
Dentro da estética japonesa tradicional, a apreensão do meio externo do qual se retira o material poético deve se dar de modo a manter sua substância, sem a interferência do Eu (shi-i) sobre a composição. O engenho, tão caro à poesia ocidental, interfere na captação do objeto tal como ele é, e aquele que arranja as palavras em busca do efeito superficial (yô - aparência), acaba por contaminar a própria substância do objeto (tai - corpo), tornando a representação artificial.
O espírito embebido de haikai compõe expontâneamente, como que por impulsão do aqui-agora, resultado de uma harmonia que sintoniza o externo e o interno para traduzir a essência profunda das coisas do mundo – sua beleza transcendente e intuitiva (nãoracionalizável) pode ser fixada em palavras.
Essa presenticidade aponta para a impermanência das coisas e se opõe, de maneira complementar, ao tempo cíclico das estações, elemento essencial ao haikai que dita seu tom, por condicionar o estado de espírito daquele que as vive. Sua representação mais direta dentro do waka se dá pelo Kigo, a "palavra de estação", que consubstancia as características das estações de maneira sintética. Isso situa o leitor e permite a reunião dos haikais por sua temática sazonal, critério mais usual de organização das antologias de poesia japonesa.
Senti, ao organizar essa coletânea, um aprimoramento da sensibilidade do autor, em relação ao Arquipélago, no que tange esses critérios estéticos tão particulares à poesia oriental. Talvez por isso eles tenham ficado melhor representados ocupando a totalidade da página, sobressaindo ao vazio em sua presenticidade singela.
A foto da capa é do autor.
Arthur Brottohaikais poemados no inverno, mas já com algumas intromissões da primavera. agradeço mais uma vez ao gambá solitário arthur mello brotto, que novamente foi revisor, editor e, sobretudo, amigo.
Felipe Demetri
inverno chegou
o vento se espreme entre prédios e dentes
mas que frio que faz não há roupa que cubra essa abertura