Voz de Esperança Mai/Jun 2021

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MAI - JUN / 2021

UM LEVITA DISFARÇADAMENTE APRESSADO

Diretor: Pe. Mário Martins Chaves Rodrigues Ano XXIV - 6ª Série | Nº 82 | Bimestral 1,00 €

“Por vezes, estamos demasiado focados em cumprir as nossas obrigações, em desempenhá-las de forma tão perfeita, que até nos esquecemos do mais importante: do Amor! Do Amor em todas as formas, mas, essencialmente, do Amor em relação ao próximo!” Noémia Macedo Págs. 2-3

O SONHO DA VOCAÇÃO “O chamamento de Jesus, essa voz que sussurra no coração, surge em nós como num sonho. Daí que seja preciso estar muito atento ao que ela nos quer dizer. E quem ouve a voz de Jesus não fica indiferente, pois ela interpela o nosso coração.” João Martins Pág. 10

EDITORIAL

O SONHO DA LEI DO AMOR “É o amor que dá sentido à vida, porque revela o seu mistério. Pois só se tem a vida que se dá, só se possui de verdade a vida que se doa plenamente”, afirma o Papa Francisco na sua Mensagem para o 58.º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, assinalado no passado dia 25 de abril. Na verdade, o amor é o sonho da nossa vida! A caridade que somos interpelados a viver intensamente, particularmente neste ano pastoral, conforme proposto pela nossa Arquidiocese de Braga, é o sonho mais belo e maravilhoso que Deus sonha para cada um de nós! Esta é a única lei que nos deve reger! A cegueira do amor sem medida é aquela que nos poderá livrar de outras leis cegas, muitas vezes constituídas de preceitos e mandamentos que se mostram incapazes de salvar, porque é aquela que nos permite ver, não com os olhos do mundo, reféns de diretrizes vãs e egoístas, mas com os olhos do coração! De facto, seja qual for a vocação a que o Senhor nos chama, todos somos chamados para o amor. Deus convida-nos a um papel ativo e determinante na edificação de uma Igreja que queremos cada vez mais Sinodal e Samaritana, com a diligência de quem, como São José, se apressa para cumprir no serviço fiel uma única lei, a do amor. A propósito, lembra-nos o texto visão que “Deus nos pede para doarmos o nosso amor e o nosso tempo ao próximo”, lançando-nos a provocação de “abrirmos o nosso coração a todos os que nos rodeiam, principalmente a quem mais precisa de nós”. Ora, também a vida dos nossos Seminários, relatada nas notícias aqui partilhadas, e sempre sob a orientação maternal de Maria Santíssima, que nos pede para fazer o que Jesus nos disser, nos reafirma o desejo contante de cumprir esta lei, convertendo o Hino da Liturgia das Horas na mais bela melodia que dá sentido à nossa existência: “Atei os meus braços com a tua Lei, Senhor, e nunca os meus braços chegaram tão alto. Ceguei os meus olhos com a tua Luz, Senhor, e nunca os meus olhos viram tão longe!”


VISÃO

UM LEVITA DISFARÇADAMENTE APRESSADO Noémia Macedo

O termo levita é empregue a uma pessoa que está ao serviço no templo de Jerusalém, ao serviço de Deus. Faz parte do seu dever promover a união do povo com Deus. Tem de zelar pela casa do Senhor, pela sua organização e funcionamento, isto é, ser zeloso com o património do templo, ser obediente aos seus pastores e aos seus líderes. Ser levita não é um cargo de mordomias, comodismos, e escolhas. É, antes, um cargo de compromisso, de doação, de entrega absoluta ao serviço do Senhor. Ora, assim como o levita, também nós temos as nossas obrigações, os nossos compromissos para com a nossa família, os nossos amigos, no nosso trabalho e também para com Deus. No entanto, nem sempre conseguimos ser bem-sucedidos. Por vezes, estamos demasiado focados em cumprir as nossas obrigações, em desempenhá-las de forma tão perfeita, que até nos esquecemos do mais importante: do Amor! Do Amor

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que colocamos em cada função que desempenhamos, do Amor em todas as formas, mas, essencialmente, do Amor em relação ao próximo! Na parábola do Bom Samaritano é-nos dito que “do mesmo modo, também um levita passou por aquele lugar e, ao vê-lo, passou adiante” (Lc 10, 32). Este levita, assim como todo o povo de Israel, cumpre escrupulosamente a Lei de Deus, esta é o seu orgulho e o objeto do seu grande zelo - “Quanto amo, Senhor, a tua Lei!” (Sl 119, 97). O seu tempo é todo dedicado ao serviço da Lei do Senhor e, por isso, cumpre-a com a maior devoção possível, mesmo que isso implique uma cegueira perante o outro que espera o seu auxílio. “Vede: ensinei-vos leis e preceitos, como o Senhor, meu Deus, me ordenou; assim fareis na terra que ides possuir” (Dt 4, 5). “No dia em que te apresentaste diante do Senhor, teu Deus, no Horeb, o Senhor disse-me: Convoca o povo para junto de mim, a fim de ouvirem as minhas palavras,


aprenderem a temer-me durante todo o tempo de sua vida na terra, e assim ensinarem aos seus filhos”(Dt 4, 10). Na passagem bíblica acima citada (Lc 10, 32), o levita encontra-se demasiado absorvido e preocupado em cumprir com as suas obrigações, que não entende a sua verdadeira missão, a sua verdadeira função. Ele julga estar a cumprir corretamente a Lei de Deus e, por isso, não se sente culpado pela decisão que toma. Estará este levita a cumprir de forma correta com a Lei do Senhor? Como podemos comparar-nos com este personagem e com a sua atitude? Quantas vezes estamos nós focados em cumprir com as nossas tarefas, os nossos deveres, pensando estarmos a fazer o mais correto, e esquecemos tudo o resto que nos rodeia? Quantas vezes pensamos que já fizemos o suficiente e não damos importância a mais nada? Quantas vezes andamos atarefados no nosso dia a dia com o objetivo de não falharmos com os nossos compromissos, convencidos que se os cumprirmos estamos a fazer o mais correto? Estaremos nós, de facto, a fazer o que nos é devido? Será que agirmos assim nos aproxima de Deus? O que é isto de fazer o “certo” aos olhos de Deus? Estará este levita a desempenhar bem as suas funções, cumprindo escrupulosamente com a Lei, mas passando ao lado de um homem caído e magoado e não o ter ajudado? E onde ficam “os outros”? Onde se enquadram na nossa vida e nas nossas prioridades as pessoas mais necessitadas, mais fragilizadas, que mais precisam da nossa ajuda? Tal como o levita, precisamos de ter tempo para as nossas obrigações, para servir a Deus, mas também para servir o próximo. Ser levita é Servir, a Deus, em primeiro lugar, e ao próximo também, é saber dividir os afazeres, é amar trabalhar na causa do Senhor, é amar a cada irmão. Não é suficiente atingirmos os nossos objetivos pes-

soais, sermos bem-sucedidos no ambiente empresarial e familiar, e até com Deus, quando não abdicamos um pouco do nosso tempo para ajudar quem mais precisa de nós. Deus não pede apenas para O amarmos e servirmos a Ele, mas também para doarmos o nosso amor e o nosso tempo ao próximo. “Amarás o teu próximo como a ti mesmo. O amor não faz mal ao próximo. É no amor que está o pleno cumprimento da Lei” (Rm 13, 9-10). “Levantou-se então um doutor da Lei e perguntou-lhe, para o experimentar: Mestre, que hei-de fazer para possuir a vida eterna? Disse-lhe Jesus: Que está escrito na Lei? Como lês? O outro respondeu: Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. Disse-lhe Jesus: Respondestes bem, faz isso e viverás (Lc 10, 25-28). Ouçamos o que nos diz Jesus, façamos a nossa vida em função da partilha do Amor. Abramos o nosso coração a todos os que nos rodeiam, principalmente a quem mais precisa de nós. Vivamos em função desta Lei de Deus, a Lei do Amor.

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ARTE

VER COM O CORAÇÃO Luís da Silva Pereira

Para ilustrar a virtude que, desta vez, nos é proposta para reflexão, escolhi o episódio da mulher adúltera, narrado no evangelho segundo S. João, cap. 8, 1-1. Nele, Jesus Cristo ensina, precisamente, a olhar as pessoas com os olhos do coração e não com olhos legalistas. Estes levam à condenação e à morte; aqueles, ao perdão e à vida. Para significar o rigor da lei, algumas das iconografias desta cena representam, entre os que rodeiam Cristo e a mulher, um fariseu com um grande livro na mão, apontando a disposição que mandava apedrejar as adúlteras. Não é o caso destas obras que escolhi para ilustrar o belíssimo episódio A primeira é de Peter Bruegel, o Velho, figura cimeira da pintura flamenga. Nasceu em Breda, entre 1525 e 1530, vindo a falecer em Bruxelas, em 1569. A sua pintura, cheia de vivacidade e movimento, revela uma técnica muito segura. Representa cenas e paisagens sobretudo rurais. Por isso ficou também conhecido como “Bruegel, o camponês”. Capta, com cores muito fortes, casamentos, refeições, danças, festas, jogos, cenas agrícolas e de caça, muitas vezes com pormenores de cru realismo. Igualmente curiosas são as pinturas de paisagens geladas, pelas quais parece ter especial interesse.

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No quadro sobre Cristo e a mulher adúltera, coloca, precisamente no centro, a acusada pelos escribas e fariseus. É dos poucos exemplos, na pintura de Bruegel, de uma mulher não camponesa, que se aproxima do ideal de beleza feminina própria do Renascimento. Cristo escreve misteriosamente no chão, captando a atenção dos circunstantes, especialmente um do nosso lado direito que parece querer ler o que foi escrito. Lembra estranhamente um cego do quadro “A parábola dos cegos”, também de Bruegel. Estará o artista a dizer que este acusador é um cego de coração? As figuras por detrás da mulher já se vão afastando, na sombra, vendo-se caída no solo uma das pedras trazidas para a lapidação. Observe-se também o varapau segurado por um dos guardas que tinham prendido a mulher, a qual, nalgumas iconografias, se vê ainda com os pulsos atados. Enquanto os delatores se vão afastando, a mulher permanece, emocionada e agradecida, ao pé do Senhor. Esta iconografia em que Cristo escreve no chão é uma das mais frequentes para esta cena evangélica. A segunda, na fig. 2, é pintura de Lucas Cranach, o Jovem. Nasceu na Alemanha, em Wittenberg, em 1555, e aí faleceu, no ano de 1586. Era filho

de outro grande pintor, Lucas Cranach, o Velho. A iconografia é também das mais frequentes. Cristo interpõe-se entre os denunciantes e a mulher, protegendo-a com autoridade e firmeza. Repare-se na ternura com que lhe pega na mão direita e entrelaça os seus dedos nos dedos dela. Este gesto contrasta fortemente com o punho da espada, quase encostada ao braço esquerdo da mulher, e com a mão do soldado envolvida pelo manípulo de ferro que segura uma espécie de martelo. Instrumentos de violência e morte são principalmente as pedras que uma personagem, do nosso lado esquerdo, transporta no chapéu. Já tem uma delas na mão, pronta para atirá-la. Repare-se na grosseria da cara, onde se abre um riso mau, contrastando fortemente com o rosto envergonhado da mulher, cujas lágrimas enxuga a um lenço na mão esquerda. Há outras caras igualmente duras, de queixo proeminente, dando a impressão de estarem possuídas pelo ódio e de que a violência lhes dará prazer. Nenhum olhar se dirige para a mulher. Todos se concentram em Cristo. A ele, afinal, é que desejavam apanhar em falso para poderem acusá-lo. A mulher servia apenas de pretexto. Parece ser essa a interpretação do pintor.


Figura 1

Figura 2

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SEMINÁRIO MENOR

UM CONVITE À CONVERSÃO CELEBRAÇÃO PENITENCIAL NO SEMINÁRIO MENOR Ângelo Novais, 10º Ano

No passado dia 5 de março, sexta-feira, aconteceu no Seminário de Nossa Senhora da Conceição uma celebração penitencial que procurou proporcionar a cada um a alegria do perdão, num convite à conversão de um coração triste e velho num coração novo e alegre. A celebração teve início no exterior da Capela Imaculada, ao redor de uma fogueira que produzia o fumo do incenso que eleva a Deus a oração do seu povo. Ali rezamos, 6

com recurso a cânticos meditativos, recordando que aos olhos de Deus os nossos pecados pesam tanto como cinza. Após este momento de oração, seguiu-se em peregrinação até ao interior da Capela Imaculada, com cânticos que ajudaram cada um a refletir sobre o significado do reino de Deus, deste Deus que perdoa os nossos pecados, pois não guarda rancor, mas apenas procura abrir os olhos de cada um para que sejamos mansos e humildes de coração como

o seu filho amado, Jesus, convidando-nos a escutá-Lo. Já depois de reunidos no interior da Capela Imaculada, foi proclamado o Evangelho de São Marcos, em que Jesus nos interpela a fazer e a cumprir a vontade do Pai, lembrando-nos que somos de Deus, pois ninguém é pai como ele o é, um pai que perdoa, ama, inspira e reaviva a alma. Por isso, Jesus procura viver na Sua intimidade, fala com o Pai e refugia-se na oração em que se confia a Ele. Depois de um tempo que convidou cada um a refletir sobre a sua vida, o que tem sido para com os outros, o que tem sido para com Deus, o que tem sido para com a natureza, criação de Deus Pai, cada um pôde celebrar o Sacramento da Reconciliação, sendo convidado a tomar a sua cruz, a árvore da vida, a árvore da vitória, e recebendo o perdão, o amor, o carinho, a paz e a alegria de Jesus! Depois de disso, todos foram enviados a proclamar o Evangelho e a amar a Cristo mesmo naqueles que nos ofendem e magoam, pois esse é o verdadeiro significado da fé, da esperança e da caridade. Este foi um momento de oração quaresmal muito importante e de profundo significado para toda a comunidade, sendo apresentado a todos um convite à mudança, um convite à conversão, para que cada um ouse ter um coração bom e grande como o de Jesus Cristo.


SEMINÁRIO MENOR

EM BUSCA DE UM ITINERÁRIO ENCONTRO DE FÉRIAS DE PÁSCOA DOS 11º E 12º ANOS Filipe Rodrigues, 11º ano

No final do passado mês de março, os seminaristas dos 11º e 12º anos do Seminário de Nossa Senhora da Conceição reuniram-se e realizaram o habitual encontro de férias de Páscoa destinado aos alunos mais velhos, embora em moldes diferentes devido a todas as contingências que o vírus COVID-19 tem provocado. Desta feita, o grupo foi interpelado a partir, a pôr-se a caminho, em busca de um itinerário. O encontro teve início na segunda-feira, dia 29 de março, com a realização de um churrasco como modo de receção aos seminaristas. O churrasco foi organizado pelos jovens participantes e constituiu um verdadeiro momento de descontração após todas as exigências e cansaço acumula-

do ao longo de um segundo período bastante intenso. O dia seguinte, terça-feira, dia 30, ficou marcado por uma grande caminhada, desde as portas do Seminário até ao topo do Monte Picoto, em Braga. Os seminaristas, na companhia da Equipa Formadora, realizaram a extensa caminhada ao longo de cerca de uma hora e meia. Após a chegada ao cimo do monte, os seminaristas fizeram uma pequena partilha sobre aquilo que pensaram ter sido o segundo período no que toca à sua relação pessoal com Cristo e no que toca ao percurso do seu caminho em direção ao sacerdócio. Terminado este tempo de maior seriedade e profunda reflexão, o grupo foi convi-

dado a um momento mais relaxado e tranquilo com a realização de um piquenique marcado pela alegria e pela diversão. Na parte da tarde desse dia, os seminaristas foram desafiados à participação em algumas atividades que se encontravam preparadas para os mesmos, tais como tiro ao alvo com arco, karts a pedais e mini golf. As atividades no Picoto deram-se por terminadas com o lanche partilhado. Depois disso, os seminaristas caminharam novamente em direção ao Seminário, onde gozaram de um momento de maior repouso antes da celebração da Eucaristia que, por sua vez, marcou o encerramento de um tempo de união, introspeção, partilha e comunhão. 7


SEMINÁRIO MAIOR

VIA-SACRA A DANÇA DO AMOR Pedro Fraga, 4º Ano

Seguramente, a paixão de Jesus é um instrumento de respiração que lhe permite uma verdadeira circulação do sangue numa ocupação permanente. A sua existência ficará para sempre marcada por aqueles dias «em que se somam ruína a ruína» (Daniel Faria pág. 115) e a sua miséria não empobrece, pelo contrário, cresce numa abundante bênção que nos enche a casa: Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna. Deste modo, entre o caminho do enlevo das passagens e entre os luzeiros primícias, que nos convidam a percorrer a memória da paixão, o caminho de Jesus mostra-nos uma nova loucura em que o perfume da rosa a acompanha num movimento giratório e a nossa fé fica essencialmente 8

extasiada perante o divinal recomeçar harmonioso. Passo a passo, somos traçados no seu momento, na soma constante da ruína que nos chama a ir-nos edificando a partir de um verdadeiro raio do seu tempo. É um clarão, uma lâmpada, a estrela e nós pequena luz que se soma na Luz. Celebramos, portanto, «os pés da criança sobre o meu pé, diante do peso permanente que se faz presente no teu como verdadeiro ombro, que se torna numa verdadeira terra fértil» (cf. Daniel Faria). Na via-sacra, aproximamo-nos de uma verdadeira casa. O quarto que Jesus ocupa apaga-se nas luzes. Torna-se o verdadeiro hóspede, vem ao nosso vazio e habita-o para o libertar, torna-se a verdadeira pedra branca em que cai o silêncio operativo e inaugurador sobre o qual o amor vai triunfar, em que a palavra fica espai-

recida sobre a semente que poisa sobre o lugar de padecer. Na cruz temos o abandono de Deus, mas sem Jesus abandonar a Deus. Jesus, o Cristo, a partir da humanidade, pretende salvá-la. A salvação acontece através da radicalidade do amor e na condenação de tudo aquilo que faz perverter o ser humano, patente na injustiça que carrega e no pecado que o condena. A via-sacra é um convite para podermos caminhar na explosão do silêncio, na ânsia da compaixão e na compulsão salvífica. Nela esta representado um festim do amor. Poderemos representar a via-sacra numa dança? O dançar de Jesus representado num movimento cinematográfico permite que o eterno não fique desvanecido pelo caminhar. Caminhando em cada passo e cada estação, somos envolvidos num desejo ardente, permitindo a vivência de uma analepse de uma metáfora transversal que nos conduz a uma peregrinação, uma travessia do caminho magistral, representado nas palavras de Daniel Faria, na sua obra “Homens que são como lugares mal situados”: «Cruz, rosa/ Dos ventos sem direção que não seja o centro. Coluna/ Sustentada pelos braços como um amigo que chega. Rosa/ Do orvalho e sangue para o corpo trespassado da sede. Árvore/ Que bebe do homem. Árvore/ Em silencio onde escutamos a palavra/ Em carne viva. Verbo/ Tão inteiro que se fez espelho».


SEMINÁRIO MAIOR

AS SETE ÚLTIMAS PALAVRAS DE CRISTO NA CRUZ Pedro Martins, 1º Ano

As palavras falam de nós como ressonância do que sentimos e vivemos. Expressam e condensam em si o mistério da vida e os dramas quotidianos, como um licor que penetra no húmus e que dá sentido à existência. Desta forma, os Seminários Arquidiocesanos de Braga viveram as sete últimas palavras de Cristo na Cruz, no dia 26 de março de 2021. Pela voz do professor José Miguel Braga, fomos personagens e protagonistas da paixão de Jesus, porque a narração da Sua paixão é também a nossa paixão. É também a nossa história, tocada por Deus, que está a ser falada. Na Encarnação, Deus as-

sume o risco da linguagem humana, revelando que a sua real divindade mais não é do que uma verdadeira humanidade. Num deleitoso ensaio de palavras, entre dizeres e não dizeres, saboreamos, contemplamos e sentimos o Amor que brotou da Cruz, ao mesmo tempo que tocamos a fidelidade e a obediência de Jesus aos desígnios do Pai, ao ponto de lhe entregar o seu espírito. Assim, tudo culminou na aceitação da Cruz para a salvação da Humanidade. No interlúdio das palavras, surgiu a música como expressão máxima do íntimo do Homem. Como interpela H. Balthasar, teólogo suí-

ço, «como é possível clarificar com as palavras aquilo que a palavra não pode exprimir, e que se encontra para lá das palavras precisamente porque aparece como ainda mais imediato que a palavra?». Acredito que a música habita neste espaço! Naquele momento de oração, também a Capela Imaculada, que nos presenteia com uma linguagem despojada de artifícios, se revestiu de uma maior singularidade para rezar aquelas que são as últimas palavras de Cristo. Os momentos musicais, da responsabilidade da Schola Cantorum do Seminário Conciliar de Braga, apresentaram-se como um véu subtil que desvelou e deu forma ao mistério divino. E foi assim que, pelo encanto da polifonia e pela sutilidade das palavras, a comunidade do Seminário entrou na Semana Santa. Também somos o que dizemos! É de uma enorme responsabilidade esta convicção. Como dizia Sigmund Freud, «somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos, os impulsos a que cedemos». Há palavras decisivas e que marcam histórias de vida. O «perdão», o «paraíso», a «mãe», o «abandono», a «sede», a «consumação» e o «Pai» são as palavras de Jesus. São as suas últimas palavras. Obrigado, Jesus, por te fazeres palavra de vida eterna no meio de nós! Jesus, que poder de síntese de comunhão nos ofereces! 9


SEMINÁRIO MAIOR

O SONHO DA VOCAÇÃO TESTEMUNHO João Martins, 5º ano

Sou o João Martins, natural de Atiães, no Arciprestado de Vila Verde, tenho 23 anos e estou no 5º ano de Teologia. Qualquer vocação é um sonho que Deus tem para cada um de nós. Discernir a nossa vocação é ajustar os nossos sonhos ao sonho de Deus. O chamamento de Jesus, essa voz que sussurra no coração, surge em nós como num sonho. Daí que seja preciso estar muito atento ao que ela nos quer dizer. E quem ouve a voz de Jesus não fica indiferente, pois ela interpela o nosso coração. Podemos dizer que o dom da vocação é o fruto da escuta diligente desta voz que soa no nosso coração. Desta forma, a chamada do Mestre começou, sem eu ter dado conta disso, quando me disponibilizei para acolitar nas celebrações da minha comunidade paroquial. Foi por altura da minha Profissão de Fé, a convite da minha catequista. Aí, comecei a ter mais contacto com o meu Pároco, que, passado algum tempo, me foi interpelando e inquietando o coração sobre o meu futuro. Fui-lhe sempre negando o convite insistente. Também outros Padres que iam passando pela paróquia foram lançando a voz de Deus com as suas vozes insistentes. Depois de alguns anos de sementeira e de insistência do meu Pároco, lá me convenci de que não iria perder nada se fosse até ao 10

Seminário conhecer o espaço e a comunidade. Dirigi-me, então, ao Seminário de Nossa Senhora da Conceição (Seminário Menor) para participar no Pré-Seminário Jovem. Depois de alguns encontros men-

sais e de fazer o Estágio de Admissão, apercebi-me de que talvez ainda não tivesse chegado o momento para entrar no Seminário. Entretanto, continuei o meu discernimento, mas desta vez já no Pré-Seminário Adulto, no Seminário Conciliar de São Pedro e São Paulo (Seminário Maior). Com o testemunho da minha história pessoal, quero deixar um apelo aos jovens: não tenhais medo do seguimento de Jesus! Não precisamos de ter medo dos desafios que Deus nos coloca. Como tantas vezes ouvimos no Salmo 23, “Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos, não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo” (Sl 23, 4). É este Deus, que nos enviou Jesus, que nos dá a força necessária para que, todos os dias, tenhamos esperança em vós, caros jovens. Seria importante que nenhum jovem excluísse a hipótese de passar pelos nossos Seminários de forma a poder conhecer um outro caminho para a sua vida. No nº 31 da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Chritus Vivit (Cristo Vive), o Papa Francisco diz-nos o seguinte: “Jesus não vos ilumina a vós, jovens, à distância ou a partir de fora, mas a partir da sua própria juventude, que Ele partilha convosco” (CV 31). Efetivamente, é assim que Jesus sonha connosco: na intimidade que podemos construir com Ele.


PASTORAL UNIVERSITÁRIA

UNIVERSITÁRIOS EM ENCONTRO ESPIRITUAL ONLINE Fátima Zorro | Doutoramento em Engenharia de Materiais, Instituto Superior Técnico

A Pastoral Universitária da Arquidiocese de Braga organizou, entre outras atividades, o Encontro Espiritual, no mês de março, alusivo ao tema “Como chegar até Deus”. Este ano, tal como era expectável, decorreu em formato online, sendo que nem esta forma estranha de fazer um encontro abalou a fé e vontade de participar às dezenas de jovens presentes no mesmo, que contou com a orientação do Pe. António Jorge, atual Reitor do Seminário Interdiocesano de São José, em Braga. O encontro decorreu ao longo de todo o dia e esteve dividido em dois diferentes momentos: na parte da manhã refletimos sobre “O que não é Deus” e na parte da tarde sobre “O que é Deus”. Cada uma destas partes contou com três diferentes momentos: a exposição, a reflexão individual e a partilha em pequeno grupo. O encontrou iniciou com um momento de reflexão, a partir de uma passagem da obra “O Principezinho”, de Antoine de Saint-Exupéry, que procurou despertar para a diferença entre o que é fácil e instantâneo e o que é trabalhoso, mas verdadeiro. Desta forma, encontramos o paralelismo com as opções de caminhos que são apresentados às nossas vidas, nomeadamente a maneira fácil, que pode nem sempre ser a mais correta, para compreendermos que o caminho de Deus é por vezes atribulado, mas verdadeiro.

A reflexão prosseguiu a partir da seguinte passagem de João: “Então Jesus disse: — Quem beber desta água terá sede de novo, mas a pessoa que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Porque a água que eu lhe der se tornará nela uma fonte de água que dará vida eterna.” Este excerto, é um convite a fortalecer a dimensão espiritual através do Evangelho e dos ensinamentos de Jesus, que, tal como a água é essencial à vida na Terra, também estes são essenciais à nossa vida espiritual. De forma provocadora, e quase inédita na nossa forma de pensar em Deus, foi-nos pedido para considerarmos a questão: “O que não é Deus?”. Com propostas e pontos de orientação, cada um foi convidado a fazer a sua reflexão individual, que incidiu na realidade humana relativamente à descrença na existência de Deus. Estas são reflexões importantes, visto

que, por norma, não se retira tempo do dia a dia para pensar em tópicos acerca da existência de Deus, o Seu impacto na vida dos seres humanos, contradições ou paradoxos relativos à Sua consideração/desconsideração, entre outros. Na parte da tarde, o caminho passou pela reflexão sobre “O que é Deus”, partindo da passagem bíblica de Mateus, sobre as bem-aventuranças. Mais uma vez, cada um refletiu individualmente a partir de pontos de orientação e reuniu-se, em pequeno grupo, para partilhar as suas dúvidas e descobertas. Este encontro espiritual contou com uma organização excecional, o que contribuiu para ser uma aprendizagem, uma introspeção profunda e uma autodescoberta, com vários conceitos interligados e várias histórias partilhadas, que culminou, sem dúvida, numa melhor preparação para a Páscoa. 11


PASTORAL DE JOVENS

INAUGURAR ESPAÇOS PARA UMA PASTORAL ONDE TODOS TÊM UM ESPAÇO Departamento Arquidiocesano da Pastoral de Jovens

Os artigos publicados no “Voz de Esperança” seguem, ou não, o novo acordo ortográfico consoante a escolha dos autores.

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Que o Senhor vos conceda o Seu amor e Graça.

Muito se tem falado sobre as Jornadas Mundiais da Juventude: Primeiro, a alegria de ser em Portugal; depois, a frustração do adiamento por causa da pandemia; agora, a continuação de um caminho pastoral que passará pela vivência das JMJ em 2023. Por todo o país, mesmo através de plataformas online, os jovens das diferentes dioceses têm criado encontros, têm partilhado atividades e momentos de oração e reflexão conjunta para que as JMJ não sejam apenas um acontecimento grandioso ou um acontecimento bonito, mas possam manifestar a alegria jovem de ser cristão. Em Braga, o Departamento da Pastoral de Jovens da Arquidiocese tem vindo a trilhar dois caminhos rumo às Jornadas: um caminho formativo e de ação/vivência pastoral (ora online, ora a partir da realidade de cada paróquia); e um caminho mais prático que sirva às diferentes reuniões, encontros e gestão de materiais e símbolos afetos às JMJ’23. A inauguração deste espaço já foi feita, contando com a bênção

do Sr. Arcebispo, D. Jorge Ortiga, e a presença de D. Nuno Almeida (bispo auxiliar) e de variadíssimos membros da equipa do Departamento Arquidiocesano da Pastoral de Jovens. Sem poder, por causa da pandemia, abrir portas para uma cerimónia mais alargada à presença dos jovens, este foi o momento de referir e sublinhar que todos têm um papel ativo na pastoral e que este espaço não é nem um armazém nem um local reservado a uma elite. Ao contrário, sendo certo que materiais aí serão guardados e que as reuniões relativas à JMJ’23 aí decorrerão, este espaço servirá para muito mais e estará ao serviço de muitos mais. Este é um espaço que, pela sua natureza, foi criado, antes de tudo, para responder às necessidades dos jovens da Arquidiocese, nomeadamente nesta caminhada que passa pelas JMJ em 2023, sendo, por isso mesmo, local de encontro e de mediação para a ação pastoral que juntos temos vindo a experienciar.

Propriedade do Seminário de Nossa Senhora da Conceição

Rua de S. Domingos, 94 B 4710 - 435 Braga Telf: 253 202 820 | Fax: 253 202 821 www.fazsentido.pt seminariomenor@fazsentido.pt vozdeesperanca@fazsentido.pt N.º de Registo: 1152 88 Depósito Legal N.º 40196/91 Tiragem: 4000 Exemplares


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