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A história do Simca

o luxuoso simca

O Simca brasileiro tem ascendências italiana, francesa e norte americana

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Ao lado, o Simca Huit Coupé, de 1939. Abaixo, o Simca sendo apresentado na nova capital federal, Brasília

Não vou começar a contar a história do Simca dizendo que a marca francesa teve suas origens na Fiat. Nem que o italiano naturalizado na França, Henri-Théodore Pigozzi, produzia pequenos modelos da marca italiana incorporando o ativo de algumas marcas francesas, para não pagar impostos de importação. E que essa operação toda, logicamente aqui simplificadamente descrita, deu origem O Simca francês, um Vedette Trianon de 1956 à Société Industrielle de Mécanique et Carrocerie Automobile, empresa que ficou conhecida por seu acrônimo SIMCA. Bem, agora já contei.

Os primeiros carros surgiram em 1935 e levavam a marca SIMCA-FIAT, orgulhosamente franceses. Assim, o Fiat Balilla passou a ser o Simca-Fiat 6CV e o Fiat Ardita o Simca-Fiat 11 CV. Até o pequeno Fiat Topolino foi produzido e vendido na França como Simca-Fiat 5CV, a partir de 1936. O primeiro modelo da Simca com carroceria própria, diferente das versões da Fiat, foi o Huit Cabriolet, de 1949, derivado do Huit Coupé do pré-guerra e que trouxe muito renome à marca francesa. A montagem desse carro era feita pela Façel-Métallon (com c cedilha mesmo), que na década seguinte imortalizaria o Facel Vega, com motor Chrysler V8. Em 1951 a Simca lançou seu mais importante automóvel, o pequeno e moderno Aronde, que foi um sucesso em vendas. Desse carro podemos tirar a explicação de a Simca ter adotado uma andorinha estilizada em seu logotipo: Aronde era a pronúncia medieval da palavra hirondelle, que, em francês, significa andorinha. Estamos chegando ao Simca por nós mais conhecido, o brasileiro. Em Este é um Simca Vedette Beaulieu de 1957 1954, Pigozzi resolveu que a Simca fabricaria automóveis com o glamour dos modelos americanos. Assim, comprou a Ford France, que já produzia o Ford Vedette – Vedette era o nome de um navio de guerra do século 19. A jogada não foi muito inteligente, pois a Ford não ia bem das pernas na França e o Vedette era muito ultrapassado, pois era uma miniatura dos Ford pré-guerra. A própria Ford americana não apostou nesse carro, já que, desde 1949, seus modelos passaram por uma grande revolução estilística. ç

A Simca, no entanto, “herdou” um novo Ford Vedette, desta vez um Ford 1953 em menor escala, já com o ultrapassado V8 com cilindrada aumentada para 2.335 cm3 e que passou a se chamar Simca Vedette. Em 1957, a Simca lançou uma versão simpliificada do Vedette, com motor de quatro cilindros do Aronde, e que chamou de Ariane, mas que não resolveu o problema de vendas. As marcas concorrentes Peugeot, Renault e Citroën estavam engolindo a Simca, que ainda se mantinha com o Aronde. Foi quando Pigozzi resolveu estudar a oferta que lhe fez, em 1956, o novo presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek.

Lançamento do Simca, em 1959, em São Bernardo

O Kit Continental no Presidence de 1960 e o Simca 1961 com novo friso e uma andorinha no para-lama dianteiro

Assim, o Simca Vedette morreu na França e renasceu no Brasil. A Simca brasileira, que também tinha seu pomposo nome – Sociedade Industrial de Motores, Caminhões e Automóveis, foi fundada em 5 de maio de 1958, em Belo Horizonte, MG, mas a fábrica foi montada em São Bernardo do Campo, SP.

Os primeiros Simca saíram dessa fábrica em 1959, mas o maquinário para sua produção só chegou em 1960, depois que a Simca francesa parou de produzir o Vedette. As obscuras informações que se tinha na época levam a concluir que os primeiros Simca brasileiros vieram prontos e alguns foram apenas montados aqui.

O lançamento oficial do Simca foi em 1959, na fábrica de São Bernardo. O modelo principal era o Simca Chambord, nome de um castelo francês, sendo que os primeiros 1.217 carros desse ano vieram com o nome Vedette no painel, que era todo escrito em francês.

O Simca Presidence chegou em 1960, com pompa e circunstância em um grande evento no Clube Transatlântico, em São Paulo.

O Presidence era uma versão mais luxuosa do Chambord, equipada com estofamento de couro, pastas para documentos no encosto do banco dianteiro, apoios de braços escamoteáveis nos bancos dianteiro e traseiro, barzinho embutido, com garrafa de uísque, copos e cigarreira, e rádio com dois alto-falantes.

O motor do Simca Presidence era mais potente, com 90 cv ao invés dos 84 cv do Chambord, graças à dupla carburação e ao escapamento duplo. A maior diferenciação do modelo, no entanto, era o que lhe conferia o maior charme, o Kit Continental, com o pneu de estepe instalado fora e que aumentava a capacidade do porta-malas. No para-choque traseiro, a inscrição “Simca do Brasil” o diferenciava do francês.

Em 1961, o painel de instrumentos dos Simca passou a ter as inscrições em português e, na metade do ano, as modificações foram o friso lateral contínuo, sem a curva central, e adoção de uma andorinha nos paralamas dianteiros. No motor, alguns aperfeiçoamentos elevaram a potência para 90 cv. ç

O Simca Chambord de 1962 voltou a ter o friso lateral com a curva central, que ganhou um novo emblema marcando a série Três Andorinhas. O motor teve melhorias internas, aumentando a potência para 92 cv, e as novas calotas deixaram de imitar rodas raiadas.

O Simca Rallye foi lançado ainda em 1962. Tinha o motor com cilindrada aumentada de 2.351 cm3 para 2.432 cm3, dois carburadores e escapamento duplo, chegando aos 100 cv. O Simca Presidence teve as mesmas melhorias.

No interior, o Simca Rallye tinha o encosto do banco dianteiro dividido em 1/3-2/3, revestido de couro, e apoio de braços escamoteável no banco traseiro. O mais bacana do Simca Rallye eram as duas entradas de ar circulares no capô.

Mais um Simca foi apresentado em 1962, no Salão do Automóvel: a perua Jangada, que inovou a família com a adoção das três marchas sincronizadas, adotadas nos outros modelos no ano seguinte. Essa série foi chamada de 3 Sincros e tinha um novo emblema correspondente, nos para-lamas dianteiros.

O Simca Jangada vinha com um elegante bagageiro no teto, para ampliar a bagagem em uma viagem e para permitir que se utilizassem dois banquinhos escamoteáveis para crianças no porta-malas. Isso porque, para acionar os banquinhos, era necessário retirar o estepe. No ano seguinte, foi oferecida uma perua Jangada simplificada, sem bagageiro e sem os banquinhos.

A perua Simca Jangada vinha com um bagageiro no teto e banquinhos escamoteáveis para crianças, no porta-malas

Uma versão “pelada” do Simca foi lançada em 1963, chamada de Alvorada. Não tinha cromados, as calotas eram simples e havia apenas um friso simples nas laterais. No interior, foram suprimidos muitos itens, como o relógio de horas e o esguichados de água no para-brisa. Como o Simca era visto como um carro de muita classe, bastante luxuoso, é fácil concluir que o fracasso comercial do Alvorada se deveu à não aceitação de um Simca tão desprovido de sofisticação. ç

Conheça a história toda

apesar de ter durado menos de uma década no país, o Simca tem uma história rica, cheia de detalhes. Quem quiser conhecer todos esses detalhes, inclusive com informações interessantes dos bastidores, desde a fase francesa até seus últimos dias no Brasil, poderá saborear o livro escrito pelo Dr. Paulo cesar Sandler e por Rogério De Simone. É claro que eu não sei de cor todas as passagens que escrevi aqui e, para isso, recorri a essa publicação. Posso dizer que tive a honra de escrever o prefácio desse livro, lembrando de como foi a minha história com o Simca. E tomo a liberdade de transcrever o que já havia escrito nesse livro naquele ano de 2005.

“O Simca faz parte da minha história. Talvez porque temos a mesma idade, ou, quem sabe, porque cresci no banco de trás de um deles. Ou melhor, de vários deles. Uma cena corriqueira que nunca me esqueço: eu, de pé, segurando no encosto do banco dianteiro de um Simca. Gostava do ronco do V8 e de contemplar meu pai dirigindo aquele carro sofisticado, cheio de botões e alavancas no painel, bem diferente de qualquer outro modelo que ele eventualmente dirigia. Enquanto a maioria das pessoas preferia um Volkswagen, pela simplicidade, ou um aero Willys, pela robustez, ele ficava com o Simca, pelo desempenho. Eram vários em casa, inclusive os de competição. Essa familiaridade com o Simca me fez conhecer bastante sobre os modelos e ter uma profunda admiração pela marca, mas o que meus anos de criança não me permitiam saber era a completa história da Simca, desde os primórdios, até seu fim. mesmo conhecendo, aos poucos, algumas passagens mais notórias dessa saga, o conteúdo deste livro me fez viajar no tempo, recordando, com fatos, histórias que estavam perdidas na minha lembrança. Poucas vezes temos a oportunidade de ver tal aprofundamento no relato da história. Neste caso, não apenas frios dados sobre os modelos, ou o porquê ele veio a se tornar um produto brasileiro, mas, principalmente, todas as razões para que ele existisse em nossos dias, e se tornasse o sucesso que foi. Tudo isso sem esquecer a sua importância na história mundial, que está aqui mostrada com toda a competência. Ou seja, a história do carro e da marca estão firmemente atrelados aos acontecimentos que afetaram os rumos do planeta no século 20. assim como a mim, que acompanhei a trajetória do Simca chambord, do alvorada, do Presidence e de todos os outros, com a curiosidade de um garoto, e que agora posso conhecer mais a fundo sobre detalhes antes ignorados, acredito que este trabalho possa abrir horizontes para muitos outros, principalmente àqueles que estão começando agora o interesse por tudo o que já foi importante um dia. como é o caso do Simca”.

Em 1964 chegou o Simca Tufão, com vidros maiores e nova lanterna traseira

O Simca Tufão chegou em 1964, com muito alarde. Entre as muitas melhorias funcionais, o carro estava visualmente mais moderno, com o teto mais alto, vidros maiores e com uma nova lanterna traseira.

Na frente, o adorno do capô saiu e a grade ganhou um emblema preto. O Simca Rallye Tufão trocou as entradas de ar circulares por outras menores, nas laterais do capô.

O motor do Tufão passou a ter 4.414 cm3, com escape duplo e potência de 100 cv. Simca Rallye e Presidence tinham o novo motor Super Tufão, com dois carburadores sequenciais, 2.505 cm3 e 112 cv.

Internamente, o Tufão passou a ter velocímetro marcando até 180 km/h e, para mim, o mais icônico desse carro, um comando no painel para alterar o avanço do distribuidor.

A versão Tufão da perua Jangada só chegou em 1965, com ligeiras alterações na carroceria, novas lanternas e duas maçanetas na porta traseira. Nesse ano a linha recebeu a ignição transistorizada e voltou a ter uma versão pelada, o Profissional. Ainda mais despojado que o anterior Alvorada, o Simca Profissional tinha financiamento oficial do governo. ç

miNha hiSTóRia cOm O Simca

De todos os carros que habitavam o quintal da minha casa, talvez tenha sido o Simca o que eu mais gostava. Eram vários, os de teste para a revista, que meu pai trazia e eu imediatamente sentava ao volante para “pilotá-lo”, e os dele, que nos levavam em viagens e também participavam de competições. Para todos os fins, inclusive nas pistas, o Simca era o carro preferido do Expedito, até a chegada do Opala. mas até então, eu aprendi a também gostar e respeitar nosso melhor V8. Uma foto no quintal de casa com minhas irmãs ao lado de um Simca alvorada de número 60 (o número preferido dele) me fez lembrar do primeiro. mas foi um Rallye Tufão 1965 que mais me marcou. É o do meio na foto de capa desta edição. meu pai cuidava dele com muito cuidado, o que ele não fazia com outros carros seus. Na hora de montar mais um Simca para as pistas, ele comprou um 1959 e montamos o carro em casa, exatamente onde hoje tenho o meu escritório. Os ganchos no teto e a velha talha de correntes para trocar o motor ainda estão aqui, mais de 50 anos depois. Pintamos esse 1959 de dourado e ficou tão bonito que até dava pena de correr com ele. O que eu mais curtia no Simca era o fabuloso ronco daquele flathead com dois escapamentos diretos. O GTX de teste também me marcou bastante. a revista Quatro Rodas usava, nessa época, um trecho reto e plano, de bom asfalto, no Recreio dos Bandeirantes, e dessa vez eu fui junto. Foi a primeira vez que eu fui ao Rio de Janeiro, em janeiro de 1969, e meu pai foi com o cronômetro na mão, pisando tudo o que podia na velha Via Dutra. Fazia parte do teste, dizia ele.

Os últimos Simca: Tufão Presidence, Esplanada, Regente e GTX

Mais uma grande novidade, em 1966: além da série Tufão, que ficou com o Chambord e a perua Jangada, o Simca passou a ter a nova linha EmiSul, com o Chambord EmiSul, o Rallye Especial e o Presidence. O motor EmiSul foi uma adaptação de um kit para o velho flathead de válvulas laterais, que recebia câmaras hemisféricas e válvulas no cabeçote. Tecnologia inspirada nos motores da Chrysler, que, nesse momento, era acionista da Simca. O EmiSul, mesmo com cilindrada menor, de 2.410 cm3, chegava aos 140 cv.

No fim desse ano, 1966, chegaram os novos Regente e Esplanada, o primeiro uma versão simplificada, mas sem os exageros dos anteriores Alvorada e Profissional. O carro era o mesmo, apenas mudava a frente e a traseira, bem mais atualizadas. A marca Chrysler só foi adotada nesses modelos em 1967, quando também foi melhorado o visual dos carros, com faróis duplos e lanternas traseiras mais delicadas. Foi em 1968 que surgiu o Simca mais legal de todos os tempos – ou seria um Chrysler? Para mim, todos serão eternamente Simca. Era o GTX. Simca Esplanada GTX ou apenas GTX? A Chrysler não fazia questão de certificar o sobrenome desses carros, apenas punha uma plaquinha na traseira com a inscrição “Fabricado pela Chrysler do Brasil”. O GTX era um Simca com tudo aquilo que se gostaria de ter: motor EmiSul de 130 cv, bancos individuais com câmbio de quatro marchas com alavanca no assoalho, volante esportivo Walrod, pneus radiais “cinturato” e uma pintura esportiva com faixas pretas. Os últimos GTX tiveram, ainda, motor novamente com 140 cv e embreagem com acionamento hidráulico. l