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Figura 11 - Categorias do iCam 2.0 do Índice de Caminhabilidade do ITDP

O referido modelo baseia-se em uma ocupação urbana compacta que segue o seguinte conjunto de diretrizes urbanísticas: a promoção de unidade territoriais autônomas em termos de oferta de equipamentos, serviços, empregos e moradia, como forma de diminuir a demanda por transporte e as distâncias a serem percorridas; o fortalecimento de subcentros e a formação de novas centralidades para diminuir a convergência de deslocamentos para os centros das cidades; a ocupação do solo de forma compacta (maiores densidades populacionais e construtivas) para diminuir as distâncias intramunicipais e viabilizar o transporte coletivo e os modos não motorizados; a promoção da ocupação dos vazios urbanos para otimizar os deslocamentos via transporte público e a limitação da área de expansão urbana (GEHL, 2015).

Figura 6: Relação de usos compactos. Fonte: Rogers (2001), p. 39 apud Suassuna e Lacerda (2018), p. 127. O referido modelo compacto é inverso à urbanização dispersa que produz a expansão e extensão da malha urbana e do modo de produção urbano para além dos limites da cidade consolidada. Nesse processo, predominam as baixas densidades habitacionais, apoiadas em um amplo sistema de infraestrutura viária, como destaca Sposito (2007). Essa forma de expansão urbana gera a fragmentação da ocupação do território, que deixa extensos espaços menos adensados entre núcleos urbanos ocupados.

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Imagem 7: Imagem área metropolitana de Portland, EUA, com a barreira de crescimento urbano bem definida. Fonte: Caos planejado, 2021. A dispersão urbana e o distanciamento entre núcleos urbanos ocupados são caracterizados, ainda, como fenômenos contemporâneos, da pós-industrialização, sendo consequência principalmente da atividade do mercado imobiliário em busca de novas (e mais baratas) áreas de ocupação, aliado ao recrudescimento da violência urbana, que leva as classes médias e altas a procurarem uma segregação planejada (CALDEIRA, 1997). Segundo os autores aqui citados, a promoção da densidade na cidade compacta não diz respeito apenas a verticalização e máxima ocupação do espaço urbano, pois é necessário existir um equilíbrio entre essa densidade para não comprometer a qualidade do conjunto construído nos aspectos referentes a fluidez e segurança do pedestre. Por esse motivo, para Jan Gehl (2015), as cidades precisam ser construídas com foco na “escala-humana”, em que a vida, os espaços de uso coletivos e os edifícios são pensados de forma complementar, e nessa ordem. O autor explica: “Eventos que ocorrem no espaço urbano ou nas portas e janelas dos andares térreos podem ser vistos a distância de até 100 metros. Nessas situações, também podemos nos aproximar e usar de todos os nossos sentidos. Da rua, temos dificuldade para perceber eventos que ocorrem nos andares mais altos. Quanto mais alto, maior a dificuldade de enxergar. Temos de recuar cada vez mais para ver, as distancias se tornam cada vez maiores e o que vemos e o percebemos diminui. Gritos e gestos não ajudam, muito. De fato, a conexão entre o plano das ruas e os edifícios altos efetivamente se perdem depois do quinto andar" (GEHL,2015,p.41.)

Em relação a referida relação de “escala humana”, Jeff Speck (2012) complementa em seu livro “Cidade Caminhável", que um dos parâmetros fundamentais para garantia desta relação está na caminhabilidade. Para o autor o desenho urbano deve priorizar o uso de faixas de veículos estreitas a fim de proteger o pedestre e diminuir a velocidade e a arborização, capazes de reduzir o número de acidentes ao dar mais conforto para circulação do pedestre. Outro ponto destacado pelo mesmo autor é referente a qualidade do ambiente construído, onde as fachadas ativas e a diversidade da arquitetura devem ser privilegiadas para estreitar esta relação entre público e privado e por consequência, a caminhabilidade. Para o autor, esses fatores são necessários para que o espaço urbano seja confortável, interessante e seguro. Neste caso, as barreiras, limites e interrupções que são antagônicos a essas diretrizes devem ser excluídas da cidade. A caminhabilidade tanto contribui com a apropriação urbana, como também é um indicador dessa vitalidade, sendo um meio para melhorar o espaço público. Resultados de pesquisas ressaltam os benefícios da caminhabilidade na área social, econômica, ambiental e política SPECK, 2017). Assim como Gehl (2015) e Speck (2017), para Jacobs (2001), a promoção da caminhabilidade é fundamental, pois pessoas transitando em ruas e calçadas são os elementos mais importantes na promoção da vitalidade de uma cidade. A autora reforça a maneira como a diversidade de uso e a ocupação da cidade em todos os horários são fundamentais para o estímulo do dinamismo urbano. Em “Cidade para pessoas”, Gehl (2015) mostra que a vida acontece a pé. Autônomo a sua intenção, a caminhada pelo espaço urbano torna propício trocas e atividades sociais, que fazem parte dos percursos de um pedestre. O autor estabelece que andar é muito mais que percorrer um trajeto, o andar deve permitir que o pedestre pare, mude de direção, de velocidade, que corram. Um exemplo de cidade caminhável é Zurique, na Suíça, que possui uma mobilidade sustentável pautada na intensificação do pedalar e do caminhar. Além disso, a cidade é exemplo na promoção do transporte multimodal e na criação de estacionamentos subterrâneos para a formação de grandes praças e zonas exclusivas para pedestres e também do desestímulo do uso do transporte individual motorizado (ARCHDAILY, 2014) O estudo da caminhabilidade e da valorização do pedestre é muito recente, ganhou destaque com as publicações de Gehl e Speck, e desde então se tornaram diretrizes para discussões e aplicações práticas em relação à mobilidade urbana. Um exemplo é a ferramenta desenvolvida pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento do Brasil (ITDP). O ITDP é uma entidade sem fins lucrativos que promove o transporte através da mobilidade sustentável e desenvolveu um Índice de Caminhabilidade. O objetivo é facilitar a mensuração das características do ambiente urbano que são determinantes para a circulação dos pedestres e apresentar recomendações a partir dos resultados obtidos nesta avaliação. Esse índice é composto por 15 indicadores, agrupados em 6 categorias para serem utilizados por pesquisadores e gestores públicos no diagnóstico da caminhabilidade, na escala do bairro (ITDP, 2019).

Figura 11: Categorias iCam 2.0 Fonte: ITDP Brasil, 2019, p.13

A partir destas premissas, esse estudo identificou que para reverter o cenário de rupturas por vazios urbanos, esses espaços devem ser pensados de forma a promover a diversidade e a vitalidade urbana, através da inserção de tipologias que valorizem o pedestre, a caminhabilidade e a continuidade.

3.2 REFERENCIAIS PROJETUAIS PARA QUALIFICAÇÃO DOS PROCESSOS DE RUPTURA Nesse tópico foram selecionadas 4 referências projetuais de projetos com usos diversos e interligados por meio da configuração em quadra aberta, como exemplos de edifícios que proporcionam a vitalidade urbana e a permeabilidade, como o conjunto Praça das Artes, o Central St. Gilles Court, o Brascan Century Plaza e o Conjunto Seagram.

CONJUNTO PRAÇA DAS ARTES, São Paulo, Brasil, 2012 (Figuras 12 a 15) O Conjunto Praça das Artes está localizado no centro da cidade de São Paulo, e foi inaugurado em 2012. Sua área de implantação é um espaço consideravelmente reduzido, que anteriormente era caracterizada como uma área residual abandonada entre as edificações preexistentes. O conjunto ocupa um centro de quadra com entorno já consolidado. Para sua realização foi necessária a desapropriação de algumas casas vizinhas, feitas no decorrer do processo de execução do projeto que foi modificando e ampliado em relação a proposta original. O espaço disponível para o projeto era um conjunto de lotes interligados ao centro da quadra. Esta conexão entre os lotes tornou possível que o conjunto se desenvolvesse em 3 direções, o que possibilitou a implantação de três fachadas nas vias: Vale do Anhangabaú (Rua Formosa), Av. São João e rua Conselheiro Crispiniano.

Figura 12: Conjunto das Artes - Vista da Rua Formosa (Foto: Nelson Kon, 2016) A implantação do edifício se tornou um marco na mobilidade da região. O térreo livre proporcionou uma travessia dentro da quadra com acesso para as três vias que circundam a quadra. Ao longo desta grande galeria aberta, alguns usos foram instalados, como comércios e serviços, com a intenção de tornar o centro da quadra atrativo. A princípio, o projeto funcionaria apenas como uma edificação anexo satélite do teatro municipal, com um programa voltado para atividades profissionais e educacionais de música e dança. Porém, ao longo de sua elaboração surgiram novas oportunidades para o conjunto de caráter público que possibilitou ampliar a proposta para promover, através da integração do edificado e da área comum, a convivência e a vida urbana. A partir desta ampliação, foi implantado no edifício além das Escolas, os Corpos Artísticos do Teatro Municipal. Os blocos do edifício variam de 2 a 13 pavimentos que se relacionam através de passarelas e rampas. Na fachada da Rua Formosa foi integrado também o antigo edifício do Cine Cairo ao complexo de artes, onde é possível identificar a forma como o novo edifício dialoga com suavidade e harmonia com os prédios preexistentes.

Figura 13 e 14: Diagrama de usos e implantação. (Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/626025/praca-dasartes-brasil-arquitetura) Link só na lista de referências.

Figura 15: Conjunto das Artes. (Foto: https://www.archdaily.com.br/br/626025/praca-das-artes-brasilarquitetura)