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Voando sobre rodas
A cena do skate volta a dominar as ruas de Ribeirão Preto
Passeata a favor da legalização do skate em SP, em 1988
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MAYLA SHIVA
Aedição dos Jogos Olímpicos 2020, sediada em Tóquio, oficializou um esporte que já está presente nos principais centros urbanos do mundo há muito tempo: o skate.
Com a popularidade em alta após vitória nas Olimpíadas — de acordo com o Google, as buscas pela palavra “skate” no mecanismo de pesquisa e compra registraram um pico após a conquista de medalhas por brasileiros — muitos brasileiros estão interessados em acompanhar e consumir cada vez mais o universo que envolve o tema.
“O skate ensina muito. Cair e levantar são partes do processo, é preciso ter paciência e persistência, aguentar a dor na canela para puxar aquela manobra, você aprende sobre amizade, liberdade, respeito e descobre que no rolê, todo mundo é igual”, é assim que o designer Marcos Veras, de 24 anos, que tem o skate como hobbie desde 2013, descreve o significado do esporte na sua vida.
Mas, apesar de cair nas graças do grande público nacional agora, o skate e seus praticantes — denominados skatistas— nem sempre foram aclamados e bem vistos ao longo de sua história.
HISTÓRIA
Oskate surgiu no estado da Califórnia, Estados Unidos, no início da década de 60, como uma alternativa ao surf durante os períodos de maré baixa e poucas ondas. A ideia era criar um objeto que se assemelhasse à prancha e permitisse realizar movimentos similares aos feitos na água, mas que servisse para “surfar” nas ruas. Tanto que foi primeiramente nomeado como sidewalk surf (ou “surf de calçada”).
No Brasil, o esporte surgiu no Rio de Janeiro, trazido por jovens filhos de pais brasileiros e norte-americanos e que viajavam para os Estados Unidos. Ficou conhecido como “surfinho” e se popularizou após ser matéria na Revista Pop, veículo altamente consumido pela juventude da época. A primeira pista de skate da América Latina foi inaugurada em Nova Iguaçu, em 1976.
Apesar da popularização aqui em solo nacional, esse esporte já foi até alvo de proibição e sinônimo de transgressão. Em 1986, Jânio Quadros, então prefeito da cidade de São Paulo na época, decretou a proibição do skate no Parque Ibirapuera, e dois anos depois estendeu a decisão para todas as ruas da capital do estado.
A medida era puramente preconceituosa: a prefeitura não queria skatistas transitando pela zona sul de São Paulo, onde o esporte era visto como “coisa de marginal”.
Diante disso, em 1988, skatistas organizaram uma passeata e sobre quatro rodas protestaram contra o decreto e a favor da legalização da prática do skate. A revogação só veio com a sucessora de Jânio Quadros, Luiza Erundina.
Desde então, o skate tem feito parte do movimento de contracultura no Brasil, por ser um esporte praticado massivamente por jovens nos espaços urbanos. Por muito tempo, os skatistas organizaram seus próprios campeonatos e encontros, e era comum que aqueles com menor poder aquisitivo até mesmo fabricassem seu próprio equipamento.
Com o surgimento de celebridades que praticavam o esporte, como Chorão, vocalista da banda Charlie Brown Jr., morto em 2013, o skate foi ganhando ainda mais visibilidade nas mídias e um alcance nível nacional.
Em 2000, com a criação da Confederação Brasileira de Skate, centenas pistas de skates foram construídas por todo o Brasil. Neste mesmo ano, uma pesquisa do Datafolha comprovou a popularidade do esporte: Mais de 2,7 milhões de praticantes em todo país.
Foto: Mayla Shiva
A jovem Rita Correia, promessa do skate em Ribeirão

Entretanto, mesmo nos dias de hoje, jovens skatistas precisam enfrentar o preconceito da sociedade contra o esporte, principalmente aqueles que residem em áreas de vulnerabilidade socioeconômica e nas periferias na cidade.
“A gente ainda é visto como marginal. Já aconteceu de segurança e guardinha me seguirem só por causa do skate. Na TV todo mundo gosta, já na rua, a coisa não é bem assim”, conta o skatista João Ribeiro, de 18 anos.
NOVA GERAÇÃO E O FENÔMENO OLÍMPICO
Oskate realizou sua estreia oficial nos Jogos Olímpicos em 2020, sediados em Tóquio no ano de 2021 por conta da pandemia do coronavírus. Logo de cara, os competidores brasileiros já representaram a força do esporte no Brasil, garantindo três medalhas olímpicas para o país.
Kelvin Hoefler, de 27 anos, conquistou a medalha de prata na categoria masculina de skate street. Pedro Barros, de 26 anos, também conseguiu um lugar no pódio, ficando em segundo lugar na categoria skate park. Mas o grande fenômeno ficou por conta da “fadinha do skate”, Rayssa Leal, de apenas 13 anos, que não apenas garantiu a medalha de prata na competição feminina de skate street, mas também se tornou a brasileira mais jovem a conquistar um espaço no pódio olímpico.
A vitória de Rayssa Leal serve de inspiração para muitas garotas que praticam o esporte, como é o caso da jovem Rita Correia, de 18 anos, skatista de Ribeirão Preto que pratica o esporte há mais de três anos e já participa de competições na região.
“Minhas primeiras influências foram skatistas locais, aqui da região. A comunidade do skate é muito acolhedora, como uma família mesmo, mas eu acho que ainda é mais difícil ver uma mina no skate, porque elas não são bem aceitas. No topo tem muita menina admirável, como a Rayssa, mas na vida real, na rua mesmo, ainda falta. Acho que falta apoio para as garotas entrarem na cena.”
A garota faz questão de evidenciar a sua relação cotidiana com o esporte e como a prática está integrada ao modo como ela vive, mesmo fora das pistas.
“O skate é tudo. A gente costuma dizer que quando você começa a andar de skate, você respira skate. Tudo que você vai olhar, tem skate. Tudo que você faz é com o skate. É um estilo de vida mesmo, sabe? Se você abrir as minhas redes sociais agora, você só vai encontrar skate do começo ao fim.”
Contudo, apesar de toda dedicação e paixão pelo skate, a nova geração enfrenta alguns obstáculos quanto a infraestrutura nos locais dedicados ao esporte na cidade.
Ao lado de Rita, o estudante e também skatista Wesley Quatrini, de 17
anos, comenta essa falta de investimento municipal e o trabalho realizado pelos esportistas para manter o espaço onde ambos treinam, em uma pista a campo aberto no meio do Quintino II, zona Norte de Ribeirão Preto.
“As pistas locais são mantidas pelos próprios skatistas, pela própria comunidade. Agora tá começando a ter um pouco mais de investimento, com a nova pista do Biagi, mas aqui no bairro a Prefeitura só aparece para cortar grama ou cortar a água.”
RIBEIRÃO PRETO INVESTINDO NO SKATE
Os skatistas de Ribeirão Preto ganharam um novo local para a prática do esporte: uma pista de skate construída no Parque Maurílio Biagi, na região central do município, e recém-inaugurada no dia 9 de outubro de 2021.
De acordo com uma publicação no site da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, a busca por um local adequado para a prática e treinamento profissional do esporte na cidade aumentou após as conquistas brasileiras nas Olímpiadas.
“A pista nova no Biagi é meio que um sonho antigo da rapaziada, já vi uns caras mais antigos falando sobre como pensavam em algo assim para a cena do interior, acredito que só tem a agregar e trazer mais visibilidade para o esporte aqui na região”, afirma Veras.
Com cerca de 4 mil metros quadrados, o espaço possui padrão internacional para a prática de várias modalidades do esporte e até mesmo arquibancada e local para permanência de juízes e jurados. Bob Burnquist, dez vezes campeão mundial e sete vezes eleito skatista do ano, é quem assina o projeto da pista.
O custo total da obra ultrapassa R$ 1,5 milhão, e o local é equipado para sediar competições nacionais e internacionais. “A gente não vê a hora de aproveitar essa pista, vai ser muito bom ter um lugar com boa estrutura não só para treinamento, que também é importante, mas principalmente para campeonatos aqui na cidade. Vou me esforçar bastante e treinar muito para não perder nenhum”, diz Rita sobre o projeto.
