenheiro do DMAE, declarou o que segue (Evento 0059):
“Começou no DEP em 1991, onde ocupou todos os cargos, desde Engenheiro até Diretor-Geral. Foi também Diretor-Geral do DMAE por pouco mais de 1 (um) ano, isso em 2004. Posteriormente, ocupou diversas posições na prefeitura, até que, em 2017, o então Prefeito Marchezan extinguiu o DEP, que foi dividido em dois: uma parte foi incorporada à SMIM, sucessora da SMOV, responsável pela parte de planejamento e de projetos, onde o declarante passou a trabalhar na DOP Diretoria de Obras e Projetos; a outra parte foi para a SMSUrb, ficando responsável pela limpeza, manutenção, cuidar do sistema de proteção, fechar comportas, ligar e consertar casas de bombas, etc. Em 2019, essa idéia de levar a parte do DEP responsável pela conservação para a Serviços Urbanos foi considerada impertinente, pois descobriram que não conseguiam administrar.Diante disso,ainda em 2019 o DMAE assumiu também a conservação, isto é, as capatazias que faziam a manutenção, todos os contratos de limpeza, recuperação e conserto, etc., exceto obras novas. O DMAE ficou também responsável pelo sistema de proteção, ou seja, abrir, fechar, consertar e operar as casas de bombas. Em 2021, o atual Prefeito Melo decidiu que todo o DEP iria para o DMAE. O declarante esclareceu que lá em 2019 não haviam conseguido levar todo o DEP porque os engenheiros das áreas de projetos, inclusive o declarante, negaram-se a ir para o DMAE caso não fosse criada uma estrutura de drenagem dentro do DMAE, até porque na SMIM havia uma diretoria de drenagem, enquanto no DMAE não havia estrutura nenhuma e a drenagem

iria sucumbir de vez. Em 2021, após algumas reuniões tensas, acabaram indo para o DMAE. Aquela estrutura do DEP que já estava no DMAE desde 2019 ficou do jeito que estava, porém aqueles que integravam a estrutura de planejamento foram ‘pulverizados’ dentro do DMAE. Deste modo, por exemplo, engenheiros que eram do DEP foram para o planejamento do DMAE, porém sem as funções de planejamento que eram do DEP. O declarante e outro engenheiro foram parar na Coordenação de Projetos, porém o que lhes incumbiu foi cuidar de processos administrativos, reclamações, pedidos de indenizações, tendo que analisar se o requerente tinha ou não direito. Isso foi o que passaram a fazer engenheiros que até 2017 planejavam a drenagem. Outra parte da equipe foi levada para a sessão de obras com dois engenheiros, mais precisamente para fiscalizar obras, e criaram uma Coordenação de Drenagem que foi cuidar da obra do Arroio da Areia. O declarante sempre foi crítico do DMAE pelo fato de que não tratavam a drenagem com o devido respeito, pois esta é muito mais complexa do que água e esgoto.(...) ODMAE trata oDEPcomo uma parte que se agregou para ter mais mão-de-obra qualificada, pois foram incorporados de 12 (doze) a 14 (catorze) engenheiros e o DMAE tem muito poucos engenheiros atualmente (...) Isso é um grande problema, pois quando não se repõe um quadro técnico, a expertise do técnico, do pedreiro ou do instalador hidráulico não passa para ninguém.(...) Nãoimportaria se mandassem oDEP, porexemplo, para a Secretaria de Habitação, desde que esta incorporasse a cultura do DEP, o conhecimento, a bagagem técnica e o acervo. Feito isso, poderiam colocar onde quisessem, isso é um direito do administrador, desde que ele garanta à população a continuidade do serviço com a mesma segurança” .
Por outro lado, tem-se nos autos os depoimentos de atuais diretores do DMAE, que entendem ter sido produtiva a absorção dos serviços de drenagem.
Com efeito, o Engenheiro Civil Marco Antonio Gil Faccin, atual Diretor de Desenvolvimento daquela autarquia municipal, manifestou-se no seguinte sentido (Evento 0113):
“Acompanhou a incorporação pelo DMAE dos serviços de drenagem então realizados pelo DEP – Departamento de Engenharia e Planejamento. Em maio de 2019 foi incorporada a operaçãodoDEP,queincluiamanutençãoderedesemanutenção de casas de bombas. Observa que, após a extinção do DEP, tais

serviços foram temporariamente assumidos pela SMSUrb. Quando passaram para o DMAE, havia mais de 15.000 (quinze mil) protocolos pendentes de atendimento, tendo o DMAE conseguido diminuir tais números sensivelmente. Entende que a incorporação foi muito boa para o município, já que o DMAE conseguiu melhorar bastante os atendimentos relativos às casas de bombas, portões, etc. Em 2021 foram incorporados pelo DMAE também os serviços de Projetos e Obras, que antes eram tratados pela SMIM. Foram incorporados os trabalhos em torno do Arroio Areia, que ficaram no Escritório de Projetos Especiais. Cinco engenheiros foram para aquela estrutura. Três engenheiros foram para a coordenação de obras, dois para a Coordenação de Projetos e cinco foram para a Gerência de Planejamento, atuando na parte de Análisee Aprovaçãode Projetosde Empreendimentos (bacias, loteamentos, etc.). Apesar de incorporada formalmente em 2021, orçamentariamente a drenagem somente em 2022 passou a existir no DMAE (...). Tem convicção de que a incorporaçãodoDEPfoi muito boa para o município.Houve uma considerável melhoria nos atendimentos e o DMAE investiu muito mais do que o DEP e a SMIM. Houve também um ganho de escala,já que atendidoságua e esgotoscom a mesma estrutura. Na parte de pessoal, ocorreu otimização com a incorporação de pessoal oriundo do DEP, todos trabalhando juntos para os atendimentos da área. O DMAE não tem uma fonte de recursos para a drenagem,masconsegue utilizarrecursosoriundosda água e esgoto sanitário para a drenagem. Embora o DMAE tenha também restrições legais, por não ser um órgão da Administração Centralizada tem uma fonte de receita própria que consegue utilizar para o atendimento das demandas de água e esgoto. A estrutura ainda não é a ideal, mas comparando com a situação anterior, está muito melhor. Observa que o DMAE é essencialmente uma empresa de engenharia. Sabe que houve bastante resistência na incorporação do DEP pelo DMAE, pois os servidores do primeiro aceitavam a incorporação desde que condicionada à criação de uma diretoria própria, ou seja, queriam “replicar” oDEPdentrodoDMAE,masissoacabaria exatamente com o ganho de escala que a administração queria obter. O Diretor-Geral Alexandre, quando houve a incorporação final, deixou que os profissionais escolhessem as áreas para onde queriam ir no âmbito do DMAE. Dois técnicos inclusive preferiram permanecer na SMIM”.
No mesmo sentido foram as declarações do Engenheiro Civil Darcy Nunes dos Santos, que já atuou como Diretor-Geral e atualmente ocupa o cargo de Assessor Especial da Diretoria do DMAE (Evento 0114):

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“Trabalhou ativamente para a incorporação do DEP pelo DMAEefetivamenteacontecer.Ograndemoteparaissofoiofato de que o DMAE, por ser uma autarquia, tem um caixa independente. O DEP, para fazer qualquer atividade, concorria com todas as demais demandas da administração, de modo que sempre ficava por último quando da divisão dos recursos orçamentários da Administração Central, portanto, invariavelmente as ações e intervenções planejadas pelo DEP não eram efetivadas por não serem prioridades das gestões, ao passo que tendo as atividades de drenagem passado para o DMAE, ações e intervenções planejadas passaram a ser apreciadas apenas em comparação com as ações de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, tendo portanto muito mais atenção e aumento de prioridade por parte da Gestão. A única fonte de recursos do DEP na época era a chamada Tarifa 3 do esgoto, que tem origem no pagamento das residências servidas por esgoto misto. Ocorre que tais recursos caiam no caixa centralizado da PMPA. Após a incorporaçãodo DEP,oDMAE passoua reter tais recursos. Além disso, o DMAE utiliza recursos da água e esgoto na drenagem, já que não existe uma tarifa própria de drenagem. Com isso, passaram a aplicar mais do que o dobro dos recurso anteriormente destinados ao DEP. A incorporação iniciou em 01 maio de 2019 e desde o início objetivaram aumentar a prestação de serviços à população. Até 31/12/2020 ficaram com a operação e conservação. Quando assumiram a operação e manutenção, receberam 9.000 protocolos com solicitações de atendimento acumuladas e represadas sem atendimento, ao final de 2020 entregaram com menos de 500. Isso decorreu do fato de que o DMAE tinha orçamento e recursos próprios. Exemplificando algumas das ações realizadas após a incorporação das atividades de operação e manutenção da drenagem, compraram 10 novos motores de bombas, 15 chaves de partida eletrônica para as bombas, licitaram a compra de 48 válvulas de descarga de Casas de Bombas, todas novas e de inox, fizeram melhorias nos prédios das EBABs, tais como pinturas, grades, medidas de segurança, EPIs, etc. Em 2021, o DMAE assumiu o restante da drenagem, qual seja, planejamento, projetos e obras, em continuidade portanto do processo de incorporação das atribuições de drenagem para o DMAE. O ritmo de projetos e obras se manteve igual ao do DEP e agora, nos últimos meses, inclusive acelerou. No parte operacional, por exemplo, os coordenadores das zonais que eram do DEP foram encaixados nas zonais do DMAE que já tinham atividades de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, de modo que continuaram a haver coordenadores responsáveis pela drenagem nas zonais. Os engenheiros do DEP

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que faziam operação e manutenção de Casas de bombas foram encaixados nas gerencias zonais do DMAE que fazem operação e manutenção de Casas de Bombas. Os engenheiros que trabalhavam com projetos no DEP se encaixaram na gerência de ProjetosdoDMAE.Os que faziam fiscalizaçãode obrasnovasno DEP foram encaixados nas gerências de projetos do DMAE, sendo assim respeitadas as origens de cada um. Tem convicção de que o DEP não teria conseguido dar conta das contratações realizadas pelo DMAE na época da enchente de 2024, pois o DMAE tem muito mais agilidade e autonomia, enquanto o DEP estavaatreladoàadministração municipal,submetidoà Secretaria da Fazenda”.
Apesar das visões díspares acerca do assunto, mormente após as cheias de 2024, cumpre ter em conta que a incorporação do DEP pelo DMAE constituiu legítimoato degestãoaprovadopela Câmara de Vereadores, sendooméritodetal decisão insuscetível de análise pelo Ministério Público.
É inegável que tal incorporação apresentou resistências internas por parte dos servidores e, inevitavelmente, ensejou certa perda de conhecimento, tal como bem observado pelo Engenheiro Augusto Renato Ribeiro Damiani, porém cumpre reconhecer que não foram decisivas para os eventos de 2024, conforme será exposto ao longo deste trabalho.
2.2. CONCEPÇÃO DO SISTEMA DE PROTEÇÃO CONTRA CHEIAS
Para o entendimento do funcionamento do SPCC e, a partir daí, para que se compreenda as falhas que resultaram nos eventos de 2024, cumpre primeiramente ter em conta a diferença entre Contenção e Drenagem.
Sinteticamente, a drenagem consiste em remover as águas das chuvasquecaemnointeriordacidade.Divide-seentremicrodrenagememacrodrenagem, sendo a primeira destinada a coletar as águas pluviais em áreas menores e delimitadas (bueiros, bocas-de-lobo, sarjetas, dutos, etc.), encaminhando-as para os sistemas de macrodrenagem, enquanto a segunda consiste no manejo de grandes volumes de águas coletadas (reservatórios de detenção, canais, galerias, e EBAPs – Estações de

Bombeamento de Águas Pluviais, por exemplo). A contenção, por sua vez, consiste no sistema que objetiva evitarque aságuasdosriose lagosavancem sobrea cidadeprotegida (diques, muros e comportas).
Releva observar que, lamentavelmente, os documentos originais do projeto e execução do Sistema de Proteção Contra Cheias pelo DNOS não foram localizados, tal como informado no Evento 0086, p. 4.
Consta nos autos, contudo, o Estudo de Viabilidade TécnicoEconômica das Obras de Defesa de Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo, Contra Inundações realizado pelo DNOS (Evento 0066), que dá conta de como o SPCC foi concebido.
Cabe transcrever os seguintes excertos daquele documento:
(...) a solução adotada para a defesa das zonas inundáveis de Pôrto Alegre e Canoas consiste na formação de uma série de pôlderes, mediante a construção de um sistema de diques insubmersíveis, cuja conta de coroamento será de tal ordem que contará com uma margem de segurança de 1,20 metros acima do nível máximo que alcançaria uma enchentes com probabilidade de recorrência de 370 anos. Para o estabelecimento das cotas dos diques, foi necessário conhecer-se, prèviamente, os níveis de enchente do Guaíba e de sua bacia de contribuição. Partindo das leituras linimétricas feitas no período 1899 - 1967, em diversos pontos de observação instalados no Guaíba e em seus afluentes, foi possível elaborar uma série estatística bastante ampla e suficiente para os fins dêste trabalho. Ao mesmo tempo, foram utilizadas, como contrôle, as medições feitas no ensaio em modêlo reduzido do delta que o D.A.E.R. havia mandado efetuar pelo Laboratório de Neyrpic, quando dos estudos preliminares da travessia do Guaíba. A determinação das variações dos níveis d’água foi realizada estatìsticamente,mediante a aplicaçãoda “lei dos valôres extremos”, de Gumbel. Calculou-se, assim, que a probabilidade de ocorrência de uma inundaçãosemelhante à 1941 corresponde a um período de retôrno de 370 anos e que tal período, em relação à cheia de 1967, é de 18 anos. A primeira alcançara a cota de 4,75 m, enquanto que a segunda, de 3,13 m. Uma vez que o método de Gumbel permite calcular a probabilidade de que umainundaçãodeintensidade superiora um valor pré-fixado ocorra em determinado número de anos, também pré-estabelecido, foi possível conhecer-se a cota que as águas atingiram em enchentes cujos períodos de recorrência fôssem de 5, 10, 15, 25, 50, 100, 200 e 370 anos.

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Com tais dados, foram desenhadas em planta da região as respectivas “linhas de inundação”, a fim de que fôsse possível o cálculo dos danos médios anuais causados pelas inundações. Somando-se à altura da “linha d’água correspondente à maior cheia considerada (1941) a fixada para margem de segurança (,120 m), estabeleceu-se a cota de coroamento dos diques de proteção, a qual, no cais de Pôrto Alegre, é de 6metros.
A proteção de Pôrto Alegre será feita por um conjunto de sete pôlderese a de Canoas,portrês,segundopode serconstatado no Gráfico G-4, onde estão assinalados os diques do projetado sistema. Cada pôlder constituir-se-á em uma unidade autônoma e independente das demais, permitindo maior rapidez de operação e melhores condições de funcionamento, quando em situação de emergência.
A localização, a forma e o tamanho dos pôlderes foram calculados em função das condições naturais - topográficas e urbanísticas - da zona, a fim de que os mesmos alcancem maior funcionalidade, isto é, de que cumpram com eficiência seus objetivosdeproteçãocontraascheiase,aomesmotempo,tenham outras utilidades paralelas.
Para otraçadodosdiquesconcorreram diversosfatôres, tais como, as condições hidráulicas externas, as bacias internas e as necessidades urbanísticas atuais e futuras. As primeiras são determinadas pelos grandes cursos d’água da região, justamente os rios Guaíba, Gravataí e Sinos, que são os causadores das inundações, As baciais internas exigem a canalização dos arroios oriundos das zonas altas, os quais, nas épocas de enchentes, carreiam grandes volumes de água diretamente para os mencionados rios. Êstes arroios, que foram deixados no exterior dos pôlderes, não carecem de bombeamento pelas estações de recalque. O aproveitamento dos diques como vias de comunicações dar-se-á plenamente, - pois que isto foi levado em conta, quando de seu dimensionamento e traçado. Desta forma, será possível um rápido trânsito desde a entrada da Capital, na parte Norte, até a zona Sul, sempre sôbre diques (BR-290, Navegantes e Praia de Belas), os quais ficarão interligados pela via elevada que acompanhará a cortina de concreto, a ser construída na Avenida Mauá, para a defesa do Centro da Cidade. (...)
Oprojetadosistema de drenagemdeáguaspluviasdasáreas situadas dentro dos pôlderes difere do das localizadas em cotas mais altas do que a de coroamento dos diques. Para as primeiras será necessária a construção de canais de escoamento e a instalação de casas de bombas; para a últimas, basta o esgotamento por gravidade. Tendo em vista as características topográficas de Pôrto Alegre, a cota de 9 metros foi considerada como sendo a mais recomendável, técnica e economicamente,

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para divisora das bacias de escoamento por recalque e por gravidade.
(...)
Aságuasa esgotar,abaixoda cota de 9metros,nospôlderes Sarandi, Montante e Aeroporto serão recolhidas por canalizações próprias e conduzidas às casas de bombas; as dos pôlderes Navegantes, Mauá, Praia de Belas e Cristal - entretanto - terão vazão diretamente para os coletores gerais. As rêdes pluviais, superiores à conta de 9 metros, foram devidamente reformuladas, tendo sido projetados coletores para tôdas elas, com a finalidade de descarregarem diretamente nos rios, por meio de condutos forçados, de forma a assegurar um perfeito escoamento mesmo à altura do nível máximo de cheia considerado.
No que se refere aos esgotos cloacais, não tiveram êles influência maior para o presente estudo, em virtude de seu ponto inferior se encontrar abaixo do nível mínimo do Guaíba, sendo sempre considerado o bombeamento. O projeto e construção desta rêde é de competência e atribuição das respectivas Prefeituras Municipais.
(...)
Em Pôrto Alegre os diques - que darão origem aos pôlderes projetados - terão a cota de coroamento entre 6 e 7 metros e sua extensãoatingirá aproximadamente a 42.000 metros,contando-se neste total os 2.472,80 metros da cortina de concreto da Avenida Mauá (...).
Conforme se verá abaixo, a execução do sistema ocorreu com cotas diferentes daquelas mencionadas no estudo retro transcrito
2.3. MAGNITUDE DO EVENTO.
Para a correta e justa análise dos eventos de 2024, cumpre ter em contaqueasprecipitaçõesgeradorasdascheiasdemaiodaqueleanoforaminegavelmente de extrema monta e sem precedentes nos registros deste Estado do Rio Grande do Sul. Transcreve-se os seguintes excertos do excelente Laudo Meteorológico elaborado pela empresa Metsul Meteorologia (Evento 00651):
1 REDAÇÃO: Estael Sias e Luiz Fernando Nachtigall; DIAGRAMAÇÃO: Miguel Neves; EDIÇÃO: Alexandre Aguiar.

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2. CONDIÇÕES CLIMÁTICAS NO FINAL DE ABRIL E MAIO DE 2024
Diversas variáveis meteorológicas se sobrepuseram para gerarumeventode chuva com magnitude sem precedentesnoRio Grande do Sul com forte influência de condições oceânicas no Pacífico e no Atlântico assim como bloqueios atmosféricos que atuavam tanto na América do Sul, América Central e México.
O Rio Grande do Sul estava entre uma massa de ar frio muito intensa ao Sul, trazendo temperaturas até 5ºC abaixo da média histórica na Argentina, e uma massa de ar excepcionalmente quente sobre o Centro Oeste, o Paraná e o Sudeste do Brasil, com temperaturas máximas jamais antes observadas em maio em diversas localidades.
O contraste térmico extremamente acentuado entre as duas massas de ar contribuiu fortemente para a chuva extraordinária. O bloqueio atmosférico associado à massa de ar quente impediu a progressão do ar frio, fazendo com que a instabilidade permanecesse por dias seguidos sobre o estado com volumes de chuva extraordinariamente altos e temporais com raios, vento forte e queda de granizo.
O fenômeno El Niño ainda atuava no final de abril e no começo de maio no Oceano Pacífico com fraca intensidade e a história mostra que em episódios do El Niño eventos extremos de chuva com enchentes ocorrem no segundo semestre do primeiro ano de atuação e no outono do ano seguinte.
No fim de abril, a anomalia de temperatura da superfície do marnoPacíficoEquatorial Centro-Leste,de acordocom dadosda NOAA, a agência de clima do governo dos Estados Unidos, era de 0,8ºC, no intervalo de intensidade fraca.
É sabido que em se tratando de El Niño, ofenômeno no Rio Grande do Sul provoca chuva extrema e enchentes em dois períodos em particular: entre o inverno e a primavera do primeiro ano de atuação, no caso 2023 pelo seu início em junho de 2023, e no outono do ano seguinte, em 2024.
Observavam-se ainda anomalias de temperatura da superfície do mar sem precedentes na faixa tropical do Oceano Atlântico entre o Nordeste do Brasil e a África, o que gerava maior liberação de umidade na atmosfera.
A grande quantidade de umidade era transportada por um rio atmosférico a Leste dos Andes, pelo interior da América do Sul, por uma corrente de jatos em baixos níveis na direção do Rio Grande do Sul.
A corrente de jato com ar tropical quente e úmido recurva para Leste sobre o Rio Grande do Sul, exatamente na faixa entre

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as massas de ar quente e frio, despejando grande quantidade de chuva e provocando tempo severo sobre o território gaúcho.
(...)
3. CHUVA EXTREMA COM ENCHENTES RECORDES NO FINAL DE ABRIL E COMEÇO DE MAIO
Entre o dia 27/04/2024 até o final da tarde do dia 02/05/2024, constatou-se um período único na história climática gaúcha, de extrema instabilidade em que houve chuva muito frequente e demasiadamente volumosa com acumulados nunca antes registrados em período tão curto.
(...)
Em Porto Alegre, a chuva desde o sábado, dia 27/04/2024, quando começou a chover forte até às 18h do dia 02/05/2024, assim em apenas seis dias, somou 343 mm na estação de referência do Jardim Botânico e 334 mm na estaçãodo Aeroclube de Belém Novo, no extremo Sul da cidade.
(...)
Várias cidades do Centro, do Centro-Serra, do Vale do Taquari, da região de Soledade e da Serra anotaram somente em sete dias 500 mm a 700 mm. Estes números correspondem a um terço da média histórica de chuva de um ano inteiro. Em Porto Alegre e região metropolitana, os acumulados de precipitação de até 350 mm, em apenas sete dias, excedem a média de todos os mesesdooutonometeorológico(marçoamaio)somados,ouseja, 330,5mm.
O Vale do Sinos enfrentou a maiorenchente de sua história, superando a de 1965, com marcas de até 8,50 metros em Campo Bom. A inundação foi catastrófica em diversos bairros de Novo Hamburgo e São Leopoldo.
O Rio Taquari teve a pior cheia de sua história de dados que remota à metade do século 19, com cotas de até 33 metros em Lajeado e Estrela, muito acima dos recordes de 1941 e 2023 na casa de 29 metros.
(...)
A cheia do Rio Jacuí foi de proporções históricas, afetando o Centro gaúcho, o Vale do Rio Pardo e o delta, na região de Eldorado do Sul, na Grande Porto Alegre. Foram afetados municípios da bacia como Rio Pardo, Cachoeira do Sul, Charqueadas, São Jerônimo e Triunfo.
A inundação em Eldorado do Sul foi catastrófica com praticamente todo o município coberto pelas águas do Rio Jacuí. A Prefeitura da cidade chegou a orientar que toda a população abandonasse o município.
De acordo com a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), a usina de Dona Francisca atingiu a capacidade máxima dovertedouro(vazõesde 10.600m³/s)nofinal deabril.Onúmero corresponde à vazão de cheia decamilenar da barragem, ou seja,

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o que poderia se esperar em recorrência estimada uma vez a cada dez mil anos.
(...)
O Rio Gravataí igualmente enfrentou cheia de grandes proporções pela chuva excessiva ocorrida nas nascentes do Litoral Norte, o que acabou por causar inundações graves a severas em municípios como Cachoeirinha e Gravataí, além de Alvorada pelo represamento do rio pelo Guaíba e o consequente represamento também do Arroio Feijó.
(...)
5. CHUVA SEM PRECEDENTES EM PORTO ALEGRE
Aprecipitaçãoacumulada emmaiona estaçãode referência climatológica da cidade de Porto Alegre, no bairro Jardim Botânico, zona Leste da cidade, atingiu a impressionante marca de 539,9 mm.
Com isso, a partir dos dados da estação do Instituto Nacional de Meteorologia, pela primeira vez em sua história climática a cidade de Porto Alegre registrou um acumulado em mês civil superior a 500 mm.
Todos os maiores registros mensais de precipitação até hoje, desde o começo dos dados regulares no ano de 1910, foram sempre na casa dos 300 mm ou 400 mm, o que evidencia a excepcionalidadeeaanomaliahistóricadomêsdemaionacapital dos gaúchos.
O montante de chuva acumulado não apenas foi recorde para o mês de maio por uma larga margem como se tratou do mês mais chuvoso de toda a série histórica da cidade de 124 anos.
O meses de maio mais chuvosos da série histórica de Porto Alegre a partir de agora são: 2024 com 539,9 mm; 1941 com 405,5 mm; 1942 com 294,7 mm; 1984 com 286,8 mm; e 2019 com 245,1 mm.
Já os meses mais chuvosos de série inteira desde 1910 são maio de 2024 com 539,9 mm; setembro de 2023 com 447,3 mm; maiode 1941com405,5 mm; junho de 1944com 403,6mm; abril de 1941 com 386,6 mm; e junho de 1982 com 365,6 mm.
Se considerada a média anual de chuva da capital gaúcha de 1494,6, também pela série 1991-2020, maio somou impressionantes 36,1% do que costuma chover em um ano inteiro na cidade.
Se consideradoointervalode 30dias,a partirde 27deabril, quando começou o período chuvoso, até o começo da manhã de 27 de maio, o volume na estação do Jardim Botânico somou absurdos 664 mm, ou 44% da média anual inteira.
As maiores alturas diárias (acumulados de precipitação em 24 horas até 9h da manhã) foram de 50,6 mm no dia 28/4; 99,1 mm em 30/4; 60,5 mm em 1º de maio; 99,0 mm em 2/5; 42,8 mm em 11/5; 49,9 mm em 12/5; e 102,2 mm em 24/5.

No extremo Sul da cidade, na estação do Aeroclube do Rio Grande do Sul, em Belém Novo, o acumulado de chuva no mês de maio somou 523.4 mm.
6. ENCHENTE RECORDE EM PORTO ALEGRE
Porto Alegre foi assolada pela maior enchente do Guaíba em toda a história da cidade, inundando bairros do Quarto Distrito, parte do Centro Histórico, Anchieta, Sarandi, parte do São João, Praia de Belas, Cidade Baixa, Menino Deus e pontos de bairros mais ao Sul como Serraria, Lami e Ipanema.
Todos os rios que desaguam no Guaíba (Gravataí, Sinos, Caí,Taquari e Jacuí)tiveram oucheia recorde ouentre asmaiores da história com cotas recordes em particular nos dois principais rios contribuintes, Jacuí e Taquari.
As enchentes de grandes proporções dos rios afluentes foram a causa da cheia sem precedentes em Porto Alegre do Guaíba. Imagens de satélite mostravam rios como o Taquari, Jacuí, Sinos e Caí muito fora do leito perto de alcançar Porto Alegre.
Desde os começos das medições do Guaíba há 150 anos, a enchente de maio de 2024 foi a maior de todas.
O nível do Guaíba superou a cota de 5 metros no dia 3 de maio depois de começar uma elevação extremamente acentuada no dia 2, quando rompeu as marcas de todas cheias com exceção de 1941.
A cheia de 2024 bateu a até então maior de 1941 que apresentounívelde4,76metros,ade1873quemarcou3,50metro e as duas maiores de 2023, a de setembro (3,18 metros) e a de novembro (3,46 metros).
Desde a enchente de 1941, foi apenas a quarta vez em que o Guaíba alcançou a cota de transbordamento de 3,00 metros no Cais Central. Entre 1941 e 1967 (3,11 metros) foram necessários 26 anos para a marca fosse alcançado.
Depois foram precisos outros 56 anos para que a marca fosse atingida. Agora, em apenas nove meses, o Guaíba bateu a marcade3,00metrosem trêsoportunidades: setembro,novembro e nesta cheia de 2024.
A enchente comprometeu gravemente serviços públicos essenciais como água e luz, além de ter inundado escolas, postos de saúde, hospitais e vários prédios públicos e centros culturais.
(...)
8. CONCLUSÕES
O Rio Grande do Sul foi assolado por um evento extraordinário de chuva entre o final do mês de abril e o começo de maio com acumulados acima de 500 mm em diversas localidades e que em alguns pontos alcançou marcas tão altas quanto 700 mm a 800 mm.

Os volumes de chuva do mês de maio foram recordes em Porto Alegre e em outros municípios com longa série de dados, alguns com dados por mais de um século, quebrando-se recordes para o mês e para toda a série histórica. Os acumulados foram particularmente altos na Serra e no Vale do Taquari com marcas superiores a 1000 mm ou mais da metade da média anual de precipitação, o que causou enorme número de deslizamentos de terra.
O volume descomunal de chuva gerou cheias de rios devastadoras e em diferentes pontos catastróficas com marcas de níveis recordes em longa série de dados nos rios Taquari, Sinos e Caí. O Vale do Taquari sofreu pela enchente em algumas localidades destruição absoluta com estruturas obliteradas pela força das águas. A magnitude dos danos que se testemunha é comparável aos mais violentos fenômenos da natureza, como tornados e furacões e no topo da escala de intensidade.
Em Porto Alegre, o Guaíba, que recebe águas destes e outrosrios,registroua maiorcheiajávistae quesuperouemcerca de meiometroo nível máximoda cheia de1941,atéentãoa maior da história da cidade. Parte da capital gaúcha ficou inundada, incluindo bairros centrais. A grande vazõa dos rios e do Guaíba escoou para o Sul pela Lagoa dos Patos, causando enchentes históricas em cidades do Sul gaúcho como Pelotas, São Lourenço do Sul e Rio Grande.
As enchentes provocaram danos catastróficos de infraestrutura, mais de dois milhões de pessoas deixaram suas casas, serviços públicos entraram em colapso e os impactos econômicos e sociais ainda não estão totalmente mensurados, embora se saiba serão duradouros e imensos – grifamos
Convém lembrar que o evento climático atingiu tamanha intensidade que o Governador do Estado do Rio Grande do Sul, através do Decreto nº 57.626, de 21 de maio de 2024, decretou Estado de Calamidade Pública em 78 (setenta e oito) municípios e Situação de Emergência em outros 340 (trezentos e quarenta), conforme Anexos I e II daquele diploma legal:
ESTADO DE CALAMICADE PÚBLICA:
Arambaré; Arroio doMeio; Barra doRio Azul; Bento Gonçalves; BomRetirodoSul;Candelária;Canoas;CanudosdoVale;Caxias do Sul; Colinas; Cruzeiro do Sul; Doutor Ricardo; Eldorado do

ESTADO
RIO GRANDE DO SUL
Sul; Encantado; Estrela; Fontoura Xavier; Guaíba; Imigrante; Lajeado; Marquesde Souza; Montenegro;Muçum; Pelotas; Porto Alegre; Putinga; Relvado; Rio Grande; Rio Pardo; Roca Sales; Rolante; Santa Cruz do Sul; Santa Maria; Santa Tereza; São Jerônimo; São José do Norte; São Leopoldo; São Lourenço do Sul; São Sebastião do Caí; São Valentim do Sul; São Vendelino; Severiano de Almeida; Sinimbu; Taquari; Travesseiro; Venâncio Aires; Agudo; Alvorada; Bom Princípio; Cachoeira do Sul; Cachoeirinha; Campo Bom; Charqueadas; Coqueiro Baixo; Cotiporã; Dona Francisca; Esteio; Faxinal do Soturno; Feliz; General Câmara; Gramado; Ibarama; Igrejinha; Nova Palma; Nova Santa Rita; NovoHamburgo;Passa Sete; Passodo Sobrado; Ponte Preta; São José do Herval; São João do Polêsine; São Martinho da Serra; Sapucaia do Sul; Segredo; Taquara; Três Coroas; Triunfo; Vera Cruz e Vespasiano Corrêa.
SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA:
Aceguá; Ajuricaba; Alecrim; Alegrete; Alegria; Alpestre; Alto Alegre; Alto Feliz; Amaral Ferrador; Ametista do Sul; Anta Gorda; Araricá; Aratiba; Arroio do Tigre; Arroio dos Ratos; Arroio Grande; Arvorezinha; Augusto Pestana; Áurea; Balneário Pinhal; Barão de Cotegipe; Barra do Guarita; Barra do Ribeiro; Barra Funda; Barros Cassal; Benjamin Constant do Sul; Boa Vista Das Missões; Boa Vista do Incra; Boa Vista do Sul; Bom Progresso; Boqueirão do Leão; Braga; Brochier; Caçapava do Sul; Cacequi; Cacique Doble; Caiçara; Camaquã; Camargo; Campinas do Sul; Campos Borges; Cândido Godói; Candiota; Canela; Canguçu; Capão do Leão; Capela de Santana; Capitão; Capivari do Sul; Carlos Barbosa; Carlos Gomes; Casca; Catuípe; Centenário; Cerrito; Cerro Branco; Cerro Grande; Cerro Grande do Sul; Chapada; Chiapetta; Ciríaco; Colorado; Condor; Constantina; Coronel Bicaco; Coronel Pilar; Crissiumal; Cristal; Cristal do Sul; Cruz Alta; Cruzaltense; David Canabarro; Derrubadas; Dezesseis de Novembro; Dilermando de Aguiar; Dois Irmãos; Dois Irmãos das Missões; Dois Lajeados; Dom Feliciano; Dom Pedro de Alcântara; Doutor Maurício Cardoso; Encruzilhada do Sul; Engenho Velho; Entre Rios do Sul; Erechim; Erval Grande; Erval Seco; Espumoso; Estação; Estrela Velha; Faxinalzinho; Fazenda Vilanova; Floriano Peixoto; Formigueiro; Forquetinha; Fortaleza dos Valos; Frederico Westphalen; Garibaldi; Garruchos; Gentil; Giruá; Gramado dos Loureiros; Gramado Xavier; Gravataí; Guaporé; Harmonia; Herval; Herveiras; Humaitá; Ibiaçá; Ibirapuitã; Ibirubá; Ijuí; Ilópolis; Independência; Inhacorá; Iraí; Itaara; Itapuca; Itaqui;

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Itati; Itatiba do Sul; Ivorá; Ivoti; Jaboticaba; Jacuizinho; Jaguarão; Jaguari; Jari; Jóia; Júlio de Castilhos; Lagoa Bonita do Sul; Lagoa dos Três Cantos; Lagoão; Lajeado do Bugre; Lavras do Sul; Liberato Salzano; Maçambara; Machadinho; Manoel Viana; Maquiné; Maratá; Marau; Marcelino Ramos; Mariano Moro; Mata; Mato Leitão; Maximiliano de Almeida; Miraguaí; Montauri; Mormaço; Não-me-toque; Nonoai; Nova Alvorada; Nova Bassano; Nova Boa Vista; Nova Bréscia; Nova Esperança do Sul; Nova Petrópolis; Nova Ramada; Novo Barreiro; Novo Cabrais; Novo Machado; Novo Tiradentes; Novo Xingu; Paim Filho; Palmares do Sul; Palmeira Das Missões; Palmitinho; Panambi; Pantano Grande; Paraí; Paraíso do Sul; Pareci Novo; Parobé; Passo Fundo; Paulo Bento; Paverama; Pedras Altas; Pedro Osório; Pinhal; Pinhal Grande; Pinheirinho do Vale; Pinheiro Machado; Piratini; Planalto; Poço das Antas; Pontão; PortoLucena;PortoMauá; PortoXavier; PousoNovo; Progresso; Protásio Alves; Quaraí; Quevedos; Quinze de Novembro; Redentora; Restinga Seca; Rio dos Índios; Riozinho; Rodeio Bonito; Rolador; Ronda Alta; Rondinha; Roque Gonzales; Rosário do Sul; Sagrada Família; Salto do Jacuí; Salvador das Missões; Salvador do Sul; Santa Clara do Sul; Santa Margarida do Sul; Santa Rosa; Santa Vitória do Palmar; Santana da Boa Vista; Santiago; Santo Ângelo; Santo Antônio da Patrulha; Santo Antônio do Palma; Santo Augusto, Santo Cristo; Santo Expedito do Sul; São Borja; São Domingos doSul; São Francisco de Assis; São Gabriel; São Jorge; São José Das Missões; São José do Inhacorá; São Martinho; São Miguel das Missões; São Paulo das Missões; São Pedro das Missões; São Pedro do Sul; São Sepé; SãoValentim;SãoValériodoSul;SãoVicentedoSul;Sapiranga; Sarandi; Seberi; Sede Nova; Selbach; Senador Salgado Filho; Sentinela do Sul; Serafina Corrêa; Sério; Sertão; Sete de Setembro; Silveira Martins; Sobradinho; Soledade; Tabaí; Tapera; Taquaruçu do Sul; Tenente Portela; Teutônia; Tiradentes do Sul; Toropi; Três Arroios; Três Forquilhas; Três Palmeiras; Três Passos; Trindade do Sul; Tucunduva; Tunas; Tupanciretã; Tupandi; Tuparendi; Ubiretama; União da Serra; Uruguaiana; Vale do Sol; Vale Real; Vale Verde; Viadutos; Viamão; Vicente Dutra; VictorGraeff; Vila Maria; Vila Nova doSul; Vista Alegre; Vista Gaúcha; Vitória das Missões; Westfalia; André da Rocha; Antônio Prado; Bagé; Barão; Barão do Triunfo; Boa Vista do Cadeado; Bom Jesus; Bozano; Butiá; Campestre da Serra; Capão Bonito do Sul; Eugênio de Castro; Fagundes Varela; Farroupilha; Flores da Cunha; Gaurama; Getúlio Vargas; Guabiju; Ipê; Lagoa Vermelha; Lindolfo Collor;Linha Nova;Mariana Pimentel; Mato Castelhano; Minas do Leão; Monte Alegre dos Campos; Monte Belo do Sul; Morro Reuter; Mostardas; Muitos Capões; Nova Hartz; Nova Pádua; Nova Prata; Nova Roma do Sul; Picada Café;

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Pinto Bandeira; Pirapó; Portão; Porto Vera Cruz; Presidente Lucena; Santa Maria doHerval; SãoFranciscode Paula; São João da Urtiga; São José do Hortêncio; São José do Sul; São Marcos; SãoNicolau; SãoPedroda Serra; SertãoSantana; Tapes; Vacaria; Veranópolis; Vila Flores e Vista Alegre do Prata.
Indiscutível, pois, que o fenômeno meteorológico de que se trata transcendeu,emmuito, oslimitesdoMunicípio de PortoAlegre, constituindofatonotório o colapso do Sistema também nas Cidades de Novo Hamburgo, São Leopoldo e Canoas, que também contavam com Sistema de Proteção Contra Cheias. A circunstância de que o sistema das bacias hidrográficas colapsou em sua integralidade, por óbvio, não será objeto de análise no âmbito estrito deste trabalho, .
O reconhecimento de que se tratou de evento sem precedente contribui para as conclusões deste trabalho, o que será melhor analisado no item 4 – Do Caso fortuito ou Força Maior.
2.4. FALHAS CONSTATADAS.
Baseados nas verificações realizadas pelo Ministério Público in loco, na farta documentação acostada e nos depoimentos colhidos,tem-se comocerto que a entrada d’água em Porto Alegre em maio de 2024 decorreu de uma série de fatores somados, destacando-se os que seguem abaixo.
2.4.1. COTAS
INSUFICIENTES
OU FORA DA ESPECIFICAÇÕES.
Sobre as cotas do SPCC, assim pronunciou-se o Engenheiro Damiani (Evento 0059, p. 5):
“(...) o sistema é para operar na cota 6 (seis). Existem duas formas de operar as casas de bombas: ou ela pega a água e descarrega por gravidade para lago ou rio, hipótese em que o canal de descarga está na mesma cota do muro e do dique 6

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(seis) metros, ou, quando não é por gravidade, é sob pressão, que é o que acontece nos condutos forçados, onde o declarante apontou diversos problemas na enchente e acerca dos quais a imprensa apresentou imagens "lindas" dos chafarizes formados. As pressurizadas têm que despejar também no Guaíba. E porque são usadas? É que a condição geográfica onde estão construídas não permite fazer um edifício, uma torre, elas estão no nível do terreno, como acontece com as casas 17 e 18 e com a 13. No processo SEI iniciado pelo Eng. Marcos aparece inclusive a planta em que a tampa aparece lacrada, ou seja, não há erro de engenharia, mas um problema acumulado no tempo, em que, por manutenções, tiraram o lacre e esqueceram de recolocar” (grifamos).
A diretoria do DMAE, por outro lado, tem entendimento diverso. Acerca de tal ponto, o Engenheiro Marco Faccin declarou o que segue (Evento 0113, pp. 5/6):
“(...) Gostaria de destacar que, diferentemente do que tem sido muito referido, no sentido de que o sistema foi projetado para suportar uma cheia de seis metros e, portanto, não poderia ter falhado com a cheia que atingiu 5,37 m, na verdade o que o DNOS especificou foi proteção para uma cheia com um período de retorno de 370 (trezentos e setenta) anos, o que seria equivalente à cheia de 1941, ou seja, 4,75 m (quatro metros e setenta e cinco centímetros), com a altura adicional até os seis metros para fenômenos circunstanciais como, por exemplo, efeitos de ondas. Encaminhará os Anexos I e II do Estudo de Viabilidade Técnico-Econômico das Obras de Defesa de POA, Canoas e São Leopoldo contra inundações desenvolvido pelo DNOS na época. A cota de 5,37 m atingida corresponderia a um período de retorno de cerca de 1000 (mil) anos. Tais dados não indicam que o evento só ocorrerá daqui a 370 ou 1000 anos, mas sim que nesses períodos ocorrerá uma vez. Tais períodos agora estão sendo reavaliados no estudo encomendado ao Professor Tucci. Destaca também que nos documentos do DNOS consta que não há um critério fixo a ser considerado nas margens de segurança dos fatores circunstanciais, mas são feitas referências à proteção do Rio Mississipi e à proteção de Valência, Espanha. Ocorre que em eventosrecentesambasse mostraram insuficientes,sendonocaso do Mississipi o Furacão Katrina e em Valência as enchentes de 29 de outubro de 2024” - grifamos.

No mesmo sentido foi o depoimento do Engenheiro Civil Darcy Nunes dos Santos, que se transcreve (Evento 0114, pp. 4/5):
“(...) Diferentemente do que tem sido apregoado, o sistema de contenção não foi concebido para suportar uma cheia de 5,37 m (cinco metros e trinta e sete centímetros) tal como aquela atingida em 2024. Foi construído para 4,75 (quatro metros e setenta e cinco centímetros) de cheia, tendo 1,25 (um metro e vinte e cinco centímetros) de folga nos diques para proteção contraefeitosdeondasecomomargemdesegurança,talcomo é feitoem qualquerprojetodeengenharia.Estevejuntamentecom o Eng. Maurício Loss no Arquivo Nacional do DNOS situado no Rio de Janeiro, onde acessaram os arquivos daquele departamento. Constataram que, após a cheia de 1941, foram desenvolvidos projetos de proteção para a Cidade de Porto Alegre. Entretanto, a cheia ocorrida em 1967, na qual o Guaíba alcançou 3,15 m (três metros e quinze centímetros), voltou a causar inundações no centro da cidade. A partir de tal evento, o DNOS, em 1968, planejou um novo sistema de proteção para toda a região metropolitana de POA. Tal sistema considerou a cheia máxima no Guaíba com 4,75,equivalente ao evento de 1941,e adotouumfator de segurançade 1,25mparaproteção contra efeitos de ondas e como margem de segurança. Duas características das Casas de Bombas comprovam que o sistema foi concebido para 4,75. Primeiramente, os equipamentos de bombeamento, da forma que foram instalados e pelas suas características, não conseguiriam operar e expulsar com eficiência a água da cidade caso o Guaíba alcançasse a cota de 6 m (seis metros), topo do Muro da Mauá. Uma segunda característica que comprova que o sistema é para 4,75 é que as Câmaras de Descarga das EBABs não estão acima da cota de 6 m. Se osistema fosse para 6 metros de cheia do Guaiba,a Câmara de Descarga teria que estar acima disso para despejar as águas bombeadas de dentro para fora da cidade, mas como as câmaras de descarga tem seus tetos abaixo da cota 6,0m, comprova-se que o sistema não foi concebido para isso” (grifamos)
REGISTROS AEROFOTOGRAMÉTRICOS DAS COTAS.
O DMAE remeteu ao Ministério Público registros
aerofotogramétricos da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, passando eles a constar no

Evento 0130 Tais registros foram efetuados nos anos 80, ainda durante a existência do DNOS, e neles aparecem osdiques doSPCC – Sistema de Proteção Contra Cheias, sendo possível constatar que já naquele momento as cotas estavam abaixo do previsto nos estudos. Não bastasse isso, tais documento demonstram que, desde aquela época, havia moradias irregulares construídas sobre e no entorno dos diques, em áreas non aedificandi
Registro da cota 4,7 em dique situado no Bairro Anchieta:


Cotas 4,7 e 4,8:

Cota 5,6 e casas construídas – Dique do Sarandi – próximo a local rompido em 2024 (item 2.4.5):

Casas construídas no dique
Cota 5,6

A conclusão dos signatários, baseada no projeto das EBABs e também na execução dos diques, é no sentido de que, efetivamente, a cota adotada pela engenharia do DNOS teve em conta os níveis da Grande Enchente de 1941. Para que se concluísse o contrário, seria necessário considerar que houve erros grosseiros na concepção das EBABs e/ou na execução daqueles projetos, o que parece não se coadunar com a qualidade do restante das obras realizadas.
Seja como for, o certo é que tanto as EBABs quanto os diques construídos peloantigo DNOS não estavam aptos para suportar a cheia de 2024, cuja cota verificada atingiu 5,37 m (cinco metros e trinta e sete centímetros).
2.4.2. ROMPIMENTO DA COMPORTA 14.
Um dos fatores mais relevantes para a inundação que atingiu Porto Alegre, notadamente no que diz respeito aos Bairros Humaitá, 4º Distrito, Navegantes e suas adjacências, foi o rompimento da Comporta/Portão 14:
Comporta 14 antes da enchente:


Comporta 14 durante a enchente:



Sobre o assunto, destaca-se o seguinte excerto da audiência em que ouvido o Eng. Damiani (Evento 0059):
“(...) O declarante destaca o caso do Portão 14, aquele que caiu e inundou o 4º Distrito, o Humaitá e o Trensurb, pois erauma comporta que estavacaídae semtrilhos,oque havia sidoescritopelosengenheirosantesdoseventosdoanopassado. O declarante já foi diretor e nessa condição, quando chega um pedido com anotação de "urgente", faz uma adjudicação direta e em 15 (quinze) dias está com uma empresa no local para fazer o serviço, sendo isso um direito e mesmo uma obrigação permitida pela Lei de Licitações. No caso, levaram de julho a março para fazer um aditivo e não deu tempo para fazer antes da enchente de maio. (...) O Dr. Luís Felipe disse que também constataram in loco uma grande diferença entre os tipos de comportas do muro, exemplificando com a comporta situada ao lado do Gasômetro, que é significativamente diferente da Comporta 14 que rompeu, indagando se o declarante sabe o porquê. O Eng. Damiani afirmou que a Comporta 2, a segunda depois do Gasômetro, é de 1982, acrescentando que as comportas são distintas, estruturalmente diferentes e de épocas diferentes. O Dr. Luís Felipe afirmou que a Comporta 14 é nitidamente mais frágil do que as outras, tendo o Eng. Damiani confirmado, acrescentando que a estrutura dela também estava comprometida, mas não sabe se em algum momento houve substituição daquela comporta. (...) O Assessor Técnico Luiz Fernandodisse ter vistoimagensde que um portão fora apenas apoiado, tendo o declarante dito que aquele era o Portão 13. Narrou que, na audiência em que esteve semana passada, foi dito que o Comandante da Capitania dos Portos havia observado que antes das enchentes a Comporta 14 estavaaté caídanochão.Esclareceu,porém,que a comporta que caiu no ano passado foi a de nº 13, que este ano não apresentou problemas. O Assessor Técnico Luiz Fernando afirmou que, pelo que lembra das notícias, estavam tentando resolver o problema de escoramento de uma das comportas com a utilização de um anfíbio do Exército e, quando a Comporta 14 passou a apresentar problemas, tentaram fazer o mesmo nela, porém não deu tempo”.
Para a compreensãode tal colapso,observa-se que,de fato,restou apurada a existência de diferentes tipos de comportas no SPCC, o que também foi constada in loco pelo Ministério Público. De fato, enquanto as comportas localizadas no

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Muro da Mauá propriamente dito apresentam estrutura reforçada, aquelas situadas ao longo do dique da Av. Castelo Branco são evidentemente mais frágeis.
Para ilustrar tal ponto, vale comparar as fotos a seguir colacionadas:
Comporta 1 – Usina do Gasômetro:



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Aquelas situadas nas áreas dos diques (Comportas 12, 13 e 14), contudo, apresentavam estruturas com menor solidez, conforme fotografias que seguem, todas registradas pelo Ministério Público:
Comportas 12, 13 e 14:





Embora não se tenha registros acerca da data da efetiva instalação daquelas comportas com menor solidez, fotografias de julho de 2011 do Google Street View - a data mais antiga disponível para consulta naquele recurso do Google Maps, comprovam que naquele momento as estruturas que colapsaram lá já estavam.

Foto do Google Street View2 . Situação em janeiro de 2023:

2 https://www.google.com.br/maps/@-29.9980492,51.206797,3a,51.1y,56.78h,90.48t/data=!3m7!1e1!3m5!1sqeRzGtNI0Mm8iraiE7xfJA! 2e0!6shttps:%2F%2Fstreetviewpixelspa.googleapis.com%2Fv1%2Fthumbnail%3Fcb_client%3Dmaps_sv.tactile%26w%3D9 00%26h%3D600%26pitch%3D-
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BR&entry=ttu&g_ep=EgoyMDI1MDUxNS4xIKXMDSoJLDEwMjExNDUzSAFQAw %3D%3D – Acesso em 23.05.2025.




Segundo informado pelo DMAE, inexistem registros acerca do porquê de as comportas dos diques serem diferentes daquelas dos muros, sendo razoável supor que tais estruturas assim foram instaladas já nos anos 70.
Indagado acerca das comportas, o Eng. Marco Faccin asseverou o que segue (Evento 0113):
“(...) Quanto às comportas, elas apresentam duas configurações. As de 1 a 7, Muro da Mauá, possuem estruturas bastante robustas. Já as de 8 a 14 possuem estruturas bem mais esbeltas. Por consequências, o grande impacto foi sobre a comporta 14 que teve rompimento total em um dos vãos, que se encontrava fechado desde 1984, pois era o acesso da linha férrea e, com a implantação do TRENSURB, deixou de ser operada. Em uma análise estrutural feita por uma empresa contratada pelo DMAE após o evento, foi constatado que estruturalmente ela não tinha condições de resistir à deformação gerada pelo peso da água. Foi possível constatar que ela tinha borracha de vedação e que os parafusos estavam fixados. A outra folha da comporta envergou e encontrava-se em processo de manutenção pelo DMAE. A comporta 13, que consiste em acesso único do trem, havia apresentado falha em novembro, de modo que o TRENSURB havia construído um muro em sua área interna para proteção em caso de nova falha de tal comporta. Entretanto, a altura do muro não foi suficiente e a água passou por cima. A comporta 12 apresentou falhas menores, algumas deformações. As comportas do Muro da Mauá são deslocadas em um trilho e são apertados parafusos contra o muro para que uma borracha faça a vedação, além de o próprio peso da água empurrar a comporta contra o muro, pressionando-a e aumentando a vedação. Destaca que a vedação não é 100 % estanque, principalmente pela parte de baixo, pelo trilhos. Doravante, nos sistemas de vedação que foram licitados, haverá uma melhor vedação na parte anterior, mas continuará havendo algum vazamento que será recolhido pelo sistema de drenagem. Ainda no que se refere às vedações das comportas na Mauá, não sabe se ocorreram por deformação das comportas ou se decorreram do fato de então já ter entrado uma quantidade grande de água na cidade, pelo lado de dentro da comporta, reduzindo a pressão e, consequentemente, a vedação. De qualquer forma, o grande impacto foi sem dúvida o Portão 14, com o seu rompimento provocando uma vazão de aproximadamente 100 metros cúbicos por segundo, o que representa mais da metade da

capacidade de todas as EBABs juntas, que é de 170 metros cúbicos por segundo” - grifamos.
Ainda sobre o assunto, seguem as declarações do Eng. Darcy Nunes dos Santos (Evento 0114):
“(...) ODique da Av.Mauá tem sete aberturascom comportasque totalizam um abertura total de 33,90 m (trinta e três metros e noventa centímetros). O Dique da Av. Castelo Branco, aterro de uma rodovia, possui outras sete aberturas com comportas, que totaliza 120 m. Em consulta aos arquivos do DNOS no RJ, não encontraram projetos das comportas. O único detalhe de comportaquepossueméde1982e sóconstaumúnicomodelo. Ocorre que esse modelo só foi usado nas aberturas da Av. Mauá, enquanto um modelo mais frágil foi utilizado justamente nas aberturas da Av. Castelo Branco, que constituem as maiores e mais extensas aberturas. Durante a inundação, constaram que o modelo usado nas comportas da Av Castelo Branco era demasiadamente frágil, de modo que elas sofreram grandes deformações, abriram frestas largas e permitiram a entrada de quantidades razoáveis de água. A Comporta nº 14, por se situar em um ponto de maior exigência dos esforços de água, com efeitos hidrodinâmicos, acabou por romper-se completamente, permitindo uma invasão de águas em quantidades altíssimas. Após a enchente, pediu uma avaliação estrutural da Comporta 14 através de contrato com especialista estrutural. Restou constatado que a Comporta 14, no modelo frágil que estava instalado, apresentaria deformação de 14 cm (catorze centímetros) somente com efeito hidrostático. Por outro lado, a mesma avaliação estrutural, simulada com o modelo utilizado nas comportas do centro existentes na Av Maua, apresentou uma deformação de apenas 2,3 mm (dois vírgula três milímetros), comprovando, portanto, que a estrutura da Comporta 14 não era capaz de resistir aos esforços de uma cheia, tal como aconteceu. Ali foi o ponto que provocou a entrada do maior volume de água na cidade, atingindo diretamente o 4º Distrito” - grifamos.
Tal como já amplamente destacado acima, o Ministério Público esteve em vistoria nos locais dos rompimentos e confirmou as assertivas dos engenheiros do DMAE, no sentido de que os Portões/Comportas da Av. Castelo Branco eram claramente mais frágeis do que aqueles da Av. Mauá.

DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO
Problemas haviam sido previamente apontados em torno do Portão/Comporta 13, porém este resistiu à enchente.
O certo é, diante da ausência de evidências em sentido contrário, que se pode presumir que tais comportas foram entregues pelo DNOS ao Município com estruturas diversas, sendo as da Av. Castelo Branco incapazes de suportar uma cheia como a de 2024 sem apresentarem graves deformações.
2.4.3. FLUXO DE ÁGUA PELAS EBABs 17 E 18.
Outro fatordecisivopara ainundação queacometeuPortoAlegre, notadamente na região do Centro Histórico e seus arredores, foi a entrada de água pelas Casas de Bombas 17 e 18:
Fluxo de água na EBAB 17 durante a enchente:


GALERIAS E CÂMARAS DE DESCARGA. CONCEPÇÃO, EXECUÇÃO E MANUTENÇÃO.
Tal como demonstrado na fotografia anterior, grande volume de água entrou pelas galerias que deveriam conduzir a água para o Guaíba, denotando falha de projeto ou de manutenção.
Acerca daquele fato, assim referiu o Engenheiro Damiani (Evento 0059):
“Há muito tempo o declarante diz que as casas de bombas estão atiradas e ninguém dá bola. Em relação à enchente de maio do corrente ano, quando o declarante viu aquele alagamento e o governo se colocando numa posição de vítima, não teve escolha que não abrir a boca, pois tinha documentos que os seus colegas lhe mostravam. Quando estava chegando hoje na promotoria, viu que o Eng. Marcos Goulart estava saindo, sendo que o declarante tem um documento que nãolhe foi repassado por ele Marcos,mas por um deputado. O declarante tem um SEI de 2018 no qual ele (Eng. Marcos) levanta os problemas das casas de bombas, sendo que estamos em 2024 e ninguém arrumou. Asseverou que o sistema é para operar na cota 6 (seis). Existem duas formas de operar as casas de bombas: ou ela pega a água e descarrega por gravidade para lago ou rio, hipótese em que o canal de descarga está na mesma cota do muro e do dique - 6 (seis) metros, ou, quando não é por gravidade, é sob pressão, que é o que acontece nos condutos forçados, onde o declarante apontou diversos problemas na enchente e acerca dos quais a imprensa apresentou imagens "lindas" dos chafarizes formados. As pressurizadas têm que despejar também no Guaíba. E porque são usadas? É que a condição geográfica onde estão construídas não permite fazer um edifício, uma torre, elas estão no nível do terreno, como acontece com as casas 17 e 18 e com a 13. No processo SEI iniciado pelo Eng. Marcos aparece inclusive a planta em que a tampa aparece lacrada, ou seja, não há erro de engenharia, mas um problema acumulado no tempo, em que, por manutenções, tiraram o lacre e esqueceram de recolocar. Como não chovia forte, isso caiu no esquecimento. A questão é que o engenheiro denunciou isso em 2018, pediu urgência e ninguém fez nada”
Ouvido nesta Promotoria de Justiça, o Engenheiro Eletricista
Marcos Goulart Machado/DMAE declarou o que segue (Evento 0058):

“(...) no ano de 2018, quando ainda estava se apropriando do sistema de contenção de cheias, verificou que nas casas de bombas 17 e 18 os poços de descarga eram baixos, enquanto em outras casas eram altos. Perguntou para o Eng. Marcelo Luís Diel se daquela forma a água não voltaria pelo rio, sendo que o Eng. Marcelo também achou que poderia ocorrer tal problema, porém lhe foi dito que sempre fora daquela forma. Diante disso, ambos abriram o Processo SEI (Evento 0052, p. 5) para perguntar para o pessoal da área de engenharia civil, que é o pessoal com conhecimento para tratar da matéria, se realmente haveria tal problema. Lembra que efetivamente foi confirmado o problema e o processo retornou, sendo então encaminhado por competência, já que a solução era bastante complexa, não se tratando de algo simples de resolver, e a competência para resolver não era da sua área. (...) Quanto ao processo SEI gerado, sabe que ele teve impulsos variados e não chegou a ser encerrado. Pelo que lembra, oEng. Marcelodisse que opoço sempre fora daquele jeitoe havia apenas algumas chapas soltas por cima do poço para evitar que alguém caísse dentro dele, mas não havia vedação. Indagado pela Promotora Martha, disse que a questão é de física básica, pois a descarga tem que ser a partir do ponto mais alto. Mesmo havendo o muro com 6 m (seis metros) de altura, se há uma comunicação direta com o rio e a casa de bombas está em um ponto mais baixo, haverá entrada de água, por isso pediram a avaliação da engenharia civil. Perguntado se eventual vedação das tampas evitaria o problema, disse não saber, pois água é algo bastante complicado, havendo um peso enorme da própria coluna d'água Nada mais”.
Diante das assertivas de ambos, o Ministério Público solicitou cópia integral do referido Processo SEI, que passou a constar nos Evento 0042 e 0052, bem como indagou à Diretoria do DMAE sobre o assunto.
O Engenheiro Marco Faccin assim relatou os fatos, inclusive o andamento do Processo SEI (Evento 0113, p. 7):
“(...) Com relação às Casas 17 e 18, a situação é mais complexa, não se tratando de simples tampa hermética como no caso da EBAB 13. As 17 e 18 efetivamente apresentam falha de concepção, pois não possuem Câmara de Descarga elevada ao nível do sistema de proteção que, no caso, é o Muro da Mauá. Existe um Processo SEI do ano de 2018 em que a Área de Operação da SMSUrb apontou tal deficiência, entretanto o

processo tramitouapenasna SMIMe na SMSUrb,e foi encerrado sem solução. Em setembro de 2023, após o primeiro episódio de cheia, foi comunicado pela gerência de operações/GDCO onde trabalha o Eng. Marcos, acerca da existência de um Processo SEI sobre esse assunto. O processo nunca havia tramitado no DMAE, mas parte da estrutura oriunda da SMIM utiliza a mesma “caixa/estrutura” do Sistema SEI, que antigamente era denominada CPD-SMIM e atualmente no DMAE é C-Drenagem, sendo então possível que fosse reaberto por um funcionário e que ele desencadeasse então o processo no DMAE e o enviasse para a Diretoria de Desenvolvimento, o que ocorreu em setembro/outubro de 2023. O Processo SEI foi então encaminhado para a área de Operação, para a área de Projetos e também para a área de Obras para análise e busca de soluções. As informações retornaram após a cheia de novembro, apontando problemas não apenas nas EBABs 17 e 18, mas também na 13 e na 20. Sobre a EBAB 20, iniciaram buscas junto ao DEP, ele construíra tal casa. Quanto às 17 e 18, foram feitas diversas discussões internas, estudando a possibilidade de utilizarem tampa hermética, o que foi considerado inviável tanto por técnicos da área estrutural do DMAE quanto pela empresa IFX, contratada pelo DMAE para projetos de resiliência nas Casas de Bombas, visto que não havia informação cadastral da estrutura existente e não era possível avaliar sua situação quanto à possível arrancamento quando da pressurização da descarga. Após ampla discussão interna, foi desenvolvido o projeto da construção de uma câmara de descarga na parte interna da estação, incluindo a substituição das paredes de alvenaria de tijolo por paredes de concreto. Está sendo providenciado na frente a instalação de chapas metálicas para acesso e manutenção das válvulas de descargas das bombas, o que deve ser concluído em maio do corrente ano. Tratou-se, portanto, de algo complexo, iniciaram em junho de 2024 e estão concluindo somente agora. Em 2023 não houve tempo para tanto. O alerta do Eng. Marcos era urgente, mas em se tratando de um órgão público, existem órgãos de controlequeinviabilizam uma soluçãoemtempoexíguocom,por exemplo,uma mera dispensa de licitação sem aprofundamento da análise.Nas EBABs 17 e 18 não há qualquer indicação de que em algum momento tenha havido sistema de tampas herméticas, até porque não suportariam a pressão. Não há, no local, qualquer indicação de pontos de ancoragem para tanto” .
No mesmo sentido foram as declarações do Engenheiro Civil Darcy Nunes dos Santos, cabendo transcrever o seguinte excerto (Evento 0114, p. 5):

“(...) Quanto às Casas de Bombas 17 e 18, após a enchente contrataram uma empresa visando o aprimoramento daquelas EBABs,sendo a possibilidade de fechamentodopiso com tampas herméticas descartada em função de não saberem quanto a estrutura predial suportaria de subpressão, ou seja, pressão de baixo para cima, pois esse efeito não foi avaliado quando dos projetos das Casas de Bombas em 1968. Nos projetos de construção das Casas de Bombas não foram localizados cálculos de verificação das estruturas existentes para suportar efeitos de subpressão, que aconteceriam em caso de fechamento simples do piso. Para corroborar que a solução das deficiências da Casas de Bombas nº17 e nº18 não é simples, começaram o desenvolvimento dos projetos para resolução desses problemas em 07 de julho de 2024 e somente terminaram em 30 de novembro do mesmo ano, após longas discussões e avaliações técnicas, e resultaram em obras especiais de construção de Câmaras de Descarga na altura 6,80, ou seja, seis metros correspondentes ao topo do Muro Av Maua e mais o fator de segurança. Para construir tais Câmaras na cota de 6,80, foram desenvolvidos projetos hidráulicos e estruturais específicos para tanto. Observa que o DMAE não encontrou naquelas EBABs pontos de ancoragem para eventuais chapas de vedação de piso. Quanto ao Processo Administrativoaberto em 2018 para tratar do assunto, ele tramitou na SMIM até 2020 e encerrou sem conclusão, sem ter tramitado no DMAE. Nunca passou dentro do DMAE. Na cheia de setembro de 2023, tomaram conhecimento informal de que havia tal questão, de modo que aquele processo SEI foi reaberto e dali para frente passaram a estudar no DMAE formas para corrigir as deficiências daquelas Casas de Bombas”
O Engenheiro Maurício Loss, Diretor-Geral do DMAE na época das cheias, acrescentou o que segue (Evento 0116, p. 2):
“(...) Quanto ao processo SEI relativo às Casas de Bombas 17 e 18 e que apontava problemas, tomou conhecimento da sua existência apenas em maio de 2024, pois entre 2018 e outubro de 2023 ele ficara restrito ao DEP. Somente a partir de outubro de 2023 ele foi reaberto, desta vez no DMAE, isso por provocação de um servidor do DMAE que viera do DEP e lembrou do caso. Tal Processo SEI nunca passou pela Diretoria do DMAE, o que se constata pelos registros da tramitação” .
Efetivamente, a análise da tramitação do referido Processo SEI revela que ele nunca tramitara no âmbito do DMAE antes das cheias de 2023. O

Expediente fora desencadeado em setembro de 2018 pelo Eng. Marcos Goulart Machado e permanecera restrito à SMSUrb – Secretaria Municipal de Serviços Urbanos e à SMIM – Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana, somente tendo sido aberto no DMAE em outubro de 2023, após os eventos daquele ano.
No que tange às falhas propriamente ditas, afora os relatos colhidos e a documentação juntada, cumpre destacar que os signatários, juntamente com Analistas dos GAT – Gabinete de Assessoramento Técnico deste Ministério
Público do Rio Grande do Sul, sendo um engenheiro sanitarista, um engenheiro civil, um geólogo e um biólogo, compareceram presencialmente para análise dos referidos apontamentos. O resultado de tal diligência consta no Relatório juntado no Evento 0038.
A imagem apresentada pelo DMAE (Evento 0121, p. 30), consistente em um corte da planta da EBAB 17, bem ilustra o espaço que permitiu a entrada de água, que consta assinalado em vermelho:
Corte da EBAB 17:


Note-se que, embora na planta pareça pequeno, trata-se na verdade de grande vão em largura e diâmetro, sendo que a EBAB 17 conta 4 (quatro) e a EBAB 18 conta 5 (cinco) bombas e espaços como esses, o que vai igualmente demonstrado nas fotografias abaixo:


Foi noticiada na imprensa a ausência de Válvulas Flap e dispositivos Stoplogs que,segundoalegado,teriam impedidoo refluxodaágua bombeada para o Guaíba.

No entanto, o mesmo corte da EBAB 17 acima referido, além de demonstrar no projeto o vão que permitiu o fluxo da água oriunda do Guaíba, permite a compreensão da forma e localização das Válvulas Flap (circuladas em vermelho) e também dos nichos para fixação de Stoplogs:
Válvula Flap superior
Stoplog (paralelo à parede; só existente na planta)
O pontilhado refere trilho para Stoplog
Válvula Flap inferior

Em fotografias registradas pelo Ministério Público após a enchente (Evento 0038), é possível verificar com precisão os espaços que permitiram a entrada d’água, a inequívoca presença das Válvulas Flap e também os batentes para instalação dos Stoplogs nos momentos de manutenção. Tal como bem esclareceu o Engenheiro Marco Faccin, eventual colocação dos Stoplogs previstos no projeto, além de interrompera operaçãodasbombas,nãoconstituiria impedimentopara ofluxode água vinda do Guaíba, já que o nicho no qual seriam inseridos apresentava-se bastante largo.


Nicho/batente para Stoplog
Válvula Flap
Ainda a título de demonstração das Válvulas Flap, aponta-se que filmagens constam no Evento 0092, video2, vídeo 4 e vídeo5, dentre outros.
Restou clara para o Ministério Público, ainda, a inexistência de locais para possível fixação de tampas herméticas naqueles locais, de modo a pressurizar o sistema. Trata-se aqui de informação relevante diante da assertiva de que aquele conjunto seriapressurizado e que,por desídia,as tampas não teriam sido

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corretamente reinstaladas por ocasião de manutenções, o que se tem como refutado diante dos achados in loco.
MANUTENÇÃO.
Não bastassem as fotografias e vídeos que registram a presença e funcionamento das Válvulas Flap, constam nos autos relatórios, descritivos e fotografias dos serviços de manutenção realizados nas EBABs pela empresa Bombas Sinos Indústria e Comércio Ltda., contratada pelo DMAE para a realização de tais serviços.
Tais documentos foram juntados no Evento 0091 e abrangem o período compreendido entre janeiro de 2018 e dezembro de 2023.
2.4.3. Diante das evidências apresentadas e constatadas presencialmente pela equipe do Ministério Público, restou claro que a entrada de água pelas Casas de Bombas 17 e 18 decorreu de erros na concepção ou na execução dos projetos, não se tratando de falta ou desídia na manutenção, tal como aventado.
Em especial, cumpre destacar que, ao contrário do que foi apontando em diversos órgão de imprensa, a existência e funcionamento das Válvulas Flap é inequívoca e, quanto aos Stoplogs, mesmo que eventualmente instalados, não teriam tido o condão de evitar a entrada de água e teriam interrompido o funcionamento das bombas.
A solução posteriormente adotada pelo DMAE para solução do problema da descarga, isso após longos estudos e discussões, foi a elevação daquelas câmaras e também dos painéis de controle das bombas, além da troca e padronização das motobombas, incrementos na rede elétrica e instalação de geradores, medidas que se encontram em andamento no momento deste trabalho ministerial. Acerca disso, apontase as seguintes imagens acerca das obras civis nas EBABs:

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO
Antes: Andamento das correções:





Nesse contexto, seria mesmo um despropósito querer responsabilizar oMunicípiodePortoAlegre oumesmo oDMAE,que somentea partir de 2019 efetivamente assumira os serviços de operação do DEP e promovera a adequada manutenção das EBABs, quando os problemas da descarga remontam aos anos 60/70 do século passado, transcenderam diversas administrações municipais e foram projetados e executados pela União.
2.4.4. REBAIXO DO DIQUE NA ÁREA SITUADA AO LADO
DA USINA DO GASÔMETRO E AUSÊNCIA DE FECHAMENTO DA PORTA DA MESMA USINA.
Outras importantes causas para a subida das águas no interior desta Cidade de Porto Alegre, notadamente na área do Centro, foram o rebaixamento realizado no entorno da Usina do Gasômetro para construção de rampa destinada à acessibilidade e a falta de fechamento estanque da porta principal do mesmo prédio.
Trata-se também aqui de circunstâncias relevantes, haja vista que o Muro da Mauá termina exatamente encostado na Usina do Gasômetro. Efetivamente, a usina é constituída por forte estrutura de alvenaria e está prevista para funcionar como

parte do Sistema de Contenção, desde que, é claro, suas portas e janelas sejam lacradas de forma estanque por ocasião das cheias. Não foi o que aconteceu em 2024.
Tais fatos foram destacados pelo próprio DMAE e explicados ao Ministério Público por ocasião da Vistoria constante no Evento 0038.
Posteriormente, por determinação dos signatários, foi efetuado novo Relatório Fotográfico (Evento 0070) do qual se extrai a seguinte fotografia, que demonstra com exatidão o rebaixo realizado (seta vermelha):

Eis o trecho pertinente ao assunto da audiência mantida com o Engenheiro Damiani (Evento 0059):
“(...)A Dra. Martha perguntou se o Eng. sabe o motivo pelo qual não houve vedação das portas e janelas da Usina do Gasômetro, tendo o declarante respondido que originalmente, pelo menos na década de 90, elas tinham tampões que funcionavam como
(Evento 0113):

comportas, não sabendo onde foram parar. As paredes da usina são continuação do dique, pois são bastante largas. Não sabe em que momento foram retirados os tampões, até porque a usina foi reformada várias vezes. Observou que na enchente a água entrou também pelo lado da Usina do Gasômetro, pois no trecho da Orla 1 fizeram um recorte no dique. No processo da licitação daquele recorte está escrito pelo fiscal do DEP que não era para fazer aquilo. O declarante tem o documento e se comprometeu a remetê-lo ao MP juntamente com a documentação antes referida sobre as comportas”.
O Eng. Marco Faccin, por seu turno, assim esclareceu a questão
“(...) Somente após a cheia de 2024 tomou conhecimento acerca da situaçãoenvolvendoorebaixamentodogasômetroe,aobuscar informações, descobriu que havia um processo SEI da época da obra em que a fiscalização da drenagem apontou para a fiscalizaçãoda revitalizaçãoda obra que havia aquela deficiência. Baseado nos registros do Google Street View, acredita que tal rebaixo é ate mesmo anterior às obras da orla. Tal SEI também nunca passou pelo DMAE, tendo tramitado entre DEP e SMIM. Conseguem visualizar o SEI, mas ele nunca passou pelo DMAE. Demandaram junto à SMOI soluções para a proteção de tal fragilidade e também das aberturas da Usina, dentro da própria obra de revitalização da Usina que está em andamento. A água entrou também pelas portas da Usina e, se tivesse sido atingida a cota de 6 m, teria também entrado pelas janelas. Apesar de ser uma fragilidade, a cota ali ficou em 4,28 e naquele trecho a água chegou a 4,58, ou seja, cerca de 30 cm de lâmina d’água. Sendo assim, se fosse a única falha do sistema, talvez as EBABs tivessem dado conta”.
O relato do Eng. Darcy Nunes dos Santos não diverge (Evento 0114):
“(...)Quanto ao rebaixo do gasômetro, tomou conhecimento de existência de um processo administrativo sobre esse problema há bem pouco tempo. Soube que foi desencadeado um Processo Administrativo junto ao DEP ao final de 2016, que tramitou na SMIM, sendoque a equipe da revitalizaçãoda orlanãoconcordou

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em alterar a obra. Em 2017 o processo foi encerrado sem que o DMAE não tenha tomado conhecimento daquele problema”
É indiscutível que as obras realizadas no entorno da Usina do Gasômetro com o objetivo de facilitar a acessibilidade do local implicaram em indevido e inexplicável rebaixamento da cota. Não bastasse isso, obras de revitalização no interior da usina acabaram por também contribuir para a inundação, haja vista que foram suprimidos os tampões para a estanqueidade e fechados os respectivos pontos de ancoragem.
Tais falhas, por óbvio, deram margem à entrada de grande quantidade de água, contribuindo para os alagamentos da região central. No contexto, porém, especialmente diante da reduzida linha d’água – 30 cm na área do rebaixo – e das demais determinantes expostas nesta promoção, pode-se concluir que os fatores aqui analisados, isoladamente considerados, não foram causa da subida d’água no centro, mas sem dúvida constituíram concausas
2.4.5. ROMPIMENTO DO DIQUE DO SARANDI
Um dos fatores determinantes para a inundação do Bairro Sarandi foi o rompimento daquele dique.
Em termos simplísticos, os diques foram concebidos com forma trapezoidal, cujos lados, construídos como taludes, atuam contendo a pressão d’água eventualmente exercida em suas laterais.


Ocorre que áreas no entorno do Dique do Sarandi, embora não non aedificadi por definição legal, foram invadidas por moradias irregulares. Em alguns pontos os moradores não apenas construíram suas residências nas áreas imediatamente adjacentes aos diques, mas escavaram os taludes com o objetivo de ampliar seus terrenos e acabaram, desta forma, por inexoravelmente fragilizar as estruturas de contenção.
Foi exatamente o que o Ministério Público constatou in loco por ocasião da vistoria realizada no Dique do Sarandi pelos signatários e pelo Dr. Felipe
Teixeira Neto, Promotor de Justiça da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente de Porto
Alegre (Evento 0032), consoante registros fotográficos que seguem:





As fotografias a seguir, todas referentes ao Dique do Sarandi, foram fornecidas pelo DMAE:




Para a solução dos problemas, o DMAE, com o acompanhamento do Ministério Público, realizou reparos emergenciais após a enchente. Faz-se necessário, contudo, aumentar a cota/altura daquele dique, o que demanda o reassentamento das famílias que lá edificaram irregularmente. A Prefeitura Municipal de Porto Alegre, através do DEMHAB, ofereceu benefícios como o bônus-moradia e o aluguel social para os moradores, o que teve baixa aceitação, ensejando o ajuizamento de ação pela Procuradoria do Município visando a remoção das famílias
2.4.6. SOBREPOSIÇÃO DO DIQUE DA FIERGS
Tal como já fora mencionado nos itens 2.2 e 2.4.1, partes dos diques foram construídos com cotas insuficientes para fazer frente à magnitude da Enchente de 2024.
Transcreve-se excerto das declarações do Eng. Marco Faccin (Evento 0113):
“(...) A proteção do Sarandi se dá pelo Dique do Sarandi (Arroio Passo das Pedras) e pelo Dique da FIERGS (Arroio Santo Agostinho), além da própria Freeway. Nos dois diques houve trechos com galgamento (com a água passando por cima), pois tinham altura consideravelmente inferior ao projeto, com pontos abaixo de 4,5 metros, enquanto o projeto era 7 m. Além disso, houve três pontos em que o dique rompeu, possivelmente em decorrência de fragilidades ocorridas em escavação de residências”.

O então Diretor-Geral do DMAE, Eng. Maurício Loss, assim descreveu a questão (Evento 0116):
“(...) Após a enchente, contrataram projeto para a elaboração de um novo sistema de tamponamento dos condutos forçados. Relativamente aos diques, acreditavam no DMAE que estava constituído um sistema completo e somente com a subida das águastomaramconhecimentode quea cota projetada na zona sul3 era 7 m (sete metros) e, na verdade, estavam com cotas de 4 m (quatro metros) ou 4,30 m (quatro metros e trinta centímetros). Pelo que verificaram, nunca houve algum estudo do DEP para conferir a altura daqueles diques. Em julho/2024 já contrataram estudose projetospara correção,além de obrasemergenciaispara colocarosdiquesnacontade5,50m.Somentecomorompimento do Dique do Sarandi (Arroio Passo das Pedras) tomaram conhecimento de que ele havia sido fragilizado por escavações dos moradores”.
Sobre o mesmo ponto, seguem as assertivas do Eng. Darcy
Nunes dos Santos (Evento 0114):
“(...)Quanto aos trechos em que toda extensão há falta de altura para complemento, pode citar os diques de contorno da FIERGS, Dique do Sarandi, ausência de dique na margem esquerda do Arroio Passo das Pedras, junto à Vila Minuano. A chamada Vila Dique, situada ao lado do Arroio Areia, está totalmente abaixo da cota de proteção necessária e continha três pontos de fragilidade localizados, por onde as águas invadiram e inundaram o aeroporto”.
3 Houve equívoco no registro. A referência aqui, na verdade, é à Zona Norte de Porto Alegre.

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Av. Caldeia – Arroio Santo Agostinho – pontos de transposição do dique:

Levantamentos realizados nos diques após a enchente:




2.4.7. SOBREPOSIÇÃO DA AV. ASSIS BRASIL- Acesso
à Freeway.
Outro importante ponto que ensejou a entrada de água na Zona Norte de Porto Alegre foi a alça de acesso da Freeway à Av. Assis Brasil, em direção a Cachoeirinha. Segue a foto pertinente:

Também naquela área houve o rebaixamento da cota de proteção por ocasião do projeto ou da execução da rodovia pela União, fato ocorrido em data não apurada, porém indiscutivelmente anterior a julho de 2011, haja vista a seguinte fotografia extraída do Google Street View:


Os impactos de tal circunstância assim foram relatados pelo Eng.
Marco Faccin (Evento 0120):
“(...) Também houve entradadeágua paraa área protegidaatravés da pista da Assis Brasil. Esclarece que no acesso à Cachoeirinha ela é mais baixa e entrou água por ali, sendo a cota verificada no montante de 5,20 e tendo a água atingido 5,50, porém isso em uma faixa extremamente larga, possibilitando a entrada de grande volume d’água. Isso provavelmente ocorreu na época da construção da Freeway pelo DNIT”.
2.4.8. SOBREPOSIÇÃO NA ÁREA DA AV. ERNESTO
NEUGEBAUER E LINHA DO TRENSURB
Merecem especial destaque as falhas que possibilitaram a entrada de água na Av. Ernesto Neugebauer e na linha do Trensurb.
No Evento 0120, assim esclareceu o Eng. Marco Faccin/DMAE (Evento 0120):
“(...) Na sequência, o Promotor de Justiça indagou acerca da área com rebaixo situada na Av. Ernesto Neugebauer e que permitiu a entrada de água. O Eng. Marco Faccin explicou que naquela avenida existem dois pontos situados perto um do outro e com a mesma situação. Um deles fica embaixo da Av. Castelo Branco/Freeway, onde está situado o retorno da pista da Av. Ernesto Neugebauer. O outro é o local da ponte da antiga linha férrea, que apresenta estrutura metálica e émais baixa que a pista, assim como a própria Ernesto Neugebauer também é mais baixa. Naquele local também houve a entrada de água, embora ali a deficiência de cota seja menor do que a verificada na Av. Assis Brasil – acesso a Cachoeirinha. De qualquer forma, o Gravataí entrou por ali e por dentro de uma empresa de fertilizantes. Esclareceu que a linha do Trensurb é alta, não permitindo a entrada de água. Após a enchente, o DMAE e a Prefeitura notificaram a operadora ALL acerca do problema existente naquela área, principalmente no local da antiga linha férrea, pedindo que fizessem a elevação. A resposta foi a de que entrou água também por outros lugares e naquele local o volume não foi significativo. No momento, a ideia é de o próprio DMAE fazer o fechamento, pedindo apenas autorização para entrada na área.

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Quanto à Av. Ernesto Neugebauer, pediram para a Secretaria de Obras estudar a elevação da pista, porém mantendo a estrutura viária,poisseapenaselevaremapistaembaixodaFreeway,ficará impedida a passagem de caminhões e veículo elevados. Indagado se as águas que chegaram naquele local também entraram pela Comporta 14 que havia rompido, respondeu que tudo aconteceu quase ao mesmo tempo, a água do Jacuí entrou pela Comporta 14 e na região da Ernesto Neugebauer entrou a água do Gravataí. O Promotor de Justiça perguntou se constituíram áreas separadas, tendo o engenheiro esclarecido que acabaram ficando uma só. Disse que aquela foi uma situação interessante,tendoapresentado uma imagem/slide que bem ilustra tal situação, qual seja, a de número 20 da apresentação anteriormente referida. A área demarcada em vermelho na fotografia do lado esquerdo mostra o que virou um único polder. Nela é possível ver bem o que foi resultado da inundação do Jacuí, que é a água barrenta contendo resíduos de encosta, com características de arrasto de solo, e a água do Gravataí, que é um rio de planície e possui a água mais verde. Naquela imagem, é possível verificar que a água que entrou pela Comporta 14, o ponto mais ao norte da contribuição do Jacuí, atingiu a Arena do Grêmio e os Bairros Anchieta e Humaitá, etc., levando maior volume de água barrenta para aquelas áreas. Dentro do aeroporto, constata-se que a maior contribuiçãofoidoGravataí.Outrodetalheinteressanteepossível de verificar na fotografia constante no slide nº 20, lado direito, acima, é como o Jacuí empurra a água do Gravataí, formando vórtices. Isso ocorre porque mais de 80 % (oitenta por cento) da vazão de água é do Jacuí, que vai pressionando o menor volume de água do Gravataí. Na fotografia de baixo, lado direito do mesmo slide, percebe-se, na área do terminal do aeroporto, que a água que ali tomou conta é mais característica do Jacuí, enquanto a que invadiu a pista é mais verde, característica do Gravataí. No slide nº 21 constam imagens do dia 07 de maio, que foi o pico da enchente, adquiridas pela SMAMUS e muito utilizadas para o mapeamento. É possível visualizar, na fotografia da esquerda, a água que entrou pela Ernesto Neugebaur, pela ponte da antiga linha férrea e um pouco também pela Casa de Bombas 6”.

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As seguintes fotografias bem ilustram as explicações do Engenheiro:
Água do Rio Gravataí - esverdeada -
Água do Rio Jacuí - barrenta -








Vórtices formados pela água do Jacuí empurrando a do Gravataí




Terminal do aeroporto – água do Jacuí



Pista do aeroporto –água do Gravataí





Dia 07 de maio de 2024:

2.4.9. DESLOCAMENTO DE TAMPAS DOS CONDUTOS FORÇADOS.
Releva destacar também as falhas havidasnos condutos forçados, cujas tampas foram deslocadas e permitiram a entrada de grande quantidade de água, conforme registro fotográfico que segue:


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Transcreve-se as seguintes partes da manifestação do Eng. Damiani (Evento 0059):
“(...)Existem duas formas de operar as casas de bombas: ou ela pega a água e descarrega por gravidade para lago ou rio, hipótese em que o canal de descarga está na mesma cota do muro e do dique 6 (seis) metros, ou, quando não é por gravidade, é sob pressão, que é o que acontece nos condutos forçados, onde o declarante apontou diversos problemas na enchente e acerca dos quais a imprensa apresentou imagens "lindas" dos chafarizes formados. (...)Porto Alegre, do tamanho que é, não conseguiu fechar as comportas direito, lacrar os canais de descarga e nem reparar as tampas do conduto forçado”.
O Eng. Marco Faccin assim relatou as ocorrências em questão e as dificuldades para solução (Evento 0113):
“(...) Sobre os condutos forçados, não se trata de uma solução simples. Não ocorreu mera falta de parafusos, conforme apontado. No Conduto Álvaro Chaves, houve rompimento do concreto junto às tampas. Serão licitadas a substituição de 14 novas tampas em vários condutos forçados, mas cujo projeto envolve reforço estrutural da laje para resistir ao arrancamento. Na Voluntários da Pátria há um conduto forçado em paralelo ao coletor que vai para a EBAB 3, que não é pressurizado, mas ambos possuem o mesmo tipo de tampas. Isso gera a confusão de leigos, pois apenas as tampas do conduto forçado necessitam parafusos”.
E o Eng. Darcy Nunes dos Santos assim completou (Evento 0114):
“(...) Os tamponamentos dos ponto de visita e inspeção (tampas) dos condutos forçados, por outrolado, nãoconstitui um problema simples. Os projetos de reforço de tampas dos condutos forçados envolveram detalhamento de estruturas especiais de ancoragem para suportar as pressões internas. Por exemplo, não se tem dados e detalhes das estruturas de concreto armado onde as tampas são ancoradas atualmente, o que obrigou o DMAE a projetar a construção de estruturas de concreto adicionais para ancoragem das tampas, comprovando que não se trata simplesmente de uma

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fixação de parafusos para resolver. Se examinarmos o Google Street View, que tem imagens desde 2011, verifica-se marcas de remendos nos pontos de algumas dessas tampas, evidenciando que elas foram movimentadas, o que pode ter ocorrido tanto pela pressão interna quanto pelo tráfego em cima, sendo que são efeitos que já ocorriam antes do DMAE assumir as atribuições de drenagem e que, portanto, os modelos construtivos de ancoragem dessas tampas não foram eficazes. Nos projetos de reforço serão feitas intervenções em 14 tampas”.
Mais adiante, o mesmo profissional encaminhou ao Ministério
Público o documento que consta no Evento 0131, consistente na abordagem da empresa INFRAVIX ENGENHARIA S.A., contratada pelo DMAE para “elaboração de estudos, levantamentos, ensaios, planos de trabalho, anteprojetos, projetos básicos e executivos em EBAPs (Estação de Bombeamento de Águas Pluviais) e CFs (Condutos Forçados) do Sistema de Proteção Contra Cheias de Porto Alegre afetados pelos eventos climáticos de Maio/2024”.
Trata-se ali de documentotécnico,cabendo observar o registro de que “os documentos fornecidos para os condutos forçados se resumem no cadastro técnico extraído do sistema da companhia. Tal documentação não informa sobre as propriedades e demais características dos materiais, dimensões, pressões atuantes e detalhamento das armaduras no entorno das tampas herméticas das galerias que operam como condutos forçados”. O mesmo documento aponta soluções corretivas, transcrevendo-se algumas delas para que se possa inferir as dificuldades encontradas, ora com projeto pronto e em fase de contratação de obra:
“Sendo assim, com o intuito de isolar a tampa metálica estanque das solicitações oriundas do tráfego e de outras ações, sejam elas estáticas ou dinâmicas, recomenda-se adotar uma sobretampa imediatamente acima da tampa estanque. Desta forma, isola-se o risco de danificar os conjuntos hastes roscadas/chumbadores/arruelas/porcas devido às solicitações cíclicas provenientes do tráfego de veículos leves e pesados. Nesse sentido, tem-se mais uma segurança na tampa estanque e aumenta-se a confiabilidade quando a mesma entrar em carga, como por exemplo, no caso de a galeria de concreto operar como um conduto forçado” . (...)

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“A galeria de concreto que opera como conduto forçado receberá uma intervenção sobre a laje superior, mais precisamente na região lindeira com as tampas de acesso à área interna do conduto forçado. Tal intervenção, que neste documento foi denominada de “sobrelaje”, consiste no aumento de espessura da laje superior, em uma área específica, com armaduras dimensionadas e ancoradas para a pressão apresentada no item 8 -. Tendo em vista que não foram fornecidos projetos que provisionem informações sobre a capacidade resistente dos elementos estruturais da referida galeria, a sobrelaje superior desta estrutura foi dimensionada para a pressão prevista para a Rua Álvaro Chaves, conforme já apresentado no item 8 - deste relatório, com o intuito de trabalhar a favor da segurança. Desta forma, foi prevista a execução de furos para ancorar a sobrelaje na laje existente e também uma ponte de aderência para solidarizar os materiais de diferentes idades. Posteriormente, o preenchimento da forma deverá ser realizado com graute fluído, acrescido com brita nº 0. Conforme já mencionado no parágrafo anterior, não existem projetos de fôrmas ou demais projetos que informam a geometria das tampas de acesso ao conduto, ou da exata geometria interna da galeria. Desta forma foram adotadas algumas premissas para elaborar o projeto de reforço das tampas do conduto. A área, em planta, da gola de IFXP00056/00-3F-RL0010-0D 20 concreto que será demolida é ilustrada na planta de fôrmas desenvolvida pela IFX Engenharia. Na FIGURA 12.1 é identificada (ver hachura) a região da laje que receberá intervenção”



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2.4.10. FALTA DE VEDAÇÃO NAS COMPORTAS.
Sobre a falta de vedação nas comportas da Mauá, conforme amplamente noticiado na imprensa e reproduzido em redes sociais, o Engenheiro Augusto Damiani assim referiu (Evento 0059, p. 6):
“(...) Embora não tenha participado, soube pela imprensa e por estar na época dentro da fábrica do DEP, que na gestão Fortunati foi feita a reforma das comportas, quando um funcionário inclusive lhe mostrou um grande parafuso destinado ao fechamento e vedaçãodas comportascontra o muro. O declarante tem um projeto que lhe foi alcançado por um engenheiro, no qual se vê que há previsão de instalação de uma borracha de vedação no entorno da comporta. Na enchente, a imprensa mostrou que dava para passar um braço entre o muro e a comporta, quando na verdade era para estar encostado. Aquilo estava assim porque alguém foi negligente, alguém não se preocupou, alguém que incorporou o DEP e sua estrutura. Qual foi dos últimos dois prefeitos o responsável não lhe interessa, mas quem fez esse movimento não teve a capacidade de resguardar o conhecimento do DEP, de levar a cultura e de fazer o órgão que o absorveu absorver também a expertise (...)”.
Posteriormente, o mesmo profissional, hoje aposentado, encaminhou o documento por ele referido, que foi juntado no Evento 0061, p. 2, e apresenta o mencionado sistema de vedação.
Impende observar que, em decorrência das cheias de novembro de 2023, esta PJHDOU já havia sido provocada quanto à alegada ausência de motores e vedação das comportas do Muro da Mauá, o que restou analisado no âmbito do feito nº 01304.005.578/2023.
Naquele Expediente, o DMAE, através do Engenheiro Marcos Goulart Machado, em documento datado de 25 de dezembro de 2023, apresentara os seguintes esclarecimentos (Evento 0126):
“(...)
“Sobre a instalação de motores elétricos nas comportas da Av. Mauá, informamos que não é do conhecimento da equipe

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PRCHEIA que algum dia foram instalados, conforme descrito pelo reclamante, acredita-se que nunca tenha existido tal instalação, pois não são observados vestígios de qualquer instalação do tipo, como sistemas de alimentação, quadros de comando, etc. Tais instalações poderiam sofrer danos nas cheias, considerando que as cremalheiras, ponto de eventual conexão com os supostos motoreselétricos, ficam muito próximas ao solo, perto dos trilhos das comportas, pelo lado do rio. Talvez se este suposto sistema com motorização elétrica, tipo portão de garagem,fosse instaladopela parte superiordoportãonãohaveria esse problema, contudo ainda restariam outros problemas, como oriscode furtose depredações,problemasque possivelmente não viabilizaram esta instalação, como dito, não se observa nenhum vestígio dessesequipamentos.Acredita-se,fortemente,que nunca houve tal instalação e o sistema de acionamento existente é o original.Osistema de acionamento/movimentação dascomportas é feito por acionador acoplável, sendo instalado apenas para o fechamento e abertura das mesmas, assim em caso de inundação, não fica embaixo d’água, formato que entende-se fazer mais sentido. Logo, só peças mecânicas que não estragam com a água e não atraem interesse de ladrões, ficam instaladas na comporta, neste caso, a cremalheira e a engrenagem com acoplamento estrela. O sistema é formado pela cremalheira fixada no portão, um eixo sustentado por um mancal com bucha, fixado em uma base própria.Neste eixo porum lado há uma engrenagem que fica em contato com a cremalheira e pelo outro lado do eixo há um acoplamento estrela, para acoplamento ao acionador, que pode ser: elétrico, mecânico, manual, hidráulico, etc. Ainda existe um pequeno trilho onde o acionador acoplável é encaixado. O acionadoracoplável usadoatualmente, é um motorhidráulico que é conectadoem um caminhãomunckporengate rápido.ODMAE conta atualmente com três caminhões adaptados para uso deste motor hidráulico. O Sistema atual foi implantado junto com a última revitalização das comportas finalizada em 2022 (18.0.000101601-2), para garantir confiabilidade, segurança e eficiência. No vídeo 26705002 pode-se verificar o sistema funcionando durante testes de manutenção em 2020. O sistema anterior estava em desuso, não foi utilizado em 2015, como é possível verificar no vídeo de movimentação do portão apresentado no documento do MP (26464474), link https://www.youtube.com/watch?v=thGfLDAZsEM. Segundo relatos de pessoas do antigo DEP, apresentava problemas, danificou circuitos dos caminhões, devido a alta corrente necessária para o motor, considerando que usava um motor DC de 12V que era ligado no sistema elétrico do caminhão.
“ Mesmo com o novo sistema de acionamento em perfeitas condições de funcionamento, como é possível observar na

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abertura do portão 04 na quinta-feira 28/09/2023 (https://www.tiktok.com/@camarapoa/video/728398528014555 8789), as comportas podem ser acionadaspor outros meios, o que de fato foi observado em alguns momentos sendo aplicado pelas equipes do DMAE. A mudança do método de acionamento pode considerar uma necessidade ou simples conveniência. As comportas podem ser acionadas manualmente, empurrando o portão, no caso das menores, ou com auxílio de retroescavadeira ecaminhãomunck.Tambémnãoéincomumhaverproblemasnos trilhos das comportas onde há circulação de veículos pesados, como nas comportas 01, 04, 11, 12 e 14, que podem obrigar serviços e ajustes intempestivos para o fechamento, razão pela qual, em alguns casos, há necessidade de serviços de mecânica e serralheria para os ajustes, bem como o auxílio de máquinas para o fechamento. Sobre a existência de manutenções nos equipamentos, solicita-se considerar as informaçõesapresentadas em 25288983. As comportas desde a antiga SGSPCC/DEP (Seção de Gerenciamento do Sistema de Proteção Contra Cheias do DEP), são inspecionados de tempos em tempos e antes de eventos.Ainda em 2017foi feitoum relatórioonde foi constatado boas condições estruturais em todos os portões, e apesar de apresentarem razoável condição, estando aptas a serem fechadas em caso de necessidade para proteger Porto Alegre de cheias, foi observado a necessidade de algumas ações de manutenção mais contundentes, para melhorar seu funcionamento e dar longevidade aos seus equipamentos. Deste relatório, foi contratado serviços de revitalização e manutenção nas mesmas (6580292) através do PE 378/2018. Em razão da pandemia, os trabalhos foram concluídos em 2022 já na gestão do DMAE. Além disso, a Gerência de manutenção é responsável pelas manutenções de rotina dos sistemas. Neste último evento climático, mesmo antes de serem necessários os fechamentos, foram tomadas medidas preventivas para que as áreas do DMAE, envolvidas no fechamento das comportas, ficassem preparadas para essa medida (23.10.000006127-3). Sendo assim, foram demandadas todas as áreas necessárias e sugeridas medidas de prevenção antecipadamente aos possíveis eventos, para que tudo transcorresse de forma ordenada em caso de necessidade de fechamento. As comportas 12 e 14 foram as únicas que apresentaram maior dificuldade durante o fechamento, não sendo o caso de falta de motor (acionador), foram igualmente revitalizadas no processo de 18.0.000101601-2, porém o reparo dos trilhos inferiores não foi possível, pela falta de autorização da interdiçãoda pista, segundofoi relatado pela área de manutenção. Sendo assim, para o fechamento das comportas, foi solicitado medidas de ajustes antecipadamente e foi necessário uma operação mais complexa. De qualquer forma, mesmo com essa

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dificuldade, não há de se falar em inviabilidade da proteção, que em nenhum momento esteve em risco. As eventuais intercorrências verificadas na operação e funcionamento do sistema, foram atendidas de forma célere pelo DMAE e não resultaram em maiores problemas para o funcionamento do sistema que respondeu de forma satisfatória e protegeu a cidade, como o próprio denunciante explica ao longo do seu texto. Destacamos dois aspectos que precisam ser esclarecidos. O primeiro diz respeito à intercorrência da comporta nº 13, citada na denúncia. Esta comporta apresenta boas condições estruturais, por alguma razão, que ainda não foi analisada pela área técnica, apresentou uma pequena abertura. O método escolhido para resolução do problema foi a deposição de material capaz de gerar a vedação completa do sistema, sendo resolvido a ocorrência. Cabe destacar que a comporta já vinha fazendo o seu trabalho de contenção há longa data, funcionando adequadamente sem indicativos de que poderia apresentar problemas, vedando um volume considerável de água, tendo em vista que está instalada em cota baixa. Está em análise o fechamento definitivo dessa comporta, bem como a possibilidade de fechamento de outras que apresentam a mesma característica. A EQ-PRCHEIA entende que diversas comportas do sistema podem ser lacradas definitivamente, tendo em vista que não são operadas e estão fechadas há muito tempo, como a comporta 13, dessa forma externou esse entendimento no processo de ações preventivas ao fechamento.Osegundoaspectoque mereceesclarecimento,tratase da vedação com sacos de areia. As comportas foram construídas para serem movimentadas sobre trilhos, portanto há roldanas para essa movimentação, que afastam o portão do chão alguns centímetros. Além disso, são sistemas de grande porte e apresentam uma vedação adequada para o qual foram projetadas, não são herméticas. Por exemplo, após o fechamento, restam espaços nos trilhos que necessitam receber algum tipo de vedação, para que grandes volumes de água não ultrapassem a barreira. Por essa razão, são usados sacos de areia para uma melhor vedação, tendo em vista que as laterais apresentam uma borracha onde o portão fica encostado, pressionado por parafuso e pela própriaáguadaelevaçãodoRio.Ométodode vedaçãocom sacos com areia é amplamente utilizado para construções de taipas temporárias, stoplogs, entre outros sistemas de ensecadeiras. É normal que essa vedação resulte em pequenos vazamentos, mas não se trata de volumes capazes de resultar em problemas, além disso o DMAE de forma preventiva, utilizou um volume grande desse material, para minimizar esse vazamento. O volume de água que vaza por esse sistema de comportas, escorre até as bocas de lobo e retorna para o sistema de bombeamento, não impactando na cidade. Esse vazamento, pode ser considerado

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expressivo para pessoasque nãoconhecemosistema pluvial,mas é desprezível para o sistema de bombeamento capaz de bombear milhares de litros por segundo com apenas uma bomba. Considerando as informações, recomenda-se que seja solicitado à GMAN maiores informações sobre a revitalização das comportas e manutenções, caso seja necessário. Verifica-se que não encontram amparo na realidade, as afirmações observadas na denúncia, tendo em vista o amplo material que comprovam: manutenções, investimentos e ações preventivas por parte do Departamento, para que alagamentos resultantes da cheia do Guaíba não ocorram dentro da área protegida do SPCC, s.m.j ”
Parece inequívoco, notadamente diante das assertivas e do documento encaminhado pelo Eng. Damiani, que a falta de uma melhor vedação nas comportas ensejou expressiva entrada d’água na região central desta Cidade de Porto Alegre.
Ocorre que também aqui tal circunstância, de forma isolada, não foi determinante da inundação, tendo constituído, pelo que se concluiu, concausa para os alagamentos. Segundo observara previamente o DMAE, pode-se presumir que o volume de água que adentrou em decorrência das deficiências de vedação poderia ter sido facilmente contornado pela grande capacidade de bombeamento das EBABs do centro.
De fato, a EBAB 17 contava 4 (quatro) bombas e a EBAB 18 outras 5 (cinco) bombas, cada uma delas com vazão de 2,5 m³/s (dois e meio metros cúbicos por segundo), totalizando então 10 m³/s (dez mil litros por segundo) na EBAB 17 e 12,5 m³/s (doze mil e quinhentos litros por segundo) na EBAB 18, o suficiente para fazer frente ao volume decorrente da falta de vedação e das chuvas recolhidas no interior da cidade
De qualquer forma, trata-se de falha reconhecida pelo DMAE e já encaminhada para solução através de melhorias nos sistemas de movimentação e vedação. Além disso, está sendo reduzidoo número de Portões/Comportas do muro e dos diques, assim como a extensão dos vãos somados, que de um total de 155 m (cento e cinquenta e cinco metros) passará a ser de apenas 45 m (quarenta e cinco metros), facilitando sobremaneira o manejo do SPCC (conforme narrado no Evento 0103).

3. DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO.
Conforme já relatado no item 2.1, o Sistema de Proteção Contra Cheias foi estudado, projetado e executado pela União através do extinto DNOS, ainda sob a égide da Constituição Federal de 1967.
Em que pese a posterior assunção dos serviços relativos ao SPCC pelo Município de Porto Alegre, a Constituição Federal de 1988 estabelece que compete à União planejar e promover as medidas de defesa contra inundações, consoante dispositivo que se transcreve:
Art. 21. Compete à União:
(...)
XVIII - planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações;
O texto constitucional é de clareza solar.
Note-se, em especial, que tanto o Ministério Público Estadual quanto o Ministério Público Federal,ainda no ano de 2017, manifestaram o entendimento de que cabe à União aportar recursos direcionados ao sistema em questão.
De fato, através da Recomendação nº 01/2017, o Dr. Celso Três, Procurador da República, e o Dr. Ricardo Schineststk Rodrigues, Promotor de Justiça da Promotoria Regional Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos, recomendaram ao Secretário de Infraestrutura Hídrica do Ministério da Integração Nacional que cumprisse a previsão contida no Inciso II do art. 16 do Decreto nº 8.161, de 18 de dezembro de 2013, e fornecesse apoio técnico-financeiro à operação do Sistema de Controle de Cheias do Rio dos Sinos (Evento 0111, pp. 11/23) que funciona integrado ao SPCC da região metropolitana de Porto Alegre.

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Por não ter sido atendida, o Município de São Leopoldo e o SEMAE - Serviço Municipal de Água e Esgotos ajuizaram ação contra a União, autuada no Eproc sob onº 5023893-06.2017.4.04.7108,julgada improcedentee oraemtramitação no TRF sob o nº 5023893-06.2017.4.04.7108, já contando com Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento dos recursos (Evento 0135).
Note-se que, naquela ação, o MPRS postulou sua habilitação como amicus curiae, tendo o Dr. Alexandre Sikinowski Saltz, Procurador-Geral de Justiça, registrado entendimento no mesmo sentido (Evento 0133):
“Todavia, a reflexão deflagrada pela catástrofe de origem climática que atingiu a Região Hidrográfica do Guaíba e que devastou Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre nos permite agora, ainda que tardiamente, afirmar ser dever constitucional da União assumir o planejamento, a construção, a administração,a manutençãoe a expansãodo sistema de proteção contra inundações da Região Metropolitana, e que na execução dessas ações, decorrentes da competência executiva disposta no artigo 21, XVIII, da Constituição Federal, uma alternativa possível e potencialmente vantajosa é a celebração de consórcio público com o Estado do Rio Grande do Sul e com os Municípios que carecem de medidas estruturais de proteção contra inundações, com base no disposto na Lei n. 11.107/2005”
Tal como os Órgãos ministeriais que subscreveram a Recomendação nº 01/2017, o Procurador-Geral de Justiça e o Procurador da República que exarou o Parecer de 2º grau, entendem os signatários que a obrigação de aportar recursos e, no mínimo, apoiar a gestão do sistema, é da União.
Merece especial destaque o seguinte trecho da manifestação do digno Procurador-Geral de Justiça na açãoem que postulou a habilitaçãodeste Ministério

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Público como amicus curiae junto à ação que tramita na esfera federal, já que registrou entendimento na mesma linha dos signatários (Evento 0133):
“Refletindoagora sobreodesastrecatastróficoqueatingiu a Região Hidrográfica doGuaíba em maiode 2024, parece óbvio que a conduta omissiva e indiferente à sua responsabilidade constitucional adotada pela União está na origem e é uma das causa do desastre. Tivesse ela firmado convênios com o Estado e os Municípios, instituindo instrumentos eficientes de cogestão interfederativa, o sistema de proteção contra cheias da região provavelmente não teria colapsado como colapsou. Tendo deixado o sistema inconcluso, como evidenciou o Município de São Leopoldo nesta ação judicial, e sob administração fragmentada de cada Município da Região Metropolitana, a União criou as condições para a insuficiência e a deficiência da manutenção das estruturas existentes” - grifamos
Ademais, como se não bastasse a expressa previsão constitucional,o SPCC - Sistema de Proteção ContraCheiasde PortoAlegre foiprojetado e executado pela União, donde se torna evidente e inequívoca sua responsabilidade.
4. DO CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR.
Dada a magnitude da Enchente Histórica de 2024, já descrita no item 2.3 desta promoção, e também a impossibilidade de o poder público deter seus efeitos com os meios de que dispunha, parece inequívoco que se está diante de evento caracterizador de caso fortuito ou força maior.
Assim dispõe o Código Civil:

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Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verificase no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Sobre o assunto, vale transcrever o magistério do Professor Sílvio Rodrigues:
“Na opinião deste monografista, o caso fortuito ou de força maior contém dois elementos: a) um elemento subjetivo, representado pela ausência de culpa; b) um elemento objetivo, constituído pela inevitabilidade do evento.
a) A ausência de culpa é elementar na concepção do caso fortuito, porque, desde que o comportamento do agente facilitou ou concorreu para a ocorrência do evento malsinado, não se pode falar em fortuito, mas se deve atribuir a tal comportamento a origem parcial ou total do fato lamentado.
b) A inevitabilidade do evento também compõe o conceito de fortuito, pois, se o fato for resistível e o credor não o houve superado, tal se deve a sua imprevidência,imprudência,imperícia ou negligência, isto é, a sua culpa.
O critério a ser adotado para medir a inevitabilidade do evento não é puramente abstrato, ou seja, tendo em vista um homem médio, mas sim considerando-se também os elementos exteriores ao obrigado e ao seu raio de atividades econômicas, não desprezando a possível conduta de outros indivíduos, em condições objetivas análogas, como ensina ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA.
A imprevisibilidade do evento não constitui requisito do caso fortuito, pois, embora previsível o fato, não raro a vítima não se pode furtar à sua ocorrência, nem lhe resistir aos efeitos. A imprevisibilidade pode, contudo, intensificar a irresistibilidade, pois, se o devedor não podia prever o acontecimento, mais difícil lhe seria resistir aos efeitos.
É em tal sentido que se deve interpretar o parágrafo único do art. 393, quando define o fortuito como o fato necessário (isto é, evento inescapável, ainda que diligente o devedor), cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (portanto, irresistível).
A sinomínia entre asexpressões casofortuito e forçamaior, por muitos sustentada, tem sido por outros repelida,

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estabelecendo, os vários escritores que participam desta última posição, critério variado para distinguir uma da outra.
Dentre as distinções conhecidas, AGOSTINHO ALVIM dá notícia de uma que a doutrina moderna vem estabelecendo e que apresenta, efetivamente, real interesse teórico. Segundo referida concepção, o casofortuito constitui um impedimento relacionado com a pessoa do devedor ou com sua empresa, enquanto a força maior advém de um acontecimento externo” ( RODRIGUES, Silvio, Direito Civil, vol. 2, Parte Geral das Obrigações, pp. 238/239, 30ª edição, Saraiva, 2002) – os grifos são do Ministério Público
No mesmo sentido, cabe também apontar a lição do eminente doutrinador Caio Mário da Silva Pereira:
Consagrando o nosso Direito o princípio da exoneração pela inimputabilidade, enuncia-se em tese a irresponsabilidade do devedor pelo prejuízo, quando resultam de caso fortuito ou de força maior. Não distingue a lei a vis maior do casus, e assim procede avisadamente, pois que nem a doutrina moderna nem as fontes clássicas têm operado uma diversificação bastante nítida de um e outra figura. Costuma-se dizer que o caso fortuito é o acontecimentonatural, ouoeventoderivado da força da natureza, ou o fato das coisas, como o raio do céu, a inundação, o terremoto. E, mais particularmente, conceitua-se a força maior como o damnum que é originado do fato de outrem, como a invasão do território, a guerra, a revolução, o ato emanado da autoridade (factum principis), a desapropriação, o furto, etc. Outras distinções, e não poucas, apontam-se ainda, sem contudo oferecerem gabarito determinante e hábil a efetuar a diferenciação.Preferívelserámesmo,aindacomaressalvadeque pode haver um critério distintivo abstrato, admitir que na prática os dois termos correspondem a um só conceito (Colmo), unitariamente considerado no seu significado negativo da imputabilidade, com a advertência que será feita ao final desta análise. É importante observar que o imponderável quebra o desdobramento normal dos acontecimentos, o que motiva a não responsabilização de qualquer pessoa na hipótese.
Sem descer a uma distinção que destaque os extremos do caso fortuito e da força maior, o legislador de 2002 os reuniu como uma causa idêntica de exoneração do devedor e resolução absoluta da obrigação, oque para o Direitosuíçojáfoiigualmente notado Conceituou-osem conjuntocomoofatonecessário,cujos efeitos não era possível evitar ou impedir, conceito que bem se ajusta à noção doutrinária, abrangente de todo evento não

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imputável, que obsta ao cumprimento da obrigação sem culpa do devedor. Aprofundando na dissecção do princípio, a doutrina sustenta que o legislador pátrio filiou-se ao conceito objetivista. Basta, pois, apurar os requisitos genéricos: a) Necessariedade Não é qualquer acontecimento, por mais grave e ponderável, bastante para liberar o devedor, porém, aquele que impossibilita o cumprimento da obrigação. Se o devedor não pode prestar por uma razão pessoal, ainda que relevante, nem por isto fica exonerado, de vez que estava adstrito ao cumprimento e tinha de tudo prever e a tudo prover para realizar a prestação. Se esta se dificulta ou se torna excessivamente onerosa, não há força maior ou caso fortuito. Para que se ache exonerado, é indispensável que o obstáculo seja estranho ao seu poder, e a ele seja imposto pelo acontecimento natural ou pelo fato de terceiro, de modo a constituir uma barreira intransponível à execução da obrigação.
b) Inevitabilidade. Mas não basta que à sua vontade ou à sua diligência se anteponha a força do evento extraordinário. Requerse, ainda, que não haja meios de evitar ou de impedir os seus efeitos, e estes interfiram com a execução do obrigado Muito frequente é, ainda, encontrar-se, entre os doutrinadores, referência à imprevisibilidade do acontecimento, como termo de sua extremação. Não nos parece cabível a exigência, porque, mesmo previsível o evento, se surgiu como força indomável e inarredável, e obstou ao cumprimento da obrigação, o devedor não responde pelo prejuízo. Às vezes a imprevisibilidade determina a inevitabilidade, e, então, compõe a etiologia desta. O que não há é mister de ser destacado como elemento de sua constituição” (PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, vol. II, Teoria Geral das Obrigações, Forense, 30º edição, pp. 336/338) –grifamos.
Também analisando o tema, ensina Carlos Roberto Gonçalves:
“O caso fortuito geralmente decorre de fato ou ato alheio à vontade das partes: greve, motim, guerra. Força maior é a derivada de acontecimentos naturais: raio, inundação, terremoto. Ambos, equiparados no dispositivo legal supratranscrito, constituem excludentes da responsabilidade porque afetam a relação de causalidade, rompendo-a, entre o ato do agente e o dano sofrido pela vítima.
(...)
“Para SÍLVIO RODRIGUES, ‘os dois conceitos, por conotarem fenômenos parecidos, servem de escusa nas hipóteses

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de responsabilidade informada na culpa, pois, evidenciada a inexistência desta, não se pode mais admitir o dever de reparar.
Na lição da doutrina exige-se, pois, para a configuração do caso fortuito, ou da força maior, a presença dos seguintes requisitos: a) o fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor, pois, se há culpa, não há caso fortuito; e reciprocamente, se há caso fortuito, não pode haver culpa, na medida em que um exclui o outro. Com dizem os franceses, culpa e fortuito, cessontdeschosesquehurlentdesetrouverensemble; b) o fato deve ser superveniente e inevitável; o fato deve ser irresistível, fora do alcance do poder humano” (GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro, vol. 4 –Responsabilidade Civil, pp. 493/494, 19ª edição, Saraiva, 2024).
A Professora Maria Helena Diniz não destoa ao analisar a questão:
“(...) Na força maior conhece-se o motivo ou a causa que dá origem ao acontecimento, pois se trata de um fato da natureza, como, p. ex., um raio que provoca incêndio, inundação, que danifica produtos ou intercepta as vias de comunicação, impedindo a entrega da mercadoria prometida, ou um terremoto que ocasiona grandes prejuízos etc. Implica, portanto, uma ideia de relatividade, já que a força do acontecimento é maior do que a suposta, devendo-se fazer uma consideração prévia do estado do sujeito e das circunstâncias espaciotemporais para que se caracterize como eficácia liberatória de responsabilidade civil” (DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileira, Vol. 2., Teoria Geral das Obrigações, Saraiva, 2024, 39ª edição, p. 389).
Convém observar, outrossim, que a Justiça Federal, tratando dos efeitos da Enchente de 2024, decidiu nesse mesmo sentido, tal como consta na seguinte notícia, extraída do site do TRF44 e que refere sentença da lavra da Dra. Maria Isabel Pezzi Klein:
União não tem responsabilidade sobre os prejuízos causados pelo evento climático de maio de 2024
10/01/2025- 16h28
Atualizada em 10/01/2025 - 16h33
4 https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=28833 –acesso em 03.06.2024.

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A 9ª Vara Federal de Porto Alegre negou o pedido de um homem para que a União fosse responsabilizada pelos prejuízos que ele sofreu em decorrência das enchentes que assolaram o estado gaúcho em maio de 2024. A sentença, publicada na terçafeira (7/1), é da juíza Maria Isabel Pezzi Klein.
O autor ingressou com a ação contra a União, o Estado do RS e o Município de Cachoeirinha (RS) narrando que perdera sua fonte de renda, proveniente de aluguéis, quando houve a enchente. Ele afirmou que o inquilino da casa situada no bairro Parque da Matriz teve que deixar a residência, por 25 dias, em razão do alagamento. Ele sustentou que essa situação impõe aos réus o dever de indenizar, diante da responsabilidade objetiva atribuída às pessoas jurídicas de direito público.
Em suas defesas, os réus sustentaram a excludente de responsabilidade em função do evento ser classificado como de força maior, dada a natureza inevitável e imprevisível.
Ao analisar a competência da Justiça Federal para julgar a ação, a magistrada destacou que o autor cumulou pedidos contra três réus. Para ela, embora haja conexão entre eles, as causas de pedir são completamente diversas e independentes.
“A responsabilidade da União é afirmada em razão da negligência em oferecer segurança aos cidadãos por meio de planejamento e prevenção a desastres. Já a responsabilidade dos demais estaria relacionada às questões de infraestrutura dos equipamentos públicos: drenagens de redes urbanas, fiscalização de obras, e, especialmente, manutenção do bombeamento e das comportas para evitar a inundação em Porto Alegre”.
Ela concluiu que não há “razão para reunião dos pedidos contra réus que atraem competência de justiças diversas (estadual e federal), o processo deve ser cindido, de modo a se manter na Justiça Federal apenas a demanda contra a União”. Assim, os pleitos contra o Estado do RS e o Município de Cachoeirinha passaram para a Justiça Estadual.
A juíza pontuou então que é preciso avaliar se houve participação da União nos prejuízos causados pelo evento climático, seja por ação ou omissão, ou se decorreu sem que houvesse previsibilidade, o que excluiria sua responsabilidade. Para ela, não é razoável atribuir ao Poder Público o dever de precaver-se quantos aos danos experimentados, pois, ainda que a União tenha centros de pesquisa e programas de assistência social, não tem como prever o enorme volume pluviométrico que se abateu sobre o estado gaúcho em curto intervalo de tempo.
“Não é possível ao Ente Federal se antecipar a todas as catástrofes que, rapidamente, se multiplicam em decorrência do aquecimento do planeta, pois, infelizmente, nem mesmo a Ciência detém dados suficientes para compreensão dos desastres climáticos que grassam pelas mais variadas regiões”.

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Assim, Klein concluiu que não se constatou o nexo de causalidade entre culpa ou omissão da União e os prejuízos decorrentes das enchentes. Ela julgou improcedente a ação, mas cabe recurso às Turmas Recursais.
Nucom/JFRS (secos@jfrs.jus.br)
Transcreve-se o seguinte excerto diretamente do decisum5:
No caso das enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul e, com isso, promoveram prejuízos incalculáveis a milhares de cidadãos, seria irrazoável atribuir ao Poder Público o dever de precaver-se quanto aos danos experimentados. A União, ainda que mantenha centros de pesquisa e programas de assistência social, não teve como prever o enorme volume pluviométrico que se abateu sobre o Estado em um curto intervalo de tempo.
Nesse aspecto, a responsabilidade do Estado se esgota quando se rompe o nexo de causalidade, como ocorrido no referido evento climático catastrófico do ano de 2024. Embora seja minimamente previsível queumaenchente desteportepossa ocorrer num intervalo de décadas, as bacias hidrográficas que compõem o sistema do Lago Guaíba vieram a inundar as cidades da região metropolitana nesta proporção em um período mínimo, não dando chances ao Ente Federal de promover, conjuntamente com os demais Poderes Públicos, ação coordenada para retirada das famílias em antecipação ao fenômeno.
Não é possível ao Ente Federal se antecipar a todas as catástrofes que, rapidamente, se multiplicam em decorrência do aquecimento do planeta, pois, infelizmente, nem mesmo a Ciência detém dados suficientes para compreensão dos desastres climáticos que grassam pelas mais variadas regiões.
Apropósito,sobre a atipicidade doíndicepluviométrico, há entendimento da Corte Regional de que, inexistindo potencial para enchente em condições normais de precipitação, falece também a responsabilidade do Estado, porquanto não há como prever tamanho volume de chuva em curto espaço de tempo: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ENCHENTE NO MUNICÍPIO DE SÃO LOURENÇO DO SUL/RS. PERÍCIA JUDICIAL. EVENTO NÃO PREVISÍVEL BACIAHIDROGRÁFICAQUENÃOAPRESENTAPOTENCIAL PARA ENCHENTES E INUNDAÇÕES. CHUVAS ATÍPICAS.
5 Processo nº 5041124-26.2024.4.04.7100

GRANDES PRECIPITAÇÕES PLUVIOMÉTRICAS EM CURTO PERÍODO DE TEMPO.
Se a períciajudicial avaliou as condiçõeshidrográficas da bacia do Arroio São Lourenço e concluiu que ela não tende a apresentar potencial para enchentes e inundações em condições normais de precipitação, bem assim que o evento climático que ocorreu em São Lourenço do Sul nos dias 9 e 10 de março de 2011 foi atípico dadas as grandes precipitações pluviométricas em um curto período de tempo, afasta-se a alegação de previsibilidade da enchente. Nesse caso, dada a excepcionalidade do evento, não se pode concluir que os órgãos públicos demandados foram omissos por descumprirem deveres legais de impedir o evento danoso, o que afasta a ilicitude dos atos.(grifo nosso)
(Apelação Cível Nº 5007624-90.2011.4.04.7110/RS, Relatora Des. VÂNIA HACK DE ALMEIDA, publicação em 18/02/2020)
Não houve, portanto, como prever o acontecimento que gerou os prejuízos à parte autora e, diante deste inegável desconhecimento por parte da União Federal, extingue-se o nexo de causalidade que imputaria ao Ente Federal a responsabilidade subjetiva ou mesmo objetiva, posto que inexistiu conduta omissiva no que se refere à prevenção do fenômeno, flagrantemente atípico e,quiçá, omais danoso já enfrentado nesta região do Brasil.
Diante deste cenário, não exsurgiu o necessário nexo de causalidade entre culpa/omissão da União e os prejuízos decorrentesdascheias, sendoa improcedência daaçãoodesfecho mais adequado para a matéria trazida a julgamento – os grifos constam no original
5. CONCLUSÕES.
Em síntese, pode-se considerar como principais causas para os alagamentos: a própria magnitude do evento, sem registro precedente e caracterizador de caso fortuito ou força maior; o fato de o SPCC - Sistema de Proteção Contra Cheias, projetado e construído pela União, nunca ter sido testado; as deficiências posteriormente detectadas na execução do projeto, tais como diques construídos com cotas inferiores em algunspontos,com alturas insuficientespara fazerfrente à cheia,e Casasde Bombas com câmaras de descarga baixas (EBABs 17 e 18); o rompimento da Comporta 14; o rompimentodo Dique do Sarandi;a sobreposiçãodaAv.AssisBrasil - Acessoà Freeway, e o deslocamento das tampas dos condutos forçados.

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Como concausas relevantes, aponta-se: o rebaixamento do dique na área situada ao lado da Usina do Gasômetro; a ausência de fechamento da porta da mesma usina; a falta de vedação nas comportas do Muro da Mauá e da Av. Castelo Branco; o rebaixo das áreas situadas na Av. Ernesto Neugebauer e adjacentes à antiga linha férrea.
Deixa-se aqui de tecer considerações em torno dos alagamentos decorrentes de interrupções do funcionamento de Casas de Bombas pelos cortes de energia elétrica (caso dos Bairros Menino Deus, Praia de Belas, etc.), porquanto promovidos pela concessionária exatamente porconsequência das causas retroapontados.
De qualquer forma, parece correta a conclusão de que o sistema de proteção planejado para a Cidade de Porto Alegre efetivamente tinha como referência a cota de alagamento verificada na Grande Enchente de 1941, acrescida de margem de segurança, tal como explanado no item 2.4.1. Era, portanto, incapaz de suportar o volume de águas das cheias de maio de 2024.
De outro lado, não se pode deixar de destacar que Porto Alegre está localizada na bacia hidrográfica do Lago Guaíba, que integra um sistema hídrico de grande complexidade e importância estratégica para o estado do Rio Grande do Sul. Essa bacia é formada pelo encontro das águas dos principais rios da região central do Estado: Jacuí, Caí, Sinos e Gravataí, que deságuam no Guaíba, o qual, por sua vez, alimenta a Laguna dos Patos e se conecta com o Oceano Atlântico. Em maio de 2024, a bacia do Guaíba sofreu o maior evento de cheia da história registrada da capital gaúcha, tendo o sistema de Proteção de cheias colapsado também em outras cidades da região metropolitana – Novo Hamburgo, São Leopoldo e Canoas. Toda a região metropolitana de Porto Alegre foi acometida pelos eventos climáticos.
Resta evidente que os fatores responsáveis para as cheias dentro desta cidade de Porto Alegre transcenderam em muito as últimas administrações municipais, podendo-se dizer, inclusive, que algumas delas perpassaram todos os governos que geriram a PrefeituraMunicipal de Porto Alegre desde a implantação do SPCC, que ocorreu no início dos anos 70.
Nesse contexto, dada a apontada responsabilidade da União em torno do Sistema de Proteção Contra Cheias; o fato de as falhas principais terem sido

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resultado de obras do extinto DNOS; a caracterização de caso fortuito ou força maior; a circunstância de o sistema ter colapsado também em outras cidades da região metropolitana – Novo Hamburgo, São Leopoldo e Canoas; o reconhecimento de que falhas menores constituíram concausas para os eventos; os indicativos de que os administradores municipais não tinham conhecimento das deficiências do sistema, que, felizmente, nunca havia sidocolocadointegralmente à prova,conclui-secomo inexistente responsabilidade da Prefeitura Municipal de Porto Alegre ou de seus agentes em torno da Enchente Histórica de maio de 2024.
Note-se ainda que, embora as águas tenha entrado em Porto Alegre, o SPCC evidentemente atrasou o alagamento, viabilizando o refúgio da populaçãoemáreasseguras.Mesmosendo estaCapitalsignificativamentemaispopulosa, o número de óbitos registrados – 5 (cinco) - foi significativamente menor quando comparado com o de outras localidades (Evento 0129)
Ante o exposto, determinamos o arquivamento do presente Inquérito Civil, a teor do disposto no art. 9º da Lei nº 7.347/85.
Registra-se, para os efeitos do art. 22, § 7°, do Provimento n° 71/2017 da Procuradoria-Geral de Justiça, que não se vislumbra hipótese de ilícito penal. Ciência ao representante Mathias Elter, ao Deputado Matheus/interessado e ao Município de Porto Alegre.
Após, remeta-se ao Conselho Superior do Ministério Público fins de análise desta promoção de arquivamento.
Porto Alegre, 01 de julho de 2025.
Luís Felipe de Aguiar Tesheiner, Martha Weiss Jung, Promotor de Justiça. Promotora de Justiça.