Voz de Esperança Jul/Ago 2020

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JUL - AGO / 2020

A MISSÃO DE CRISTO NA DO DISCÍPULO

Diretor: Pe. Mário Martins Chaves Rodrigues Ano XXIV - 6ª Série | Nº 77 | Bimestral 1,00 €

“Como poderemos crescer no amor a Deus, se diminuir o amor aos irmãos? Como levantar os braços ao Pai, rogando o seu perdão, se baixarmos esses mesmos braços na hora de abraçar e perdoar o irmão? Se o perdão ilimitado é a lógica de Deus, terá de ser a nossa lógica, também.” Mónica Miranda e Sérgio Pinto Págs. 2-3

PRÉ-SEMINÁRIO: A ARTE DE UMA VIDA A SER DISCERNIDA “O Pré-Seminário é um caminho essencial à descoberta do horizonte individual de cada adolescente, de cada jovem, de cada adulto que anseie pautar a sua vida pela vontade de Deus.” Simão Malheiro Pág. 9

EDITORIAL

ABRAÇAR A CRUZ “Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27). A frontalidade das palavras de Jesus chega até a causar-nos algum incómodo! Na verdade, Jesus não nos faz cair em enganos nem ilusões, deixando bem presente, desde o primeiro momento, as exigências da missão a que nos chama. E, se dúvidas houvesse, o próprio Cristo tomou a Cruz com o abraço terno do incomensurável amor do Pai à humanidade, deixando-Se pregar e morrer nela para nos conceder a graça infinita do perdão! Ora, ser discípulo de Cristo implica assumir a mesma identidade, deixar-se marcar com o sinal desta mesma Cruz, o sinal daqueles que, como Estêvão e tantos outros mártires, derramaram o seu sangue pelo amor ao Evangelho. Tamanha dureza pode deter-nos, fazer-nos desistir. Porém, Jesus prova-nos que a Cruz se converte em trono de vida e de glória, em caminho de festa e em árvore da vida, quando a assumimos e vivemos pelos outros! Na verdade, fomos crucificados com Ele e com Ele ressuscitados! Como podemos negar-nos a nós próprios aquilo que mais íntima e profundamente somos? Como voltar as costas a Cristo e ao apaixonante projeto de salvação para o qual nos convoca? Hoje, como outrora, abraçar a Cruz na radicalidade do amor e do perdão, vivendo na nossa vida a missão do próprio Senhor, é continuar a unir o Céu à terra, é continuar a atar os homens a Deus, com laços firmes de vida e de alegria! Haverá beleza maior? Haverá mais rica sementeira de Esperança? Aliás, como enfatiza o texto visão, que dá a tónica à edição deste jornal, “fazer a experiência do amor de Deus transforma-nos o coração e ensina-nos a amar os nossos irmãos”. É esta mesma experiência que os nossos Seminários, ao vislumbrarem o merecido descanso depois de um ano percorrido, procuram viver e desafiar, como as notícias aqui publicadas tão bem o expressam, recordando-nos que, mesmo em tempos de algumas restrições provocadas pela Covid-19, a Vocação, como caminho de amor e de serviço que nos configura com Cristo, se concretiza sempre nesta atitude ousada, radical, perene e urgente de, com alegria e fé, abraçar a Cruz!


VISÃO

A MISSÃO DE CRISTO NA DO Mónica Miranda e Sérgio Pinto

Os Atos dos Apóstolos relatam a expansão da Igreja fora de Jerusalém, o anúncio do evangelho confiado por Cristo, após a sua ressurreição, aos apóstolos (Mt 28,1920) e, consequentemente, transportam-nos para os primeiros passos da comunidade cristã. Não estranha, por isso, que ao longo da sua história, a igreja tivesse olhado para este livro, como um caminho exemplar para a vida dos cristãos, de todos os tempos, sobretudo dos tempos de prova e para o tempo de cada um de nós! Tudo era fácil? Nem por sombras! Se, por um lado, as igrejas primitivas ‘viviam num só coração e numa só alma’ (At 4, 32), por outro lado, a passagem do judaísmo para o cristianismo, fez emergir enormes tensões no interior dessas mesmas comunidades: continuar a acreditar na salvação vinda da Lei, como até então, ou dar o salto para a salvação pela fé em Cristo Jesus? O testemunho de Jesus, o anúncio do seu evangelho, novo, desconcertante, desafiante, foi defendido com a própria vida por Pedro, Paulo, Estêvão, e tantos outros, que espelharam, a tempo inteiro, a missão de Cristo nas suas vidas e que aceitaram ser missão na radicalidade do amor até às últimas consequências e do perdão sem condicionalismos. Haverá, porventura, maior privilégio? Que mais anseia, e necessita, a nossa Igreja, hoje, tal como desde o primeiro dia, se não encontrar em cada batizado (e, por isso, em cada enviado) esta disponibilidade para sermos missão de Cristo, testemunhos alegres a tempo inteiro (não cristãos em lay-off permanente) do seu evangelho? Os nossos bloqueios, ou desculpas, dever-se-ão, possivelmente, por estarmos infetados, em massa, pelo terrível vírus moderno da acomodação, do proveito ou protagonismo pessoal, da desesperança no evangelho de Jesus? Excelentes exemplos de missão, apaixonados pelo evangelho de Jesus, persistentes, apesar das grandiosas dificuldades, não nos faltam: “Estêvão, homem cheio da

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DISCÍPULO graça e do poder de Deus, realizava grandes maravilhas e sinais no meio do povo” (At 6, 8). Como calar o amor deste Jesus… se nos arrebata totalmente? Como guardar o tesouro de Jesus só para si, ou apenas para os “nossos”, se foi oferecido aos pagãos, personificados em todos os que “pré-julgamos”, erradamente, como indignos… ou como causas perdidas, por quem já não corremos! Estêvão enfrentou a oposição dos membros da Sinagoga: “Esses homens começaram a discutir com Estêvão, mas não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava” (At 6, 9-10). O exemplo que Estêvão nos oferece, animado pelo Espírito Santo, deverá canalizar as nossas atitudes como testemunhos da ressurreição do Senhor, isto é, como semeadores de vida, de esperança, de caridade, de perdão… e, deste modo, redescobriremos a nossa identidade, a nossa alegria, a nossa missão, como cristãos e como Povo de Deus. E uma das características fundamentais do evangelho novo de Jesus é a capacidade de perdoar (Mt 18, 21-35). Tantos exemplos nos deixou Jesus! Como ficar indiferente? Estêvão percebeu a força e a importância do perdão, ensinado por Jesus: “Mas Estêvão, cheio do Espírito Santo, levantou os olhos para o céu e viu a glória de Deus (…). Mas eles (…) arrastaram-no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. (…) Enquanto apedrejavam Estêvão, este orava: ‘Senhor Jesus, recebe o meu espírito’. Então caiu de joelhos e bradou: ‘Senhor, não os consideres culpados deste pecado’. E, tendo dito isso, adormeceu” (At 7, 55-60). As suas últimas palavras foram de louvor… e de perdão! Que exemplo! O perdão dos pecados é um tema que interessa profundamente às primeiras comunidades e um desafio para as atuais. Na verdade, como poderemos crescer no amor a Deus, se diminuir o amor aos irmãos? Como levantar os braços ao Pai, rogando o seu perdão, se baixarmos esses mesmos braços na hora de abraçar e

perdoar o irmão? Se o perdão ilimitado é a lógica de Deus, terá de ser a nossa lógica, também. Fazer a experiência do amor de Deus, transforma-nos o coração e ensina-nos a amar os nossos irmãos. Se tal não acontecer, a comunidade perderá a sua essência e identidade; e mais, perderá o irmão! Que pena! Tantos irmãos perdidos pelas nossas comunidades cristãs, porque não fomos capazes de perder o nosso orgulho e ganhá-los com o nosso perdão, com o nosso abraço. Recuperar o irmão através do perdão, deve exigir de nós um coração grande, como o de Deus… e tudo será diferente! Que melhor testemunho para o mundo de hoje? Que melhor esperança para as nossas comunidades e para cada um de nós, tantas vezes pecadores? Que melhor missão do cristão, que ser missão de Jesus, no amor e no perdão?

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ARTE

MARTÍRIO DE SANTO ESTÊVÃO Luís da Silva Pereira

O texto que nos é proposto para reflexão encontra-se nos Actos dos Apóstolos, cap. 6, 8-15 e cap. 7, 5460. Nele se conta a acção desenvolvida pelo protomártir Santo Estêvão. Somos convidados a olhá-la como exemplo da radicalidade no anúncio da palavra e do amor a Deus, que podem ser levados, eventualmente, até ao derramamento do sangue. Escolhi parta ilustrar esse passo dos Actos uma pintura de Paolo Uccello, um dos mais importantes artistas do chamado Quattrocento italiano, movimento cultural e artístico do séc. XV que engloba o final do gótico e o pré-renascimento. Nasceu em Florença, em 1397, e aí faleceu em 1475. Foi muito influenciado por outro grande artista coetâneo, Donato di Niccoló di Betto Bardi, mais conhecido por Donatello. Pintou afrescos para a catedral de Florença e colaborou no acabamento das famosíssimas portas de bronze do seu baptistério, da autoria de Lorenzo Ghiberti, de quem foi discípulo. Do ponto de vista estilístico, é um pintor que revela grande preocupação com a perspectiva, uma das maneiras de dar profundidade a uma pintura. Como poderemos verificar no quadro que apresentamos, dá também grande importância ao co-

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lorido e ao dinamismo das personagens e das acções. Não é por acaso que as suas obras mais famosas e apreciadas são as que representam a batalha de São Romano, entre os exércitos de Florença e de Siena, a Caçada na Floresta ou a luta entre S. Jorge e o Dragão. A pintura que comentamos representa o martírio de Santo Estêvão, o primeiro dos mártires, morto à pedrada. A iconografia do santo é variada. Ora o representam a ser ordenado diácono, ora pregando ao povo, debatendo com os rabinos, distribuindo esmolas ou sendo preso. Porém, o episódio preferido dos artistas, até pela sua dimensão dramática, é o da lapidação. Ora o representam rodeado dos carrascos que o apedrejam, ora o pintam isoladamente, com pedras nos ombros, na cabeça, ou ainda sobre um livro que o santo segura nas mãos, lembrando as suas funções diaconais. Como podemos verificar na pintura que escolhi, Paolo Uccello opta pela representação mais teatral. Todos os intervenientes fazem gestos vigorosos, exceptuando as três personagens situadas logo atrás do santo, que ajoelha vestido com as vestes de diácono, com nimbo à volta da cabeça, mãos postas em oração e levantando os olhos ao céu.

Duas personagens debruçam-se para o chão. Apanham pedras que guardam nos mantos, ou para as atirarem eles próprios, ou para as darem aos que as arremessam. A figura logo atrás do mártir, até pela calva que apresenta, poderá sert identificada com S. Paulo. Segundo a narrativa dos Actos dos Apóstolos (cap. 7, 58) ele estava presente e guardava as vestes dos apedrejadores. Há iconografias em que é representado a segurá-las nos braços ou com elas aos pés, no chão. A cidade murada representa Jerusalém e o Templo, de cúpula redonda. Recordemos que foi no Sinédrio da cidade que Santo Estêvão foi julgado e condenado. No canto superior, à nossa direita, pode ver-se uma curiosa e original representação do sol que lembra uma enorme flor. O texto dos Actos diz que o santo fitou os olhos no céu e viu a glória de Deus e Jesus de pé, à sua direita. Ora a luz é uma das metáforas fundamentais de Deus e da sua glória. Repare-se em que os raios, à medida que descem sobre a terra, se vão transformando em coroas. Elas são, juntamente com as palmas, o atributo por excelência dos mártires. Vêm coroar quem dá a sua vida como testemunho radical do amor a Deus.


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SEMINÁRIO MENOR

UM ENCONTRO MARCANTE ÚLTIMO ENCONTRO DE PRÉ-SEMINÁRIO Rúben Pinheiral, 12.º Ano

No passado dia 30 de maio, a comunidade do Seminário Nossa Senhora da Conceição e a respetiva comunidade de Pré-seminário, voltou a reunir-se e a marcar as suas vidas com mais uma “viagem”, naquele que constituiu o último encontro de Pré-Seminário deste ano pastoral. Apesar de estarmos ainda confinados ao espaço das nossas casas, por causa da pandemia associada ao vírus Covid-19, isso não é impedimento para que os jovens pré-seminaristas continuem com os seus corações abertos ao chamamento de Deus! Desta feita, o encontro

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realizou-se via Google Mets, estando apenas de modo presencial os seminaristas dos 11.º e 12.º anos, assim como a respetiva Equipa Formadora. Neste encontro, depois do acolhimento aos jovens pré-seminaristas, os participantes foram convidados a refletir sobre os momentos que mais os marcaram ao longo da sua história de vida. Após esta breve reflexão, estes foram interpelados a desenhar numa pequena placa de esferovite este momento marcante. Depois de decalcarem esse desenho com um x-ato, pintaram-no, fazendo, assim, um carimbo.

Após esta dinâmica, viajamos “pelo mundo fora”. Desta vez, fomos conhecer a Nova Zelândia, situada na Oceania, sempre acompanhados pela nossa mascote, o nosso amigo “J”. Posteriormente, como termo desta nossa primeira parte do encontro, vocalizamos o hino do Pré-seminário, acompanhado com os habituais gestos da coreografia da canção. Depois de um breve intervalo para renovar energias, avançamos para a segunda parte do encontro. Esta consistiu numa breve celebração, presidida pelo Sr. Pe. Rúben Cruz, que, a partir do Evangelho segundo S. Marcos, narrado pelos seminaristas mais velhos da comunidade do Seminário, procedeu à consagração pessoal e comunitária de todos os seminaristas e pré-seminaristas a Nossa Senhora, dado que o encontro decorreu no mês de maio, mês a ela dedicado. Ao terminar este encontro, assim como este nosso percurso pastoral de Pré-seminário, tomou da palavra o Reitor do Seminário Menor, o Sr. Cónego Mário Martins, que apelou aos jovens para nunca desistirem dos seus sonhos e ainda felicitou os participantes por este ano de caminhada de Pré-seminário. Com estes jovens que procuram descobrir dia após dia, encontro após encontro, o seu caminho de felicidade, percorremos quase todos os continentes do mundo, procurando com eles viver e sentir o chamamento que Jesus nos faz.


SEMINÁRIO MENOR

O PODER DA SANTA EUCARISTIA RECOLEÇÃO MENSAL NO SEMINÁRIO DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO Gabriel Silva, 11.º Ano

No passado dia 10 de junho, quarta-feira, a comunidade do Seminário Menor de Braga reuniu-se para promover mais um encontro de Recoleção Espiritual. Esta é uma iniciativa que decorre com uma periodicidade mensal, tendo sido o encontro orientado pelo Sr. Pe. Adelino Domingues, também Diretor Espiritual do Seminário, e subordinado, desta feita, à temática do Sacramento da Eucaristia e do poder e força que o mesmo confere aos fiéis que dele se alimentam. Este tema não foi escolhido por acaso, procurando, por um lado, enquadrar-se no contexto do recente regresso às celebrações presenciais, após o período de isolamento causado pela pandemia associada ao vírus Covid-19, que marcou nas últimas semanas a vida da Igreja e a vida de todos os crentes. Por outro lado, este encontro decorreu, precisamente, na véspera da celebração do dia da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo. Deste modo, o sacerdote que orientou a reflexão lembrou as “doenças espirituais” que a Eucaristia pode curar, com a ajuda da divina Palavra, que reforça a nossa fé e fortalece a nossa esperança. Essas três “doenças” são: o “autismo espiritual”, a “anemia espiritual” e o “alzheimer espiritual”. Assim sendo, nesta Recoleção, os Seminaristas puderam perceber o perigo que é para todos os fiéis e para a vida de cada crente deixar de

celebrar e participar na Eucaristia, ficando privados do contacto direto com Jesus Sacramentado. Isso pode comprometer a nossa relação de intimidade e proximidade com Cristo Jesus, fazendo-nos ainda esquecer que o mais importante de tudo é o sentido de comunidade e de vida em comunhão com Deus e com os irmãos, e, enquanto Igreja que somos,

não podemos nem devemos procurar viver sozinhos. No último destes encontros de Recoleção deste ano pastoral, esta foi uma forna de conseguirmos aprofundar um tema que nos suscitava alguma inquietação e que nos ajudou a perceber o valor incomensurável que a Eucaristia tem para cada batizado e discípulo de Jesus. 7


SEMINÁRIO MAIOR

SEMINÁRIO EM TEMPOS DE PANDEMIA: EM ESPAÇOS CONFINADOS PARA UM DESCONFINAMENTO PESSOAL Rafael Gonçalves, 4.º Ano

São tempos difíceis para viajar, para passear ou para o encontro, contudo bastante propícios a uma profunda liberdade interior. Tempos onde aprendemos que a maior riqueza não se encontra na materialidade ou nos bens, mas na descoberta do outro, na descoberta de espaços onde os nossos corpos se tocam, onde a indiferença se transforma em ajuda, tempos que nos ajudam a ver o outro como um igual, como um outro eu. Estes tempos mostram que existe uma dependência inevitável pelo outro, mais ou menos notável, mais ou menos sentida, mas sempre existente. O outro é visto de uma perspetiva diferente, uma vez que existe a necessidade de procurar compensar todo este tempo perdido, quer numa caminhada pela cidade quer num café mais prolongado. As próprias caminhadas são mais frequentes, pois o tempo, fora das paredes que nos cercam, sabe sempre a pouco. As refeições tornam-se espaços de serviço mais íntimo e sentido onde a preocupação e o cuidado caminham juntos. Existe um maior distanciamento, mas, simultaneamente, uma maior proximidade, pois, apesar de estarmos em espaços confinados, torna-se evidente um desconfinamento, não só em relação ao outro, ao próximo, mas também a nós mesmos e a Deus. Estes tempos de confinamento 8

desenvolveram uma maior abertura para o diálogo com Deus e para uma procura diversificada da presença divina. Procuramo-lo numa caminhada, numa leitura, no estudo, ou seja, em tudo aquilo que nos pode proporcionar o prazer dum exercício espiritual, desenvolvido na quietude e na passividade. E é na intimidade do quarto que podemos encontrar a quietude e o silêncio necessários para este encontro com nós mesmos e com Deus. Na janela, a paisagem mostra-nos sempre novidades, basta observar tudo com atenção: o som dos pássaros, que todas as manhãs se faz ouvir, revela-se, ainda que por instantes, diferente todos os dias; as plantas crescem, e cada nova folha parece-nos mais viva e carregada; e ouve-se o toque dos sinos, vítimas da tirania do relógio…

São tempos em que a oração, a meditação e o diálogo com Deus podem ser uma alternativa, ou uma resposta, ao estado de inquietude e de aborrecimento. Mas basta existir uma predisposição para este diálogo íntimo para que os nossos olhos adquiram uma enorme capacidade de perceção daquilo que nos rodeia, conferindo-nos uma sensibilidade mais fina: achamos graça às coisas mais simples, aos mais pequenos gestos e descobrimos uma nova realidade. Encontramos essa graça na oração diária e na eucaristia, espaços íntimos onde nos é oferecido tudo aquilo que, a maior parte dos dias, nos passa despercebido. Necessitamos de aprender a viver plenamente com o que nos aparece entre as mãos, viver plenamente o aqui e o agora.


PRÉ-SEMINÁRIO: A ARTE DE UMA VIDA A SER DISCERNIDA Simão Malheiro, Pré-Seminarista

“Vivemos todos sob o mesmo céu, mas nem todos temos o mesmo horizonte”. Este pensamento, de Konrad Adenauer, pode sintetizar o sentido e a necessidade do discernimento vocacional. O Pré-Seminário é um caminho essencial à descoberta do horizonte individual de cada adolescente, de cada jovem, de cada adulto que anseie pautar a sua vida pela vontade de Deus. Não obstante, é intrínseco que cada um se deixe descobrir e moldar neste ambiente de busca de respostas e de sentido, de contacto com realidades similares e de proximidade com a comunidade do Seminário. Só assim, nesta caminhada de enorme liberdade, o passo seguinte poderá ser conscientemente dado. O discernimento vocacional é iniciado, de uma forma mais profunda e séria, nestes encontros mensais, mas não culmina neles; este, é um processo em constante desenvolvimento e amadurecimento, na certeza de que poderá não ser perene o “sentido do agora”. Dizem-nos os antepassados que “a pressa é inimiga da perfeição”, e, neste percurso onde nunca existirá este último adjetivo, é necessário manter a serenidade e a confiança de modo a evitar precipitações. Nesta proposta arquidiocesana, são abordadas diversas temáticas que visam proporcionar a cada pré-seminarista a devida reflexão, essa, que é lapidar na recolha de respostas,

na formulação de questões e na fusão das vontades pessoais com a de Deus, de modo a existir fidelidade ao projeto divino. De entre a pluralidade temática, saliento o ênfase dado à atenuação do “medo”, um sentimento comum de quem caminha e quer continuar a trilhar caminhos porventura desconhecidos e decisivos. A confiança, em si e em Deus, torna-se a chave que permite avançar as barreiras criadas pelo anterior estado de espírito, indo ao encontro do pensamento de Georges Clemenceau, “só triunfam os que se atrevem a atrever-se”. Destarte, por tudo o evidenciado, findo com uma cogitação de Rabindranath Tagore: “não é possível atravessar o mar olhando apenas para a água”. 9


SEMINÁRIO MAIOR

RECOLEÇÃO ESPIRITUAL DE PENTECOSTES UMA RECOLEÇÃO DIFERENTE João Pedro Miranda, 3.º Ano

Nos passados dias vinte e dois e vinte e três de maio, a comunidade do Seminário preparou-se para uma reflexão interior e aprofundada nos espaços do edifício do Seminário. Os tempos exigem mudanças; torna-se necessário um confronto com as dificuldades desta pandemia, mas na vida a escuta interior e a decisão do caminho podem também ser uma emergência. Assim, apenas na comunhão com Aquele que ressuscitou, e agora nos interpela, podemos apreciar estes momentos únicos na nossa história. O terceiro ano procurou a “som10

bra do Invisível” através do tema “À espera da luz inesperada”, uma Luz que nos poderá cegar, mas simultaneamente iluminará toda a nossa imagem, tornando visível as ruínas e os atributos únicos de cada pessoa. Segundo Nietzsche, “os pés também pensam”, assim, esta simples expressão orientou o nosso pensamento e ação para os membros inferiores, que nos podem levar até ao encontro da transcendência. A nossa caminhada tem como meta a Luz, mas teve como pontos de “repouso” a sombra (proveniente dessa claridade e expressão das dú-

vidas, que surgem durante o nosso percurso), a decisão do caminho (recordando a origem deste caminhar) e por último, a importância do Espírito (como impulsionador da superação e da mudança). O nosso caminho é concretizado por distintos estados de conservação sob diferentes vias. Se “Deus também passa pelos ladeiros”, nesses passos cuidados sentimos a confiança e o medo, mas para atravessar é preciso superar essas inseguranças. Noutros percursos, a paz de Nosso Senhor está connosco, tornando mais fácil e feliz a caminhada. O percurso é muito longo e, em cada etapa que superamos, reforçamos a nossa fé e a esperança no verdadeiro encontro com a Luz. No decurso da caminhada, aparecem enigmas e obstáculos semelhantes a outros já superados ou apenas evitados. As novas obstruções diante de nós exigem um outro método, um método assente na verdade, justiça e confiança. O nosso passado, pode ser a nossa ruína, mas também nos pertence; com ele carregamos os benefícios e os problemas, e apenas o caminho pode mudar o futuro. Agora é tempo de cuidarmos de nós, ao ponto de nos fortalecermos, para que cresçamos robustos como um terebinto, que dará muito fruto. O Seminário tem agora um terebinto! Será um sinal? Caminhemos confiantes com Deus!


PASTORAL UNIVERSITÁRIA

UMA REFLEXÃO ESPIRITUAL SOBRE O (DES)CONFINAMENTO Maria Amorim, Curso de Psicologia, Universidade do Minho

Passaram três meses desde que nos foi pedido que parássemos. Ainda hoje, no silêncio da noite, reflito sobre tudo o que vivemos e o que ainda temos por viver devido a este vírus invisível que teima em não desaparecer. Foram tempos de desapego, de solidão, de medo, de ansiedade e de muita reflexão. Em todas as casas, o trabalho, a escola, as reuniões familiares, os jantares com o grupo de amigos passaram a ser realizados na divisão de um ecrã. Apesar deste entrave físico, a frequência com que se passou a efetuar estas ligações passou a ser maior, deixou de haver desculpas como a falta de tempo ou de transporte. E foi através destes pequenos momentos que me apercebi que o mundo estava realmente a mudar. Há quem afirme que o mundo jamais será igual e quero acreditar que isto se tornará numa verdade, na medida em que as pessoas jamais olharão uns para os outros como um meio para alcançar um fim. A mudança parte também da forma como vivemos a nossa fé. Durante o confinamento, muitos foram os crentes que elevaram as mãos ao céu perguntando “Porquê, meu Deus?”. Agora, mais do que nunca, percebo a resposta à minha questão, “Porque estávamos a precisar”. O ser humano tem perdido o verdadeiro sentido da vida e, por vezes, esquecemo-nos do quão gratos somos por ter saúde, uma família, comida e um teto onde viver.

Neste processo, percebemos que até a dimensão da Fé teve de ser alimentada através de outros meios. Na verdade, a Fé é uma relação dual e, como tal, precisa de ser constantemente alimentada, por encontros, orações e dúvidas. A Pastoral Universitária foi, para mim e para tantos outros jovens, o combustível para que

a chama não se apagasse. Ao longo das semanas foi partilhando testemunhos de jovens durante o período de confinamento que me fizeram crer que estamos juntos nesta batalha e que muito daquilo que sentia era comum em tantas outras casas e partilhado por tantos jovens. Durante o mês de maio, a Pastoral criou um calendário, no qual, ofereceu diferentes encontros virtuais para todos aqueles que se quisessem manter ligados. A segunda-feira era reservada para o “Terço em rede”, onde os jovens se juntavam para rezar em família; à quarta-feira foi dinamizado um momento de silêncio, “O silêncio das Quartas”, momento que tive o privilégio de orientar e que surgiu com o intuito de criar momentos de oração nas

casas daqueles que nos assistiam. Foram momentos de introspeção sobre diferentes conceitos com que somos diariamente confrontados, mas adaptados aos tempos de pandemia: a arte, o sentimento da perda, a solidão e a gratidão. Ao fim de semana tinha lugar a rubrica “Nunca mais é sábado”, que nos fazia ansiar por estas conversas com diferentes convidados, semana após semana. O junho veio trazer alguma normalidade às nossas vidas, a possível para já, através do desconfinamento. No entanto, não nos podemos esquecer das nossas prioridades e aprendizagens durante todo este tempo. Por isso, desta vez a Pastoral Universitária propôs uma oração diária, de “2 minutos de pausa”, um podcast com 30 orações diferentes, propostas por 30 jovens, para que continuemos a refletir sobre o sentido da vida e aquilo que nos motiva a querer seguir em frente e marcar a diferença. Para mim, a palavra Pastoral significa guia espiritual para as comunidades e tem como missão a evangelização cristã. A Pastoral Universitária tem assumido, incansavelmente, este papel na minha vida, sendo casa, abrigo e resposta a muitas das minhas necessidades nesta minha caminhada de fé, enquanto jovem universitária. E o seu papel, ao longo destes meses, foi essencial para manter os jovens unidos no trabalho e nos valores em que acreditam. Bem-haja! 11


PASTORAL DE JOVENS

(DES)CANCELAR: PARAR PARA SEGUIR EM FRENTE Departamento Arquidiocesano da Pastoral de Jovens

Os artigos publicados no “Voz de Esperança” seguem, ou não, o novo acordo ortográfico consoante a escolha dos autores.

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Que o Senhor vos conceda o Seu amor e Graça.

Aproxima-se o tempo de verão, mas, na atualidade, este não será o habitual tempo de férias, praias, festas. Ao contrário, este é um tempo de paragem excecional: por um lado, tempo de respirar das correrias de meses em que se procurou encurtar as distâncias, mesmo sem sair de casa; por outro lado, é tempo de pensar o futuro tanto ao nível pastoral como ao nível académico. Os jovens da nossa Arquidiocese continuam a viver a fé de um modo muito particular. Não são vencidos pelo medo, antes, é a esperança que os move e os mantém firmes na relação com Deus e no apoio à comunidade. Muitos grupos de jovens tiveram uma paragem forçada nas suas habituais atividades e encontros, porém, muitos mais, ousaram reconfigurar a sua ação à luz dos tempos que estamos a viver. Nestes casos, o virtual ganhou o sabor de humano, de palpável, de verdadeira comunhão eclesial. Hoje, estes mesmos jovens olham o futuro da Igreja, na especificidade das comunidades em que se encontram, procurando meios e caminhos para colaborar e ajudar a manter viva a comunidade – uma comunidade que quer

manter-se unida, em segurança e saudável, mas que, simultaneamente, continua à procura do meio de o fazer sem pôr em risco a saúde física e espiritual de todos os que a compõem. A par deste desafio, os nossos jovens confrontam-se com o ano letivo que brevemente terão pela frente. Este será um ano cheio de incógnitas e dificuldades, mas nem por isso o desânimo falará mais forte. Os nossos jovens estão firmes, na certeza que o Senhor da Vida, apesar das provações, se mantém ao nosso lado e, embora num ritmo diferente, irá fazer frutificar todos os esforços e lutas que estamos a manter. Hoje, a vivência da pastoral de jovens não se prende nem com atividades aliciantes nem com propostas marcadas por grandes momentos de diversão. Hoje, esta é, paradoxalmente, uma pastoral de proximidade: num tempo em que se luta pelo distanciamento social, encontramos, através da pastoral, meios de lutar por um aproximar de fé, de comunhão eclesial e de verdadeiro encontro com Cristo e com os irmãos.

Propriedade do Seminário de Nossa Senhora da Conceição

Rua de S. Domingos, 94 B 4710 - 435 Braga Telf: 253 202 820 | Fax: 253 202 821 www.fazsentido.pt seminariomenor@fazsentido.pt vozdeesperanca@fazsentido.pt N.º de Registo: 1152 88 Depósito Legal N.º 40196/91 Tiragem: 4000 Exemplares


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