Arquipélago

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ARQUIPÉLAGO

haikais outonais por Felipe Demetri

Organizei essa antologia com os haikais que meu amigo Demetri me havia enviado, num PDF de 15 páginas, para mostrar a mim suas composições mais recentes em sua mais recente forma poética aderida: o conciso, diáfano, imediato, patente haikai.

Com exceção daquele que inicia florescer no verão, todos foram poemados em outono, alguns inclusive com transcriações dos recursos poéticos típicos do waka, como o uso de kigos, kirejis, mitates, gijinkas e engos.

Dos 86 haikais e 1 tanka que me foram enviados, selecionei 37 para esse poemário, incluindo ainda mais 4 que chegaram no andamento do projeto, quando a ideia de fazer a coletânea já tinha sido discutida e aprovada e a primeira seleção estava solubilizando-se.

A foto da capa foi tirada pelo próprio Felipe, a propósito de outono, e transpira haikai por iconicidade: この儘–其のまま .

agradeço ao senpai e amigo arthur mello brotto pelas seguintes razões não exaustivas: as excelentes lições, o incentivo, os livros emprestados. essa coletânea não teria sido posśivel sem sua ajuda e sem seu generoso trabalho de editor.

dedico-lhe, portanto, a presente coletânea.

Felipe Demetri

florescer no verão — queimar de novo a flor da pele

reflexo vermelho

projeta na nuvem o sol poente

lua incauta —

ilumina envergonhada a volta pra casa

noite repetida a velha música oiço; habito

lamento do sabiá

canta na manhã

o luto da noite

• no céu azul nuvens formosas

formam arquipélago

a folha do chá

recobra a forma

desperta do dia

mar verde um lampejo

o sol, oblíquo

no céu azul

uma nuvem solitária

passeia despreocupada

• um pardal só

vê a sua trupe voar

que tristeza

névoa de outono

o sol esmaecido

o dia duvidoso

vento e chuva

adorno da paisagem:

melancolia

enigma da flor —

morrer como quem revida

• aqui, outono a sombra decaída, a lua com sono

noite de domingo

iniciar algo

já com jeito de fim

guincho do morcego onde ele está?

doçura na escuridão

俳諧の連歌

virou o tempo —

nuvem cobre o céu nos veste com outra roupa

chuva deságua —

começa cheia e vira nada

vento sul

velho portador de más novas

vento e chuva

desconheço casamento

mais longevo

o entardecer

demanda todo dia momento de reflexão

um gato me avalia se eu fosse esperto

fugiria

o mato que morre diz com vagar: matem-me!

lírio temperamental: pede água

como quem pede amor

nuvem carregada

já cansou da vida e só quer chorar

friozinho de outono

é mensagem cifrada:

amanhã será pior

de mim você jamais saberá

só posso dizer

adeus ao velho sonho —

caminho descalço

em chão pedregoso

さよなら 陰鬱

coração partido —

sentir algo que já foi

algo caiu no meu olho e molhou minhas mangas: um cisco e um chuvisco

adeus ao velho sonho abrir mão de um pássaro e ver dois, voando

• um carinho não é só abraço:

é também embaraço

chuva de outono —

mas era apenas eu

a molhar meu quimono

semente do garapuvu — guardo comigo

promessa de vida

aguardo você como quem espera

o amanhecer

amor antigo

faz-me sentir

como menino

可愛い

penso em você —

estrelas e borboletas à sua mercê

meu silêncio contigo

transborda as palavras

e mais não digo

chuva de outono

pensar em você

aquece meu rosto

• a lua no zênite

clareia a noite —

sonho contigo

achei ter visto o sol, mas era você sorrindo

• •

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